Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2637/04.0TBVCD-L.P1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: UNIÃO DE FACTO
CASAMENTO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
DEVERES CONJUGAIS
REGIME DE BENS
DISSOLUÇÃO
ACÇÃO JUDICIAL
AÇÃO JUDICIAL
PEDIDO
Data do Acordão: 07/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - DIREITO DA FAMÍLIA / UNIÃO DE FACTO.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
Doutrina:
- Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, “Curso de Direito da Família”, Vol. I, 56.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, Vol. I, 561.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. I, 4.ª Ed., 58/60.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 10.º, 1672.º A 1676.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 343.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 26.º, N.º1, 36.º, N.º1, 1.ª PARTE.
LEI N.º 7/2001, DE 11-05: - ARTIGO 1.º, N.º 2, 3.º, AL. A), 5.º, 8.º, N.ºS1, AL. B), 2 E 3.
Sumário :
I - A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.

II - O respetivo âmbito foi alargado pelo art. 1º, nº2 da Lei nº 7/2001, de 11.05 - que revogou a Lei nº 135/99, de 28.08 -, do qual decorre que, no respeito pelo direito ao desenvolvimento da personalidade, na vertente do direito à auto-afirmação e, dentro deste, do direito à autodeterminação sexual (art. 26º, nº1, da CRP), as uniões de facto passaram a abranger também os casos de vivência em condições análogas às dos cônjuges de pessoas do mesmo sexo.

III - A diferenciação do tratamento legal das pessoas casadas e das que vivem em união de facto não viola o princípio constitucional da igualdade (art. 13º da CRP), porquanto não radica numa discriminação arbitrária e destituída de fundamento razoável, antes encontra a sua razão de ser na diferente situação que resulta do casamento e da união de facto, não tendo os membros da união de facto os mesmos deveres das pessoas casadas (Assim, os membros da união de facto não estão, legalmente, vinculados aos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência previstos, para os casados, nos arts. 1672º a 1676º do CC, não têm um regime de bens a observar e respeitar e podem vender livremente os seus bens, além de, livremente, contratar entre si e com terceiros).

IV - Por imposição decorrente da conjugação do preceituado na al. b) do nº1 do art. 8º da Lei nº 7/2001 com o disposto no nº2 do mesmo art., quando um dos unidos (de facto) pretenda exercer direitos dependentes da dissolução da união de facto prevista em tal al., tem, conjuntamente com a correspondente pretensão, de pedir também a declaração judicial de dissolução da união de facto, a qual, como estatuído no nº3 do mesmo art., tem de ser proferida em tal ação, ou em ação que siga o regime processual das ações de estado.

Decisão Texto Integral:

Proc. nº 2637/04.0TBVCD-L.P1.S1[1]

        

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 - Por apenso à execução para entrega de coisa certa em que é exequente, AA, e executada, BB, deduziu CC, em 27.06.14, oposição mediante embargos de terceiro, pretendendo que seja ordenada a sustação da ordem de execução para entrega e, bem assim, prossigam os embargos, com vista à condenação da embargada no reconhecimento da posse da embargante sobre o imóvel em causa e que seja declarada a cessação do seu direito a ocupá-lo.

Fundamentando a respetiva pretensão, alegou, em resumo e essência:

--- Há mais de cinco anos, vive em união de facto com o embargado AA, tendo instalado a sua casa de morada de família na habitação sita na Rua de …, …;

--- Nunca exerceu nenhum direito, nem foi parte nos autos de execução onde foi determinada a entrega à embargada, BB, da referida casa sita na Rua de …, …;

--- A ordem de restituição proferida nesses autos ofende, consequentemente, a posse da embargante que, além do mais, goza da proteção do direito à casa de morada de família;

--- A embargada BB não tem direito material  a ocupar a habitação, em virtude de tal direito ter cessado, pois decorria do acordo que consta a fls 484 do apenso B, por força do qual os embargados puseram termo ao processo de atribuição da casa de morada de família e estabeleceram um direito de utilização comum que cessava com o trânsito em julgado da decisão sobre as benfeitorias que eram discutidas na ação principal, que já teve lugar, há mais de seis meses.

Por se entender que a embargante carecia de legitimidade e se mostrar destituída de qualquer fundamento a sua pretensão de ver viabilizado o direito de proteção à casa de morada de família, bem como a invocada posse, foram, ao abrigo do preceituado no art. 345º do CPC, rejeitados os embargos, o que veio a ser confirmado por acórdão de 16.12.15, do Tribunal da Relação do Porto, o qual julgou improcedente a apelação da embargante.

Ainda inconformada, interpôs a embargante o presente recurso de revista excecional, que fundou na invocação do correspondente fundamento previsto no art. 672º, nº1, al. b), do CPC - litígio sobre interesses de particular relevância social.

O recurso foi admitido, com o invocado fundamento legal, pela “formação” mencionada no nº3 deste preceito da lei adjetiva.

A recorrente culminou as respetivas alegações com a formulação das seguintes conclusões:

                                                  /

1ª - O art. 3º da Lei nº 7/2001, de 11.05, encerra uma proteção de caráter geral da casa de morada de família, cuja densificação se pode operar ou por via positiva, ou por recurso ao conjunto do direito. Tendo o legislador optado pela forma positiva para efeito de proteção da casa de morada de família em caso de morte ou de rutura da vida familiar, como o fez nos arts. 4º e 5º daquela Lei, não excluiu, por tal facto, a proteção geral da casa de morada de família;

2ª - Com efeito, porque inerente ao direito constitucional à habitação e consequente proteção da dignidade e integridade da pessoa humana, a proteção da casa de morada de família tem que ser reconhecida por forma a assegurar aqueles dois direitos de dimensão constitucional;

3ª - É conforme com tal dimensão constitucional da proteção da casa de morada de família em sede de união de facto, o reconhecimento de que, constituída a união de facto, o unido, não proprietário, exerce a posse em nome próprio sobre a casa de morada de família, sendo-lhe reconhecido o direito à defesa da posse, ordenada igualmente à defesa da reserva e intimidade da vida familiar;

4ª - A interpretação do art. 3º da Lei nº 7/2001 no sentido em que a proteção referida está circunscrita aos casos de morte e de (ou) rutura da vida familiar não é conforme à Constituição e viola o disposto nos arts. 13º, 18º e 19º da CRP.

Pelos fundamentos expostos, deve ser proferido acórdão que, reconhecendo a justeza dos argumentos, revogue a decisão em recurso, como é de JUSTIÇA.

Contra-alegando, defende a recorrida BB a manutenção do julgado.

Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                    *

2 - Com relevância para a apreciação e decisão do recurso, emerge dos autos a seguinte factualidade, que temos por assente:

1 - O património comum do casal que foi formado pelos embargados, AA e BB, é integrado, designadamente e em regime de compropriedade, pelo prédio urbano correspondente a uma casa de morada de família, de rés do chão e andar, sito na Rua de …, em … - …, e descrito, na Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº …595;

2 - A restituição desta casa à recorrida, BB, foi ordenada, por despacho de 26.02.09, transitado em julgado e proferido, ao abrigo do preceituado no art. 930º, nº5 do anterior CPC (atual art. 861º, nº5), nos autos de oposição por aquela deduzida à execução para entrega de coisa certa instaurada pelo AA, por, aí, se haver entendido que não existia o título executivo em que o exequente (o referido AA) fundara a execução;

3 - Há mais de cinco anos (com referência a 27.06.14) que a recorrente e o AA habitam e vivem, em condições análogas às dos cônjuges, na casa referida em 1.

                                                        *

3 - Na parte que releva, a admissão do presente recurso de revista excecional foi, assim, fundamentada pelo Ex. mo Cons. Relator:

“Não cabendo a esta formação apreciar a bondade da decisão impugnada quanto ao mérito, mas atender apenas à verificação dos pressupostos de excepcionalidade, na sua função de integração dos respetivos conceitos indeterminados ou abertos, irrelevará, para os fins em vista, a natureza da “Lei de Proteção das Uniões de facto”, designadamente quanto ao sentido com que deve valer a norma do seu art. 3º, nº1, al. a) (…) Como dito, o “estatuto da união de facto”, na vertente da proteção da casa de morada de família, relaciona-se com valores sociais que interessam a um elevado e tendencialmente crescente número de pessoas e, como tal, com repercussão fora dos limites da causa e dos interesses das partes no processo, colocando-se no campo das relações pessoais e familiares e com conexão com o âmbito de tutela direta das uniões de facto e limites de discriminação entre cônjuges e unidos de facto, a coberto do referido art. 36º da CRP (…) O sentido da decisão bulirá, nessa medida, com interesses de particular relevância social”.

Tendo em conta a douta decisão, parcialmente, transcrita, a questão decidenda é, pois, a natureza da “Lei de Proteção das Uniões de Facto”, designadamente na vertente respeitante à proteção da casa de morada de família dos unidos de facto, em cotejo com o correspondente regime relativo aos cônjuges, indagando se ocorre justificada discriminação positiva a favor destes últimos e decidindo, após, em conformidade, no caso concreto com que nos defrontamos.

Apreciando:

                                                    *

4 - I - A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges, há mais de dois anos (art. 1º, nº2 da Lei nº 7/2001, de 11.05).

Constitui a mesma uma realidade social cada vez mais frequente e que, por isso, o Direito passou a assimilar, moldando, em conformidade, as instituições e a correspondente legislação.

Vivem, com efeito, em união de facto aquelas pessoas não unidas entre si através do casamento, mas que têm comunhão de leito, mesa e habitação, correspondendo o instituto à situação que ocorre entre duas pessoas que não são casadas mas vivem uma com a outra como se o fossem. Assim, é exigida a unidade ou exclusividade da união de facto, não sendo tuteladas as relações passageiras ou fortuitas porque as mesmas são destituídas duma duração que possa criar a aparência no mundo exterior, para os outros, da vivência de duas pessoas como se casadas fossem. Sendo que, no concubinato, inexiste comunhão de mesa e habitação.

A união de facto existe porque as pessoas não querem casar-se ou têm um impedimento transitório que não lhes permite unirem-se através do casamento. É, actualmente, muito comum a existência de uniões de facto entre casais jovens, ou porque temem o degradar futuro da relação, ou, os casos mais comuns, por dificuldades económicas, passando o casal jovem, as mais das vezes, a integrar o agregado familiar de um deles.

Perante fenómeno social tão complexo (em termos de compreensão sociológica, cultural, jurídica, ética e filosófica da realidade que lhe está subjacente) e de cada vez mais elevada expressão, não admira que a doutrina tenha oscilado na respetiva caracterização: assim, enquanto Gomes Canotilho e Vital Moreira[2] defendem que o reconhecimento da união de facto entre duas pessoas cabe na previsão do art. 36º, nº1, 1ª parte, da CRP, quando consagra o direito de cada cidadão individual a constituir família, Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira[3] sustentam que o preceito não abrange a união de facto, mas tão só o direito a procriar e de estabelecer as correspondentes relações de maternidade e paternidade. Para estes mesmos autores a proteção da união de facto não está diretamente prevista na Constituição, mas cabe na previsão do art. 26º, nº1 da CRP ao consagrar o “direito ao desenvolvimento da personalidade”.

Como quer que seja, tem de reconhecer-se que um longo e já muito significativo caminho foi percorrido pela correspondente legislação pátria, desde a revogada Lei nº 135/99, de 28.08 - que apenas conferia relevo legal às uniões de facto entre duas pessoas de sexo diferente - até à vigente Lei nº 7/2001, de 11.05, na redação decorrente da Lei nº 23/2010, de 30.08., de que resultou - na parte que, ora, releva - o reforço da proteção conferida à casa de morada da família e o alargamento do âmbito das uniões de facto, por forma a abranger (no respeito pelo direito ao desenvolvimento da personalidade, na vertente do direito à auto-afirmação e, dentro deste, do direito à autodeterminação sexual (art. 26º, nº1, da CRP), também os casos de vivência em condições análogas às dos cônjuges de pessoas do mesmo sexo.

Por outro lado, não pode olvidar-se que a correspondente lei vigente constituiu o epílogo de diversos projectos de lei apresentados pelos grupos parlamentares de “Os Verdes”, “BE”, “PS” e “PCP”, os quais foram objeto de prévia apreciação e parecer da “Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias” e da “Comissão para a Paridade, Igualdade de Oportunidades e Família”, as quais emitiram parecer no sentido da inexistência de qualquer escolho de natureza constitucional.

É certo que do respetivo regime legal decorre que à união de facto não são aplicáveis as normas referentes ao casamento. No entanto, a existência de tal tratamento diferenciado não é violador do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP, segundo o qual o que é igual deve ter tratamento igual.

Com efeito, tal diferenciação de tratamento não radica numa discriminação arbitrária e destituída de fundamento razoável, antes encontra a sua razão de ser na diferente situação que resulta do casamento e da união de facto, não tendo os membros da união de facto os mesmos deveres das pessoas casadas (Assim, os membros da união de facto não estão, legalmente, vinculados aos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência previstos, para os casados, nos arts. 1672º a 1676º do CC, não têm um regime de bens a observar e respeitar e podem vender livremente os seus bens, além de, livremente, contratar entre si e com terceiros).

Como sustentam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Ob. citada, anotação ao art. 36º, pags. 561) “…nada impõe constitucionalmente um tratamento jurídico inteiramente igual das famílias baseadas no casamento e das não matrimonializadas, desde que as diferenciações não sejam arbitrárias, irrazoáveis ou desproporcionadas e tenham em conta todos os direitos e interesses em jogo (ex.: direitos dos filhos)”.

Não se vislumbrando, pois, qualquer inconstitucionalidade de que possa padecer a legislação relativa às uniões de facto - esta não se pode confundir com a que contende diretamente com a temática do direito à habitação que há que garantir, com não menor realce, a todos os cidadãos (incluindo os casados) e não apenas aos unidos de facto, bem podendo suceder que a cega satisfação do direito destes pudesse postergar, desrazoável e arbitrariamente, idêntica pretensão de quem sobre os mesmos devesse, objetiva e razoavelmente, prevalecer.

Diga-se, finalmente, que, sendo clara e inequivocamente demonstrada através do correspondente texto legal e respetivos trabalhos preparatórios a vontade do legislador, não há, na interpretação daquele, que fazer qualquer apelo à invocada unidade do sistema jurídico, antes se devendo, exclusivamente, atender à claramente evidenciada vontade do legislador, decorrente do texto legal (art. 9º do CC e respetiva anotação em Profs. Pires de Lima e Antunes Varela - “CC Anotado”, Vol. I, 4ª Ed., pags. 58/59).

Por outro lado, também não se coloca qualquer questão relacionada com integração da lei: inexistindo qualquer lacuna ou caso omisso desta, não tem cabimento aquela (art. 10º do CC e respetiva anotação, na ob. acabada de citar, pags. 59/60).

                                                        /

II - Aqui chegados, consideremos o caso sujeito à nossa apreciação, em ordem a aquilatar do mérito da decisão impugnada.

Dispõe-se, no art. 3º, al. a) da Lei nº 7/2001, de 11.05., na sobredita redação:

“As pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a…proteção da casa de morada de família, nos termos da presente lei”, acrescentando o sequente art. 4º que “O disposto nos arts. 1105º e 1793º do CC é aplicável, com as necessárias adaptações, em caso de ruptura da união de facto”.

Por seu turno, no art. 5º da mesma Lei, estão consagrados os direitos e faculdades que assistem ao membro sobrevivo da união de facto, em caso de morte do membro da mesma união e que fosse proprietário ou arrendatário da casa de morada da família.

De salientar, ainda, o art. 8º da mesma Lei, onde, sob a epígrafe “Dissolução da união de facto”, se estatui que:

“1 - A união de facto dissolve-se:
a) Com o falecimento de um dos membros;
b) Por vontade de um dos seus membros;
c) Com o casamento de um dos membros.
2 - A dissolução prevista na al. b) do número anterior apenas tem de ser judicialmente declarada quando se pretendam fazer valer direitos que dependam dela.
3 - A declaração judicial de dissolução da união de facto deve ser proferida na acção mediante a qual o interessado pretende exercer direitos dependentes da dissolução da união de facto, ou em acção que siga o regime processual das acções de estado”.
Na espécie, não se prova a rutura da união de facto nem - muito menos - a morte do companheiro da recorrente, ou seja, do outro membro daquela união (AA). Bem ao contrário, está provado que tal união vem perdurando, há mais de cinco anos (com referência a 27.06.14).
Por outro lado, e coerentemente com o que acaba de ser assinalado, não se prova, por qualquer modo, a manifestação de vontade prevista na al. b) do nº1 do art. 8º da citada Lei nº 7/2001, sendo, aliás, certo que, por imposição decorrente da conjugação do, aqui, preceituado com o disposto no nº2 do mesmo art., quando um dos unidos pretenda que a casa de morada de família lhe seja atribuída terá, conjuntamente com esse pedido, de pedir também a declaração judicial de dissolução da união de facto, a qual, como estatuído no nº3 do mesmo art., tem de ser proferida em tal ação, ou em ação que siga o regime processual das ações de estado.
De notar, ainda, a singularidade constituída pelo facto de nem sequer o companheiro da recorrente ter, actualmente, o gozo/fruição (quer na qualidade de proprietário/comproprietário, quer na de arrendatário) do que constituía a casa de morada de família da recorrente, o que, só por si e nos termos legais, inviabilizaria a respetiva pretensão, sob pena acrescida de, absurda e bizarramente, ao membro da união de facto beneficiário da proteção legal da casa de morada de família ser reconhecido um direito a que o próprio ex-companheiro seria alheio.
Não sendo, finalmente, diferente o juízo de valor propiciado pelo art. 352º do anterior CPC e pelo art. 343º do vigente CPC: em qualquer deles se restringe aos seus bens próprios ou comuns a legitimidade que é conferida ao cônjuge para, sem autorização do outro cônjuge, defender por meio de embargos (de terceiro) os direitos relativos a tais bens e que hajam sido indevidamente atingidos por penhora ou qualquer ato judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens. O que não se mostraria preenchido no caso em apreço, uma vez que o prédio onde estava instalada a morada de família da recorrente nunca poderia ser considerado bem próprio desta ou, sequer, comum dela e do ex-companheiro.
Improcedem, assim, as conclusões formuladas pela recorrente.

                                                   *
5 - Na decorrência do exposto, acorda-se em negar a revista.
                                                   /
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.



Sumário do relator (art. 663º, nº7, do CPC):



Lx  14 / 07 / 2016


Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida



_______________________________________________________
[1]  Relator: Fernandes do Vale (22/16)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida

[2]  In “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol.I, pags. 561.
[3]  In “Curso de Direito da Família”, Vol. I, pags. 56