Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
638/15.1T8STC.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RAIMUNDO QUEIRÓS
Descritores: DECLARAÇÃO DE VOTO
VOTO DE VENCIDO
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLETIVO
JUIZ RELATOR
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
ATAS
ATO ADMINISTRATIVO
ATO JUDICIAL
Data do Acordão: 10/27/2020
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

I- Na elaboração do acórdão nada impede que algum adjunto, independentemente de votar favoravelmente a decisão, lavre uma declaração de voto, demarcando-se de determinadas afirmações ou argumentos do relator, ou apresentando razões adicionais que levaram a votar a decisão.

II- O que importa é que a vontade que prevalece para efeitos da decisão final resulte da maioria que for obtida no colectivo, tanto na fundamentação como no resultado final.

Decisão Texto Integral:

          

          

Processo 638/15.1T8STC.E1.S1- 6ª Secção

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça
          

I- Relatório

Nos autos supra referenciados, em 30 de Junho de 2020, foi proferido acórdão negando provimento ao recurso de revista interposto por AA, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.

Vem agora a Recorrente requerer a nulidade deste acórdão com a seguinte fundamentação:

«a) – Na prolação do presente acórdão deste STJ, existem duas declarações de voto, sendo uma delas identificada como de voto vencido, a da Exma. Sra. Conselheira Assunção Raimundo;

b) – A declaração de voto do Exmo. Sr. Conselheiro Ricardo Alberto Santos, na introdução afirma: - “ Voto a decisão. Sem prejuízo, no que toca à resolução das questões identificadas e decididas sob os pontos A) e B) da Fundamentação (parte IV.), considero ser necessária a clarificação da sua conjugação.”

c) – Da leitura de toda a eloquente declaração de voto desde Exmo. Senhor Conselheiro e, com o devido respeito que é muito, parece-nos que tal declaração encerra em si mesma uma oposição que colide abertamente com a fundamentação acolhida neste douto acórdão do STJ e que se resolveu a favor da Autora/Recorrente.

d) – “ Um voto que não concorda com a fundamentação lavrada, é um voto de vencido, mesmo que não colida com a decisão tomada é o que resulta do normativo inserto no artigo 663º, nºs 3 e 4 do C P Civil, cfr o Ac de 17 de Junho de 2014...”.

e) - Como bem se decidiu no Ac. deste STJ de 17/06/2014 ( Proc. Nº 524-B/1998.L1.S1 ), com sublinhado nosso:

“ I - Se na prolação de um Acórdão, ambos os Adjuntos seguirem uma fundamentação diversa da porfiada pelo Relator, sem embargo de o resultado poder ser idêntico, o caminho para o alcançar não é igual, pelo que tal Aresto assim obtido mostra-se lavrado «sem o necessário vencimento», a que se alude no normativo inserto no artigo 716º, nº1 do CPCivil, porquanto se não seguiram os items aludidos no artigo 713º, do mesmo diploma legal.

II - O Acórdão proferido com dois votos de vencido no que tange à fundamentação é nulo.

III - Esta nulidade é insuprível ...”.

f) – E assim, foi violado, entre outros, o disposto nos artigos 659º e 663ª nº 1 do CPC, assim como o disposto no artº 34º, nº 1 do DL n.º 4/2015, de 07 de Janeiro, pelo que, o douto em acórdão deste STJ em causa padece de nulidade insuprível e, consequentemente, deverá ser reformado».

II- Cumpre decidir

No acórdão cuja nulidade agora se invoca, existe uma declaração de voto vencido, a da Conselheira Assunção Raimundo.

Existe também uma declaração de voto do Conselheiro Ricardo Costa, em cuja introdução afirma: “ Voto a decisão.

 Sem prejuízo, no que toca à resolução das questões identificadas e decididas sob os pontos A) e B) da Fundamentação (parte IV.), considero ser necessária a clarificação da sua conjugação.”

Relativamente à declaração de voto da Conselheira Assunção Raimundo, não restam dúvidas de que estamos perante um voto de vencimento relativamente à decisão acolhida, quer porque a declaração o menciona expressamente, quer porque a solução que adoptaria seria diferente.

O mesmo não se pode afirmar quanto à declaração de voto do Conselheiro Ricardo Costa.

Com efeito, este começa por afirmar que vota a decisão, não adiantando qualquer reserva ou reticência. Acrescentando no intróito que “Sem prejuízo, no que toca à resolução das questões identificadas e decididas sob os pontos A) e B) da Fundamentação (parte IV.), considero ser necessária a clarificação da sua conjugação”.

Neste intróito ficou desde logo clarificado que a resolução das questões identificadas e decididas nesses pontos é intocável, apenas considerando ser necessária a clarificação da conjugação da fundamentação.

Da leitura do corpo da declaração resulta claramente que o Conselheiro Ricardo Costa apenas pretendeu clarificar e reforçar a fundamentação constante do acórdão. Não resulta dessa declaração a mínima divergência relativamente à fundamentação usada no acórdão, apenas adiciona argumentação que, no seu entender, dá mais solidez à solução que logrou vencimento maioritário.

Não resulta dessa declaração a mínima divergência relativamente à fundamentação usada no acórdão e nem sequer foi usada nova argumentação para além da que nela consta.      

Assim, inequivocamente, foi obtida uma maioria traduzida tanto no resultado final como nos respectivos fundamentos.

Por outro lado, nada impede que algum adjunto, independentemente de votar favoravelmente a decisão, lavre uma declaração de voto, demarcando-se de determinadas afirmações ou argumentos do relator – o que não foi o caso – ou – o que foi o caso, no que respeita às questões identificadas e decididas sob os pontos A) e B) da Fundamentação (parte IV.) do acórdão – apresentando razões adicionais que levaram a votar a decisão[1].

O que importa é que a vontade que prevalece para efeitos da decisão final resulte da maioria que for obtida no colectivo, tanto na fundamentação como no resultado final. E foi o que, efectivamente, sucedeu no caso dos autos – inequivocamente não há voto de vencido por parte do Conselheiro Ricardo Costa –, pelo que não assiste razão à reclamante.

A reclamante alega ainda que da acta da sessão não consta o sentido da votação/deliberação, o que, em seu entender, constituirá violação do artº 34º, nº 1 do DL n.º 4/2015, de 07 de Janeiro [Código de Procedimento Administrativo (CPA)].

Vejamos.

O Código de Procedimento Administrativo (CPA) aplica-se à actuação da Administração Pública no exercício da sua função administrativa, materializada através da prática de actos administrativos (artº 2º).

Todavia, os outros poderes públicos não administrativos (Presidente da Republica, Assembleia da Republica, Tribunais) não praticam actos administrativos em sentido estrito. Somente as decisões “materialmente administrativas” praticadas por estes órgãos são equiparadas aos actos administrativos, apenas para efeitos de impugnação contenciosa. Estamos a falar dos actos praticados no âmbito da sua organização interna, designadamente das sanções disciplinares, que, para assegurar a garantia e tutela jurisdicional dos seus destinatários, são equiparados aos actos administrativos, apenas para efeitos de impugnação contenciosa.[2]   

Deste modo, o invocado artº 34º do CPA não se aplica às decisões proferidas pelos tribunais, concretamente ao acórdão aqui reclamado.

De qualquer modo, será de realçar que da acta da sessão constam todos os elementos necessários à prolação do acórdão, designadamente a data e o local da reunião, a indicção da presidência da sessão, do juiz relator e dos juízes adjuntos e a deliberação tomada com a entrega do acórdão devidamente assinado pelos elementos do colectivo.

Assim, não se verifica a alegada violação do artº 34º do CPA, ou de qualquer outra disposição legal.   

III- Decisão:

Pelo exposto, indefere-se a reclamação.

Custas pela Reclamante fixando-se a taxa de justiça em 3UCs

Lisboa, 27 de Outubro de 2020

Raimundo Queirós (Relator)

Ricardo Costa

Ana Paula Boularot (Vencida nos termos da declaração que junto)

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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PROC 638/15.1T8STC.E1.S1
6ª SECÇÃO

DECLARAÇÃO DE VOTO

Voto vencida o Acórdão.

A recorrente veio arguir a nulidade do Acórdão proferido em 30 de Junho de 2020, o qual faz fls 884 a 923, porquanto no mesmo constam duas declarações de voto.

Assiste-lhe toda a razão: a declaração de voto do Exº Primeiro Adjunto, embora não identificada como de vencido, traduz um vencimento do mesmo em relação à fundamentação havida, porquanto começa por acentuar que vota a decisão, embora em relação «à resolução das questões identificadas e decididas sob os pontos A) e B) da Fundamentação (parte IV.), considero ser necessária a clarificação da sua conjugação.», o que passou a fazer, contraditando, na sua tese, aqueloutra, traduzindo esta posição de princípios um voto de vencido, pois não obstante chegasse à mesma decisão, seria mediante o apelo a outra argumentação jurídica.

Por seu turno, a declaração de voto da então Exª Segunda Adjunta, é mais clara, pois a mesma declarou e justificou o motivo pelo qual daria provimento à Revista e revogaria o Acórdão recorrido.

Esta situação, assim configurada nos autos, constitui o exemplo típico da violação dos princípios que regem a elaboração dos Acórdãos, insertos nos nºs 3 e 4 do artigo 663º do CPCivil, os quais se mostram in casu frontalmente violados, não se tendo obtido a necessária maioria, imposta pelo artigo659º, nº3 do mesmo diploma, o que acarreta a nulidade do Acórdão, o que decidiria, cfr o Ac STJ de 17 de Junho de 2014 do qual fui Relatora, citado pela Reclamante, produzido precisamente num caso idêntico, in www.dgsi.pt.

(Ana Paula Boularot)

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[1] Neste entendimento Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de processo Civil, 5ª ed., p. 330 (nota 483) e p. 331.

[2] Neste sentido, vide Fernanda Paula Oliveira/José Eduardo Figueiredo Dias, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, 4º Ed., p. 175/176.