Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2252/14.0T2SNT-D.L2.D1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
PREJUÍZO PATRIMONIAL
Data do Acordão: 10/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR – RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE.
Doutrina:
- Gravato Morais, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, 2008, p. 47;
- Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, 1992, p. 536.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 120.º, N.º 2.
Sumário :

I. No lato conceito de actos prejudiciais à massa – art. 120º, nº2, do CIRE, cabem os que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

II. São abrangidos em tal conceito os contratos simulados e quaisquer outros como, por exemplo, os negócios indirectos, celebrados com intuito defraudatório e os que o devedor, na iminência da sua insolvência, dentro dos dois anos anteriores ao início do processo, celebra com terceiro, seu credor, que a conhece, com o fito de apenas o beneficiar, abatendo logo ao passivo o declarado preço da compra e venda de um imóvel, em relação ao qual não existe, reciprocamente, qualquer intenção de transferir o direito real de propriedade.

Decisão Texto Integral:
Proc.2252/14.0T2SNT-D.L2.S1

R-681[1]

Revista

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, SA propôs, em 12.12. 2014, no 2º Juízo de Comércio da Comarca de Lisboa Oeste, acção de impugnação da resolução de Contrato de Compra e Venda, por apenso ao processo nº2252/14.0T2SNT, contra:

  Massa Insolvente da BB, Lda.

Peticionando que fosse declarada sem efeito a resolução do contrato de compra e venda celebrado entre a autora e a ré, no dia 2.10.2013, respeitante à fracção identificada com a letra “A” e descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.°… da freguesia de …, resolução que foi promovida pela Administradora de Insolvência.

Para o efeito, a autora alegou que a Administradora de Insolvência não justificou devidamente a resolução, e que não se verificavam os respectivos pressupostos.

A Massa Insolvente contestou, dizendo que comprar e vender nunca correspondeu à vontade real das partes que, com o negócio celebrado, apenas pretenderam que o imóvel constituísse uma garantia de pagamento das quantias de que BB, Lda. era devedora à AA, S.A., por serviços por esta prestados.

O processo seguiu seus termos, tendo a 1.ª sentença decidido:

 “Pelos fundamentos de facto e de Direito acima expostos, julgo a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, declaro a integral manutenção da Resolução do denominado Contrato de Compra e Venda, constante de escritura pública outorgada no dia 2/10/2013, que, por sua vez, foi levada a efeito pela Sra. Administradora da Insolvência, a que respeita os autos principais, através de carta datada de 23.9.2014, com e para todos os efeitos”.

***

A autora AA, S.A. recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo a Ex.ma Relatora decidido o recurso conforme segue:

A apelante suscita várias questões, sendo que uma delas diz respeito à omissão na sentença recorrida do valor de mercado do imóvel à data em que foi vendido.

Conforme mostra o documento de fls. 32 e 33, a venda do imóvel por valor “substancialmente inferior ao valor do mercado que a fracção possuía à data” constituiu o fundamento invocado pela Sr.ª Administradora de Insolvência para proceder à resolução do contrato, cuja impugnação é pedida nesta acção.

Na fase de saneamento do processo foram estabelecidos os temas de prova, sendo que um deles diz respeito “ao valor de mercado do imóvel” - fls. 130 dos autos.

Ora, apesar da relevância daquele tema, não consta dos factos provados qual o valor de mercado da fracção à data da realização do contrato de compra e venda que o teve por objecto.

Mesmo que se admita que, apesar da realização de uma perícia, a 1.ª instância não logrou alcançar aquele valor, o certo é que sobre ele também nada consta na decisão que estabelece os factos julgados não provados. Há, pois, uma total omissão em torno de um tema de prova relevante face ao fundamento invocado para a resolução do contrato.

Há, assim, necessidade de ampliar a matéria de facto pelo que, em conformidade com o que dispõe a parte final da alínea c) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC, se anula a sentença recorrida, ordenando-se à 1.ª instância que, em repetição do julgamento, amplie a matéria de facto de forma a contemplar o 2.º tema de prova estabelecido a fls. 130.

Face ao que estipula a parte final da alínea b) do n.º 3 daquele mesmo preceito, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão sobre a matéria de facto que não está viciada, não ficando, no entanto, prejudicada a apreciação de outros pontos daquela matéria, com vista a evitar contradições.    

Custas a suportar pela parte vencida a final”.

***

Regressado o processo à 1.ª instância, foi realizado o julgamento e, subsequentemente, proferida a 2.ª sentença, em 20.12.2017, que findou com o seguinte dispositivo:

 “Pelos fundamentos de facto e de Direito acima expostos, julgo a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, declaro a manutenção integral da Resolução do denominado Contrato de Compra e Venda, constante de escritura pública outorgada no dia 2 de Outubro de 2013, que, por sua vez, foi levada a efeito pela Sra. Administradora da Insolvência, a que respeita os autos principais, através de carta datada de 23 de Setembro 2014, com e para todos os efeitos”.

***

Inconformada, a AA recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 7.6.2018 – fls. 449 a 464 – concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença apelada, declarando, “não tendo a massa insolvente logrado demonstrar os factos constitutivos do direito de resolução que exerceu extrajudicialmente, acordam os juízes da secção cível em declarar a resolução inválida e ineficaz”.

***

Inconformada, a Massa Insolvente de BB, Lda.recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

a) A matéria de facto considerada como provada pelo Tribunal de Primeira Instância está correcta e;

b) Deverá ser interpretada em todo o seu conjunto e contexto,

c) Com todos os documentos juntos aos autos;

d) Pelo que toda a matéria de facto dada como provada deverá ser mantida e confirmada;

e) Consequentemente resulta que o negócio celebrado em 2 de Outubro de 2013 foi prejudicial à Massa Insolvente da sociedade com a firma BB, Lda.;

f) Bem como aos seus credores;

g) Facto conhecido de todos os intervenientes que, inclusive no momento da celebração da escritura de compra e venda celebraram igualmente um contrato promessa de compra e venda;

h) Exactamente do mesmo imóvel;

i) Exactamente pelo mesmo preço;

j) Cuja promessa de venda da Recorrida seria para, até um ano depois:

k) Pelo que existia um verdadeiro e tipificado negócio simulado com as demais consequências legais;

I) Factos olvidados na análise que o Tribunal a quo fez no Acórdão aqui recorrido;

m) Os fundamentos que presidiram à resolução do negócio jurídico em causa por parte da Sra. Administradora de Insolvência;

n) Os seus fundamentos.

o) Bem como o formalismo utilizado foi o adequado e,

p) Foram-no na estrita obediência e respeito pela Lei,

q) Consequentemente deverá ser mantida a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, declarou a integral manutenção da Resolução do denominado Contrato de Compra e Venda que foi levada a efeito pela Sra. Administradora da Insolvência, a que respeita os autos principais, através de carta datada de 23 de Setembro de 2014, e respeitante à escritura pública outorgada no dia 2 de Outubro de 2013,

Como é de, Justiça.

***

A Recorrida AA, S.A., contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.

***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1. A autora é uma sociedade comercial anónima que se dedica à prestação de serviços postais e assegura ainda, na qualidade de transportador público rodoviário de mercadorias e comissário de transporte, a recepção, o transporte sob todas as formas e a entrega de volumes e documentação, tanto em Portugal como no estrangeiro.

2. Até à sua declaração de insolvência no dia 26.6.2014, a BB, Lda. foi uma sociedade comercial por quotas, que se dedicava à assistência e reparação de telemóveis.

3. No âmbito acima assinalado, a autora estabeleceu acordo com a BB, Lda., por solicitação desta, com o objectivo de que aquela concretizasse transporte de mercadorias, os quais foram realizados.

4. Por sua vez, a ré comprometeu-se a remunerar tais transportes, aos preços estabelecidos entre ambas.

5. A 30.9.2013, a BB, Lda. apresentava um saldo negativo em conta-corrente que ascendia a € 118.623,83.

6. Na sequência de outros contactos anteriores, ao longo do mês de Setembro de 2013, o supervisor de controlo de crédito da autora, Dr. CC, contactou o gerente da BB, Lda., Eng.º DD, no sentido de obter o pagamento dos montantes em dívida, sob pena de suspender os referidos transportes de mercadorias.

7. O Eng.º DD referiu que a então BB, Lda. se encontrava em processo de aquisição de um novo e maior armazém para a instalação dos seus serviços e que, estaria igualmente em processo de integração num grande grupo económico, denominado ... Portugal.

8. O Eng.º DD referiu ainda ao Dr. CC que, pelos motivos acima expostos, o pagamento dos valores vencidos com a autora não seria possível de imediato, mas seria uma mera questão de tempo, uma vez que tanto as novas instalações, como a nova estrutura societária a que a BB, Lda. pertenceria, iriam trazer um grande aumento do volume de negócios.

9. Porém, a autora, por intermédio do referido Dr. CC e do seu director geral adjunto, Dr. EE, comunicaram ao Eng.º DD que só manteriam o serviço de transportes à BB, Lda., se esta pagasse as quantias em dívida.

10. Na sequência disso realizaram-se algumas reuniões entre os representantes da autora e o gerente da BB, Lda., tudo nos termos infra expostos.

11. No âmbito de tais reuniões, o gerente da ora insolvente reiterou o acima exposto em 7., ou seja referiu que se perspectivava um aumento da actividade da BB, Lda., com a inerente obtenção de elevadas quantias monetárias, as quais lhe poderiam permitir a plena retoma do referido imóvel. Assim, ficou estabelecido que ir-se-ia formalizar um acordo de promessa de revenda desse mesmo imóvel à BB, Lda., pelo mesmo preço e com um prazo de um ano.

12.    A 02.10.2013, no Cartório Notarial da Dra. FF, foi outorgada uma escritura pública pelo referido gerente e representante da BB, Lda., como primeiro outorgante, e o representante da autora CC, como segundo outorgante, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se reproduzem os seguintes excertos:

 “Compra e Venda (…)

  E PELO PRIMEIRO OUTORGANTE, NA INVOCADA QUALIDADE, foi dito: - Que, em nome da sua representada e pelo preço de noventa e oito mil cento e sessenta e cinco euros e trinta cêntimos, que para esta declara já ter recebido, vende à Sociedade representada pelo Segundo Outorgante (…) a fracção autónoma designada pela letra “…”, correspondente à cave, com acesso directo pelo número ..., do prédio urbano sito em ..., Rua ..., números …, …, … e …, na freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, da referida freguesia, em propriedade horizontal pela inscrição correspondente à Apresentação 8 de …, com a aquisição registada a favor da Sociedade que representa pela inscrição correspondente à Apresentação … de …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia de São … ..., com o valor patrimonial correspondente de € 97.730,00; PELO SEGUNDO OUTORGANTE, NA INVOCADA QUALIDADE, foi dito: -           Que para a sua representada, aceita a presente venda nos termos exarados. (…) Esta escritura foi lida e feita a explicação do seu conteúdo aos outorgantes. (…) ”.

13. A referida quantia de € 98.165,35 foi abatida na conta-corrente da ré.

14. Através de escrito datado de 9.10.2013 e com a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual se reproduz o teor do que os representantes da autora e da BB, Lda. declararam:

“ (…) Considerando que: a) A Primeira Contraente é dona e legítima proprietária da fracção autónoma designada pela letra “…”, correspondente à Cave, com 221 m² e acesso directo pelo número …, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., n.ºs … a …, em Lisboa, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …/..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, da freguesia de … de ..., composto de cave, …, 9 andares, sótão para habitação da porteira, revestido a cantaria nos pilares do r/c e nos podieiros dos vãos dos andares e o resto a elementos cerâmicos e evínel Construído Novo. Considerado utilizável desde 11/06/1970. Licença de utilização de 09/10/70. S.C. 300 m², a seguir designada por fracção; b) No âmbito das relações comerciais existentes entre as Contraentes, constitui-se a Segunda Contraente devedora à Primeira Contraente por serviços por esta prestados àquela; c) Por forma a assegurar a continuação da prestação de serviços da Primeira Contraente à Segunda Contraente, para esta essenciais, e simultaneamente para garantir o pagamento dos valores em dívida à Primeira Contraente, convencionaram as partes que a Segunda Contraente procederia à venda da supra referida fracção, à Primeira Contraente, assegurando esta o direito de recompra da fracção pela Segunda Contraente, pelo mesmo valor, no prazo de um ano; d) A escritura de compra e venda da fracção à Primeira Contraente foi realizada no dia 2 de Outubro de 2013, no Cartório Notarial de FF, (…). e) Com o presente contrato promessa de Compra e Venda as Contraentes pretendem completar o processo negocial encetado para salvaguarda dos legítimos direitos e interesses de ambas;

(…) O PRESENTE CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA, QUE SE REGE PELOS CONSIDERANDOS SUPRA E PELO DISPOSTO NO SEGUINTE CLAUSULADO: CLÁUSULA PRIMEIRA (Prédio, Promessa) Pelo presente contrato, a Primeira Contraente promete vender a fracção referida no considerando a), à Segunda Contraente ou a quem esta vier a indicar, que o promete comprar, inteiramente devoluto de quaisquer pessoas e bens, livre de quaisquer ónus, encargo ou responsabilidade. CLÁUSULA SEGUNDA (Preço e Condição) 1. O preço total da prometida compra e venda é de € 98.165,35 (noventa e oito mil cento e sessenta e cinco euros e trinta e cinco cêntimos). 2. Na presente data não haverá lugar ao pagamento de sinal e o preço total da prometida compra e venda, mencionado no número anterior, será entregue pela Segunda Contraente à Primeira Contraente na data da assinatura da escritura pública.

CLÁUSULA TERCEIRA (Escritura Pública) 1- A escritura pública de compra e venda deverá ser outorgada até ao dia 02 de Outubro de 2014, em Cartório Notarial (…). 3- Se a escritura pública de compra e venda não se vier a realizar até ao dia 02 de Outubro de 2014 o presente contrato promessa caducará automaticamente nessa data, ficando desde já estipulado pelos Contraentes que não será admitida qualquer renovação ao mesmo. CLÁUSULA SÉTIMA (Despesas) As despesas com a celebração deste contrato, bem como do contrato definitivo, tais como imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, emolumentos notariais, imposto de selo e emolumentos de registo, são da exclusiva responsabilidade da Segunda Contraente.

15.    Assim, a autora continuou a concretizar transporte de mercadorias para a BB, Lda. até ao momento em que a BB, Lda. foi declarada insolvente, a 26.6.2014.

16. A autora reclamou créditos nos termos constantes do apenso … destes autos, a qual configura valores integrados nas facturas emitidas depois da celebração da escritura pública acima referida (02.10.2013).

17. A BB, Lda. manteve o pleno domínio do imóvel acima identificado.

18. A autora dispunha das chaves do imóvel.

19.    À data da outorga notarial acima referida no ponto 12.º, ou seja, no dia 02.10.2013, o valor de mercado em causa ascendia a:

a) No que respeita à fracção “…” – … – Loja comercial: ascendia a € 219.337,00.

 b) No que respeita à fracção “…” – … – Estacionamento coberto: ascendia a € 84.744,00.

20.    Aquele valor indicado no ponto anterior tem presente que a loja estaria legalizada em termos camarários. A inexistência de tal legalização impõe descontar-se àquele valor referido os custos inerentes à mesma legalização. Caso não seja legalizável, o respectivo valor de mercado será o indicado para o estacionamento coberto. 

O Acórdão recorrido a fls. 460 aditou os seguintes factos:

“Em 23 de Setembro de 2014, a Sr.ª Administradora de Insolvência dirigiu à ora apelante a comunicação cuja cópia consta de fls. 32 dos autos com o seguinte conteúdo:

“Na qualidade de Administradora de Insolvência de BB …, Lda. a correr termos pelo Juízo de Comércio da Comarca Grande Lisboa Noroeste, Sintra com o número 2252/14.0T2SNT (…) venho pela presente e ao abrigo do disposto no art.º 120.º, n.ºs 1 e 2 do CIRE comunicar a V.Exas que declaro resolvido em benefício da massa insolvente o contrato de compra e venda celebrado em 2 de Outubro de 2013 referente à fracção autónoma do imóvel sitona Rua …, nºs …, …, … e … em Lisboa descrito (…). A presente resolução é feita em tempo e funda-se no facto daquele negócio ser prejudicial à massa insolvente pois frustra e põe em perigo a satisfação dos credores da insolvência, dado que o valor da venda é substancialmente inferior ao valor do mercado que a fracção possuía à data (…).”    

Factos não provados:

a. Que nas reuniões acima referidas no ponto 10 dos factos provados tivesse ficado decidido que a BB, Lda. venderia à autora o imóvel supra-referido nos pontos 12 e 14 dos factos provados.

b. Que tivesse sido a BB, Lda. a solicitar a formalização do acordo acima referido no segundo parágrafo do ponto 11 e no ponto 14 dos factos provados.

c. Que a autora nunca tivesse tido o pleno domínio do imóvel acima identificado nos factos provados.

d. Que os representantes da autora jamais tivessem estado no seu interior.

Fundamentação:

Sendo, em regra, pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se ocorreram os pressupostos de resolução do contrato de compra e venda celebrado pela devedora SOS (que veio a ser declarada insolvente) com a compradora AA, resolução decretada pela Administradora da insolvência.

A recorrente insurge-se contra a decisão do Tribunal da Relação por entender que, se os factos tivessem sido correctamente valorados, o Tribunal teria que concluir que o negócio de compra e venda foi simulado, visando prejudicar os credores da insolvente, já que o objectivo da compradora impugnante AA foi, através de tal contrato celebrado em 2.10.2013, apenas o de obter uma garantia de pagamento dos elevados débitos da insolvente, antes que este estado fosse declarado, tendo até acordado, em contrato-promessa celebrado pouco tempo após aquela escritura, a recompra da fracção predial vendida, sendo que tal contrato-promessa celebrado sete dias depois, em 9.10.2013, foi estipulado o mesmo preço € 98 165,35 e foi estipulado que não haveria qualquer sinal, caducando o contrato se a escritura pública não fosse celebrada até 2.10.2014.

A sentença da 1ª Instância considerou válida e fundamentada a resolução decretada extrajudicialmente pela AI da insolvente, que considerou que o negócio em causa foi lesivo dos credores da insolvente e, por isso, nulo.

Tendo sido discutido se o valor real da fracção foi o que as partes declararam na escritura pública de compra e venda de 2.10.2013 – aí foi declarado ter sido a compra e venda feita pelo preço de € 98 165, 35, valor que a AI considerou ser muito inferior ao valor de mercado – houve a avaliação pericial do valor da fracção.

 O Acórdão recorrido assentou o essencial da sua decisão revogatória da sentença no facto de o preço da fracção não ser inferior ao valor real, pelo que considerou ter a impugnante feito prova de que a resolução carecia de fundamento legal e não foi lesiva para a massa insolvente.

No recurso de revista, a recorrente, Massa Insolvente, considera que a Relação não apreciou no seu inteiro contexto a factualidade provada, não enfatizando o valor do preço da fracção objecto daquele negócio de 2.10.2013, e persistindo na validade da resolução por considerar que o negócio foi simulado em claro benefício da compradora, ora recorrida e impugnante AA, que conhecia a situação de insolvência em que se encontrava a SOS e apenas quis abater parte da avultada dívida que esta tinha para consigo ao tempo do negócio, sendo que a AA tinha conhecimento da situação de insolvência em que estava o seu parceiro de negócios – a conta corrente assinala, em 30.9.2013, um saldo negativo de € 118 623,83.

Antes de analisarmos o contexto factual em que o negócio de compra e venda se efectuou, vejamos o essencial do regime legal aplicável no quadro da lei insolvencial.

A sentença que declarou a insolvência da BB foi decretada em 26.6.2014, como consta do processo.

            O processo de insolvência é um processo de execução universal e concursal – art. 1º do CIRE – visando, primordialmente, a liquidação do património do devedor em benefício dos credores que serão pagos à custa da liquidação da massa insolvente que, nos termos do art. 46º, nº1, do CIRE, se destina “à satisfação dos credores da insolvência”.

            A liquidação da massa insolvente deve observar o princípio da igualdade de credores – par conditio creditorum – consagrado no art. 194º, do CIRE que não é absoluto, como decorre do seu nº1 e do facto de a lei considerar várias categorias de credores e estabelecer graduações preferenciais, atenta a natureza dos créditos e das respectivas garantias.

            Porque, na iminência da insolvência, podem ser praticados actos que redundem em prejuízo dos credores, a lei insolvencial confere ao administrador da insolvência o direito de os resolver em benefício da massa insolvente, logo em benefício da generalidade dos credores que devem ser tratados igualmente, estabelecendo um período crítico que tem o seu termo inicial fixado em dois anos antes da data do início do processo de insolvência; os actos resolúveis, para os quais tem legitimidade o Administrador da Insolvente (AI) são os “actos prejudiciais à massa” conceito que a lei insolvencial define com latitude no nº2 do art. 120º do CIRE.

             Segundo Gravato Morais, in “Resolução em Benefício da Massa Insolvente”, Almedina, 2008, pág. 47: “Os actos resolúveis não se configuram, nem são havidos, como actos inválidos, seja do ponto de vista formal, seja sob o prima substancial, atendendo naturalmente à inexistência de vícios que os afectem…Do que se trata aqui é de, em razão de interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificar outros interesses havidos como menores (os de que contratam com o devedor insolvente e, eventualmente, os de que negoceiam com aqueles, portanto todos os terceiros em relação ao devedor insolvente) em função do empobrecimento patrimonial daqueles credores, por via da prática de actos num dado período temporal, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência”.

A resolução, em benefício da massa insolvente, pode ser condicional – art. 120º do CIRE – ou incondicional – art.º 121.º do mesmo diploma.

            Aquele normativo estatui:

            “1. Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.

               2 – Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

               3- Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.

              4 – Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte, a resolução pressupõe a má fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.

                5 – Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:

              a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;

                b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente;

                f) Do início do processo de insolvência.

                […].”

           

            O art. 121º (Resolução incondicional)

           “1 - São resolúveis em benefício da massa insolvente os actos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos:

                a) Partilha celebrada menos de um ano antes da data do início do processo de insolvência em que o quinhão do insolvente haja sido essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo aos co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos;

                b) Actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio de herança ou legado, com excepção dos donativos conformes aos usos sociais;

               c) Constituição pelo devedor de garantias reais relativas a obrigações preexistentes ou de outras que as substituam, nos seis meses anteriores à data de início do processo de insolvência;

                d) Fiança, subfiança, aval e mandatos de crédito, em que o insolvente haja outorgado no período referido na alínea anterior e que não respeitem a operações negociais com real interesse para ele;

               e) Constituição pelo devedor de garantias reais em simultâneo com a criação das obrigações garantidas, dentro dos 60 dias anteriores à data do início do processo de insolvência;

               f) Pagamento ou outros actos de extinção de obrigações cujo vencimento fosse posterior à data do início do processo de insolvência, ocorridos nos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência, ou depois desta mas anteriormente ao vencimento;

                g) Pagamento ou outra forma de extinção de obrigações efectuados dentro dos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir;

               h) Actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte;

                i) Reembolso de suprimentos, quando tenha lugar dentro do mesmo período referido na alínea anterior.

                2 - O disposto no número anterior cede perante normas legais que excepcionalmente exijam sempre a má fé ou a verificação de outros requisitos.”.

           O administrador judicial, ante o conhecimento de actos prejudiciais à massa praticados pela insolvente, nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, deve resolvê-los, nos termos do art. 123º, comunicando, por carta registada com aviso de recepção, nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência, a menos que o negócio ainda não esteja cumprido, caso em que a resolução pode ser declarada, sem dependência de prazo, por via de excepção.

           Não impondo a lei insolvencial que todo e qualquer acto, praticado pelo devedor nos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, (antes o prazo era de quatro anos) deva ser resolvido pelo administrador da insolvência (AI), mas impondo ao AI que os actos passíveis de resolução sejam “prejudiciais à massa”.

            Nos termos do nº2 do art. 120º do CIRE “Consideram-se prejudiciais à massa os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência”.

            Consigna o nº3 – “Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.”

            No caso em apreço, a resolução – cuja tempestividade as partes não contestam – foi a resolução condicional prevista no antes referido art. 120º que pressupõe como vectores a considerar: a data do início do processo de insolvência e a data do negócio prejudicial, tal como definido no nº2, que abrange o perigo ou retardamento da satisfação dos credores da insolvência, e ainda, a má fé de quem negoceia com o devedor, ou seja, se à data do acto, a contraparte do devedor, sabia que este se encontrava em situação de insolvência, ou sabia do carácter prejudicial do acto ou que o devedor se encontrava em situação de insolvência iminente – art. 120º, nº5, als. a) e b) do CIRE.

           Como antes vimos, no lato conceito de actos prejudiciais à massa, cabem os que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

Neste conceito cabem os actos simulados ou quaisquer outros como, por exemplo, os negócios indirectos celebrados com intuito defraudatório e também aqueles que o devedor celebra, visando, na iminência da sua insolvência, beneficiar um credor, pois pretende, ante a insolvência iminente conhecida do seu credor, beneficiá-lo em detrimento de outros credores.

           O Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, entendeu este conceito de prejudicialidade de forma muito restrita: com efeito, atendeu apenas à consideração do valor da fracção objecto do negócio, com vista a saber se o preço era real ou fora estipulado muito aquém do seu valor de mercado, e tendo considerado que estava nos parâmetros do preço praticado, não ponderou se, ainda assim, atento o circunstancialismo que rodeou a celebração, o qualificava como prejudicial à massa insolvente à luz da lei insolvencial; um negócio oneroso pode ser celebrado pelo seu valor real mas ser prejudicial à massa se o comprador, no caso de contrato de compra e venda, conhecer a situação de insolvência iminente do vendedor (devedor).

           Este aspecto foi, a nosso ver, correctamente ponderado na sentença apelada que considerou o negócio prejudicial à massa insolvente já que realizado apenas para garantir à credora/compradora uma acentuada redução do seu passivo, condição essencial, por si imposta, para a continuação dos negócios, como claramente decorre dos factos provados de 5. a 15., onde avultam a celebração de dois contratos, num curtíssimo lapso de tempo: um contrato de compra e venda da fracção predial “A”, propriedade da insolvente vendida a AA, em 9.10.2013, pelo preço escriturado de € 98 165, 35, quantia logo abatida na conta-corrente da Ré (BB) e, depois, um contrato-promessa de recompra de 9.10.2013.

             

De notar que a BB foi decretada insolvente por sentença de 26.6.2014, pelo que o período crítico do art. 120º, nº1, do CIRE, remonta ao mês de Junho do ano de 2012.

           Temos por incontroverso que a AA conhecia a situação de insolvência iminente da BB que pressionou a celebrar rapidamente o negócio em causa, sob pena de suspender as relações comerciais, ante a avultada dívida da BB, já em situação de iminente insolvência.

           Na sentença recorrida de 20.6.2017, colhemos da fundamentação exaustiva da matéria de facto, o conteúdo da correspondência electrónica trocada entre altos quadros das partes[2] nesse contrato e do ambiente e conhecimentos transmitidos que levaram à adopção da via negocial por que optaram.

           Transcrevemos da sentença excertos, do teor aí considerado essencial, desses e-mails que se refere estar a fls. 76 a 97:

            “- Mensagem enviada às 19:00 de 3/6/2013 pelo Eng.º DD ao Dr. CC (fls. 91-92):

           “ (…) Abaixo, transcrevo na íntegra com devida confidencialidade aprovação de Financiamento com vista ao desbloqueamento dos Problemas financeiros da BB.

            Independente dos timings burocráticos, para a disponibilização destas verbas, a BB irá seguir em linha com a libertação integral das Transferências do nosso cliente GG com vista ao alinhamento dos prazos de pagamento. (…)

            É neste contexto que apelo, mais uma vez à vossa “paciência” financeira com vista a não termos uma quebra do serviço, quebra esta, que não irá beneficiar a BB e consequentemente não resolverá num curto espaço de tempo a Código Civil que temos entre as Organizações. (…) ”.

             - Mensagem enviada às 14:38 de 1/7/2013 pelo Dr. CC ao Eng.º DD (fls. 90-91):

           “ (…) Neste momento temos um saldo em conta corrente de cerca de 90,000 EUR ainda sem a facturação do mês de Junho. Efectivamente 3 desde a nossa reunião que o valor em conta corrente tem vindo a aumentar bem como os próprios prazos de pagamento ao contrário do objectivo dessa mesma reunião.

           Certamente compreenderá que se a AA tem mostrado flexibilidade e compreensão para com a BB por um lado, por outro não pode continuar a sua prestação de serviços sem dados concretos que se apresentam em conta corrente e estar dependente dos pagamentos que um determinado cliente faça ou não à vossa empresa. (…) ”.

            - Mensagem enviada às 17:30 de 13/9/2013 pelo Dr. CC ao Eng. DD (fls. 83):

           (…) Conforme tenho transmitido temos de dar uma resposta concreta até ao fim do dia de hoje à Administração da AA incluindo à empresa mãe em França. (…) ”.

            - Mensagem enviada às 15:57 de 18/9/2013 pelo Dr. CC ao Eng. DD (fls. 80-81):

           

            “Eng.º DD

              No seguimento da nossa reunião do dia de hoje e no que diz respeito às garantias a conceder pela BB no sentido de assegurar a liquidação dos valores em conta corrente, a AA propõe as seguintes alternativas:

           a) Cedência de créditos de clientes da BB (GG, ..., etc. num total de 100K EUR. Com este valor regularizamos todas as farturas em conta corrente ainda não liquidadas com data até 31/08/13, conta-corrente essa que totaliza 108K EUR.

            b) Imóvel pertença da BB. Estivemos a analisar com os nossos advogados a questão da hipoteca do imóvel, a qual não terá viabilidade pois em caso de PER a AA não poderia executar a hipoteca do imóvel, pois quer a caso a Segurança Social quer o Fisco teriam sempre prioridade na transferência de propriedade do bem.

           Como eventual alternativa à hipoteca, propomos que o imóvel nos seja vendido por contrapartida do valor em conta corrente com as seguintes condições futuras:

           - a AA assina um contrato de promessa de compra e venda, comprometendo-se a vender à BB o mesmo imóvel pelo mesmo valor no espaço de um determinado período de tempo (6 meses – 1 ano)

           - Caso o imóvel esteja actualmente arrendado, a AA está na disposição de transferir os valores das rendas para a BB

           Para avaliação da hipótese b) necessitamos dos dados do imóvel, nomeadamente a sua caderneta predial.

           Contudo, pensamos que a hipótese a) é aquela que se afigura como a mais exequível num curto espaço de tempo e aquela que será mais simples e viável para ambas as partes, pelo que enviamos em anexo uma minuta dos termos da cedência dos créditos a ser assinada pelos intervenientes. Nota: colocamos nessa minuta o vosso cliente GG, no entanto poderá ser outro, ou até vários, com o intuito de perfazer o total dos 100K EUR.

            Adicionalmente estamos a contar com o pagamento de cerca de 20K – 25K EUR no decorrer da presente semana. Valor esse que será abatido aos valores mencionados nas alternativas acima propostas.

           Aguardamos no limite, até sexta-feira, qual a alternativa a ser aceite pela BB de forma a fecharmos o acordo na próxima segunda-feira.

            Cumprimentos.”

           - Mensagem enviada às 10:08 de 23/9/2013 pelo Dr. CC ao Eng.º DD (fls. 79-80):

            “(…) Assim, e se a GG ainda não vos transferiu o referido valor (20-25K EUR) conforme indicação sua, propomos que o mesmo seja já englobado na cedência de créditos, pelo que devemos obter uma garantia da GG, durante o dia de hoje, a referir que o valor será transferido para a conta da AA. (…) ”

            - Mensagem enviada às 11:34 de 24/9/2013 pelo Dr. CC ao Eng.º DD (fls. 78-79):

            “(…) Conforme transmitimos, tínhamos até ao dia de ontem de dar uma resposta de resolução ao nosso Grupo em França. Face à não apresentação ate essa data de qualquer garantia, o tema de resolução da dívida da BB para com a AA passou a ser gerido a nível internacional. Neste momento e de forma a prosseguirmos com a prestação de serviços, apenas podemos propor as hipóteses que tínhamos já apresentado:

            Venda do imóvel à AA pelo valor da dívida - com marcação de escritura

            Opção que podemos considerar. No entanto devemos encontrar solução que contemple a diferença entre o valor do crédito da AA e o valor real do Imóvel, uma vez que este é bastante superior aos créditos.

            Passo 1 – Solicitação de avaliação de imóvel – BB?..Chrono?

            Passo 2 – Celebração de contrato de Promessa que estipule o valor da dívida e o valor do imóvel, bem como a forma de compensar a diferença entre os montantes.

            Passo 3 – Celebração de escritura.

            - cedência de créditos (GG) (…)

            - transferência imediata de 20K-25K e a assinatura da cedência de créditos de vossos clientes (…).”

            - Mensagem enviada às 14:05 de 24/9/2013 pelo Eng.° DD ao Dr. EE (fls. 77):

           “No seguimento da nossa conversa junto envio Caderneta Predial 1, para efeitos de Garantia da dívida existente e respectivo agendamento de Escritura.

            Pretendemos ter opção de recompra a 1 Ano (…)

            Este acordo é efectuado no pressuposto da retoma imediata do serviço (…)”.

            Estes documentos provam que, entre as várias opções negociais que as partes se apresentaram, acabou por merecer consenso o negócio de compra e venda do imóvel que veio a ser celebrado em 2.10.2013, envolvendo a fracção identificada nos autos “vendida” à AA pelo preço de € 98 165,00, abatido à conta-corrente da BB.

           A intenção das partes era de clara garantia do imóvel ao pagamento da avultada dívida da BB, mas, como o negócio de compra e venda era apenas um estratagema para proteger o credor AA por exigência deste, logo em 9.10.2013, foi celebrado entre os mesmos, em posições opostas, um contrato promessa de recompra válido, pelo prazo de um ano, pelo mesmo valor.

           De notar que a AA, sabedora da situação de iminência da insolvência da BB, afastou a possibilidade de hipoteca sobre a fracção, porque, caso a BB recorresse ao PER (só recorre ao PER quem pretende acordo com os credores para evitar a insolvência), a hipoteca não garantia o crédito da AA face à existência de credores privilegiados.

           Eloquente da ausência de intenção de transmissão da propriedade do imóvel, é o facto de a AA, caso o prédio estivesse arrendado, se comprometer a transferir as rendas para a BB.

           O processo negocial, que não correspondeu a uma genuína vontade de comprar e vender entre quem interveio nessa veste, mas antes a de favorecer o credor AA, na iminência da insolvência por si conhecida da BB, é um negócio claramente simulado – art. 240º nº1, do Código Civil – sendo nulo.

O art. 240°, nº1, estabelece os seus requisitos: A existência de um pacto simulatório entre o declarante e o declaratário; a divergência intencional entre o sentido da declaração e os efeitos do negócio jurídico simuladamente celebrado e o intuito de enganar terceiros.

“A simulação absoluta verifica-se quando os simuladores fingem concluir um determinado negócio, e na realidade nenhum negócio querem celebrar” – Heinrich Ewald Hörster, in “A Parte Geral do Código Civil Português” – 1992, pág.536.

Sendo a simulação um fingimento que visa criar a aparência de um negócio que não foi querido pelas partes (simulação absoluta), ou que foi celebrado para esconder um outro, esse sim querido pelas partes (negócio dissimulado), a prova do requisito “intuito de enganar terceiros” pode ser feita de forma expressa, ou de forma menos ostensiva, quando as instâncias recorrem a presunções.

          É patente a má fé da compradora, ora recorrida, já que conhecia, como os factos exuberantemente demonstram, a situação de insolvência iminente do “vendedor “e que o acto prejudicaria os credores.

            Tanto o negócio visava dar satisfação às exigências negociais do credor que a AA continuou a concretizar o transporte de mercadorias para a BB, Lda., até ao momento em que esta foi declarada insolvente, a 26.6.2014 e, não menos eloquente, é o facto de a BB, Lda. manter o pleno domínio do imóvel, como se acha provado.

           Concluímos, assim, que o negócio de compra e venda foi celebrado, concertadamente, para prejudicar os credores da devedora BB, na iminência da sua insolvência, não visando a transmissão da propriedade da fracção.

            Sendo o negócio simulado nulo, como é, claramente, constituiu negócio prejudicial à Massa Insolvente, pelo que a acção de impugnação da resolução foi correctamente julgada improcedente na sentença apelada.

            O Acórdão recorrido ao revogar tal sentença, não pode, pois, manter-se.

            Sumário – art. 663º, nº7, e 679º do Código de Processo Civil

   

            Decisão:

           Nestes termos, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, sendo repristinada a sentença apelada, que julgou improcedente a acção de impugnação da resolução do contrato de compra e venda em causa, celebrado 2.10.2013, mantendo-se válida e eficaz a resolução decretada pela Senhora Administradora da Insolvência, por carta de 23.9.2014.  

            Custas pela recorrida.

Supremo Tribunal de Justiça, 23 de outubro de 2018

Fonseca Ramos (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

___________________
[1] Relator- Fonseca Ramos.
Ex. mos Adjuntos:
Conselheira Ana Paula Boularot
Conselheiro Pinto de Almeida
[2] “Nesta apreciação, o Tribunal deu especial relevância à análise do teor das comunicações trocadas pelos representantes negociais da autora e pelo então gerente da BB, Lda., ou seja, as comunicações que antecederam e intercalaram as reuniões realizadas e que antecederam, naturalmente, a outorga da escritura pública e a assinatura do “contrato promessa”, acima indicados nos pontos 12 e 14, respectivamente. Com efeito, tais mensagens de correio electrónico, a fls. 76-97, trocadas entre o Eng. DD, o então gerente da BB, Lda., e o Dr. CC e também com o Dr. EE, respectivamente o supervisor de controlo assumem uma importância angular na compreensão do acordo efectivamente pretendido e concretizado.” – Da sentença recorrida, a fls. 402 v.