Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
410/10.5TBABF.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA ROSA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
ESCRITURA PÚBLICA
TERMO ESSENCIAL
PRAZO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
VONTADE DOS CONTRAENTES
IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO
IMPOSSIBILIDADE DEFINITIVA
MORA
SINAL
JUIZ NATURAL
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / FALTA DE CUMPRIMENTO IMPUTÁVEL AO DEVEDOR / IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
Doutrina:
- Almeida e Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 9.ª Edição, 979.
- Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, Almedina, 12.ª Edição, 144.
- Fernando Baptista de Oliveira, Contratos Privados, Vol. II, Coimbra Editora, 86.
- Fernando Gravato de Morais, Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, Almedina, 181 e ss..
- Miguel Nogueira de Brito, “O Princípio do Juiz Natural e a Nova Organização Judiciária”, Revista Julgar, n.º 20, 19 e ss..
- Nuno Pinto de Oliveira, “Princípios de Direito dos Contratos”, Coimbra Editora, 255.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 224.º, N.º2, 236.º, N.º1, 410.º, N.º1, 442.º, N.º2, 762.º, N.º2, 801.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 615.º, N.º1, ALS. B), C) E D).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-N.º 614/2003, EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 02-06-2009, PROC. N.º 136/09.2YFLSB.
-DE 02-03-2011, PROC. N. º 5193/04.5TCLRS.L1.S1.
-DE 02-12-2013, PROC. N.º 110/2000.L1.S1.
-DE 09-09-2014, PROC. N.º 4012/06.2TBBRG.G1.S1.
-DE 08-01-2015, PROC. N.º 5658/07.7TBALM.L2.S1.
-DE 28-05-2015, PROC. N.º 460/11.4YVLSB.
-DE 01-03-2016, PROC. N.º 3210/13.7TBVNG.P1.S1.
-DE 08-03-2016, PROC. N.º 1100/13.2TBSLV.E1.S1.
Sumário :
I - O princípio constitucional do juiz natural tem reflexos prevalecentemente na área criminal, não sendo contrário ao mesmo ou a qualquer outro comando constitucional o sistema que vigorava na vigência do CPC de cisão entre a fase da audiência de julgamento e resposta à matéria de facto, por um lado, e de elaboração da sentença, por outro, ainda que realizadas por diferentes juízes.

II - O contrato-promessa pode ser definido como a convenção pela qual uma das partes se obriga perante a outra, ou ambas se obrigam reciprocamente, a emitir a declaração de vontade correspondente ao negócio jurídico prometido.

III - A fixação de um prazo para a celebração do contrato prometido não é um elemento essencial do contrato-promessa, distinguindo a doutrina e a jurisprudência entre a estipulação pelas partes de um termo fixo (absoluto) e a estipulação de um termo não fixo (relativo).

IV - O critério distintivo que tem seguido a jurisprudência é o de aquilatar da essencialidade do prazo em face das circunstâncias do caso, descortinando na vontade das partes se o decurso desse prazo implica uma clara intenção de considerar o contrato como não cumprido e, desse modo, fundar um juízo de incumprimento, ou se ainda possibilita o seu cumprimento tardio.

V - Tendo as partes consignado no contrato promessa que: “(…) a escritura pública de compra e venda, (…) será efectuada no máximo até ao dia 15 de Julho de 2007, em Cartório Notarial a acordar entre as partes”, sem que tenham fixado qualquer consequência para o decurso desse prazo, e resultando da matéria de facto que o contrato-promessa foi celebrado dez dias antes do terminus do referido prazo e tinha por objecto um terreno para construção, o sentido que deve ser dado à declaração, nos termos do art. 236.º, n.º 1, do CC, segundo a perspectiva de um declaratário normal, é o de que, mesmo decorrido esse prazo, ainda haveria interesse na celebração do contrato prometido.

VI - O normal, quando se trata da compra e venda de um imóvel, em que as partes nada disseram expressamente quanto às consequências do decurso do prazo, será que o interesse se mantenha para além da data indicada para a realização da escritura, e não o seu contrário, devendo aqui ser aplicada a regra de que, havendo dúvidas sobre como deve ser entendido o prazo fixado, seja este considerado como um termo subjectivo relativo, por ser aquele que preferencialmente corresponderá à vontade das partes.

VII - Tendo a promitente-vendedora, após ter ilicitamente resolvido o contrato-promessa, procedido à modificação ou transformação in substantiam do objecto da promessa – passando de um terreno para construçãopara um terreno construído– tornou a mesma culposamente impossível o cumprimento da prestação (art. 801.º, n.º 1, do CC), pelo que tem a promitente-compradora que prestou o sinal, o direito de exigir o dobro do que entregou a título de sinal (art. 442.º, n.º 2, do CC).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




AA, TRADING, S.A.

intentou acção declarativa, na forma ordinária de processo, contra

BB – CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA

pedindo que seja declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes e, consequentemente,  seja a ré condenada a restituir-lhe o sinal prestado, em dobro (€ 77 000), por incumprimento do referido contrato.

Contestou a ré pedindo a improcedência da acção (fls. 40), tendo a autora replicado (fls. 76).

No decurso dos autos, foi apensada para consulta a acção especial para fixação judicial de prazo que correu entre as mesmas partes, sob o nº1813/07.8TBABF.

Elaborou-se (fls. 81) o despacho saneador, com fixação da matéria de facto assente e alinhamento da base instrutória.

Efectuado o julgamento, foi respondida a matéria de facto (fls. 201), tendo, subsequentemente, sido proferida a sentença de fls. 206 a 217 que julgou a acção improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu a ré do pedido.

Inconformada, interpôs a autora (fls. 222) recurso de apelação e o Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de fls. 289 a 322, datado de 16 de Abril de 2015,

julgou parcialmente procedente o recurso e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia correspondente ao sinal singelo entregue.

Ainda inconformada, interpõe agora a autora recurso de revista para este Supremo Tribunal (fls. 327) e, alegando, CONCLUI:

I - Compulsado o teor da sentença proferida em 1ª instância, nela foi aposta a assinatura de Mma Juíza diversa da que presidiu ao julgamento, concluindo-o, pelo que se verifica violação do princípio constitucionalmente consagrado do juiz natural, o que determina a nulidade da sentença por conjugação do disposto no artigo 605º, nºs 3 e 4, com o preceituado no artigo 195º, ambos do C.P.C., pelo que como tal deveria ter sido declarada.

II - Sucede que tal questão foi invocada nas alegações e conclusões do recurso de apelação, não tendo sido conhecida pela Veneranda Relação de Évora, como lhe competia.

III - Ficou, assim, por conhecer a invocada nulidade, que não mereceu qualquer tratamento por parte do acórdão ora impugnado, pelo que padece o mesmo da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPC, ex vi do disposto no artigo 666º do mesmo Código, vício que se alega e invoca para todos os efeitos legais.

IV - Quanto à decisão sobre a matéria de facto proferida pela Relação a quo, sucede que esta, quanto à primeira modificação requerida, se resume a duas afirmações vagas, genéricas e conclusivas que nem sequer tratam do cerne da questão, fazendo-se assim tábua rasa das alegações e das conclusões de apelação, designada mente as constantes de IX, XI e XIII daquele recurso.

V - Furtou-se a Relação ao conhecimento da prova invocada e da impugnação feita à decisão da matéria de facto, faltando a análise do conceito de contrato, do conceito de exemplares do mesmo e da prova indicada para concluir que não se pode afirmar ser o escrito rubricado por Rosa Sameiro um dos exemplares da convenção pela qual A. e R. firmaram a sua promessa em contratar.

VI - Nada a esse respeito foi argumentado pela decisão ora impugnada, pelo que padece a mesma do vício de falta de fundamentação, nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC - ou, quando assim se não entender, na II parte da alínea c) do mesmo preceito -, ex vi do disposto no artigo 666º do mesmo Código, vício que se alega e invoca para todos os efeitos legais.

VII - Quanto à segunda modificação requerida, é formulada uma mera afirmação sem qualquer substracto argumentativo, sem o devido estudo das regras de experiência comum, da lógica e da eficácia das declarações receptícias, bem como do ónus da prova (que não foi cumprido pela R.), pelo que também aqui padece o acórdão impugnado do vício de falta de fundamentação, nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea b) do CPC - ou, quando assim se não entender, na II parte da alínea c) do mesmo preceito -, ex vi do disposto no artigo 666º do mesmo Código, vício que se alega e invoca para todos os efeitos legais.

VIII - No tocante à decisão sobre o direito, existe manifesta contradição na própria decisão formulada em 3.3.1 e entre esta e os respectivos fundamentos, bem como na decisão consignada em 3.3.2. entre si e a antecedente.

IX - Em 3.3.1, diz-se que "a matéria de facto dada como provada não é de molde a concluir pelo incumprimento definitivo de qualquer das partes"; em 3.3.2, diz-se "a verdade é que a prestação é irrealizável e por isso estamos perante um incumprimento bilateral" - há ou não há incumprimento?

X - E quando se diz "embora não se possa utilizar o facto de estarmos perante uma situação de impossibilidade de cumprimento, porque, como vimos, foi a Ré que voluntariamente se colocou nessa situação, a verdade é que a prestação é irrealizável e por isso estamos perante um incumprimento bilateral", tal afirmação é ininteligível porquanto o incumprimento da Ré é culposo e não se pode, daí ou da fundamentação atinente, extrair que o incumprimento seja também da A ..

XI - De igual modo, não se lobriga como se pode concluir não haver "incumprimento definitivo de qualquer das partes" e, ao mesmo tempo, declarar "uma situação de impossibilidade culposa de cumprimento do contrato, por parte da Ré", o que se nos afigura como uma veemente contradição na decisão em si e entre esta e a fundamentação precedente, fundamentação uma vez mais ininteligível.

XII - Mas ocorre ainda que tais decisões estão em veemente oposição com a fundamentação formulada a respectivo respeito.

XIII - A título de exemplo, diz-se no acórdão impugnado que, "para a resolução do contrato não basta, portanto, a mora. É necessário que exista uma situação de incumprimento definitivo ou impossibilidade de cumprir", sendo que a conjunção alternativa "ou" oferece a opção por uma das previsões, bastando uma daquelas, e considerando ter ocorrido (pelo menos) uma, perante a impossibilidade culposa de cumprimento pela Ré, assistia à A. resolver o contrato, o que fez por via da presente acção, devendo assim aquela impossibilidade causada pela Ré determinar a procedência total da mesma.

XIV - Ocorre ainda que o acórdão impugnado estabeleceu como assente - e bem - que a Ré causou a impossibilidade culposa do cumprimento do contrato, designadamente pela edificação do prédio objecto daquele, dizendo a seguir que, "como sabemos, nos termos do artº801º, nº 1, do C. Civil «tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação». Ou seja, a equiparação entra a impossibilidade de realização da prestação pelo devedor e qualquer outra situação de incumprimento depende sempre da imputabilidade ao devedor da responsabilidade pela ocorrência da situação de facto geradora dessa impossibilidade".

XV - Ora, tal juízo de imputabilidade formulou-o o próprio acórdão recorrido, mas não decidiu em conformidade com o mesmo, designada mente estabelecendo a equiparação estatuída no nº 1 do artigo 801º do Código Civil.

XVI - Afigura-se-nos assim existir objectivamente manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão ou, se assim se não entender, ambiguidade que torna a decisão ininteligível, pelo que padece o douto acórdão da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC, ex vi do disposto no artigo 666º do mesmo Código, vício que se alega e invoca para todos os efeitos legais.

XVII - Ainda que não proceda a nulidade anteriormente invocada, por cautela de patrocínio não se pode deixar de, subsidiariamente, apontar o erro de julgamento do douto acórdão quanto à interpretação e aplicação do direito.

XVIII - Nesta sede, e para evitar fastidiosas repetições, dão-se por integralmente reproduzidos os fundamentos e alegações expendidos em III supra bem como as conclusões VII a XV supra, forçoso se torna concluir, com a devida vénia, que errou a Veneranda Relação ao não decidir pelo incumprimento definitivo da Ré-recorrida ou, subsidiariamente, ao não reconhecer a resolução operada pela A. por via da presente acção.

XIX - No seguimento daqueles fundamentos, ora reproduzidos para evitar fastidiosas repetições, temos por assente que a Ré edificou o prédio objecto do contrato-promessa, assim inviabilizando definitivamente a concretização do contrato prometido.

XX - Da conjugação do disposto no nº 2 do artigo 442.º com o preceituado no artigo 801º, nº 1, do Código Civil, considerando que a Ré deixou de cumprir (definitivamente, pois) a obrigação por causa que lhe é inequivocamente imputável, tem a A/recorrente a faculdade de exigir o dobro do que prestou.

XXI - Por fim, de acordo com as soluções plausíveis de direito, não se pode deixar de rejeitar a conclusão de comportamento incorrecto por parte da A. (uma vez que diz o douto acórdão ter existido aquele comportamento por ambas as partes).

XXII - Ambas as partes aceitaram e acordaram no prazo fixado para o cumprimento, na observância do estatuído no artigo 405º do Código Civil, pelo que nenhuma suposição contra tal convenção pode legitimamente ser feita nem se pode afirmar, como faz o Tribunal a quo.

XXIII - É falso que “a Autora também não tem razão ao dizer que há incumprimento no facto da data e do local de realização em causa terem sido unilateralmente fixados pela R. e não de comum acordo, pois nada no contrato o impede", pois que a alínea B) da Cláusula Terceira do contrato-promessa em mérito expressamente estatui que a escritura correspondente ao contrato prometido "será efectuada no máximo até ao dia 15 de Julho de 2007, em Cartório notarial a acordar pelas partes" [sublinhado nosso].

XXIV - Deste modo, errou o acórdão ao não considerar a impossibilidade objectiva definitiva de cumprimento por facto culposo da Ré como incumprimento definitivo culposo desta.

XXV - De igual modo, errou ao considerar que a A/Recorrente haja incumprido com as obrigações que assumiu por via do contrato.

XXVI - Ao decidir como decidiu, a douta sentença - além das normas que, violadas, determinaram as nulidades invocadas supra - violou o disposto nos artigos 762º, nº 2; 808º; 801º, nº 2; 805º, nº 1; 442º, nº 2; e 334º, todos do Código Civil.

Não foram apresentadas contra-alegações pela ré.

Cumpridos os vistos legais, importa decidir.

FACTOS (tais como vêm fixados pela Relação):

1 - A Autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras actividades, à compra, venda e arrendamento de imóveis.

2 - A Ré é uma empresa que tem por objecto social a construção civil, a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim.

3 - No exercício das suas actividades, no dia 05/07/2007, Autora e Ré celebraram um acordo mediante o qual a Ré prometeu vender à Autora, e esta comprar-lhe, um terreno para construção, com a área de 1.225,89 m2, localizado em …, freguesia e concelho de Albufeira, parcela essa inscrita na matriz predial sob o nº 40 –secção AU e descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o nº 4820/890223, pelo valor global de € 312.500,00.

4 - Tal prédio foi adquirido pela Ré à sociedade “CC, Promoção e Vendas Imobiliárias, SA”, por escritura pública escritura lavrada em 11 de Julho de 2007, no Cartório Notarial sito na Rua do …, n.º 107, em Albufeira, a cargo da Dra. DD.

5 - Pelo mesmo acordo, Autora e Ré acordaram e a Autora pagou à Ré a quantia de €38.500,00, a “título de sinal e princípio de pagamento”, titulada pelo cheque nº 33…, sacado sob a conta nº 20… do Banco EE.

6 - Pelo mesmo acordo, Autora e Ré obrigaram-se a celebrar a “escritura pública de compra e venda, que será efectuada no máximo até ao dia 15 de Julho de 2007, em Cartório Notarial a acordar entre as partes”, tudo nos termos do documento de fls. 12 a 14 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido na íntegra.

7 - Pelo mesmo acordo, as partes obrigaram-se ainda a que “o incumprimento de qualquer das obrigações emergentes do presente contrato, por parte dos Promitentes Vendedores, confere ao Promitentes-compradores o direito de, imediata, automática e independentemente de qualquer prazo resolver o presente contrato e exigir daqueles, em dobro, todas e quaisquer importâncias entregues no âmbito do presente contrato, a título de sinal e reforço de sinal. Em caso de incumprimento imputável aos Promitentes-compradores, é conferido igualmente aos Promitentes Vendedores o direito de resolver o presente contrato e fazer suas todas as importâncias recebidas por força deste contrato.”.

8 - Autora e Ré não celebraram escritura pública de compra e venda do terreno objecto do acordo supra referido.

9 - A Ré enviou uma carta à Autora, com data de 11/07/2007, a notificá-la “de que a escritura prometida encontra-se agendada para as 12h30m, do próximo dia 16 de Julho de 2007, no Cartório Notarial da Dra. FF, sito na Rua …, lote 3, r/c dtº, em Loulé”.

10 - A 17 de Julho de 2007, a Ré enviou uma carta à Autora a informar que considerava que “que o aludido contrato-promessa foi resolvido por v/ incumprimento contratual”.

11 - A carta referida em 9. foi devolvida ao remetente, pelo motivo de a empresa Autora estar encerrada para férias.

12 - A carta referida em 10. foi devolvida ao remetente, pelo motivo de a empresa Autora estar encerrada para férias.

13 - A Autora só tomou conhecimento do teor das cartas referidas em 9. e 10. quando foi notificada do articulado resposta da Ré na acção especial de fixação judicial de prazo que intentou contra a Ré.

14 - Após o dia 17/07/2007, a Ré iniciou a construção de várias moradias no terreno objecto do contrato promessa de compra e venda, tendo terminado a sua construção em meados do ano 2009.

15 - A Ré marcou o dia 16/07/2007 para a realização da escritura sem consultar a Autora ou acordar a data com a Autora.

16 - A Ré, além da carta referida em 9., enviou em 11/07/2007 um fax a comunicar que a escritura estava agendada para 16/07/07 às 12h30m, acompanhado de cópia de carta, para um número de fax (22….) fornecido por GG a HH.

17 - GG, pessoa que assinou um dos exemplares do contrato referido em 3., recebeu um mail de HH, mediador imobiliário, a comunicar que a escritura tinha sido marcada.

18 - No dia 16 de Julho de 2007, às 12h30m, a Ré esteve no Cartório Notarial designado para a outorga da escritura pública prometida, com toda a documentação necessária para que a escritura fosse realizada.

19 - A Autora intentou uma acção de “Fixação judicial de prazo” contra a Ré em 3/10/2007, pedindo que fosse fixada data e hora razoável para a realização da escritura pública em Cartório do Algarve, que não deverá exceder 30 dias. 

20 - Nesses autos a Ré deduziu oposição, alegando que considera o contrato resolvido por incumprimento da Autora.

21 - A Ré já tinha enviado em 17 de Julho de 2007 uma carta à Autora a comunicar que considerava o contrato resolvido.

22 - Nos referidos autos apensos a Autora em requerimento de 20 de Maio de 2008 refere o seguinte: ”face à posição da requerida no seu douto articulado “resposta” (considerando o contrato promessa resolvido – vide art. 31º ) não há lugar à fixação de prazo, uma vez que a requerida se recusa a cumprir a obrigação.”

23 - Nos referidos autos apensos em 19/06/2008 em audiência e com a presença do mandatário da Ré, a requerente – face ao referido em 22. - pede que se declare a inutilidade superveniente da lide, o que é declarado e extinta a instância.


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Antes da análise do mérito do recurso propriamente dito, cabe indagar da ocorrência das nulidades apontadas pela recorrente ao acórdão recorrido, reconduzidas às als. b), c) e d) do nº 1 do art.615º do CPCivil (conclusões I a XVI), por verificação dos vícios de falta de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão, ambiguidade ou obscuridade e omissão de pronúncia.

Quanto à omissão de pronúncia imputada a propósito da questão da circunstância da sentença proferida em 1.ª instância ter sido assinada por magistrada diferente da que presidiu o julgamento, consagra o acórdão recorrido um capítulo inteiro ao assunto julgando a nulidade invocada improcedente (fls. 302 a 304), pelo que soçobra manifestamente a invocação do vício em causa.

Neste juízo de improcedência – por se tratar de um mero argumento adjuvante da pretendida nulidade – vai contida a falta de razão para a invocação da violação do princípio constitucional do juiz natural, do qual não decorre a obrigação de que seja o mesmo juiz a tramitar todas as fases do processo.

Tal princípio, aliás, como decorre da doutrina e constitui jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr. Acórdão do TC n.º 614/2003 e Miguel Nogueira de Brito, “O Princípio do Juiz Natural e a Nova Organização Judiciária”, Revista Julgar, n.º 20, págs. 19 e segs.) tem reflexos prevalecentemente na área criminal, sem que o anterior sistema de cisão entre a fase da audiência do julgamento e resposta à matéria de facto, por um lado, e a elaboração da sentença cível, por outro, bulisse de alguma forma com qualquer comando constitucional.

A respeito da (re) apreciação da matéria de facto entende a recorrente que o acórdão da Relação incorre nos vícios de falta de fundamentação e, subsidiariamente, de ambiguidade ou obscuridade que tornam a decisão ininteligível, uma vez que a decisão aprecia de forma vaga e genérica as questões suscitadas no recurso de apelação a este respeito.

Feita a leitura do acórdão recorrido, não se verifica qualquer razão para a sua censura, pois que do mesmo resulta inequivocamente terem sido apreciadas as duas questões suscitadas no recurso de apelação, decidindo-se pelo indeferimento das modificações pretendidas em termos claros e inteiramente perceptíveis.

Como é sabido, a falta de fundamentação susceptível de afectar a decisão tem de corresponder a uma falta absoluta de motivação, e já não a motivação deficiente, medíocre ou errada, a qual apenas pode afectar o valor doutrinal da sentença (como se afirma no Ac. STJ de 28-05-2015, relatado pelo Cons. Granja da Fonseca no proc. 460/11.4YVLSB).

Por outro lado, a nulidade da decisão que se funda na existência de ambiguidades apenas ocorre quando é razoavelmente possível atribuir àquela dois ou mais sentidos, enquanto a obscuridade verifica-se quando aquela é ininteligível, não se confundindo com meras discordâncias da construção jurídica (como se afirma, entre outros, no Ac. STJ de 08-01-2015, relatado pelo Cons. João Bernardo, no incidente suscitado no proc. 5658/07.7TBALM.L2.S1).

Ora, in casu, nenhum destes vícios ocorre na apreciação da matéria de facto feita pelo acórdão recorrido, pois que ambas as questões suscitadas a este propósito foram efectivamente apreciadas, é certo que de modo não coincidente com o pretendido por esta, mas sem que daí resulte qualquer ambiguidade ou obscuridade.

Assim, e sendo certo que a Relação não estava obrigada a analisar todos os argumentos invocados pela recorrente na apelação, mas tão só a apreciar fundadamente as questões suscitadas, improcedem igualmente os vícios imputados à apreciação da decisão da matéria de facto.

Finalmente, quanto ao vício de contradição apontado ao acórdão recorrido no que respeita à apreciação do mérito, é patente a discordância da recorrente da argumentação jurídica aí apresentada, sem que tal, contudo, seja suficiente para considerar a mesma como contraditória no que se refere ao sentido da decisão em face dos fundamentos apresentados.

A nulidade da decisão por contradição ente os fundamentos e a decisão ocorre quando a fundamentação adoptada conduz a uma conclusão e a decisão extrai outra, oposta ou divergente (como se afirma no Ac. STJ de 02-12-2013, relatado pelo Cons. Bettencourt de Faria, no proc. 110/2000.L1.S1).

As sentenças e os acórdãos podem ser mais ou menos bem conseguidos na explanação da argumentação jurídica que conduz ao resultado que é a decisão, mas o facto de poderem não ser escorreitos e até poderem suscitar dúvidas na aplicação de institutos jurídicos, não faz com que ocorra a apontada contradição.

Esta assenta numa deficiência do silogismo que deve sustentar a decisão e consiste na existência de fundamentos que levam logicamente a um sentido decisório e na adopção de uma decisão de sentido oposto àquele, não se confundindo com o erro de julgamento (como se afirma no Ac. STJ de 01-03-2016, relatado pelo Cons. João Camilo, no incidente suscitado no proc. 3210/13.7TBVNG.P1.S1).

Ora, esse é o objecto da apreciação do mérito do recurso e não, certamente, causa da nulidade invocada que, dessa forma, em conjunto com as demais, improcede manifestamente.


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Quanto ao mérito do recurso, está fora de questão ou controvérsia o universo normativo dentro do qual há-de ser encontrada a solução da questão que constitui objecto principal do recurso – no caso, o regime do contrato promessa de compra e venda de imóvel.

A questão a decidir resumia-se inicialmente em saber se a promitente-compradora, aqui recorrente, não tem qualquer direito ao sinal por o contrato promessa ter sido validamente resolvido pela promitente-vendedora com base no incumprimento da contraparte (fora, naturalmente do objecto do recurso da autora), se deve proceder parcialmente, com obrigação de restituição do sinal em singelo, por haver incumprimento de ambas as partes (conforme decidiu a Relação) ou se deve ser determinada a restituição do sinal em dobro por incumprimento objectivo da promitente-vendedora (como constitui a pretensão recursória).

O art. 410º, nº 1, do CC define contrato promessa como “a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”.

No entanto, como refere Nuno Pinto de Oliveira (“Princípios de Direito dos Contratos”, Coimbra Editora, pág. 255), em termos rigorosos, deveria defini-lo como a convenção pela qual uma das partes se obriga perante a outra, ou ambas se obrigam reciprocamente, a emitir a declaração de vontade correspondente ao negócio jurídico prometido.

Em regra, o negócio jurídico será um negócio jurídico bilateral ou plurilateral – será um contrato; excepcionalmente será (ou poderá ser) um negócio jurídico unilateral.

No caso presente, não há dúvida de as partes terem prometido celebrar um contrato – a compra e venda de um terreno para construção – e de o terem feito mediante a emissão de declarações recíprocas nesse sentido, tratando-se, por isso, de um contrato promessa bilateral.

Nos termos do referido contrato-promessa – recorde-se a matéria factual provada –, em 5 de Julho de 2007, a ré prometeu vender à autora, e esta prometeu comprar-lhe, um terreno para construção, sito numa localidade em Albufeira, obrigando-se ambas as contraentes a celebrar a “escritura pública de compra e venda, que será efectuada no máximo até ao dia 15 de Julho de 2007, em Cartório Notarial a acordar entre as partes”.

A questão que, desde logo, se coloca consiste em saber se não tendo a promitente-compradora estado presente na escritura que foi marcada pela promitente-vendedora para o dia 16 de Julho, incorreu em incumprimento definitivo, justificativo da resolução do contrato promessa efectuada por esta, com a consequente apropriação do sinal entregue ao abrigo do art. 442º, nº 2, do CC.

Tem sido posição consolidada da doutrina e da jurisprudência que só o incumprimento definitivo e culposo comina o regime previsto no art. 442.º, n.º 2, do CC, não se bastando a lei com uma situação de retardamento ou incumprimento para além do tempo de cumprimento da obrigação, ou seja, da ocorrência de mora de qualquer dos contraentes (vide, entre muitos outros, o recente Acórdão do STJ de 08-03-2016, relatado pelo Cons. Gabriel Catarino, no proc. nº 1100/13.2TBSLV.E1.S1).

Mas terá, no caso presente, sequer ocorrido uma situação de mora da promitente-compradora?

Vejamos, novamente, os factos:

- o contrato-promessa foi celebrado em 5 de Julho;

- a data limite para a celebração da escritura era o dia 15 de Julho (Domingo);

- o prédio que a ré iria vender à autora apenas foi adquirido por esta em 11 de Julho;

- foi enviada pela ré à autora uma carta datada de 11 de Julho (quarta-feira) a notificá-la de que a escritura tinha sido marcada para o dia 16 de Julho (segunda-feira);

- tal carta foi devolvida por a autora estar encerrada para férias, tendo a autora apenas tomado conhecimento da mesma já no decurso da acção especial de fixação de prazo ulteriormente por si instaurada;

- foi enviado em 11 de Julho um fax pelo mediador imobiliário para um número fornecido por uma pessoa que assinou o contrato-promessa, a comunicar que a escritura tinha sido marcada;

- a ré marcou o dia 16 de Julho para a realização da escritura sem consultar a autora ou acordar a data com a autora.

A mora do devedor, ou mora debitória, verifica-se se houve atraso culposo no cumprimento, mas subsiste a possibilidade futura deste (Almeida e Costa, “Direito das Obrigações”, Almedina, 9.ª Edição, pág. 979).

No caso, ainda que se pudesse entender – como fizeram as instâncias numa aplicação temerária do art. 224º, nº 2, do CC – que haveria culpa da autora pelo não recebimento da comunicação da marcação da escritura – passando por cima do facto de apenas estar provada a data da carta e não a sua expedição; terem ignorado que a mesma só se presumiria recebida no terceiro dia útil que seria já o dia da escritura; terem valorado uma comunicação por fax factualmente insuficiente para considerar como eficaz a declaração; e desvalorizado a prova do ulterior conhecimento efectivo –, sempre se tem de considerar como afastada a mora, porquanto a ré ao decidir marcar unilateralmente a data e o local da escritura (sem acordar ou consultar a autora), não cumpriu o que contratualmente foi acordado.

Na verdade, não sendo a redacção da cláusula respeitante à marcação da data da escritura e à escolha do Cartório, totalmente isenta de dúvidas (“…escritura pública de compra e venda, que será efectuada no máximo até ao dia 15 de Julho de 2007, em Cartório Notarial a acordar entre as partes”), permitindo uma leitura que remete apenas para a necessidade de acordo quanto ao local, a verdade é que o clausulado não deixa na disponibilidade de qualquer das partes a faculdade de marcação da data da escritura, pelo que a boa fé na execução dos contratos (art. 762º, nº 2, do CC), sempre exigiria que a sua marcação fosse antecedida de um entendimento prévio.

Não existindo esse acordo prévio, não existe mora por parte da autora no cumprimento da prestação correspondente à celebração do contrato prometido, pelo que injustificada foi a resolução do contrato por parte da Ré, assente num (inexistente) incumprimento imputável à promitente-compradora.


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Cabe, ainda, saber se, decorrido o prazo indicado no contrato-promessa para a celebração da escritura, era ainda possível o cumprimento futuro da prestação.

Fernando Gravato de Morais, na sua obra sobre o contrato promessa (“Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial”, Almedina, págs. 181 e segs.), disseca as diversas hipóteses em que a fixação da data para a celebração do contrato prometido assume relevância.

Começando por recordar o princípio de que a fixação de um prazo para a celebração do contrato prometido não é um elemento essencial do contrato promessa, distingue, como outros autores, entre a estipulação pelas partes de um termo fixo (absoluto) e a estipulação de um termo não fixo (relativo).

Enquanto o primeiro pode gerar a cessação imediata do contrato, a fixação de um termo não fixo importa tão-só uma situação de mora no cumprimento, a qual apenas é susceptível de desaguar no incumprimento definitivo depois de efectuada a interpelação admonitória, dado que do decurso do prazo não decorre, em princípio, uma perda objectiva do interesse do credor.

A regra é, aliás, a de que havendo dúvidas sobre como dever ser entendido o prazo fixado pelas partes, seja o mesmo considerado como um termo subjectivo relativo (Calvão da Silva, “Sinal e Contrato Promessa”, Almedina, 12.ª Edição, pág. 144).

No caso, as partes relativamente à convenção de prazo fixaram no próprio texto do contrato promessa uma data certa para a conclusão do negócio definitivo (“escritura pública de compra e venda, que será efectuada no máximo até ao dia 15 de Julho de 2007…”), cabendo decidir se a mesma, na economia do contrato e face à factualidade provada, deve ser considerada como um termo fixo absoluto ou relativo nos termos a que acima nos referimos.

O critério que tem seguido a jurisprudência é o de aquilatar da essencialidade do prazo em face das circunstâncias do caso, descortinando na vontade das partes se o decurso desse prazo implica uma clara intenção de considerar o contrato como não cumprido e, desse modo, fundar um juízo de incumprimento, ou ainda possibilita o seu cumprimento tardio.

É essa, nomeadamente, a posição sustentada no Acórdão do STJ de 02-06-2009 (relatado pelo Cons. Fonseca Ramos, no proc. nº136/09.2YFLSB), segundo o qual «no contrato-promessa, a questão de saber qual a natureza do prazo (fixo ou não) é de natureza interpretativa tendo de ser indagada a vontade das partes, tendo em conta, mormente, o contrato em si e o objectivo económico que visa, a par do equilíbrio contratual postulado pelas regras da boa-fé.”.

Importa, pois, saber se as partes pretenderam que, decorrido o prazo, a finalidade da obrigação não pudesse ser já obtida com a prestação ou se ainda admitiram a possibilidade de uma prestação ulterior, que ainda satisfaça a finalidade da obrigação.

Trata-se, no fundo, de decidir se a fixação desse termo constitui um prazo de vencimento da prestação ou um prazo final da vinculação (veja-se Fernando Baptista de Oliveira, “Contratos Privados”, Vol. II, Coimbra Editora, pág. 86).

Ora, aqui e agora, não resulta que a estipulação da data certa fixada como limite máximo para a realização da escritura pública tenha como característica uma essencialidade absoluta impeditiva da existência do interesse na realização do negócio em momento ulterior.

Na verdade, a própria rapidez de todo o processo, as vicissitudes que sempre podem surgir na formalização de um negócio prometido que tem por objecto um imóvel e a circunstância de não ter sido fixada qualquer consequência para o decurso desse prazo (limitando-se o contrato a consagrar genericamente a possibilidade de resolução no caso de incumprimento das obrigações que emergia para qualquer das partes), inculcam a ideia de que o mero decurso do prazo não implicaria, só por si, uma inderrogabilidade absoluta do prazo.

De resto, o objectivo do negócio prometido que constituía na transmissão da propriedade de um terreno para construção e as regras da boa-fé na execução dos contratos, levam-nos a concluir – numa perspectiva equilibrada dos interesses em confronto – pela existência de razões para considerar que, segundo as regras de interpretação da vontade negocial consagradas no art.236º, nº 1, do CC, segundo a perspectiva de um declaratário normal, o sentido que deve ser dado à declaração é de, mesmo decorrido esse prazo, ainda haver interesse na celebração do contrato.

O normal, quando se trata da compra e venda de um imóvel, em que as partes nada disseram expressamente quanto às consequências do decurso do prazo, será que o interesse se mantenha para além da data indicada para a realização da escritura, e não o seu contrário, devendo aqui ser aplicada a regra do in dubio sufragada por Calvão da Silva, por ser aquela que preferencialmente corresponderá à vontade das partes.

Neste mesmo sentido, decidiu o STJ no Acórdão de 02-03-2011 (relatado pelo Cons. Abílio Vasconcelos, proc. n. 5193/04.5TCLRS.L1.S1) que «resultando do contrato-promessa que a escritura de compra e venda deveria ser celebrada no prazo máximo de um ano, e não fluindo dos autos que tal prazo fosse essencial, não é o decurso do mesmo suficiente para, só por si, fundar a declaração de resolução do contrato.”

Indemonstrada a essencialidade do prazo de cumprimento de contrato-promessa e tendo-se concluído pela inexistência de mora da autora, promitente-compradora, na realização da prestação, o direito de resolução do contrato, seja ele fundado no incumprimento ou no esgotamento do prazo acordado, deve ter-se por excluído.


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Resta, pois, avaliar das consequências da resolução ilícita do contrato-promessa por parte da ré e dos fundamentos invocados para a pretensão de restituição do sinal em dobro.

É sabido que, nos termos do n.º 2 do art.442º, nº 2, do CC, o incumprimento definitivo (e só este) por parte do promitente-vendedor justifica a exigência do sinal em dobro.

Alguma jurisprudência tem expressamente afirmado que a resolução infundada do contrato-promessa, pelo promitente-vendedor, põe termo à sua vigência, pelo que se equipara ao incumprimento definitivo (Acórdão do STJ de 09-09-2014, relatado pelo Cons. Mário Mendes, no proc. n.º 4012/06.2TBBRG.G1.S1).

Outrossim, esse incumprimento pode, desde logo, e nos termos gerais do art.801.º do CC, resultar de uma situação de impossibilidade culposa imputável ao devedor, sendo exemplos dessa impossibilidade culposa a transmissão pelo promitente-vendedor do imóvel objecto da promessa de venda, bem como o perecimento ou deterioração da coisa devida, sem que este ilida a presunção de culpa que sobre si recai.

In casu, ficou demonstrado ter a ré, promitente-vendedora, logo no dia a seguir à escritura malograda, enviado à autora uma carta a declarar que considerava resolvido o contrato-promessa por incumprimento da promitente-compradora, bem como iniciado a construção de várias moradias no terreno objecto do contrato promessa, tendo terminado a sua construção cerca de dois anos depois.

Ora, a conduta resolutiva ilícita da ré e a modificação ou transformação in substantiam do objecto da promessa – passando de um terreno para construção para um terreno construído – tornam manifestamente impossível o cumprimento da prestação acordada, sendo a responsabilidade da mesma imputável à ré para efeitos do art. 801.º do CC.

E se assim é – manda o nº 2 do art. 442º do CC - aquela que prestou o sinal, a autora, têm o direito de o exigir o dobro do que entregou, face ao incumprimento definitivo, culposo, imputável à ré.

Procede, pois, o recurso in totum.


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D   E   C   I   S   Ã   O




Na procedência do recurso,

concede-se a revista e, revogando-se a decisão recorrida,

condena-se a ré BB – CONSTRUÇÃO CIVIL, LDA a pagar à autora AA, TRADING, S.A. a quantia de 77 000 €, correspondente ao sinal dobrado.

Custas, aqui e nas instâncias, a cargo da ré.


LISBOA, 16 de Junho de 2016


Pires da Rosa (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova