Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5619/08.9TBMTS-B.P1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
REGISTO
EFICÁCIA REAL
PENHORA
ALIENAÇÃO
ESCRITURA PÚBLICA
Data do Acordão: 01/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / AUDIÊNCIA FINAL / RECURSOS – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / PAGAMENTO / VENDA / VENDA MEDIANTE PROPOSTAS EM CARTA FECHADA / OUTRAS MODALIDADES DE VENDA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CONTRATO-PROMESSA / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO / ACÇÃO DE CUMPRIMENTO E EXECUÇÃO.
Doutrina:
-Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, Almedina, 12.ª Edição, p. 179;
-Castro Mendes, Direito Processual Civil, Acção Executiva, Ed. AAFDL, 1971, p. 72;
-Manuel Henrique de Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, p. 252 e 235;
-Marco Gonçalves, Embargos de terceiro na ação executiva, Universidade do Minho, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 102, 204 e ss.;
-Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, p. 389 e 373;
-Mónica Jardim, Efeitos Substantivos do Registo Predial, 2015, Reimpressão, p. 886;
-Rui Pinto, A acção executiva depois da reforma, JVS, Lisboa, 2004;
-Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, 1998, p. 242.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 604.º, N.º 2, 635.º, N.º 4, 639.º, N.ºS 1 E 2, 822.º, N.º 1 E 831.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 413.º, N.º 1 E 819.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

- DE 12-01-2012.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 22-09-2016, PROCESSO N.º 26980/15.3T8LSB.L1.-2, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

O promitente-comprador em contrato promessa de compra e venda dotado de eficácia real, que viu registada penhora depois do registo daquele contrato promessa, não está impedido de outorgar o contrato definitivo com o promitente-vendedor referente à compra e venda prometida, depois de realizada a penhora do bem, mas antes da sua venda no processo executivo, não tendo necessariamente e sempre que exercer o seu direito no âmbito da execução promovida pelo credor do promitente vendedor.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



 I.   Relatório


1. AA - , Lda. deduziu embargos de terceiro por apenso à acção executiva que o Banco ... SA instaurara contra BB, CC, DD e EE, Lda., pedindo que se determine o levantamento da penhora do imóvel que identifica e que se encontra penhorado nos autos de execução, com o consequente cancelamento do respectivo registo.

Os embargos seguiram os seus trâmites e a final foi proferida decisão que os julgou improcedentes por não provados.

Não se conformando com o decidido, a embargante interpôs recurso de apelação, tendo o Banco embargado apresentado contra-alegações.

 

2. O Tribunal da Relação veio a julgar a apelação procedente por provada e, consequentemente, revogou a decisão recorrida ordenando o levantamento da penhora efectuada nos autos quanto ao dito imóvel e o cancelamento do respectivo registo, correspondente à Ap. n.º 568, de 21/02/2011.

 

3. Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso de revista o Banco ... SA.

Nas conclusões do recurso diz (por transcrição):

“1. Vem o presente recurso de revista interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto que julgou procedente a Apelação, por provada, e, consequentemente, determinou a revogação da douta sentença proferida em 1ª instância.

2. Ao assim julgar, o douto Acórdão, de que aqui se recorre, violou designadamente o disposto nos artigos 9.º, 601.º, 817.º e 819.º, todos, do Código Civil (CC) e artigos 831.º e 735.º, ambos, do Código de Processo Civil (CC).

3. Como resulta da matéria de facto provada, o registo da penhora do imóvel efetuado nos autos principais de execução a favor do Banco aqui Recorrente ocorreu em 21/02/2011, sendo que, posteriormente, em 23/02/2011 o Executado, BB, e a Embargante/Recorrida celebraram a escritura de compra e venda, nos termos da qual o primeiro vendeu à segunda o imóvel penhorado nos autos.

4. E, na ótica da tese propugnada no douto Acórdão em causa, nada na Lei impede a eficácia de tal venda ocorrida fora dos limites da ação executiva.

5. O certo é que no caso dos autos, quando a penhora foi registada ainda não se havia operado a transferência da propriedade do imóvel para a Embargante/Recorrida, pois o contrato prometido só viria a ser celebrado em data posterior.

6. Nessa medida, a celebração do contrato prometido é inoponível à penhora registada à ordem dos autos e não podia o Executado, nem a Recorrida ignorar a existência da penhora anterior e optar pela transmissão do imóvel.

7. Não discorda a aqui Recorrente que a oponibilidade erga omnes do contrato-promessa com eficácia real determina a invalidade ou ineficácia dos atos jurídicos realizados em sua violação.

8. No entanto, como é sabido, na esteira de grande parte da doutrina e jurisprudência, o contrato promessa apenas cria a obrigação de contratar, a que corresponde o direito de crédito da contraparte de exigir o seu cumprimento, produzindo mero efeito obrigacional de concluir um futuro contrato sem produzir efeitos reais.

9. De forma que, a celebração de um contrato promessa com eficácia real, enquanto instrumento jurídico que se limita a conferir o direito à celebração do contrato prometido, não obsta à penhora e venda do bem no processo executivo.

10. Apenas obriga a que esse direito seja reconhecido no processo de execução, isto é, que o direito de aquisição de que goza o promitente comprador seja atendido no momento da realização da venda executiva.

11. Pois, como resulta do preceituado no artigo 913.º CPC, se o bem tiver sido prometido vender em contrato promessa com eficácia real, o promitente comprador pode exercer o direito de execução específica no processo de execução fiscal, sendo-lhe feita diretamente a venda, dado que ele dispõe de um direito real de aquisição sobre o bem penhorado que foi colocado à venda.

12. A referência expressa à promessa com eficácia real corresponde exatamente ao segmento da norma que se apresenta operante no contexto deste recurso, na medida em que a própria Lei prevê expressamente um meio próprio e específico para a satisfação do direito alegado pela Recorrida.

13. O cerne da questão esta, pois, em saber como conciliar o exercício do direito à execução específica da promessa com eficácia real sobre o bem penhorado com o direito do exequente de obter o pagamento da dívida exequenda com o produto da venda do bem.

14. Essa resposta é evidente e está expressamente consagrada na Lei.

15. Qualquer pretensa ofensa do direito a celebrar o contrato definitivo, encontra solução no transcrito artigo 831.º do CPC (anterior artigo 903.º).

16. Portanto, à questão formulada no douto Acórdão em recurso: Se o promitente comprador, em contrato promessa de compra e venda dotado de eficácia real que viu registada penhora depois do registo daquele contrato promessa, estava impedido de outorgar escritura publica com o promitente vendedor referente à compra e venda prometida, por ter que exercer o seu direito no âmbito da respectiva execução, a resposta só pode ser positiva, tendo em conta o precisamente o estatuído no artigo 903.º do CPC.

17. O que é admitido no próprio Acórdão do Tribunal da Relação do Porto na parte em que lê: “Não fora a norma do artigo 903.º do CPCivil (atual artigo 831.º) a resposta a tal questão não poderia deixar de se positiva”.

18. E o recurso ao mecanismo vindo de referir, nos casos abrangidos pela sua previsão, é obrigatório.

19. Até aqui parece que o vindo de expor é, em certa medida, corroborado pelo Acórdão recorrido, dado que “dúvidas não existem relativamente ao necessário exercício da execução específica na própria execução” – cfr. fls 866 verso do Douto Acórdão. (Sublinhado e negrito nossos).

20. O que não se entende e é incompreensível - salvo o devido respeito - é a aceção logo a seguir propugnada pelo Tribunal Recorrido no sentido de limitar tal necessidade, de exercício da execução específica na própria execução, às situações em que execução esteja em fase de venda.

21. Sendo incompreensível a forma forçada e subjetiva com que o Tribunal recorrido fundamenta a inaplicabilidade daquele regime, ao entender que “se não poderá impor ao promitente comprador que espere, por vezes, largos anos, para exercer o seu direito ao cumprimento voluntário,…» ou «…que espere pela venda judicial do bem em função da penhora que sobre ele incide”.

22. Antes de mais: será que aos “olhos” da Justiça, no caso sub judice, é a posição do promitente comprador que merece maior tutela? Será a expectativa sobre a aquisição de um bem merecedora de maior tutela do que a expectativa de se ver ressarcido de um crédito?

23. Ao socorrer-se de tal interpretação restritiva do artigo 903.º do CPC (atual 831.º), o Tribunal recorrido incorreu em errada interpretação da Lei.

24. Na interpretação da Lei, dever-se-á necessariamente atender, em primeiro lugar ao elemento literal da lei, excluindo desse modo a interpretação que não tenha na letra da norma um mínimo de correspondência

25. Por outro lado, não podem ser olvidados os elementos o sistemático, o histórico e o teleológico, reportados essencialmente à unidade do sistema jurídico e à justificação social da lei.

26. Com efeito, no artigo 9.º do CC consagram-se os princípios gerais sobre o método de interpretação das leis, visando o legislador, desse modo, conciliar, o interesse da retidão e do progresso da ordem jurídica, mediante a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, assim como a certeza do direito, com a decorrente segurança do comércio jurídico, assentes na presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequado.

27. Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.

28. Na interpretação restritiva, que é a que interessa, o intérprete chega à conclusão de que o legislador adotou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer.

29. Só poderá justificar-se uma interpretação restritiva se no atendimento do teor literal, nos termos genéricos em que surge formulado, o sentido achado na letra se mostra contraditório com outro já existente, ou mesmo se a lei a interpretar contém em si uma contradição, mostrando-se ultrapassado o fim para que foi criada a norma,

30. E tal tem que decorrer, de forma percetível, do texto da Lei, retirando-se, ainda que indiretamente, uma alusão ao sentido que o intérprete venha acolher, resultante da interpretação.

31. Situação que aqui não ocorre.

32. A Lei é clara e expressa ao estipular que Se os bens houverem, por lei, de ser entregues a determinada entidade, ou tiverem sido prometidos vender, com eficácia real, a quem queira exercer o direito de execução específica, a venda ser-lhe-á feita diretamente”

33. Do seu enunciado não resulta que seja permitido uma interpretação restritiva no sentido de limitar a obrigatoriedade de recurso ao necessário exercício de execução específica na própria execução às situações em que nesta se esteja na fase de venda.

34. Ou seja, não pode concluir-se que o legislador se exprimiu de forma ampla e genérica, quando se queria reportar a uma determinada situação jurídica.

35. E essa conclusão sai reforçada se atendermos aos demais elementos a ter em conta na interpretação da Lei; Ou seja, aos elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.

36. Tal interpretação violaria, desde logo, o disposto nos artigos 601.º do CC, 817.º do CC e 735.º CPC, - permitindo-se que, em determinados casos - rectius, nas situações que não se esteja na fase de venda - o registo de uma promessa de alienação, com eficácia real, sobre um bem do devedor determinasse a sua exclusão do âmbito da universalidade do seu património que responde pelas dívidas.

37. Estar-se-ia, pois, a coartar, senão mesmo esvaziar, a aplicabilidade prática do mesmo do artigo 903.º do CPC e a abrir portas a um regime de intangibilidade dos bens do promitente vendedor, pois este em conluio com um alegado promitente-comprador sempre poderá dispor de um meio eficaz de subtrair os seus bens à execução.

38. Sustentar tão peremtoriamente a inaplicabilidade do regime do artigo 831.º do CPC ao caso paradigmático caso sub judice, é, pois, afirmar a sua inaplicabilidade em geral.

39. Foi, precisamente, no sentido de obter uma solução que ponderasse e conciliasse de forma ajustada os esses interesses em confronto que o legislador, no que se refere ao contrato-promessa de compra e venda com eficácia real, estabeleceu que o promitente-comprador tem o ónus de comprar o bem prometido vender na execução – através da venda direta prevista no artigo 831.º do CPC.

40. Com efeito, nestes casos – como é o dos autos – exige-se que o promitente adquirente seja notificado da data designada para a venda, para, até essa data, demonstrar nos autos a celebração da compra e venda prometida ou a instauração da ação com vista à execução específica do contrato promessa.

41. Só no caso de não ser efetuada essa notificação, o promitente-comprador poderia opor-se à penhora mediante embargos de terceiro, porque só nesse caso poderia ainda promover a execução específica do contrato promessa após a venda efetuada em processo de execução.

42. O que não pode ser permitido é que o executado, desprezando a existência de penhora anterior, opte por vender um imóvel relativamente ao qual já não tem poder de disposição em detrimento do recurso da embargante ao meio legal próprio para o efeito.

43. Isto, acrescenta-se, em prejuízo também do disposto no artigo 819.º do CC.

44. Depois porque há que considerar situações em que, como a ação executiva de que os presentes constituem apenso, a venda está suspensa durante anos em virtude do efeito suspensivo dos embargos de terceiro.

45. Por outro lado, o âmbito de aplicabilidade do artigo 903.º a todas as ações executivas – Independentemente do estado da venda - é tanto mais claro e expresso se atentarmos ao espirito do legislador do Decreto-Lei nº 38/2003 ao alterar a redação desse artigo 885.º do CPC.

46. O artigo 903.º, antes de 2003 limitava-se a determinar que se “os bens houverem, por lei, de ser entregues a determinadas entidades, a venda ser-lhes-á feita directamente”.

47. E já nessa oportunidade era pacífico que aí se consagrava o caso dos bens objeto de promessa de venda à qual tivesse sido atribuída eficácia real.

48. No entanto, para dissipação de quaisquer dúvidas, o legislador do Decreto-Lei nº 38/2003 entendeu, em sede de revisão do regime da ação executiva, consagrar expressamente a venda em execução diretamente ao promitente-comprador de bem entretanto penhorado, quando à promessa tenha sido atribuída eficácia real e esse promitente queira exercer o direito de execução específica, nos termos do n.º 1 do artigo 830.º do Código Civil.

49. A interpretação restritivamente o âmbito de aplicabilidade do artigo 903.º do CPC (atual artigo 831.º) não tem o mínimo assento na letra da Lei, no elemento sistemático, histórico e teleológico.

50. A procedência da tese proclamada no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto importaria a total violação da previsão estabelecida nos artigos 9.º, 601.º, 817.º e 819.º, todos, do Código Civil (CC) e artigos 831.º e 735.º, ambos, do Código de Processo Civil (CC),

51. Independentemente do estado da venda, é ao mecanismo previsto no artigo 903.º do CPC (atual 831.º) que Recorrida se deveria socorrer caso pretendesse obter a execução específica da promessa aludida em 1.º dos Factos Assentes, não sendo permitido ao promitente comprador outorgar escritura publica com o promitente vendedor fora do quadro da execução.

Nestes termos e com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, mantida a decisão proferida na Primeira Instância, assim se fazendo inteira JUSTIÇA.”

 

O recorrido contra-alegou.

 

4. A matéria de facto que vem dada como provada é a seguinte:

1º- Por acordo designado contrato promessa de compra e venda com eficácia real, celebrado no dia 11 de Julho de 2007, no Cartório Notarial da Licenciada Drª ..., sito na Rua ..., a embargante prometeu comprar e FF na qualidade de procurador de BB, prometeu vender, pelo preço de € 199.519,16, o prédio urbano sito na ..., da freguesia da Foz do Douro, Porto, inscrito na matriz sob o art. 2150, e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 58.220.

2º- Na referida escritura, as partes declararam que o preço se encontrava pago e que a escritura definitiva deveria ser realizada no prazo máximo de três anos a contar desta data, devendo para o efeito a promitente compradora notificar o promitente vendedor, por meio de carta registada com aviso de recepção, com pelo menos quinze dias de antecedência.

3º- Tendo ainda declarado atribuir eficácia real ao contrato.

4º- Mediante a Ap. n.º 43, de 2007/08/08 foi registada na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto (1212/20070808, da freguesia Foz do Douro, correspondente à inscrição em Livro nº 58220) a promessa de alienação descrita em A-) a favor de AA – Compra e Venda de Imóveis, Lda, pelo prazo de três anos a contar de 11 de Julho de 2007.

5º- O registo foi efectuado como provisório por natureza, tendo sido convertido em definitivo pela Ap. n.º 2008/03/12.

6º- Mediante a Ap. n.º 4934 de 2009/01/12 foi inscrita a penhora a favor da Fazenda Nacional sobre o prédio descrito em 1º), para pagamento da quantia exequenda de € 30.612,85, reclamada no processo de execução fiscal nº 1872200501064363.

7º- Mediante a ap. n.º 568 de 2011/02/21 foi inscrito o registo da penhora a favor do Banco ..., SA para pagamento da quantia exequenda reclamada nos autos principais.

8º- Por escritura pública de compra e venda celebrada no dia 23 de Fevereiro de 2011 no Cartório Notarial do Licenciado ..., sito na Rua ..., BB declarou vender e GG na qualidade de procurador da sociedade embargante AA–..., Lda, declarou comprar, pelo preço de € 400.000,00, já recebido, o prédio urbano descrito em A-).

9º- Mediante a Ap. nº 2542 de 2011/02/23, foi inscrita a aquisição, por compra, a favor de AA, ..., Lda, do imóvel descrito em A-).

10º- O auto referente à penhora decretada nos autos principais foi lavrado em 6 de Junho de 2011.

11º- A partir de data não concretamente apurada a mediadora HH vinha promovendo a venda do dito imóvel.

12º - A embargante pretendia encontrar um comprador para o imóvel.

13º- A embargante não deduziu embargos no processo de execução fiscal.

14º- Pela Ap. 4934 de 12/01/2009 foi inscrita sobre o imóvel objecto da escritura referida em A) uma penhora a favor da Fazenda Nacional para garantia da quantia exequenda de € 30.612,85 que estava peticionada no Processo de execução fiscal nº 1872200501064363 no qual era executado BB.

15º- Em data não concretamente apurada de 2010 a mediadora HH, apresentou à embargante um interessado.

16º- Após algum tempo de negociações, a embargante viria, por contrato reduzido a documento particular outorgado a 04/02/2011, a prometer vender o imóvel descrito em 1º dos factos provados a “II, viúvo, residente na ..., portador do Bilhete de Identidade vitalício número ...” e este a prometer comprá-lo pelo preço de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), nos termos que constam do acordo de fls. 36 a 39 e que se dão aqui por integralmente reproduzidos.

17º- O promitente comprador referido em 16º dos factos provados entregou à ora embargante a importância de € 35.000,00, mediante cheque nº..., sacado sobre o Banco ..., S.A, destinado ao pagamento da dívida exequenda no processo de execução fiscal nº ..., do Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim onde se tinha efectuado a referida penhora sobre o dito imóvel correspondente à inscrição Ap. 4934, de 12/01/2009.

18º- A dívida em causa nessa execução fiscal, no momento de € 27.292,22 foi paga a 9/02/2011, tendo poucos dias depois sido solicitado ao Serviço de Finanças competente o cancelamento do registo da penhora.

19º- Em 1/03/2011, aquela penhora da execução fiscal já não se encontrava registada.

 

II.   FUNDAMENTAÇÃO

5. Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, foi colocada uma questão jurídica a este tribunal, que consiste em saber se o recurso ao mecanismo previsto no art.º 903.º do CPC (actual art.º 831.º do CPC) é obrigatório em qualquer circunstância, ou se existe a possibilidade de o promitente vendedor outorgar a escritura de venda em favor do promitente comprador, em cumprimento do contrato promessa com eficácia real previamente registado e anterior à penhora, sem que a alienação do bem se faça no âmbito do processo executivo e segundo a regra do citado art.º 903.º.

 

6. A questão colocada a este Tribunal havia já sido colocada ao Tribunal da Relação, como se denota da análise do douto acórdão recorrido, ao dizer: “dentro deste quadro factual a questão a que importa agora dar resposta é se o promitente comprador, em contrato promessa de compra e venda dotado de eficácia real que viu registada penhora depois do registo daquele contrato promessa, estava impedido de outorgar escritura pública com o promitente vendedor referente à compra e venda prometida, por ter que exercer o seu direito no âmbito da respectiva execução.”

Para responder à questão, o Tribunal da Relação começou por explicar o sentido do art.º 413.º, n.º 1 do CC e os pressupostos aí consignados, para depois indagar qual o conteúdo jurídico da eficácia real, tal como tem sido apresentada pela doutrina, socorrendo-se da posição de ANA PRATA, nos termos da qual “(…) a eficácia real do contrato promessa traduzir-se-á na possibilidade de o contrato promessa ser invocado contra terceiros que, subsequentemente ao registo dessa promessa, venham a adquirir direitos incompatíveis com o seu cumprimento”, para ponderar se os direitos que emergem na situação dos autos para os terceiros titulares de registos subsequentes ao do contrato promessa de compra e venda com eficácia real se mostram incompatíveis com esta eficácia.

Numa primeira análise o tribunal veio a sustentar que, destinando-se o contrato de compra e venda a transferir o direito de propriedade, apenas se mostraria incompatível com a promessa real a transferência do direito de propriedade para um terceiro operada após o registo da promessa, mas logo depois infirmou a posição inicial e alargou a situação aos “actos da sua oneração, que se devem ter como abrangidos pela ineficácia dos negócios celebrados em oposição à promessa com eficácia real, na medida em que estes se mostram aptos a impedir o promitente vendedor de cumprir a promessa da venda do direito de propriedade plena”, convocando em apoio deste alargamento as posições doutrinais de Mónica Jardim[1], Manuel Henrique de Mesquita[2] e Calvão da Silva[3], concluindo que o legislador através do contrato promessa dotado de eficácia real “visou proteger aqueles que tem direito à alienação ou constituição de um direito real contra o subsequente titular registal inscrito[4].

Em face disto, o Tribunal da Relação disse “que na pendência do registo do contrato promessa com eficácia real, a penhora do imóvel, seu objecto, torna-a ineficaz em relação ao promitente comprador, não obstante seja discutível a sua qualificação como direito real de garantia[5]”, dúvida que resolveu optando por defender que se deve configurar a penhora como direito real de garantia (“esse entendimento parece ser o que melhor se coaduna com a norma do artigo 604.º, n.º 2 do CCivil, conjugada com a do artigo 822.º, n.º 1”).

Num segundo momento, o Tribunal da Relação aprofundou a investigação e questionou-se se, na situação dos autos, existiria uma verdadeira incompatibilidade entre a penhora cujo registo se mostre subsequente e o contrato promessa de compra e venda com eficácia real. A dúvida surgiu na sequência do confronto entre a situação dos autos e a disposição legal do art.º 903.º do CPC[6] (actual artigo 831.º), e aqui o tribunal defendeu que a “penhora não contende com o direito à execução específica do contrato-promessa dotado de eficácia real, visto que o promissário que se encontre nessa situação, pode exercer o seu direito ao cumprimento e à execução específica no próprio processo executivo, sendo-lhe a venda feita directamente e pelo preço acordado no contrato promessa”.

Mais defendeu, convocando em reforço da sua argumentação a posição da jurisprudência proferida no Ac. STA 12/1/2012, que seria necessário exercer o direito à execução específica na própria execução quando esta se encontre na fase da venda, mas já não quando a execução está em fase distinta.

No seu entender a conclusão assentaria na seguinte fundamentação: i) seria o entendimento que melhor permitiria conciliar o interesse de evitar a falta de estabilidade da venda executiva, que comprometeria a sua realização; ii) seria o entendimento que melhor permitiria evitar a “a possível mancomunação do promitente e promissário advinda de, através da constituição do ónus da eficácia real da promessa, manter indefinidamente fora do alcance dos credores um bem”.

Porque no caso dos autos o promitente vendedor e o promitente comprador procederam à compra e venda do imóvel fora do processo executivo, onde se concretizou a referida penhora, fazendo-o negocialmente por escritura pública, em momento em que não se estava ainda na fase de venda executiva, nada de censurável encontrou na referida opção.

Feita esta opção interpretativa, suscitou-se a dúvida sobre o que deveria acontecer ao registo da penhora, uma vez que o efeito extintivo estaria previsto para a venda executiva[7], e não se verificaria, sem mais, na venda negocial - artigo 824.º, n.º 2 CC[8]. O tribunal veio, então, a afirmar: “quando o promitente comprador, pese embora a(s) penhora(s) registadas se consiga entender com o promitente vendedor para outorgarem conjuntamente escritura de compra e venda do imóvel - como sucedeu nos autos - parece que não restará outra alternativa que não a de levantar as penhoras e ordenar o cancelamento do(s) respectivo(s) registo(s).”

E continua:

“E contra isso, não se objecte com a disciplina constante do artigo 819.º do CCivil[9], pois que a mesma, se bem que refira serem “inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”, se inicia com a expressão, “sem prejuízo das regras do registo”. Portanto, estas regras, na situação de prévio registo de contrato promessa com eficácia real, só podem significar, que o direito do promitente comprador é oponível à penhora, tudo se passando, no que se refere à prevalência em relação a terceiros, como se a compra e venda prometida tivesse sido efectuada na data em que a promessa foi registada.”


7. O recorrente contesta os argumentos utilizados pelo tribunal e a sua decisão, nos termos das conclusões acima expostas.

Que dizer sobre as posições apresentadas?

Podemos antecipar já que nos parece ter sido correcta a decisão tomada pelo Tribunal da Relação, o que justificaremos de seguida.

Vem questionado no recurso se seria admissível efectuar a alienação do imóvel penhorado fora do processo executivo e do âmbito do art.º 901.º CPC (art.º 831.º actual).

A resposta é positiva. Nada obsta a que o verdadeiro proprietário de um imóvel disponha do seu bem, porque não existe uma norma legal que determine a sua intransmissibilidade ou qualquer limitação à mesma: assim, o bem podia ser alienado por acto de vontade do seu titular.

Mas pode este acto de alienação prejudicar uma acção executiva pendente em que o bem havia sido penhorado? Pode a alienação do bem obstar à sua execução? A lei permite a saída deste bem do património do devedor sem que ocorra a sua substituição por outro (valor), tudo em prejuízo do credor?

Em regra a resposta a estas questões é negativa. Admitir tais soluções seria comprometer a garantia patrimonial com que os credores contam ao conceder crédito. Essa garantia é formada pelo património do devedor – todo o património, se se tratar de dívida não especialmente garantida, ou certos bens, se se tratar de uma garantia especial de tipo real. No património do devedor incluem-se assim bens em relação aos quais o devedor se comprometeu já - através de contrato-promessa – a alienar, mas cuja alienação ainda não foi concretizada na data em que o credor executa o património.

Parece ser esta a situação dos autos: o promitente vendedor figurava no registo predial como proprietário do imóvel sobre o qual vem a incidir uma penhora.

De acordo com o disposto no art.º 755.º, n.º 1 do CPC, a penhora de imóveis realiza-se por comunicação electrónica do agente de execução ao serviço de registo competente, a qual vale como pedido de registo, ou com a apresentação naquele serviço de declaração por ele subscrita, seguindo-se a inscrição da penhora, com a subsequente elaboração do auto de penhora (n.º 3). Com a apresentação do pedido de registo fixa-se a data da inscrição registal.

No caso dos autos, conforme vem provado, pode confirmar-se que a penhora precedeu o registo da transmissão da titularidade do imóvel efectuada por via da celebração do contrato de alienação do imóvel entre embargante e executado:

i)   7º- Mediante a ap. n.º 568 de 2011/02/21 foi inscrito o registo da penhora a favor do Banco ..., SA para pagamento da quantia exequenda reclamada nos autos principais;

ii)   8º- Por escritura pública de compra e venda celebrada no dia 23 de Fevereiro de 2011 no Cartório Notarial do Licenciado ..., sito da Rua ..., Porto, BB declarou vender e GG na qualidade de procurador da sociedade embargante AA–..., Lda, declarou comprar, pelo preço de € 400.000,00, já recebido, o prédio urbano descrito em A-);

iii)   9º- Mediante a Ap. n.º 2542 de 2011/02/23, foi inscrita a aquisição, por compra, a favor de AA, Compra e Venda de Imóveis, Lda, do imóvel descrito em A-);

iv)   10º- O auto referente à penhora decretada nos autos principais foi lavrado em 6 de Junho de 2011.


Porém, a situação dos autos oferece uma particularidade, face à situação jurídica até aqui descrita, por estarmos perante uma promessa de alienação dotada de eficácia real, eficácia que decorre do registo (ainda que pressuponha outros requisitos).

O registo da eficácia real da promessa de alienação sobre o imóvel penhorado, que data de 2007, foi realizado para conferir à obrigação de contratar a eficácia própria dos direitos reais, dita oponibilidade erga omnes, ou, se se preferir, a criar um direito real de aquisição em benefício do promitente comprador (consoante a posição a que se adira, no sentido de aqui ver um direito obrigacional reforçado ou um direito real).

Trata-se assim de um registo que conferindo publicidade à promessa realizada dá a conhecer a eventuais interessados a posição jurídica reforçada do promitente adquirente, em termos de lhe estar assegurada uma forte tutela da aquisição do direito de propriedade sobre o bem.

Ao ser colocada a questão levantada neste recurso (já indicada) está a perguntar-se se tal tutela pode ser levada ao extremo de a considerar equivalente à inscrição de facto aquisitivo do direito de propriedade, embora reportada à data do registo da eficácia real da promessa (e não já à data da aquisição da propriedade).

Qualificando-se a promessa com eficácia real como um direito real de aquisição, sabendo que a mesma está inscrita no registo – e consequentemente publicitada – não poderá deixar de se retirar destes dois elementos a necessária consequência: este direito, que é oponível erga omnes, tem de ter um conteúdo útil, o que terá motivado o legislador a conferir lhe tão grande protecção. Esse conteúdo consiste em o seu titular poder “perseguir” o bem a que se reporta a promessa – em linha com a característica da inerência e sequela própria dos direitos reais –, mesmo que ele já não se encontre na esfera jurídica do “devedor da promessa”, perseguição essa em que a prevalência do direito do promissário o é em termos de um direito pleno sobre o referido bem (uma vez que se acordou a transmissão da propriedade do bem livre de ónus ou encargos, que tal acordo se encontra registado através da promessa de alienação com eficácia real, os actos do promitente alienante que pudesse pôr em causa a concretização da referida promessa não podem colocar em causa o direito do promissário). Esse conteúdo consiste em o seu titular poder “perseguir” o bem onde quer que ele esteja, mesmo que a sua titularidade tenha, entretanto, sido transmitida para terceiro ou objecto de oneração, voluntária ou forçada. Por maioria de razão, esse conteúdo há-de consistir em o seu titular poder “perseguir” o bem invocando o direito de o adquirir livre de ónus ou encargos contra um credor do proprietário/promitente vendedor que reclama direitos de crédito e goza de alguma garantia sobre o bem, desde que este direito tenha sido constituído em data posterior à data da promessa com eficácia real registada.

Na verdade, na hipótese de uma oneração em virtude de acto de terceiro, como sucede com a penhora posterior à promessa, não se pode verdadeiramente considerar que o credor fica prejudicado por ter um direito real de garantia que cede perante um direito real de aquisição. Porque o direito real de aquisição se encontra registado, ele está publicitado de forma a que um credor diligente não pudesse conceder crédito esperando que na falta do seu cumprimento pontual tal bem pudesse ser chamado a responder pela dívida.

Com o registo da eficácia real, apesar de não ter havido transmissão do direito, a situação é tratada como praticamente equivalente à da transmissão do bem.

Esta é a situação dos autos. Conforme vem provado:

i)  4º- Mediante a Ap. n.º 43, de 2007/08/08 foi registada na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto (1212/20070808, da freguesia Foz do Douro, correspondente à inscrição em Livro nº 58220) a promessa de alienação descrita em A-) a favor de AA – Compra e Venda de Imóveis, Lda, pelo prazo de três anos a contar de 11 de Julho de 2007;

ii)  5º- O registo foi efectuado como provisório por natureza, tendo sido convertido em definitivo pela Ap. n.º 2008/03/12.

Assim, o promissário goza de um direito real de aquisição e o exequente tem um direito real de garantia – senão pela sua natureza, pelo menos por força do seu regime, uma vez que a lei atribui ao beneficiário da penhora o direito de se fazer pagar pelo valor do bem penhorado com preferência em relação aos credores comuns.

Ambos os direitos estão registados. O primeiro foi registado em 2007, provisoriamente, e depois foi convertido em definitivo. O segundo tem o seu registo em data posterior - 2011/02/21.

Com este quadro-base a solução terá de advir das regras do registo e da natureza dos direitos envolvidos.

Em termos de regime registal, parece-nos importante chamar aqui a atenção para a regra da prioridade do registo que se encontra definida no art.º 6.º do CRP, com o seguinte teor:

“1 - O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes.

2 - [Revogado].

3 - O registo convertido em definitivo conserva a prioridade que tinha como provisório.

4 - Em caso de recusa, o registo feito na sequência de recurso julgado procedente conserva a prioridade correspondente à apresentação do ato recusado.”


Do artigo citado resulta claramente uma ideia de definição de prioridades de registo, em função das datas dos factos levados a registo e em face dos direitos que resultarem desses factos.

O registo de uma promessa de aquisição com eficácia real confere prioridade sobre uma penhora do bem porque se reporta ao mesmo objecto em termos de incompatibilidade estando protegido pela prioridade registal. No confronto dos dois direitos, o direito real de garantia vai ceder perante o direito real de aquisição – assim o determina o regime de prioridade do registo, uma vez que os dois direitos, no caso concreto, são incompatíveis (a plena propriedade e a penhora não podem coexistir na plenitude dos seus efeitos, já que a penhora pressupõe o direito a ver-se pago através do produto da venda/ alienação do bem sobre o qual incide, e o direito de propriedade pleno não pode ser exercido se o bem estiver sujeito a tal “vinculação”).


8. A situação indicada pode oferecer algumas dúvidas em termos de saber se é esta a melhor solução jurídica, do ponto de vista do direito constituído e do direito constituendo.

Expliquemos o ponto.

Nos termos do art.º 2º, nº1, al. f) do CRP é facto sujeito a registo a promessa de alienação ou oneração se lhe tiver sido atribuída eficácia real – o que confirma que a promessa de alienação descrita nos pontos da matéria de facto 1 a 3 estava dentro do conjunto dos factos registáveis. Na inscrição da promessa de alienação deve ser indicado o prazo da validade da sua eficácia, segundo a regra do art.º 95.º do Código do Registo Predial (alínea d) “Na de promessa de alienação ou de oneração de bens, o prazo da promessa, se estiver fixado”). A importância da indicação deste prazo prende-se com o prazo de validade do facto registrado: a lei parece ter compreendido que o direito real de aquisição não deve ser um direito com oponibilidade eterna. Dentro desta lógica, decorrido este prazo o registo caducaria – art.º 11º, n.º 1, devendo essa caducidade ser anotada ao registo, logo que verificada (n.º 4). Caducando o direito real de aquisição, cessariam os seus efeitos em termos de prevalência sobre outros direitos incompatíveis.

Este seria o sistema ideal, tal como resulta das regras de interpretação do texto legal (art.º 9.º CC).

Porém a lei parece não ter conseguido regulamentar a solução na sua plenitude, deixando-a incompleta, por duas razões:

i) Ao indicar como elemento a inscrever no registo o “prazo da promessa, se estiver fixado” deixa margem para que a promessa possa ser realizada sem prazo, caso em que o registo manteria a sua eficácia em conformidade.

ii) Por outro lado, quando o legislador indica que se deve inscrever no registo o “prazo da promessa” também esta referência tem de ser interpretada. A que prazo se reporta o legislador? O prazo para o cumprimento voluntário do contrato-promessa? O prazo para exigir o cumprimento forçado, através da execução específica?

Esta questão foi colocada nos presentes autos: tendo sido invocada a caducidade do registo, o tribunal veio a decidir que o mesmo não havia caducado. Sinteticamente: o tribunal (1ª instancia) analisou a questão e considerou que não havia caducidade porque essa teria de se reportar ao contrato-promessa…e no contrato dos autos só se diz que a promessa seria cumprida no prazo de 3 anos…logo daqui não se inferiria que o contrato fosse um contrato com prazo…até porque a execução específica seria um instrumento a usar apenas depois desse prazo. Em apoio da sua posição invocou jurisprudência deste Supremo Tribunal.

Como esta decisão não vem impugnada no recurso, este tribunal não pode agora sobre ela pronunciar-se em termos de modificar o decidido sem violar o “caso julgado” formado por essa decisão. Por esse motivo, não pode agora contestar-se a validade do registo da promessa com eficácia real, nem o prazo da sua vigência.

Se o registo é válido e eficaz tem de produzir os efeitos para os quais a lei o pensou e regulou: o de ser um registo que goza de oponibilidade, quer contra os actos do promitente vendedor que o violem, quer contra os “ataques” que possam advir de credores. O que significa dizer que o direito em causa prevalece sobre a penhora.


9. Em termos doutrinais a solução acima referida não merece grandes dúvidas nem a Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, pp. 389 e 373, nem a Rui Pinto in A acção executiva depois da reforma, JVS, Lisboa, 2004, conforme citações detalhadas constantes dos autos.

Esta é também a posição que colheu apoio em Antunes Varela e Jorge de Sousa, ao considerarem que o registo da eficácia real confere uma protecção equivalente a uma aquisição em que tudo se passa como se a alienação prometida houvesse sido realizado na data em que a promessa foi registada”.

No mesmo sentido Mónica Jardim ao afirmar: “Após o registo definitivo do contrato promessa (dotado de eficácia real) o direito de crédito do promitente adquirente prevalece em face dos actos dispositivos conflituantes que não beneficiem de prioridade registal, quer assentem ou não num acto de vontade do titular registal (ou de um seu subadquirente) e, ainda, quer tenham ocorrido antes ou depois do registo definitivo do contrato promessa dotado de eficácia real”.


10. Dizem, no entanto, os recorridos que a doutrina portuguesa (alguma da citada) não trata do problema dos autos. Vejamos.

Começando por Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, pp. 389 e 373, basta consultar a obra para verificar que o autor nem sequer aborda a questão da possibilidade ou não do promitente-comprador, em contrato promessa de compra e venda dotado de eficácia real, que viu registada penhora depois do registo daquele contrato promessa, outorgar escritura pública com o promitente vendedor referente à compra e venda prometida e deduzir embargos de terceiro; o mesmo vale para Rui Pinto, in A acção executiva depois da reforma, JVS, Lisboa, 2004, quando este Autor se refere a que a expressão «quem queira exercer o direito de execução específica» utilizada no art.º 903º deve ser entendida também como «quem possa exercer o direito de execução específica», concluindo que «assim não pode ser feita a venda direta a quem tenha renunciado expressamente a esse direito, nem se houver convenção em contrário».

Tem razão o recorrido.

A única hipótese considerada pelo 1.º autor é a do promitente-comprador, em contrato promessa de compra e venda dotado de eficácia real que viu registada penhora depois do registo daquele contrato promessa, não tendo sido outorgado ainda, à data da venda executiva, a escritura pública com o promitente vendedor referente à compra e venda prometida, nem tendo sido deduzidos embargos de terceiro. O Autor refere que, nesta hipótese, o promissário tem a faculdade de adquirir o imóvel através da venda direta. Não diz que está vedado aos intervenientes no contrato promessa cumprir o contrato antes de na execução se chegar à fase da venda!

Ou seja, os autores não chegam a pronunciar-se sobre a questão suscitada pelo recorrente: a de saber se o promitente comprador pode celebrar o contrato definitivo com o promitente vendedor depois de realizada a penhora do bem, mas antes da sua venda no processo executivo.

Quando a doutrina analisa a promessa com eficácia real no âmbito da acção executiva fá-lo quase exclusivamente na perspectiva de conferir protecção ao promitente comprador, no âmbito do regime constante do art.º 903.º CPC, norma que nos indica quem pode participar na venda directa. A norma está pensada para abranger a perspetiva da legitimidade para solicitar a venda, por não ter ocorrido renúncia ou convenção contrária.

Outros autores tratam ainda de problema diferente do suscitado nos autos: o de saber em que casos é possível usar embargos de terceiro contra a execução – assim Marco Gonçalves, in Embargos de terceiro na ação executiva, Universidade do Minho, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pp. 204 e ss.

Na mais das vezes os autores e a jurisprudência apenas tratam da questão de saber se o promitente comprador pode exigir a concretização do negócio prometido, mesmo contra a vontade do promitente-vendedor, para responderem afirmativamente, na hipótese de o contrato ter eficácia real e estar registado. Tal cumprimento forçado sobrepor-se-ia mesmo a actos de disposição do direito ou onerações posteriores ao registo feitas pelo seu titular, como por exemplo uma venda ou a constituição de hipoteca.

Em síntese, não se conseguiu identificar nenhum autor que expressamente aborde a questão suscitada pelos recorrentes. Fica a dúvida de saber porquê? Será porque os autores nunca pensaram sobre a questão? Ou, ao invés, tendo pensado consideraram que a mesma não tinha sentido dentro do espírito e princípios do sistema jurídico? Não se sabe.

De qualquer forma pensamos que deve ser dada aqui indicação das coordenadas gerais do sistema jurídico contratual, que certamente são importantes no esclarecimento da dúvida em análise.


11. Como se sabe o nosso sistema jurídico assenta no princípio da autonomia privada (art.º 405.º CC), que permite às partes celebrarem contratos com grande margem de liberdade na sua conformação. A liberdade é, no entanto, objecto de limitações pontuais, sempre que interesses superiores aos das partes as exijam. Tais limitações apresentam-se como legais, de carácter excepcional e de natureza imperativa. Se não existirem limitações com estas características é porque as partes são livres de procurarem as soluções que melhor se adeqúem aos seus interesses e que assim as vinculam. Enquanto o acordo for vinculativo devem as partes cumprir o acordado, de preferência, de forma voluntária. Não o fazendo, pode o contraente “lesado” com o incumprimento da outra parte recorrer aos tribunais para fazer valer os seus direitos – seja exigindo o cumprimento, seja pedindo uma indemnização pelos danos sofridos com o incumprimento.

Considerando o exposto, pode perguntar-se se, estando as partes empenhadas em cumprir o acordado, devemos impedir que o façam? Devemos fazê-lo nomeadamente em virtude de sobrevir uma penhora sobre os bens de um dos contraentes relacionado com o objecto do contrato?

Cremos que não há uma resposta única para estas interrogações. Vejamos porquê, com o pensamento centrado nos factos provados nos autos.

A resposta será, tendencialmente, negativa se a promessa de venda não tiver eficácia contra terceiros e for realizada uma penhora que afecte o bem objecto da promessa – trata-se de solução decorre da aplicação do regime do art.º 819.º CC.

O artigo 819.º do CC trata da inoponibilidade dos actos de alienação e oneração em relação à execução, procurando proteger o credor. Esta protecção é conferida através de uma solução de inoponibilidade dos actos, o que quer dizer que não estamos perante invalidades, mas perante actos que, sendo válidos, não podem produzir os seus efeitos normais, nomeadamente naquilo em que colidam com os direitos de terceiro, merecedores de tutela. Voltaremos a este artigo adiante.


12. De qualquer forma, não se pode ficar indiferente à argumentação do recorrente sobre a possibilidade de o entendimento sufragado pelo Tribunal da Relação do Porto abrir as portas a um regime de intangibilidade dos bens do promitente vendedor, permitindo a este, em conluio com um alegado promitente-comprador, dispor de um meio eficaz de subtrair os seus bens à execução, pois sabemos que o legislador não aceitaria tal resultado em circunstância alguma.

Se a penhora incide sobre um bem imóvel, está registada, mas sobre esse mesmo bem existe um direito real de aquisição, também registado, e porque na generalidade dos casos a promessa é onerosa, o legislador procurou um equilíbrio entre os dois direitos em causa. Fê-lo, nomeadamente, através da regulação do processo executivo ao tratar da venda – 901.º CPC (actual 831.º). O que resulta desta norma é precisamente a justa ponderação dos interesses indicados: o do credor exequente em ver satisfeita uma dívida com um valor monetário; o do beneficiário da promessa, com o direito de pedir ao tribunal que se substitua na emissão da declaração de venda pelo promitente alienante. A intervenção do tribunal assegurará o correcto exercício do direito de cada um dos referidos sujeitos, controlando os termos em que cada um pode vir a beneficiar pelo aproveitamento do bem concreto envolvido na execução e na promessa. O tribunal assegurará que, se o preço da aquisição não se encontrar já pago, o seu pagamento seja feito à ordem do tribunal, “substituindo” esse valor monetário o bem concreto que deixará de estar afecto à execução. A regularidade desta “substituição” patrimonial assegurará que o credor beneficiário da penhora sobre o bem “vendido” passará a ter o seu direito assegurado pela contrapartida da saída patrimonial agora sob controlo do tribunal. Naturalmente que se o promitente alienante, que havia celebrado contrato com eficácia real em favor do promitente comprador, estando já instaurada a execução e tendo sido nomeado o mesmo bem à penhora, o vem a alienar ao promitente comprador por acto voluntário, não há forma de controlar a “substituição patrimonial” que normalmente está associada à contratação. Mas também não se pode afirmar que a concretização do negócio definitivo foi efectuada com intuito de defraudar o exequente-credor. Há uma causa legítima para a celebração do contrato-definitivo e ela reside no compromisso assumido no contrato-promessa que cria a obrigação de celebrar o contrato prometido.

Deve essa impossibilidade reflectir-se sobre os credores do promitente-vendedor que, tendo nomeado o concreto bem à penhora, vêm a sua garantia patrimonial desaparecer?

O que seria justo era dizer que o promitente-comprador pode celebrar o contrato definitivo com o vendedor e ter assegurada a transmissão da propriedade do bem, mas a contrapartida dessa transmissão não poderia ser paga ao vendedor, porquanto esse pagamento conduziria a uma via fácil de impedir a cobrança do crédito dos credores que tiverem promovido a execução ou reclamado créditos nela. Tanto faria que o contrato fosse cumprido dentro ou fora da execução, para o credor o que relevaria seria a possibilidade de ter um “objecto” sobre o qual fazer incidir a sua penhora – fosse ele o imóvel penhorado ou o valor obtido com a sua venda extra-judicial. Não obstante se considerar que esta seria a solução mais justa, não se pode decidir com base nesse critério se não existir um apoio legal mínimo.

A nosso ver a principal norma jurídica onde a situação se pode enquadrar é o art.º 819.º do CC, ao tratar da inoponibilidade, em relação à execução, de actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados – ou seja, consagrando uma solução em que o titular do bem penhorado o pode alienar, onerar ou arrendar, mas sem que estes actos possam ser opostos à execução (e ao tribunal), tudo fazendo para salvaguardar a autonomia privada do executado, sem limitar as garantias dos credores que recorrem aos meios judiciais para cobrar os seus créditos.

Inoponibilidade - que não invalidade ou ineficácia - porquanto a penhora pode cessar a qualquer momento e o acto inoponível passará a produzir todos os seus efeitos.

Inoponibilidade porquanto apenas se pretende que um acto que possa ser prejudicial aos interesses presentes na execução fique paralisado na relação com o prejudicado.

Inoponibilidade que pode, na conjugação com o art.º 822.º, n.º 1, permitir a satisfação do interesse de vários sujeitos, com posições jurídicas que poderiam parecer incompatíveis, mas se vêm a revelar possíveis de tutela conjunta.

Naturalmente que o art.º 819.º também diz que essa inoponibilidade ocorre “sem prejuízo das regras de registo”, o que nos deve levar a indagar o que quis o legislador dizer com esta restrição.

Lido o preceito pode deduzir-se que os actos de disposição, oneração ou arrendamento que são oponíveis à penhora são os que tiverem registo anterior, pois só eles ficam ressalvados da inoponibilidade.

Conforme nos indica o artigo 819.º são actos de disposição, oneração ou arrendamento, aos quais pensamos ser correcto equiparar as promessas de actos (de disposição ou oneração) quando dotadas de eficácia real e com registo anterior, pois essas promessas podem vir a “transformar-se” em actos de disposição – seja através da celebração do contrato definitivo, seja através da execução específica do contrato promessa (mesmo contra a vontade do promitente alienante).

Daqui resulta que tais promessas são oponíveis à execução, não entrando no âmbito de aplicação do art.º 819.º CC, do que se conclui que o negócio de transmissão da propriedade do bem objecto da promessa de alienação com eficácia real é válido e oponível ao credor exequente e à execução.


13. Em abono da posição acolhida pelo tribunal recorrido, aqui em análise, vem referido o acórdão do TRL, de 22/09/2016, proferido no âmbito do Proc. 26980/15.3T8LSB.L1.-2, disponível in www.dgsi.pt, onde se lê:

«quando o promitente-comprador, pese embora a penhora registada (…) se consiga entender com o promitente vendedor para outorgarem conjuntamente em escritura de compra e venda do imóvel – como sucedeu nos autos – não restará outra alternativa que não a de levantar a penhora e ordenar o cancelamento do respetivo registo (…) sem que se possa objetar, no referente à penhora (…) com a disciplina constante do art. 819º CC, pois que a mesma, se bem que refira serem «inoponíveis em relação à execução os atos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados», se inicia com a expressão «sem prejuízo das regras do registo». Ora, estas regras, na situação de prévio registo do contrato promessa com eficácia real, só podem significar que o direito do promitente comprador é oponível á penhora, tudo se passando, no que se refere à prevalência em relação a terceiros, como se a compra e venda prometida tivesse sido efetuada na data em que a promessa foi registada».


Trata-se de acórdão similar ao recorrido, em que se alude ao regime da prioridade registal e se analisam e rebatem os argumentos do recorrente, em termos quase iguais aos do acórdão recorrido (que parece ter sido por aquele bastante influenciado).

É, em consequência, um argumento adicional em favor da tese aqui defendida da prevalência do direito real de aquisição e da possibilidade de os outorgantes da promessa poderem dar-lhe cumprimento fora da execução.


14. Para melhor justificar este ponto, vejamos ainda o que dispõe o art.º 901º do CPC, (actual 831.º).

Trata-se de disposição pensada para regular o modo de “transformação” do bem penhorado em dinheiro, para com o produto dessa “transformação” pagar ao credor exequente (e eventualmente a outros reclamantes que mereçam protecção legal neste processo).

É uma norma pensada para o concreto problema de saber a quem deve ser atribuído o bem. Porque se insere na disposição sobre a venda directa, está implícita a realização de um acto oneroso, em que aquele a quem vai ser atribuído o bem tem de desembolsar um certo valor para poder ser tutelado. Compreende-se que assim seja.

O que não se compreende é que se diga que a venda só poderia ser feita através deste mecanismo na acção executiva. A lei não restringiu os poderes de disposição do alienante, como se viu, porque não lhe é aplicável sequer a restrição do art.º 819.º do CC. Se o alienante conserva a plenitude desse poder de disposição na sua relação com o promissário, deve poder cumprir o contrato fora do mecanismo judicial.


15. Mas pode este cumprimento voluntário ser uma forma de ludibriar os direitos dos credores do alienante?

Abstractamente falando, existe esse risco. Há sempre uma margem de utilização dos mecanismos legais para obtenção de efeitos não pretendidos pelo legislador. Por isso a lei contém meios de tutela contra a fraude e até contra actos de dissipação patrimonial intencionais com o intuito de lesar os credores. Esses mecanismos – abstractamente falando – podem ser convocados para as situações concretas. Mas para que o sejam os interessados têm de lançar mãos dos mecanismos jurídicos próprios colocados à sua disposição – vg. a impugnação pauliana – não ficando excluída a possibilidade de o credor nomear à penhora a contrapartida do negócio de venda do imóvel objecto da promessa dotada de eficácia real. Incumbe ao credor encontrar, no universo do ordenamento jurídico, os mecanismos que sejam mais adequados e/ou convenientes para a tutela da sua pretensão, se entender que a situação concreta em que se viu colocado enferma de alguma ilegalidade ou fraude.

No caso dos autos, não pode este Supremo Tribunal verificar se foi adoptado algum comportamento fraudulento por parte do recorrido. O STJ é um tribunal de aplicação do direito aos factos provados e uma instância de recurso, que apenas conhece das questões jurídicas que lhe foram colocadas pelos interessados.

Não há elementos no processo que permitam conhecer de possível fraude, ou abuso de direito. Os factos demonstrados (conforme transcrição supra) não apontam também nesse sentido.

Por isso, mesmo sendo o abuso de direito um instituto de conhecimento oficioso, não cremos que possa ser aplicado ao caso dos autos.

Atentas as razões apresentadas, está justificada a decisão do Tribunal da Relação, que se considera não ter violado os art.ºs 9.º, 601.º, 817.º e 819.º do Código Civil (CC), nem os artigos 831.º e 735.º do Código de Processo Civil (CC), não merecendo censura.


III.   DECISÃO

Pelas razões apresentadas, não assiste razão ao recorrente, sendo de confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

 

Lisboa, 9 de Janeiro de 2018


Fátima Gomes

Garcia Calejo

Helder Roque

_________

[1] In Efeitos Substantivos do Registo Predial, 2015, Reimpressão, pág. 886.
[2] In Obrigações Reais e Ónus Reais, pág. 252 e 235.
[3] In Sinal e Contrato Promessa, Almedina, 12ª Ed, pág. 179.
[4] Mónica Jardim, na obra referida.
[5] Entendia-a como tal, Castro Mendes (cfr. Direito Processual Civil, Acção Executiva, Ed. AAFDL, 1971, pág. 72) referindo-se-lhe como “uma inoponibilidade objectiva ou situacional, inoponibilidade no processo de execução a qualquer interveniente-exequente, tribunal, arrematantes, credores, etc., entendendo criar-se a favor do exequente «um direito real de garantia envolvendo preferência sobre os bens penhorados”.

Já Teixeira de Sousa (Acção Executiva Singular, Lex, 1998, pág. 242) conclui que a penhora não pode ser incluída no âmbito dos direitos reais de garantia, porque, em hipótese de transmissão do bem onerado, “em vez de acompanhar o bem transmitido e de sujeitar o seu adquirente à execução, a penhora ignora a transmissão do bem (cfr. art. 819.º CCivil) e rejeita qualquer substituição do executado. Enquanto o direito real de garantia se adapta à dinâmica, a penhora ficciona a estática (…) embora seja inerente a uma coisa e afecte a execução desta à satisfação do crédito do exequente, a sua função é conservatória: é isso que justifica a regra da inoponibilidade dos actos de disposição ou oneração posteriores a ela”.

[6] Ainda aplicável a estes autos.

[7] E que, segundo Marco Gonçalves, in “Embargos de Terceiro na Acção Executiva”, Março 2010, pág. 102, se destina “não só a favorecer a alienação de bens em sede executiva relativamente ao exequente e ao executado - o primeiro porque consegue obter mais facilmente o pagamento da quantia exequenda e o segundo porque consegue amortizar a divida com um numero menor de bens para esse efeito -como também garantir que o terceiro seja confrontado com um ónus que diminua a utilidade da coisa adquirida em sede executiva, sem que no entanto o legislador deixe de proteger os titulares dos direitos que caducarem por efeito dessa venda, dado que esses direitos “transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens (nº 3), ou seja, o titular desse direito irá receber o respectivo credito através do produto da venda executiva, tendo em atenção, naturalmente, a ordem de graduação dos créditos dos respectivos credores”.

[8] Este artigo tem a seguinte redacção:

Venda em execução 1. A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.

2. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.

3. Os direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.

[9] Este inciso tem a seguinte redacção: Disposição ou oneração dos bens penhorados

“Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”.