Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
178-E/2000.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
QUESTÃO RELEVANTE
ACÇÃO EXECUTIVA
INSTÂNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CONCURSO DE CREDORES
DESPACHO LIMINAR
CREDOR RECLAMANTE
EXEQUENTE
REGISTO
VENDA EXECUTIVA
Data do Acordão: 05/05/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO EXECUTIVA
Doutrina: - Alberto dos Reis, in Código Processo Civil Anotado, V Volume, pág. 143.
- Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 1999, págs. 241,267.
- Anselmo de Castro, in Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 1970, pág. 165.
- Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, vol. II, 7ª ed., pág. 572; in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 672; RLJ, ano 122, pág. 112.
- Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III Volume, 1972, págs. 228, 247.
- Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, 2003, Volume III, págs. 511/512, 635.
- Lopes Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3ª ed., pág. 692.
- Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol II, 4ª ed., pág 91.
- Salvador da Costa, in Os Incidentes Da Instância, 1999, pág. 182; in Concurso de Credores, 3ª ed., págs. 250 e 321.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 733.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 353.º, N.º2, 660.º, N.º2, 666.º, N.º 2 668.º, N.º 1, AL. D), 819.º, 866º, Nº 1, 885.º, N.º4, 919.º, NºS 1 E 2, 920°, N°S2 E 4.
DL N.º 103/80, DE 9 DE MAIO: - ARTIGOS 10.º, 11.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE LISBOA:
-DE 13/01/05, 5/05/05, E 31/05/05, RESPECTIVAMENTE, PROCESSOS N.ºS. 04B4251, 05B839 E 05B1730, EM WWW.STJ.PT .
Sumário :

I - São coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que deva conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão, pois a expressão “questões”, referida nos arts. 660.º, n.º 2, e 668.º, n.º 1, al. d), do CPC, não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes.
II - Com a admissão liminar da reclamação apresentada (art. 866.º, n.º 1, do CPC) o credor reclamante torna-se parte principal não só na acção de verificação e graduação de créditos como também na acção executiva, com uma posição de co-exequente ou parte principal em litisconsórcio com o exequente, nada tendo isso de criticável, posto que, pelo contrário, importa vantagem na economia de tempo que interessa ao exequente em nada prejudicando o êxito do procedimento da venda.
III - A reforma introduzida pelo DL n.º 329-A/95, de 12-12, com a nova redacção que conferiu ao art. 920.º, n.º 2, do CPC, vincou o estatuto de parte principal do credor reclamante, uma vez admitida liminarmente a reclamação de créditos, ao alargar-lhe a faculdade de fazer prosseguir a execução que até aí só era conferida ao credor graduado, faculdade que estendeu ao caso de o exequente desistir da penhora (n.º 4 do art. 885.º do CPC).
IV - Estando subjacente ao comando do art. 920.º, n.º 2, do CPC, uma ideia de racionalidade e economia de meios, é natural que todos os actos até aí praticados, relativamente aos bens em que prossegue a execução, sejam aproveitados (cf. n.º 4 desse preceito), não havendo necessidade de se proceder a novo acto de penhora e seu registo.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I— RELATÓRIO


AA veio deduzir embargos de terceiro por apenso à execução para pagamento de quantia certa em que é exequente “BB - Produtos de Pastelaria e Panificação, Ldª ”, executada “O CC - Produção Alimentar, Ldª”, e credor reclamante, entre outros, o DD, alegando, para tal, que no âmbito da execução que o BCP movia contra “O CC - Produção Alimentar, Ldª, foi penhorado, em 4/01/02, um imóvel - prédio urbano sito em ....................., freguesia de Constantim, concelho de Vila Real, composto por pavilhão industrial, inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 653º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o nº 00000000000 -, penhora registada como provisória por dúvidas em 28/01/02 e convertida em definitiva em 17/06/02.
Posteriormente ao registo da penhora, por escritura outorgada em 26/9/2002, o embargante adquiriu o imóvel, juntamente com outro comproprietário, aquisição que se encontra registada pela Ap. 00000000000, e desde a data da sua aquisição, ambos os adquirentes passaram a usar e a fruir do imóvel, ocupando-o de forma pública, pacífica e de boa fé, agindo como seus donos e legítimos possuidores, à vista de todas as pessoas e sem oposição de ninguém.
Porque sobre o imóvel impendiam penhoras, liquidaram as dívidas da executada à exequente, por forma a tornar a aquisição livre de ónus e encargos, tendo negociado com o BCP o valor da hipoteca de que beneficiava, em consequência do que o BCP requereu a extinção da instância.
Entretanto o DD requereu o prosseguimento da execução nos termos do art. 920º, nº 2, do CPC, tendo o embargante sido surpreendido com o despacho que determinou a venda do imóvel, que só por lapso pode ter sido proferido já que ele (embargante) nunca foi executado, nem o imóvel foi objecto de penhora por parte do embargado/reclamante, que também não beneficia de qualquer garantia real, não permitindo o prosseguimento da execução que o imóvel possa responder pelas dívidas da embargada/executada.
Mesmo que o embargado/credor reclamante detivesse qualquer privilégio creditório, ele apenas podia incidir sobre o património da embargada/executada e não sobre o de um terceiro, estranho à execução, pelo que a venda judicial ordenada ofende a sua posse e o seu direito de propriedade sobre o imóvel.
Perante tais factos formulou o seguinte pedido: fosse reconhecido que o imóvel penhorado era sua propriedade, em compropriedade com outrem, e que fosse anulada a venda judicial do imóvel bem como o levantamento da penhora ou qualquer outro ónus ordenado nos autos e que sobre ele recaíssem.
Após ter sido ordenada a junção aos autos da decisão proferida nos autos de embargos de terceiro que constituíam o apenso D da mesma execução, com o mesmo embargante, e que por decisão de 3/3/2008, transitada em julgado, foram liminarmente indeferidos por caducidade, bem como do despacho proferido a 10/1/2008 nos autos principais da execução, igualmente transitado em julgado, a ordenar o seu prosseguimento ao abrigo do disposto no art. 920º, nº 2 do Código de Processo Civil, deferindo requerimento formulado pelo credor reclamante DD antes do trânsito em julgado da sentença que declarara extinta a execução, cujo crédito havia sido admitido e graduado para ser pago pelo produto da venda do imóvel, foi proferida decisão a rejeitar os embargos por caducidade do direito de acção.
Esta decisão foi confirmada pela Relação do Porto na sequência de apelação do embargante.

Inconformado, vem, agora, pedir revista do acórdão proferido, e nas alegações que apresentou formula as seguintes conclusões:
1ª- O recorrente no seu recurso de apelação invocou, para além do mais, a nulidade da venda judicial por violação do disposto no artigo 920° n°2 e n°3 do C.P.C, bem como o artigo 1305° do Código Civil e ainda o disposto nos artigos 1º, 5º e 6º do Código de Registo Predial.
2ª- Sucede, porém, que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre esta nulidade invocada pelo recorrente.
3ª- Como tal é nulo o acórdão proferido nos autos pelo Tribunal da Relação do Porto, por ter deixado de se pronunciar sobre questões que devia apreciar.
4ª- O que configura violação do artigo 668°, n° 1, d), primeira parte do C.P.C., aplicável ex vi do artigo 716° do C.P.C..
5ª- Não se encontra preenchido o requisito do n° 3 do artigo 920° do C.P.C, para se operar a "renovação da execução extinta", segundo o qual o requerimento faz prosseguir a execução, mas somente quanto aos bens sobre que incida a garantia real invocada pelo requerente, que assumirá a posição de exequente.
6ª- O requerente aqui recorrido não é como nunca foi titular de garantia real quanto ao bem penhorado do recorrente.
7ª- Desta maneira, o credor reclamante não pode ser aceite como parte principal na acção executiva.
8ª- Pelo contrário, é o recorrido que tem registada a seu favor a aquisição do imóvel desde 16.10.2002.
9ª- O Tribunal recorrido extravasou largamente o âmbito da renovação da execução extinta, prevista no artigo 920° do C.P.C.
10ª- O Exequente ISS IP não detinha qualquer forma de garantia sobre o imóvel quando requereu o prosseguimento da execução, pelo que não podia o Tribunal a quo admitir que a execução prosseguisse sobre o imóvel entretanto adquirido pelo Embargante.
11ª- O Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 920° n° 2 e n° 3 do C.P.C, bem como o artigo 1305° do Código Civil e ainda o disposto nos artigos 1º, 5º e 6º do Código de Registo Predial.
12ª- Os embargos foram deduzidos bem antes de decorrido o prazo de 30 dias, pelo que deveria, no mínimo, o Tribunal recorrido ter aceite liminarmente os embargos e permitido ao Embargante a produção de prova a que se propunha.
13ª- Mostra-se assim violado o disposto no 353° n°2 do C.P.C.
14ª- A rejeição liminar dos embargos só poderá ter lugar in extremis, quando seja por demais evidente que ao embargante não assiste a razão e que seja indiferente a produção da prova para a decisão final.
15ª- O Tribunal deveria ter admitido os embargos, permitido a produção de prova e, então aí sim, proferisse sentença final.
16ª- E por isso, violou o Tribunal recorrido o disposto no artigo 354° do C.P.C.
Não foram oferecidas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil (1)– por diante CPC.
São as seguintes as questões que importa apreciar e decidir: Se ocorre
a) Nulidade do Acórdão por violação do art. 668°, n° 1, al. d), primeira parte, do CPC;
b) Violação do disposto nos arts. 920° n°s 2 e 3 do CPC, 1305° do Código Civil e 1º, 5º e 6º do Código de Registo Predial;
c) Violação do disposto no art.353°, n° 2 do CPC.
II-FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

Para além dos factos constantes do relatório que antecede, da Relação vem tida por assente o constante do despacho que ordenou o prosseguimento da execução a requerimento do credor reclamante ISS, IP, junto em certidão de fls. 83:
“O ISS IP é credor reclamante, de crédito já admitido e graduado para ser pago pelo produto do bem penhorado, que não chegou a ser vendido ou adjudicado.
Por outro lado, foi proferida sentença, que declarou extinta a execução.
E, antes do trânsito em julgado da referida sentença o ISS, IP requereu o prosseguimento da execução, para pagamento do seu crédito.
Mostram-se assim verificados todos os pressupostos previstos no artº 920º, nº 2, do CPC, em ordem ao prosseguimento da execução, assumindo o credor reclamante a posição de exequente.
Pelo exposto, determino o prosseguimento da execução.”.

DE DIREITO

A) Nulidade do Acórdão por violação do art. 668°, n° 1, al. d), primeira parte, do CPC

Alega o recorrente haver invocado no seu recurso de apelação a nulidade da venda judicial por violação do disposto no artigo 920° n°s 2 e 3 do CPC, bem como do art. 1305° do Código Civil e ainda do disposto nos arts. 1º, 5º e 6º do Código de Registo Predial, sucedendo que o Tribunal recorrido não se pronunciou sobre esta questão, motivo porque entende ser nulo o seu Acórdão.
A nulidade prevista no art. 668º, n.º 1, alínea d) – primeira parte – do CPC é a omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar.
Este vício traduz-se no incumprimento ou desrespeito, por parte do julgador, do dever prescrito no art. 666º, n.º 2 do mesmo Código, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra (2)
Esta nulidade é uma constante nos recursos, originada na confusão que se estabelece entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. São, na verdade, coisas diferentes deixar de conhecer de questão de que deva conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento, ou razão produzida pela parte.
Com efeito, quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão pois a expressão “questões” referida nos arts 660º, nº 2 e 668º, nº 1, al. d), do CPC não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes (3).
Analisando a apelação sobre este enfoque constata-se que na realidade o recorrente, entre outras questões (prevalência do seu direito de propriedade sobre o direito do credor reclamante, tempestividade dos embargos, e uso indevido do indeferimento liminar), suscitou a nulidade do despacho que na 1ª instância admitiu a venda judicial do imóvel depois de ter sido requerido o prosseguimento da execução, nulidade que entendia ser de conhecimento oficioso e como tal poderia ter sido logo declarada no tribunal de 1ª instância, mas não o havendo sido requereu que o fosse na Relação.
Todavia, se o recorrente bem atentar o Acórdão deu resposta expressa de improcedência a essa questão, quando argumentou nos termos que se passam a transcrever para cabal dilucidação:
“…mantendo-se a execução a mesma (na qual se encontrava penhorado o imóvel sobre o qual o reclamante detinha garantia real, reconhecida pela sentença que verificou e graduou o seu crédito, penhora que se encontrava registada aquando da aquisição do imóvel pelo embargante), apesar do seu prosseguimento ter sido requerido pelo credor reclamante ISS, IP, na sequência da sentença que declarou a extinção e no decurso do prazo do trânsito em julgado, não havia sequer que considerar novo prazo para a dedução dos embargos a contar do despacho a admitir o prosseguimento, nem a data do despacho a determinar a venda do imóvel, nem, muito menos, a data alegada pelo embargante do conhecimento do despacho que ordenou a venda do imóvel.
Daí que, ao ordenar a venda do imóvel que se encontrava penhorado, não tenha sido cometida qualquer nulidade, até porque, como resulta do disposto no artº 920º, nº 3, o requerimento do credor reclamante apenas podia fazer prosseguir a execução quanto aos bens sobre que incida a garantia real que, no caso, era o imóvel objecto dos embargos.“.
Sem dúvida que o Tribunal recorrido neste trecho da fundamentação que desenvolveu deu resposta concisa, directa e explícita à imputada nulidade da venda judicial.
Não enferma, pois, o Acórdão recorrido de qualquer nulidade por omissão de pronúncia.

B) Violação do disposto nos arts. 920° n°s 2 e 3 do CPC, 1305° do Código Civil e 1º, 5º e 6º do Código de Registo Predial

Diz o recorrente que o ISS, IP não tem qualquer penhora sobre o imóvel que é sua propriedade desde 16/10/02. E explica da seguinte forma:
Naquela data adquiriu o imóvel que sabia estar onerado com hipoteca a favor do Banco Comercial Português. S.A e três penhoras em que são exequentes a Fazenda Nacional e BB - Produtos para Pastelaria e Panificação Lda., pelas inscrições D - dois (PM). F - três (PM) e F – quatro (Ap. 25/020128 - Penhora efectuada a 4/01/02 para pagamento da quantia exequenda a que se reportam estes autos).
Nessa data não havia qualquer penhora em que figurasse como exequente o recorrido, o Instituto de Segurança Social I.P..
O recorrente liquidou as quantias em dívida pelas quais aquele imóvel respondia, e a exequente requereu a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Entretanto, o ISS IP efectivamente requereu o prosseguimento da execução, nos termos do artigo 920°, n°2, do CPC, o que foi do conhecimento do recorrente, mas não reagiu a tal pedido porque a execução movida não era contra si, nem isso afectaria o imóvel que adquirira pois, como exequente, tinha o ISS IP de promover a penhora do imóvel.
Só que tal nunca aconteceu, e, como tal, prevalece o seu direito de propriedade que se encontra devidamente titulado e registado, com efeitos a partir de 16/10/2002.
Simplificando, o recorrente quando adquiriu o imóvel sabia da existência das penhoras, pagou aos exequentes para lograr a extinção da execução, e quando soube do pedido de prosseguimento da execução feito pelo credor reclamante/recorrido Instituto de Segurança Social entendeu que a este não aproveitava a penhora feita em nome da exequente “BB - Produtos de Pastelaria e Panificação, Ldª ”, pois teria ele de providenciar por registo da penhora em seu nome, passando a nele figurar como exequente.
Como esse novo registo nunca foi feito, o Instituto de Segurança Social não é titular de garantia real sobre o imóvel, logo o Tribunal recorrido ao ordenar a venda extravasou o âmbito da renovação da execução extinta, prevista no artigo 920° do CPC.
É imediata e óbvia a ilação emergente. Não assiste razão ao recorrente. Confiou e descansou sobre a sua leitura dos textos legais, negligenciou o exercício do tribunal, foi imprudente.
O Acórdão impugnado já discorreu sobre a hermenêutica correcta com arrimo na doutrina mais autorizada, e na sustentação do recorrente não encontramos um único argumento para contrariar o entendimento unânime da Relação que não tenha já utilizado na apelação.
Ainda assim, embora correndo o risco de alguma tautologia, acentuaremos alguns pontos.
Depois do nº 1 do art. 919º do CPC estabelecer as situações que podem conduzir à extinção da execução, dispõe o subsequente art. 920º, sob a epígrafe “renovação da execução extinta”, no seu nº 2, que:
Também o credor reclamante cujo crédito esteja vencido e haja sido liminarmente admitido para ser pago pelo produto de bens penhorados que não chegaram entretanto a ser vendidos nem adjudicados, pode requerer, até ao trânsito em julgado da sentença que declare extinta a execução, o seu prosseguimento para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito.“.
Como consta do despacho que ordenou o prosseguimento da execução acima transcrito, referindo factos que nunca o recorrente controverte, o credor reclamante ISS, IP, cujo crédito fora já admitido e graduado para ser pago pelo produto do bem penhorado que não chegou a ser vendido nem adjudicado, notificado que foi da sentença a declarar extinta a execução, e antes dela transitar em julgado, requereu o prosseguimento da execução para pagamento do seu crédito, indo assim ao encontro e satisfazendo os pressupostos deste normativo.
Será que então, como se entendeu na decisão recorrida, ele passou a assumir a posição de parte principal (exequente) na execução, aproveitando-se todos os actos até então praticados ainda que a impulso do credor exequente, aproveitando-lhe nomeadamente a penhora anteriormente efectuada? Ou, como pretende o recorrente, deveria providenciar por nova penhora com novo registo a seu favor?
Com a admissão liminar da reclamação apresentada (art. 866º, nº 1) o credor reclamante torna-se parte principal não só na acção de verificação e graduação de créditos como também na acção executiva, com uma posição de “co-exequente ou parte principal em litisconsórcio com o exequente”, nada tendo isso de criticável pois que, pelo contrário, importa vantagem na economia de tempo que interessa ao exequente em nada prejudicando o êxito do procedimento da venda (4).
E como parte principal que é, como refere Lebre de Freitas(5), em anotação ao artigo 865.º, o credor reclamante pode exercer várias competências processuais que a lei atribui ao exequente, nomeadamente: “ - Substituir-se ao exequente na prática de acto que ele tenha negligenciado e implique paragem da execução durante 3 meses (art. 847- 3); - Requerer a adjudicação dos bens penhorados (art. 875-2); - Requerer o prosseguimento da execução após acordo de pagamento a prestações (art. 885-1); -Pronunciar-se sobre a modalidade da venda, o valor base dos bens e a formação dos lotes (art. 886 -A-1); - Reclamar para o juiz das decisões do agente de execução em sede de venda (art. 886- A-5); - Requerer dispensa do depósito do preço (art. 887-1); -Apreciar as propostas de compra em carta fechada (art. 893-1 e 894, nºs 1 e 3); - Arguir irregularidades verificadas no acto de abertura das propostas (art. 893-1 e 895-1); -Propor a venda do estabelecimento comercial por propostas em carta fechada (art. 901-A-1); - Propor a venda em estabelecimento comercial (art. 906-1-a)”.
É, pois, indubitável que o credor reclamante, uma vez admitida liminarmente a reclamação apresentada, se torna parte principal em todo o processo executivo, que passa a ter em vista lograr o pagamento de todos os créditos que impendem sobre o executado, não só o do exequente como qualquer crédito reclamado.
A reforma introduzida pelo DL nº 329-A/95 de 12/12, com a nova redacção que conferiu ao nº 2 do art. 920º, vincou este estatuto ao alargar a todos os credores reclamantes, cujos créditos tivessem sido liminarmente admitidos, a faculdade de fazer prosseguir a execução que até aí só era conferida ao credor graduado (6), faculdade que estendeu ao caso de o exequente desistir da penhora (nº 4 do art. 885º).
Podendo ele prosseguir a execução, “assumindo a posição de exequente”, e estando subjacente ao comando do nº 2 do art. 920º uma ideia de racionalidade e economia de meios, natural que todos os actos até aí praticados relativamente aos bens em que prossegue a execução sejam aproveitados (cfr. nº 4 do art. 920º). E compreende-se que assim seja porquanto o executado e o bem penhorado garante dos créditos são os mesmos, a única alteração que ocorre é na sucessão do exequente que passa a ser um credor com crédito vencido e já aceite na execução.
A este propósito, escreve Amâncio Ferreira que: “Diversamente do caso anterior - renovação a requerimento do exequente, para pagamento de prestações entretanto vencidas -, aqui aproveita-se tudo o que relevantemente tiver sido processado antes da prolação da extinção da execução. Daí não se repetirem as citações, devendo, contudo, os outros credores e o executado serem notificados do requerimento (art. 920º, nº 4)” (7).
Por isso, não há alguma necessidade de se proceder a novo acto de penhora e seu registo.
Objecta o recorrente que sem nova penhora e registo o recorrido ISS IP não se apresenta como titular de garantia real sobre o imóvel quando requereu o prosseguimento da execução,
Esquece o recorrente de que a garantia real de que beneficia o credor reclamante, no caso o ISS IP, lhe advém da lei, a sua fonte, por atenção à causa do crédito, e não de acto de penhora. Goza de privilégio creditório, não sujeito a registo (art. 733º do Código Civil) (8).. Conforme resulta do disposto nos artigos 10.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, o seu crédito encontra-se garantido por privilégio mobiliário geral e imobiliário.
Portanto, tendo o recorrido, cujo crédito reclamado foi graduado e goza de garantia real sobre o bem penhorado, requerido atempadamente o prosseguimento da execução, ele assume a posição de exequente na execução, aproveitando-se todos os actos até então praticados, ainda que a impulso do credor exequente, nomeadamente a penhora anteriormente efectuada e promovida pelo originário exequente. Não pode é nomear novos bens.
O recorrente que sabia, como confessa, da existência das penhoras(9)., de entre as quais a referente à quantia exequenda nestes autos, não atentou, ou desvalorizou porque pagou ao exequente e outro credor penhorante mas não ao credor reclamante, que admitida liminarmente a reclamação apresentada pelo ISS IP ele se tornou parte principal em todo o processo executivo que passou a partir daí a ter em vista obter o pagamento de todos os créditos que impendiam sobre o executado, não só o do exequente como qualquer crédito reclamado.
Da mesma forma que postando-se a aguardar por registo de penhora em nome do recorrido, julgando não lhe aproveitar a penhora feita em nome da exequente “BB - Produtos de Pastelaria e Panificação, Ldª ”, não percebeu a garantia real de que ele beneficiava.
Nova penhora e novo registo, permita-se-nos a expressão, seria “chover no molhado”.
Por tudo isso, e porque não se sentia na pele de executado, nunca reagiu às notificações do tribunal, como conta nas suas alegações recursivas. Mas mal, pois que mantendo-se a execução a mesma, o mesmo o bem penhorado sobre o qual o reclamante detinha garantia real adveniente da lei, o crédito deste reconhecido por sentença que o verificou e graduou mas não pago, a penhora que se encontrava registada aquando da aquisição do imóvel pelo embargante, e tempestivamente requerido o prosseguimento da execução, ao ordenar a venda do imóvel penhorado não foi cometida qualquer nulidade.
Como tal, o direito de propriedade do recorrente registado desde 16/10/02 não prevalece sobre a penhora anteriormente registada em 28/01/02.
Concluindo, o Tribunal recorrido não extravasou o âmbito da renovação da execução extinta prevista no artigo 920° do CPC, não ocorre a violação de algum dos normativos apontados pelo recorrente.

C) Violação do disposto no art.353°, n° 2 do CPC

Por fim, alega o recorrente que os embargos foram deduzidos bem antes de decorrido o prazo de 30 dias, pelo que deveria o Tribunal recorrido ter aceite liminarmente os embargos e permitido ao embargante a produção de prova a que se propunha. Mostra-se, no seu entender, violado o disposto no 353°, n° 2 do CPC.
Também aqui não lhe assiste razão.
A penhora foi efectuada e registada, respectivamente, em 4/01/02 e 28/01/02 (cfr. docs. fls. 117 e 121).
O recorrente adquiriu o imóvel por escritura pública de compra e venda outorgada em 26/09/02 (doc. fls. 126 a 128), portanto posteriormente ao registo da penhora e perfeitamente ciente da existência desta como o próprio refere. Significa isto que, em rigor, a penhora no momento da sua constituição com o seu registo não se traduziu numa ofensa do seu direito de propriedade, até aí inexistente.
Como refere Salvador da Costa “ o momento ad quem juridicamente relevante para se saber quem deve ou não deve ser considerado parte na causa para efeito de dedução de embargos, é aquele em que ocorreu a diligência judicial…”(10).
Por isso, não tinha à data da penhora o recorrente a qualidade de terceiro para deduzir este tipo de embargos.
Do mesmo modo que de acordo com o teor do art. 819º do Código Civil essa venda é inoponível à execução, é irrelevante para os credores da execução (11).
Consagra-se neste artigo o princípio da ineficácia, em relação ao exequente e credores reclamantes, dos actos de disposição ou oneração dos bens penhorados, ressalvadas as regras do registo, dele resultando que, podendo embora o devedor livremente alienar ou onerar os bens penhorados, a execução prosseguirá o seu curso normal, como se esses bens continuassem a pertencer ao executado (12)
Ineficácia essa que opera “ope legis”, não necessita, por isso, de ser declarada pelo tribunal, e que se não encontra dependente da intervenção do executado no acto de penhora.
A não ser assim, - se o acto de disposição ou oneração do bem penhorado surtisse eficácia relativamente à execução - sempre poderia o executado, de modo artificial ou verdadeiro, na pendência da acção executiva frustrar a sua finalidade da cobrança coerciva, garantida pela penhora devidamente registada.
De qualquer modo, é sabido que os embargos devem ser deduzidos nos 30 dias subsequentes àquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa (art. 353º, nº 2 do CPC), e o recorrente deduziu os presentes embargos em 30/10/08, cerca de seis anos depois do conhecimento que teve da penhora registada sobre o imóvel.
Nem esse prazo lhe aproveitaria, pela mesma razão, com as notificações que lhe foram feitas por ofícios de 25/01/08 (do despacho que ordenou o prosseguimento da execução por requerimento do ISS IP), e de 17/09/08 (dando conhecimento da venda do imóvel, respectiva modalidade e seu valor base (13)), se, porventura, se pudesse cogitar numa leitura lata e benemérita que qualquer delas o recolocaria na posição de poder de novo fazer valer o seu direito em novo prazo de 30 dias.
Enfim, ainda que lhe assistisse legitimidade para embargar, e em cima evidenciámos que não, o recorrente negligenciou as sucessivas advertências que lhe foram levadas nas notificações do tribunal, e só agora por aviso de um conhecido, ao que diz, é que reagiu. Sibi imputet!
Bem decidiu, por isso, a Relação, ao considerar improceder totalmente a apelação por ocorrer a caducidade do direito de embargar de terceiro, de conhecimento oficioso.
III-DECISÃO

Pelos motivos expostos, acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão da Relação do Porto.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 5 de Maio de 2011

Gregório Silva Jesus (Relator)
Martins de Sousa
Sebastião Póvoas
__________________

(1) Aqui aplicável na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 329-A/95, de 12/12, porquanto a execução foi instaurada em data anterior a 15 de Setembro de 2003, data da entrada em vigor das alterações introduzidas pelo DL nº 38/2003, de 8 de Março
(2) Cfr. Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, pág. 672, Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III Volume, 1972, pág. 247 e Acs. do STJ de 13/01/05, 5/05/05, e 31/05/05, respectivamente, Proc. 04B4251, 05B839 e 05B1730, no ITIJ.
(3) Cfr. neste sentido Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, V Volume, pág. 143, Antunes Varela, RLJ, ano 122, pág. 112, Jacinto Rodrigues Bastos, obra citada, pág. 228.
(4) Cfr. Anselmo de Castro, Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 1970, pág. 165, e Salvador da Costa, Concurso de Credores, 3ª ed., págs. 250 e 321.
(5) Código de Processo Civil Anotado, 2003, Volume III, págs. 511/512.
(6) Cfr. Lebre de Freitas, ob. cit., em anotação ao art. 920º, pág. 635.
(7) Curso de Processo de Execução, 1999, pág. 267; no mesmo sentido antes se pronunciara Lopes Cardoso no seu Manual da Acção Executiva, 3ª ed., pág. 692.
(8) Essa falta de publicidade, pelos seus inconvenientes, tem sido motivo de muitas críticas dirigidas a esta garantia, constituindo no dizer de Antunes Varela, em Das Obrigações em geral, vol. II, 7ª ed., pág. 572, “um perigo grave para a navegação”.
(9) O que é natural porquanto pela escritura pública de compra e venda junta aos autos de fls. 126 a 128, constata-se que o recorrente nela interveio simultaneamente como vendedor, na qualidade de procurador da sociedade executada “O M... R... - Produção Alimentar, Ldª”, e comprador, celebrando negócio consigo mesmo.
(10) In Os Incidentes Da Instância, 1999, pág. 182.
(11) Cfr. neste sentido Amâncio Ferreira, ob. cit., pág. 241.
(12) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol II, 4ª ed., pág 91.
(13) Despacho que não vem documentado nestes autos mas de que o recorrente dá notícia, e só por isso aqui se faz alusão