Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
143/16.9YHLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: MARCA LIVRE
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
AÇÃO DE ANULAÇÃO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
PRINCÍPIO DA EXCLUSIVIDADE
PRESSUPOSTOS
CONFUSÃO
TITULARIDADE
MARCAS
CONCLUSÕES
REJEIÇÃO DO RECURSO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 06/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA E ANULADO PARCIALMENTE O ACÓRDÃO
Área Temática:
DIREITO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – REGIMES JURÍDICOS DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL / MARCAS / MARCAS DE PRODUTOS OU DE SERVIÇOS / PROCESSO DE REGISTO / REGISTO NACIONAL / EXTINÇÃO DO REGISTO DE MARCA OU DE DIREITOS DELE DERIVADOS.
Doutrina:
-António Campinos e Couto Gonçalves, Código da Propriedade Industrial Anotado, Almedina, 2015, págs 316, 404-405;
-Carlos Olavo, Propriedade Industrial, pág.120. Já Oliveira Ascensão (face ao CPI-1940), Direito Industrial, págs. 172 e ss. e 262;
-Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, pág. 385;
-Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, Almedina, 2012, págs. 167-177;
-Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, Almedina, 2012, págs. 167, 168, 247-250 e 364-366;
-Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, 2002, págs. 76-78 e 348 e ss.
-Pedro Sousa e Silva Direito Industrial, Coimbra editora, 2011, pág. 219, 324 e 325.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI): - ARTIGOS 227.º, 239.º, N.º 1, ALÍNEA E) E 266.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 22-03-2011, PROCESSO N.º 5715/04.1TVLSB.L1.S1;
- DE 07-10-2014, PROCESSO N.º 118/08.1TVPRT.P2.S2;
- DE 09-06-2016, PROCESSO N.º 6617/07.5TBCSC.L1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Em Portugal, vigora um sistema de registo constitutivo ou atributivo do direito de marca;

II – Não obstante, o art. 227º, do CPI reconhece ao utilizador de marca livre, que a venha usando de modo efetivo, durante o período de seis meses a contar do início dessa utilização, para além de um direito de prioridade para efetuar o seu registo, o direito de reclamar do pedido de registo requerido por outrem ou de recorrer judicialmente contra a decisão de concessão desse registo;

III - Extravasado o período de seis meses referido no art. 227º, do CPI, o titular de marca livre ou não registada, que a venha usando de modo efetivo, para além de poder opor-se ao registo posterior de marca desde que alegue e prove que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou que esta seja possível independentemente da sua intenção, tem ainda o direito de pedir a anulação do registo da marca conflituante com o mesmo fundamento (cf. a al. e) do nº1 do art. 239º e o nº1 do art. 266º, ambos do CPI);

IV – Sob pena de perverter o sistema de registo constitutivo, a  possibilidade de anulação da marca deve ser reservada para casos de especial gravidade, designadamente de confusão do público, de imitação servil ou de concorrência parasitária;

V – Para que determinada atuação consubstancie um ato de concorrência desleal importa apurar se existe afinidade ou identidade de produtos ou de atividades, ou pelo menos, se as atividades dos concorrentes se inserem no mesmo setor de mercado. Exige-se ainda que o ato de concorrência colida com normas e usos honestos de determinado ramo de atividade económica.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – Relatório


1. AA, LDA instaurou a presente ação declarativa de condenação contra CLÍNICA VETERINÁRIA DO FAROL, LDA, pedindo que seja anulado o registo da marca nacional n.° 554054 - VET FOZ - e ordenado o seu cancelamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

A autora se dedica desde meados de 2015, à prestação de serviços de veterinária, venda de animais e respetiva alimentação, alojamento, limpeza e tosquia, tendo desde o início utilizado a marca “VET FOZ” para identificar os seus serviços junto do público.

Por sua vez, a ré é uma sociedade que se dedica, desde 2001, à prestação de serviços de veterinária similares aos da autora, sempre tendo utilizado a designação “Clínica Veterinária da Foz” para distinguir os seus serviços junto do público.

Porém, ao tomar conhecimento do início da atividade da A. e do uso por esta da designação “VET FOZ”, a ré requereu o registo da marca “VET FOZ”, o qual lhe foi concedido em 28.12.2015.

A ré agiu com o intuito de prejudicar a autora, coartando-lhe o direito de registar a marca que vinha utilizando livremente, por forma a obter vantagens económicas ilegítimas.

Agindo desta forma, subverteu as finalidades visadas com a concessão da marca, pois apenas teve em vista distorcer a concorrência.

Com tais fundamentos, e ao abrigo do disposto nos arts. 317º, nº1 e 266º, nº1 e 239º, nº1, al. e), todos do CPI, pediu a anulação do registo da marca VET FOZ concedido à ré.

2. A ré contestou. Em sua defesa, alegou, em resumo, que:

Há vários anos, começou a usar a expressão “VET FOZ” para designar o seu estabelecimento, CLÍNICA VETERINÁRIA DA FOZ, pelo que, ao ser confrontada com a mesma designação para identificar o estabelecimento da autora, para evitar o risco de confusão entre os consumidores, decidiu requerer o registo da marca “VET FOZ”, o que lhe foi concedido, pelo INPI.

Por sua vez, em reconvenção, alegando que a autora se encontra a infringir os seus direitos de propriedade industrial e a praticar atos de concorrência desleal - gerando confusão junto dos consumidores - pediu a sua condenação a abster-se de usar e publicitar, por qualquer meio, o sinal “VET FOZ” e a pagar-lhe uma indemnização pelos danos causados, fixando-se ainda uma sanção pecuniária compulsória no valor de EUR 500,00, por cada dia, posterior ao trânsito em julgado da decisão a proferir nestes autos, que durar o incumprimento da obrigação de se abster de usar o sinal.

3. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação procedente, anulou o registo da marca nacional n.° 554054 - VET FOZ – e, julgando a reconvenção improcedente, absolveu a autora do pedido reconvencional.

4. Inconformada com esta decisão, a ré interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão que, revogando a sentença:

A) - Julgou a ação improcedente;

B) - Julgou o pedido reconvencional parcialmente procedente e condenou a autora a:

- Abster-se de usar, por qualquer meio, o sinal “VET FOZ”;

- Pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de EUR 300,00, por cada dia de incumprimento quanto à obrigação de se abster de usar o sinal acima referido.

C) - Absolveu a autora do demais peticionado.

5. Irresignada com o assim decidido, a autora interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça e, nas suas alegações, em conclusão, disse (sic):

“I. Vem o presente recurso da decisão proferida pelo douto Acórdão, na parte em que conclui que não existe fundamento para a recusa do registo da marca VET FOZ e que condena a Recorrente na abstenção do uso do sinal VET FOZ e na sanção pecuniária compulsória de 300,00€, por cada dia de incumprimento da obrigação de se abster no uso do sinal.

II. A decisão recorrida determina que o direito da Recorrida de registar a marca VET FOZ lhe advém da titularidade do direito sobre a marca CLÍNICA VETERINÁRIA DA FOZ, concluindo pela legitimidade da sua atuação na defesa dos seus direitos.

Para tanto, o Tribunal a quo formula um juízo acerca da confundibilidade dos nomes CLÍNICA VETERINÁRIA DA FOZ e VET FOZ que considera serem suscetíveis de gerar confusão no espírito dos consumidores que fundamenta a atuação da Recorrida com a defesa dos seus direitos, pronunciando-se nos termos seguintes:

«E qual foi o nome escolhido para o novo estabelecimento da Recorrente? Precisamente VET FOZ, ou seja, uma designação decalcada na designação do estabelecimento da Recorrente e parece-nos, suscetível de com este gerar confusão no espirito dos consumidores.»

Mais adiante, afirma ainda «Ou seja, é patente o risco de confusão entre o sinal usado pela Recorrente para identificar o seu estabelecimento, com o estabelecimento pertencente à Recorrida e já existente há vários anos.»

Conclui ainda dizendo «Cremos que a Recorrida tem todo o direito de impedir que a Recorrente use marca que vai criar confusão com o seu estabelecimento, pelo que não se trata de um ato de concorrência contrária às normas e usos comerciais, como conclui a sentença recorrida.»

IV. Porém, a decisão está ferida de nulidade por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º, nº1, alínea d) do nCPC, uma vez que foi proferida com base em questão nova nunca antes aflorada nos autos, o que redundou numa decisão surpresa, em flagrante violação do princípio do contraditório plasmado no artigo 3º, nº3, do nCPC.

V.   A decisão recorrida está centrada na premissa de que os sinais VET FOZ e CLINICA VETERINÁRIA DA FOZ são confundíveis, o que permitiu legitimar a atuação da Recorrida e justificar a sua atitude com a defesa dos seus direitos.

VI.  É do juízo sobre a confundibilidade dos sinais que depende inteiramente a decisão recorrida, sem o qual cai por terra toda a fundamentação do acórdão.

VII. A conclusão de que os sinais não são confundíveis faria cessar a causa de legitimação da atitude da Recorrida, excluindo para todos os efeitos lógicos, que esta atuou na defesa dos seus direitos, nos termos formulados no acórdão recorrido.

VIII. Ou seja, na ausência da "ameaça" da confundibilidade, sobrará apenas a tese defendida pela primeira instância de que a Recorrida autuou de má-fé e em concorrência desleal.

IX. A Recorrida sempre afirmou que registara a marca VET FOZ motivada pelo seu uso prévio e reiterado para designação do próprio estabelecimento.

X. E foi só perante o estrondoso desmoronamento desta tese na primeira instância que, já em sede de alegações de recurso, invoca a tese inovadora de que, afinal, registara a marca VET FOZ motivada pelo risco de confundibilidade com o sinal CLINICA VETERINÁRIA DA FOZ que há muito usava e o consequente receio da concorrência desleal que daí adviria.

XI. Esta tese inovadora constitui uma questão nova nunca antes submetida ao contraditório das partes.

XII. Cuja procedência obrigaria à produção de prova quanto à alegada causa justificativa que legitima a atuação da Recorrida, ou seja, a real e efetiva confundibilidade dos sinais distintivos e o fundado receio da Recorrida quanto a atos de concorrência desleal que daí advém.

XIII. Foi com surpresa e estupefação que a Recorrente recebeu a decisão do Venerando Tribunal a quo que extravasa, sem qualquer fundamento ou motivação, os limites do recurso (ponto 2) e, mais grave ainda, o objeto e os temas de prova tal qual foram definidos na primeira instância, sendo por isso nula a decisão, nos termos da al. d), do nº 1, do art. 615º, do nCPC.

XIV. O julgamento do recurso não é um "novo" julgamento da causa e seu objeto, nem o momento para trazer questões novas ao processo.

XV. Ao Tribunal a quo apenas lhe competia julgar, de acordo com a matéria dada como provada e dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que proferiu a decisão, se há fundamento para recusar o pedido de registo da marca VET FOZ.

XVI. Neste sentido decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa ao afirmar que «A sentença não é nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d) do nCPC, se o juiz dá como provado determinado facto que o recorrente considera não ter sido alegado ou não constar dos Temas da Prova.» (Ac T.R. Lisboa - Proc nº 185/14.9TBRGR.L1-2 de 23-04-2015)

XVII. De igual modo, não pode o Tribunal recorrido, sem qualquer suporte probatório além do seu próprio juízo, decidir sobre uma questão que não foi submetida ao contraditório das partes e que nem sequer íntegra os temas da prova.

XVIII. Dúvidas não restam que a revogação da decisão da primeira instância pelo acórdão recorrido está inteiramente sustentada em questão nova, sendo certo que, arredada esta questão nova, é forçoso e inevitável concluir pela procedência dos argumentos da primeira instância e confirmar a sua decisão.

XIX. O acolhimento da questão nova pelo Venerando Tribunal a quo está em clara violação do princípio do dispositivo.

XX. O Tribunal a quo conheceu sobre uma questão de que não podia tomar conhecimento, razão pela qual a decisão está viciada por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº1, al. d), 2ª parte, infringindo a delimitação imposta pelo princípio do dispositivo, consagrado no art. 608º, nº2 do C.P.Civ., o que determina a nulidade da decisão, o que se requer.

Sem prescindir,

XXI. Verifica-se que o confronto dos sinais e verificação da sua confundibilidade, segundos os critérios de análise aplicáveis às marcas, não integra nenhum dos temas da prova.

XXII. Não há expediente processual ou o meio de prova que legitime o Venerando Tribunal da Relação de … a conhecer acerca de tal questão, quando às partes não foi dada a oportunidade de sobre ela produzirem as suas alegações e prova, perspetivando o enquadramento jurídico vislumbrado pelo Venerando Tribunal.

XXIII. Na medida em que foram submetidos a julgamento os seguintes temas da prova e não outros:

«1 - A utilização pela A., desde o início da sua atividade, do sinal VET FOZ para identificar os seus produtos, serviços e estabelecimento junto do público - arts. 2 a 4, 9 a 24 da p.i.;

2 - Designação, pela R. pelos seus clientes e fornecedores, desde 2001, do estabelecimento da R., "Clínica Veterinária da Foz", também pelo diminutivo VET FOZ - arts. 14 a 19 da contestação;

3 - Existência, entre 2009 e 2014, no local onde se situa agora o estabelecimento da A., de um consultório veterinário designado "Cães e Coisas" - arts. 24 a 26 da contestação;

4 - Confusão entre os consumidores relativamente aos estabelecimentos (e produtos e serviços) da A. e da R. - arts. 94 a 105 da contestação/reconvenção;

5 - Danos sofridos pela R. - arts. 118 a 132 da contestação/reconvenção."

XXIV. É inquestionável que a questão nova que a Recorrida invoca e o Tribunal a quo acolhe, não podia ser considerada, devendo a mesma ser definitivamente afastada dos autos.

XXV. Tal como afirma o douto acórdão do STJ «Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.» (Ac. STJ Proc 861/13.3TTVIS.Cl.S2 – 4ª secção -de 17-11-2016}

XXVI. No mesmo sentido, dispõe um outro acórdão do STJ ao concluir que «Os recursos não visam criar e emitir decisões novas sobre questões novas (salvo se forem de conhecimento oficioso), mas impugnar, reapreciar e, eventualmente, modificar as decisões do tribunal recorrido, sobre os pontos questionados e "dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu"» (Ac. STJ Proc 1519/15.4T8LSB.L1.S1 - 4^ secção -de 22-02-2017)

XXVII. Aliás, é a própria Recorrida que nas suas alegações de recurso reconhece que a questão da confundibilidade dos sinais e da legitimidade do registo da marca VET FOZ fundada na titularidade da marca CLÍNICA VETERINÁRIA DA FOZ se trata de uma questão nova e apartada do objeto do litígio.

XXVIII. Ao afirmar, «Mas, assinala-se, mesmo que não pela titularidade do direito sobre a marca "VET FOZ", a legitimidade da ora Apelante em opor-se ao uso e registo da mesma marca "VET FOZ", sempre lhe adviria da titularidade do direito sobre a marca "CLÍNICA VETERINÁRIA DA FOZ"!, não se desconhecendo que o referido supra não constitui causa de pedir no presente processo.

XXIX. Sendo certo, que as alegações e elementos probatórios constantes dos autos não permitem concluir pela confundibilidade dos sinais e pela consequente legitimação da conduta da Recorrida, nem tal matéria é de conhecimento oficioso.

XXX.    Pelo contrário, foram dados como não provados ou tidos por irrelevantes a maioria dos factos alegados pela Recorrida referentes a confusão entre os consumidores relativamente aos estabelecimentos e produtos e serviços da Recorrente e da Recorrida, nomeadamente, os factos i), ii), iii), iv) e v) da matéria de facto não provada - nem a Relação tomou como necessária a alteração dos factos.

XXXI. Pelo que o acórdão recorrido profere uma decisão surpresa, nos precisos termos aludidos pelo Acórdão do STJ que refere «Há decisão surpresa se o juiz de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer apartamento factual ou jurídico envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correta e atinada decisão do litígio.»

XXXII. E acrescenta ainda o mesmo acórdão «Não tendo as partes configurado a questão na via adotada pelo juiz, cabe-lhe dar a conhecer a solução jurídica que pretende vir a assumir para que as partes possam contrapor os seus argumentos.» (Ac. STJ Proc 2005/03.0TVLSB.L1.S1- Ia secção-de 17-11-2016)

XXXIII. Se o Venerando Tribunal considera a questão da confundibilidade dos sinais distintivos como determinante para a decisão do mérito da causa, não lhe restaria alternativa se não submetê-la ao contraditório das partes e ordenar a inclusão desta matéria nos temas de prova e, no limite, ordenar ainda a descida dos autos à primeira instância para produção de prova.

XXXIV. Ao admitir a questão nova e decidir com base na mesma, o Venerando Tribunal a que supriu até o ónus de alegação da Recorrida, que não utilizou esse meio de defesa em sede de contestação!

XXXV. A questão da confundibilidade dos sinais e de que o direito da Recorrida de registar a marca VET FOZ lhe advém do uso reiterado da marca CLINICA VETERINÁRIA DA FOZ, não é nem nunca foi questão neste processo!

XXXVI. Ao decidir com base nesta matéria está julgar uma questão nova e, necessariamente, a incorrer em excesso de pronúncia em cabal violação das normas processuais.

Por outro lado, ainda sem prescindir,

XXXVII. A decisão recorrida, sempre dependeria da prova de que os sinais distintivos em confronto são confundíveis, ou seja, que não contém elementos que conduzam à sua fácil distinção pelo consumidor normalmente informado e razoavelmente advertido.

XXXVIII. E também da aferição do perfil do consumidor para o setor da veterinária e da relevância dos elementos que compõe os sinais em confronto aos olhos do consumidor, ou seja, está em falta a prova quanto à verificação dos requisitos da imitação ou usurpação do sinal distintivo, nos termos do art. 245º, nº 1, al. c), do CPI.

XXXIX. Prova essa que o Venerando Tribunal a quo sem qualquer razão dispensa, ao ajuizar sem qualquer critério, contraditório ou norma que o legitime que «é patente a semelhança, praticamente a equivalência, com o sinal supra referido, pois os elementos relevantes de identificação são "vet" e "foz"».

XL. 0 que está em frontal contradição com o que foi a esse propósito demonstrado em sede de primeira instância.

XLI. Em sentido oposto ao acórdão recorrido, refere a douta sentença da primeira instância:

"Para além disso, Alexandre Fontes referiu a importância do uso dos vocábulos CLÍNICA VETERINÁRIA para identificar o estabelecimento ("Clínica Veterinária" é o elemento mais importante do nome), porque distingue o tipo de serviços prestados, que são mais abrangentes e especializados do que os de um simples consultório veterinário ou uma "pet shop". "Se é uma clínica, tem de ter clínica no nome", porque é uma mais-valia para a empresa. Os clientes vão a uma clínica sabendo que é mais do que um consultório (o estabelecimento da A., referiu a testemunha, não é uma clínica, é um consultório veterinário), e vão a um Hospital sabendo que é mais do que uma clínica, que terá internamento noturno. (sublinhado nosso)

Os licenciamentos exigidos são diferentes, o da Clínica exige uma certificação da Direção Geral de Veterinária e inspeções periódicas, porque numa clínica podem fazer-se cirurgias em ambulatório, implicando anestesias, radiologia ... o que não sucede num consultório veterinário, onde são feitas apenas consultas "básicas"; nem numa "pet shop", que só têm de ter um alvará de farmácia se venderem medicamentos."

XLII. Daqui se conclui, que são os elementos relevantes para a identificação dos sinais os vocábulos "CLINICA VETERINÁRIA" e não propriamente o "VET" e "FOZ”, como estranhamente ajuizou o acórdão recorrido.

XLIII. É a partir deste testemunho que se poderia proceder à análise quanto à confusão das marcas em confronto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 245º, nºl, al. c) do CPI.

XLIV. Do qual se extrai que o elemento essencial do sinal CLINICA VETERINÁRIA DA FOZ, que é "CLINICA VETERINÁRIA", não está presente no sinal VET FOZ, o que determina que o consumidor razoavelmente informado saberá perfeitamente distinguir os sinais em confronto.

XLV. Associando-os a uma gama de serviços diversos na área da veterinária e necessariamente a estabelecimentos com oferta de serviços distintos, como sucede no presente caso.

XLVI. Está presente um elemento fundamental que distingue os sinais em confronto que é reconhecido pelos consumidores e que é relevante ao ponto de afastar "o risco de confusão entre o sinal usado pela Recorrente para identificar o seu estabelecimento, com o estabelecimento pertencente à Recorrida e já existente há vários anos."

XLVII. Dúvidas não restam que se o Venerando Tribunal a quo pudesse conhecer oficiosamente da questão confundibilidade entre os sinais, a sua decisão deveria ser precisamente a contrária à constante do acórdão recorrido, em face dos elementos carreados nos autos.

XLVIII. Conclui-se que nunca esteve subjacente à atitude da Recorrida o receio quanto à confundibilidade dos sinais e que este não constituiu o animus da sua atuação em registar a marca VET FOZ!

XLIX. A Recorrida sempre soube não serem os sinais confundíveis aos olhos dos consumidores razoavelmente informados, o que certamente determinou a exclusão deste argumento da sua contestação.

L. Ao decidir como decidiu, e tendo em conta os argumentos aduzidos supra, o Tribunal recorrido violou o disposto no artigo 245º, nº 1, al. c) do CPI e ainda no art. 635º e 608º, do C.P.Civ., e bem assim como o art. 9º, do C.Civ., pois que a sua interpretação não corresponde, de forma alguma, ao espírito e escopo da Lei.

LI. Pelos motivos aduzidos, terá que ser revogada a decisão que revoga a sentença recorrida na parte em que anulou o registo marca nacional nº 554054 VET FOZ e ainda a decisão que condena o Autor em sede de reconvenção na abstenção do uso, por qualquer meio do sinal VET FOZ, o que se requer.

Por outro lado,

LII. Não se conforma também a Recorrente na condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória de 300€, por cada dia de incumprimento da obrigação de se abster do uso do sinal.

LIII. O despropósito desta condenação está evidenciado por tudo o que já foi dito nas presentes alegações.

LIV. A aplicação desta sanção é descabida e que serve como uma autêntica condenação no pagamento de indemnização que o Venerando Tribunal a quo não pôde determinar, em clara violação do disposto no artigo 829º-A, nº 2.

LV. Determina a citada norma que a sanção pecuniária compulsória será fixada "segundo critérios de razoabilidade", traduzindo-se num juízo de equidade de que o julgador está incumbido.

LVI. «Os critérios de razoabilidade (equidade) que devem nortear o julgador na sua determinação hão-de naturalmente ter em conta as possibilidades económicas do devedor ..., sem perder de vista, por uma questão de equilíbrio ou sentido de proporções, o valor do interesse do credor na prestação da dívida.»

LVII. E ainda, «É em sanções desta índole, que constituem um convite natural ao arbítrio do juiz, por nenhuma relação terem com o montante do prejuízo sofrido pelo credor, que mais importa o sentido de moderação do julgador.» (Pires de Lima e Antunes Varela - Código Civil Anotado, Vol. II, pág. 104 e 105)

LVIII. No acórdão recorrido não é feita qualquer menção quanto ao fundamento do quantum da sanção pecuniária compulsória.

LIX. Ficando por demonstrar a razão de ter sido fixado um valor diário de 300€ e não outro.

LX. O Venerando Tribunal a quo está obrigado a fazer um juízo de equidade, seria no mínimo necessário balizar o valor fixado em algum critério, que no presente caso se desconhece por completo qual é.

LXI. O estabelecimento da Recorrente é uma pequena loja de serviços para animais, tratando-se de um micro negócio com faturações muito reduzidas, o que aliás se demonstra pelo relatório e contas que foi junto aos autos.

LXII. Uma sanção no valor de 300€ diários, equivale a 3.000€ se o incumprimento se estender por 10 dias ou 9.000€ se o incumprimento subsistir por 30 dias.

LXIII. O que equivaleria à falência do estabelecimento, sanção que é evidentemente demasiado pesada para o que nestes autos está em causa.

LXIV. O acórdão recorrido não especifica os fundamentos da condenação, nem sequer dá qualquer indício dos requisitos que nortearam a fixação do valor, segundo o juízo de equidade a que o julgador está obrigado, ferindo o acórdão de nulidade nesta parte, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615º, n° 1, al. b).

Por outro lado,

LXV. Para cumprir com o acórdão será necessário o "rebranding" do estabelecimento e ainda retirar todas as referências à marca VET FOZ do próprio estabelecimento, mas também do material de marshandising que circula, incluindo o patrocínio em modalidades desportivas, entre outros.

LXVI. Afigura-se como muito provável a impossibilidade de cumprir tais diligências em poucos dias, especialmente, tendo em conta que se trata de um pequeno estabelecimento com poucos meios e recursos financeiros.

LXVII. A condenação no pagamento da sanção pecuniária compulsória no valor fixado consiste numa autêntica pena acessória e não numa sanção destinada a reforçar a soberania do Tribunal.

LXVIU. Na impossibilidade de condenar a Recorrente no pagamento de uma indemnização, o Venerando Tribunal a quo decide suprir tal questão mediante a condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de elevadíssimo valor.

LXIX. Que é desproporcional aos valores jurídicos que estão em causa no processo e em condições que determinarão, com toda a certeza, o incumprimento da Recorrente por alguns dias.

LXX. Assim, não tem qualquer mérito a decisão na condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória.

LXX1. Pelos motivos aduzidos, terá que ser revogada a decisão que condena o Autor, em sede de reconvenção, na sanção pecuniária compulsória de 300€ por cada dia de incumprimento de se abster de usar o sinal VET FOZ, o que se requer.

6. Nas contra alegações, pugnou-se pela improcedência do recurso e, como questão prévia, suscitou-se a questão da sua rejeição, alegando não ter sido respeitado o ónus de concisão imposto na lei processual.

7. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente[1] (cf. arts. 608.º, n.º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC), importando, assim, decidir se o acórdão recorrido enferma de nulidade, por falta de fundamentação e excesso de pronúncia, se foi violado o princípio do contraditório e proferida decisão surpresa, se há fundamento para anular o registo da marca “VET FOZ”; se procede, ou não, o pedido reconvencional, nos termos cominados na decisão impugnada.


***


II – Fundamentação de facto

8. As instâncias deram como provado que:

1 - A “AA, Lda.” foi constituída em 19.06.2015, tem sede na Rua …, n.° …, freguesia de …, …, no Porto, e tem por objeto social serviços de veterinária, venda de animais de companhia e respectivos alimentos e a prestação de serviços de alojamento, limpeza e tosquia;

2 - Logo após a sua constituição, a A. iniciou a sua atividade com a preparação da abertura ao público de um estabelecimento comercial para exercer o seu objeto social;

3 - O estabelecimento foi instalado no local da sua sede social;

4 - Em Junho de 2015, a A. começou a preparar a criação de uma marca e imagem gráfica para identificar os produtos e serviços junto do público, tendo contratado os serviços de um designer e consultor de imagem;

5 - Em Julho de 2015, após estudo das possíveis soluções e realização de pesquisas para verificação da existência de marcas registadas com a mesma designação, foi decidida a utilização do sinal VET FOZ;

6 - A A. deu início à produção de instrumentos de divulgação do seu estabelecimento, como a criação de página do facebook, impressão de flyers, cartões-de-visita, papel timbrado;

7- Foi registado o nome de domínio www.vetfoz.com, e criado o endereço de correio eletrónico geral@vetfoz.com;

8 - No início do mês de Setembro foram colocados na fachada frontal do prédio onde se situa o estabelecimento painéis em vinil com a inscrição VET FOZ, e imagens alusivas à atividade de veterinária — cf. docs. juntos com a petição inicial como docs. n.°7 e n.°8, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido;

9 - O estabelecimento foi inaugurado no dia 24.10.2015, tendo sido precedido nas semanas anteriores de divulgação nas redes sociais e diretamente junto do público local mediante convites - cf. doc. junto com a petição inicial como doc. n.° 9, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido;

10 - A Clínica Veterinária do Farol, Lda. foi constituída em 30.03.2001, tem sede na Rua …, n.° …, freguesia de …, …, no Porto, e tem por objeto social atividades veterinárias, importação, exportação e comercialização de produtos e acessórios para animais de companhia; prestação de serviços a canicultores; atividades de criação, treino, alojamento, transporte, tratamento e similares para animais de companhia;

11 - A R. tem um estabelecimento instalado no local da sua sede, denominado "Clínica Veterinária da Foz";

12 - Designação amplamente reconhecida pelos consumidores locais e no sector de atividade da veterinária;

13 - E que consta da fachada do prédio onde está instalado o estabelecimento - cf. doc. junto com a petição inicial sob o n.° 3, a fls. 15 v.°, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido;

14 - Os estabelecimentos da A. e da R. distam entre si cerca de 550 metros;

15 - A R. teve conhecimento da instalação do estabelecimento da A. destinado à prestação de serviços de veterinária e afins, designado VET FOZ, e recorreu a aconselhamento jurídico;

16 - Tendo em 6.10.2015 pedido no Instituto Nacional da Propriedade Industrial o registo da marca nacional n.° 554054 VET FOZ (sinal verbal), para assinalar na classe 43, serviços de alojamento de aves de estimação; serviços de assistência a animais; serviços de gatil; serviços de pensões para animais; serviços para alojamento de peixes de estimação; e na classe 44, aluguer de instrumentos veterinários; análise genética de animais; consultadoria profissional relacionada com serviços veterinários; cuidado de peixes; cuidados de aves; disponibilização de informação relacionada com serviços veterinários; extração de sémen de animais; hospitais veterinários; inseminação artificial; inserção de microchips subcutâneos em animais de estimação para sua localização e identificação; prestação de informações relacionadas com a criação de animais; serviços cirúrgicos veterinários; serviços de análise de laboratório relacionado com o tratamento de animais; serviços de assessoria relacionados com cuidados a aves; serviços de assessoria relacionados com o tratamento de peixes; serviços de assessoria veterinária; serviços de ferragem e manutenção dos cascos para cavalos; serviços de ferreiro; serviços de informação médica via internet; serviços de informação relacionados com produtos farmacêuticos veterinários; serviços de informação relacionados com a indústria farmacêutica veterinária; serviços de informação veterinária via internet; serviços de inseminação artificial; serviços de prestação de cuidados a aves de estimação; serviços de prestação de cuidados a peixes de estimação; serviços de radiografia; serviços de teste de desempenho de animais; serviços hospitalares para animais de estimação; serviços técnicos de radiografia; corte de pelo a animais; corte de pelo de cães; cuidados de beleza [estética] para animais; cuidados de higiene e de beleza para animais; serviços de assessoria relacionados com os cuidados de animais; serviços de assessoria relacionados com o tratamento de animais de companhia; serviços de banhos para animais de estimação; serviços de estética para cães; serviços de esteticista de animais; serviços de esteticista para gatos; serviços de esteticista para cães; serviços para o cuidado de animais de estimação; serviços prestados por salões de beleza para animais de estimação.

17 - Na mesma data, pediu o registo da marca nacional n.° 554159 CLÍNICA VETERINÁRIA DA FOZ (sinal verbal) para assinalar, na classe 43 da classificação internacional de Nice, serviços de pensões para animais; serviços de assistência a animais; serviços de gatil; serviços de alojamento de aves de estimação; serviços para alojamento de peixes de estimação; na classe 44, corte de pelo a animais; corte de pelo de cães; cuidados de beleza [estética] para animais; cuidados de higiene e de beleza para animais; serviços de assessoria relacionados com os cuidados de animais; serviços de assessoria relacionados com o tratamento de animais de companhia; serviços de banhos para animais de estimação; serviços de estética para cães; serviços de esteticista de animais; serviços de esteticista para gatos; serviços de esteticista para cães; serviços para o cuidado de animais de estimação; serviços prestados por salões de beleza para animais de estimação; hospitais veterinários; aluguer de instrumentos veterinários; análise genética de animais; consultadoria profissional relacionada com serviços veterinários; cuidado de peixes; cuidados de aves; disponibilização de informação relacionada com serviços veterinários; extração de sémen de animais; inseminação artificial; inserção de microchips subcutâneos em animais de estimação para sua localização e identificação; prestação de informações relacionadas com a criação de animais; serviços cirúrgicos veterinários; serviços de análise de laboratório relacionado com o tratamento de animais; serviços de assessoria relacionados com cuidados a aves; serviços de assessoria relacionados com o tratamento de peixes; serviços de assessoria veterinária; serviços de ferragem e manutenção dos cascos para cavalos; serviços de ferreiro; serviços de informaçãomédica viainternet; serviços  de informação relacionados com produtos farmacêuticos veterinários; serviços de informação relacionados coma indústria farmacêutica veterinária; serviços de informação veterinária via internet; serviços de inseminação artificial; serviços de prestação de cuidados a aves de estimação; serviços de prestação de cuidados a peixes de estimação; serviços de radiografia; serviços de teste de desempenho de animais; serviços hospitalares para animais de estimação; serviços técnicos de radiografia.

18 - Tendo ambos os registos sido concedidos por despacho de 28.12.2015, publicado no BPI de 31.12.2015;

19 - Em 6 Maio de 2015, a pedido da R., foi criado pela empresa BB, no âmbito do serviço multicanal por esta prestado à Clinica Veterinária da Foz, o remetente de SMS "CLI VET FOZ";

20 - Tendo a R. nesse mês enviado sms a clientes — cf. docs. juntos a fis. 79 v.° e 80 v.° (numeração do processo em suporte de papel), cujo teor integral aqui se dá por reproduzido;

21 - Até 2014, no local onde se encontra instalado o estabelecimento da A., estava aberto ao público um estabelecimento denominado "Cães e Coisas Vet Shop e Consultório Veterinário";

22 - A A. tem outro estabelecimento no Porto, na Rua …, n.° …, denominado "CC", usando aí o endereço de correio eletrónico geral@vetcampoalegre.com e o nome de domínio www.vetcampoalegre.com;

23 - Após a abertura do estabelecimento da A., o marido da dona de um cão que lhe disseram ter sido encontrado e estar "na FOZ" dirigiu-se ao estabelecimento da R., estando o animal no estabelecimento da A.;

24 - Um cão que tinha um serviço de tosquia marcado no estabelecimento da A. foi levado por um empregado do dono ao estabelecimento da R., que realizou o serviço pensando ter-se tratado de um lapso seu na marcação;

25 - A dona de um cão deslocou-se ao estabelecimento da R. para o ir buscar, vindo a verifica-se que se encontrava na "CC";

26 - A A. continua a usar o sinal VET FOZ como consta dos docs. juntos com a petição inicial sob os n.°s 7 e 8 na sua página na internet e na rede social Facebook ;

27 - A R. usa na sua página na internet e na rede social Facebook o sinal CLÍNICA VETERINÁRIA DA FOZ, e o endereço de correio eletrónico geral@clinicaveterinariadafoz.pt;

28 - No balanço individual a 31 de Dezembro de 2015 a A. inscreveu um ativo total de €68.956,34 (dos quais €38.381,08 de ativo não corrente - ativos fixos tangíveis), o capital próprio de €13.199,97, o passivo de €82.156,31 (dos quais €59.750,00 de passivo não corrente — financiamentos obtidos), resultados operacionais de -€16.199,97 (dos quais €13.661,28 de vendas e serviços prestados) e um resultado líquido do período de €16.199,97.

9. Factos não provados:

i - O estabelecimento CLÍNICA VETERINÁRIA DA FOZ, é também designado, pela própria R., pelos seus clientes e fornecedores, e desde o início da sua atividade, pelo diminutivo VET FOZ;

ii - Em 4 de Janeiro de 2016, uma senhora deslocou-se ao estabelecimento da R. para entregar umas coleiras que haviam sido encomendadas, tendo logo a seguir referido tratar-se de um lapso já que havia confundido a clínica veterinária da R com a da A.;

iii - Em 18 de Abril de 2016 a empregada doméstica de uma cliente da R. deixou um animal para tosquia, que não se encontrava marcada; tendo sido esclarecido, após contacto com a cliente, que o serviço havia sido marcado no estabelecimento da A.,

iv - Em 3 de Maio de 2016, foram entregues no estabelecimento da R., por lapso da transportadora, 2 caixas que continham no destinatário a designação "Clínica Veterinária da Foz — AA/Rua …";

v - São várias as chamadas telefónicas recebidas pela R. de pessoas questionando se também pertencem à CC, ou a perguntar por uma Dra. DD, ou a pretenderem saber do estado de animais que não se encontravam no estabelecimento da R.;

vi - A R. suportou despesas com a consulta de mandatários, recolha de documentação, despesas com preparação e apresentação da contestação e reconvenção no valor, à data da contestação, de pelo menos €3.000,00.


***


III – Fundamentação de Direito

10. Questão prévia

Nas contra alegações, a recorrida veio alegar que “as conclusões são uma mera reprodução das alegações”, o que compromete o conhecimento do recurso, por falta de objeto.

Vejamos.

Como é sabido, as conclusões devem ser proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo da alegação do recurso.

Não obstante, nem sempre são elaboradas com o rigor exigido, evidenciando frequentemente deficiências que podem conduzir à rejeição do recurso.

De todo o modo, neste domínio, o incumprimento das regras processuais deve ser valorado em concreto e com moderação, devendo ser admitido o recurso, ainda que a síntese conclusiva não seja modelar, se das mesmas conclusões se extraírem as questões que o recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Superior (cf., neste sentido, entre outros, os acs. do STJ de 9.6.2016, proc. 6617/07.5TBCSC.L1.S1 (Abrantes Geraldes); de 7/10/2014, proc. 118/08.1TVPRT.P2.S2 (Fernandes do Vale) e de 22/3/2011, proc. 5715/04.1TVLSB.L1.S1 (Azevedo Ramos), todos estes disponíveis em www.dgsi.pt).

Ora, no caso em apreço, sem prejuízo de se considerar que, na elaboração das conclusões, a recorrente podia (e devia) ter exercitado o seu poder de síntese de forma mais significativa, a verdade é que, apesar disso, é possível determinar, sem dificuldade, quais as questões que pretende ver apreciadas por este Supremo Tribunal.

Por sua vez, como decorre das contra-alegações da revista, a recorrida (ainda que se tenha insurgido contra a extensão das conclusões) revelou compreender as questões suscitadas, sobre as quais, aliás, se pronuncia especificamente.

Neste contexto, face ao teor das conclusões que foram apresentadas, afigura-se-nos que a rejeição do recurso seria claramente desproporcionada.

Não se vislumbra, portanto, fundamento para recusar o conhecimento desta revista.


***


11. Das nulidades do acórdão recorrido

11.1. A recorrente imputa ao acórdão recorrido a nulidade por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC, alegando que o acórdão recorrido se pronunciou sobre questão nunca antes aflorada nos autos, isto é, sobre se se verifica «confusão» entre os sinais utilizados pelas partes para identificar os respectivos estabelecimentos, produtos e serviços, redundando na prolação de decisão-surpresa, em flagrante violação do princípio do contraditório plasmado no artigo 3º, nº3, do CPC.

Vejamos.

Como é sabido, a nulidade da sentença prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC pressupõe a ocorrência de excesso de pronúncia relativamente às questões de que o Tribunal podia e/ou devia conhecer, isto é, as que tenham sido suscitadas pelas partes ou sejam de apreciação oficiosa.

Nesta ação, a autora veio pedir a anulação do registo da marca VET FOZ, concedido à ré, alegando que, embora não registada, aquela marca era anteriormente utilizada pela autora para distinguir o seu estabelecimento comercial.

A ré, por sua vez, deduziu reconvenção pedindo, além do mais, a condenação da autora a abster-se de utilizar a sua marca registada “VET FOZ”, por ambas desenvolverem idêntica atividade e haver risco de induzir em erro ou confusão o consumidor (cf. arts. 94 a 105, da contestação).

A matéria atinente à alegada “confusão entre os consumidores relativamente aos estabelecimentos (e produtos e serviços) da A. e R.” foi, assim, expressamente enunciada como tema da prova (cf. ata de audiência prévia, a fls. 143), tendo sido objeto de produção de prova e de discussão entre as partes (cf. a motivação da decisão de facto, a fls. 205 e ss.).

Sobre esta problemática se pronunciou a sentença e também a Relação, no âmbito do recurso de apelação interposto pela ré.

Nesta conformidade, tendo a questão sido suscitada nos articulados da acção, tendo a 1ª instância tomado conhecimento dela e tendo sido submetida à (re)apreciação do Tribunal da Relação, é patente não ter sido violado o princípio do contraditório, afirmado designadamente no art. 3º, do CPC, nem cometida a nulidade invocada.


Improcede, pois, manifestamente, a aludida nulidade.



***


11.2. A recorrente sustenta que o acórdão recorrido não só não especifica os fundamentos da condenação no pagamento de uma determinada quantia, a título de sanção pecuniária compulsória, como nem sequer dá indícios dos requisitos que nortearam a sua fixação, mostrando-se, portanto, nessa parte, ferido de nulidade, nos termos previstos no art.615º, n° 1, al. b), do CPC.

Pois bem.

A causa de nulidade tipificada na alínea b), do nº1 do artigo 615º do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação, por via das normas remissivas dos artigos 663.º, n.º 2, e 666.º do CPC, ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda a decisão.

Como é entendimento corrente, esta nulidade apenas se verifica quando se omite ou se mostra de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar a decisão, ou quando, não obstante a indicação dos factos, não se enuncia o quadro legal aplicável, mais ou menos desenvolvido, de forma a deixar transparecer os seus fundamentos.

Na situação em apreço, no que respeita ao segmento decisório que condenou a reconvinda a pagar à reconvinte uma determinada quantia, a título de sanção pecuniária compulsória, o acórdão recorrido não faz referência a qualquer enquadramento jurídico, tornando impossível descortinar as razões de direito em que alicerçou a decisão.

Estamos, pois, confrontados com a nulidade por falta de fundamentação, prevista no art. 615º, nº1, al. b), do CPC.

Arguida a nulidade por falta de fundamentação, quanto ao referido segmento decisório, o STJ não pode, contudo, suprir o vício, por a tal obstar o disposto no art. 684º, nº2, do CPC.

Não obstante, a anulação não deverá ser decretada se houver fundamento para revogar a decisão, por outros motivos que não dependam da apreciação da questão que despoleta a nulidade.

Sendo assim, reservaremos a decisão a proferir sobre a nulidade para momento subsequente à apreciação dos demais fundamentos desta revista.


***


12. Da anulação do registo da marca da ré

12.1. Uma das vertentes do contencioso do Direito Industrial respeita às ações declarativas destinadas a apreciar a validade de direitos de  propriedade industrial, já que a declaração de invalidade destes direitos só pode resultar de decisão judicial, como se estabelece no art. 35º, nº1, do Código da Propriedade Industrial (doravante, CPI).

Tendo presente este normativo, a autora veio instaurar a presente ação declarativa, pedindo a anulação da marca VET FOZ, cujo registo foi concedido à ré pelo INPI.

A 1ª instância julgou a ação procedente e anulou o registo da marca “VET FOZ”, argumentando que o facto de a autora já usar aquela marca (embora não registada) lhe conferia a prioridade prevista no art. 227º, do CPI e que a conduta da ré, ao requerer o seu registo, configurava um ato de concorrência desleal.


Divergindo deste entendimento, o Tribunal da Relação de … concluiu que a ré gozava do direito exclusivo ao uso da sua marca registada VET FOZ e que o uso pela autora de um sinal idêntico configurava uma violação do direito de propriedade industrial resultante do registo.


Nesta perspectiva, acolhendo a tese da ré, o acórdão recorrido julgou a ação improcedente, e procedente a reconvenção e, consequentemente, condenou a autora a abster-se de usar o sinal VET FOZ e a pagar à ré EUR 300,00, por dia, enquanto perdurar o incumprimento daquela obrigação.


Contra o assim decidido se insurge a autora, pugnando pela repristinação do sentenciado na 1ª instância.


Vejamos se lhe assiste razão.


Em Portugal, ao contrário do que sucede noutros países[2], o simples uso de uma marca não gera um direito exclusivo sobre a mesma: o nosso Código da Propriedade Industrial estabelece um sistema de registo constitutivo ou atributivo do direito de marca.[3]

Com efeito, nos termos previstos nos arts. 224º e 258º, ambos do CPI[4], o registo da marca confere ao seu titular o direito exclusivo de usar a marca nos produtos ou serviços a que se destina (conteúdo positivo) e o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de a usar em produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais a marca foi registada, se desse uso resultar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor (conteúdo negativo).

Em todo o caso, o uso de uma marca sem a registar não é juridicamente irrelevante.


Na verdade, o art. 227º, do CPI reconhece ao utilizador de marca livre, durante o período de seis meses a contar do início dessa utilização, para além de um direito de prioridade para efetuar o seu registo, o direito de reclamar do pedido de registo requerido por outrem ou de recorrer judicialmente contra a decisão de concessão desse registo (cf. arts. 227º, 236º, nº1, 17º, nº1 e 41º, todos do CPI).


Extravasado o período de seis meses referido no art. 227º, do CPI, o titular de marca livre ou não registada, que a venha usando de modo efetivo, para além de poder opor-se ao registo posterior de marca desde que alegue e prove que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou que esta seja possível independentemente da sua intenção, tem ainda o direito de pedir a anulação do registo da marca conflituante com o mesmo fundamento (cf. a al. e) do nº1 do art. 239º e o nº1 do art. 266º, ambos do CPI).[5].


Este fundamento de anulação do registo de marca – expressamente invocado como causa de pedir pela autora e ora recorrente – é, no entanto, encarado com alguma reserva por alguns autores, por temerem que possa fazer perigar a lógica de um sistema de proteção das marcas assente no registo constitutivo.


Pedro Sousa e Silva[6], por exemplo, defende que esta possibilidade de anulação deve ser reservada para casos de especial gravidade, nomeadamente quando se demonstre a má fé do requerente do registo.


Para este autor, “nos casos de DPI caducados e de criações ou sinais não registados, a repressão da concorrência desleal deve ser usada com a máxima prudência, ficando reservada para casos, especialmente graves, de confusão do público, de imitação servil ou de concorrência parasitária.”.


Também Couto Gonçalves[7] sublinha enfaticamente o risco de perversão do sistema de registo constitutivo e defende, em alternativa, a consagração de jure condendo de um fundamento autónomo de causa de invalidade, que exigisse a demonstração de que o requerente, no momento do registo, estava a agir conscientemente com intenção de prejudicar terceiros ou obstaculizar a concorrência.


Partilhando a mesma inquietação, afigura-se-nos que a abordagem deverá fazer-se casuisticamente e com especial ponderação, tendo sempre presente que os sinais não registados não beneficiam de uma proteção de caráter exclusivo, pelo que, se o utilizador não proceder ao seu registo, fica, em princípio, sujeito às consequências da sua inércia.

Além disso, neste âmbito, não poderá esquecer-se que está hoje sedimentado o entendimento de que a concorrência desleal reveste caráter complementar face à tutela dos direitos privativos da propriedade industrial[8], pelo que deverá ser encarada como uma defesa de segundo plano.

Nas expressivas palavras de Pedro Sousa e Silva[9], “a proibição da concorrência desleal tem que ser aplicada com muito discernimento, como se fosse um tempero. Ela existe, só existe, para travar os excessos da luta concorrencial. Num ordenamento jurídico governado pelo princípio constitucional da liberdade de iniciativa e de concorrência, não pode servir para subverter a regra e transformá-la em exceção.”

Dito isto.

A concorrência desleal, tal como vem configurada no CPI (cf. art. 317º, nº1, do CPI), pressupõe: (a) um ato de concorrência; (b) a inconformidade desse ato com as normas e usos honestos; (c) no seio de qualquer ramo de atividade económica.


Assim, em primeiro lugar, para que determinada atuação consubstancie um ato de concorrência desleal importa apurar se existe afinidade ou identidade de produtos ou de atividades[10], ou pelo menos, se as atividades dos concorrentes se inserem no mesmo setor de mercado.[11]


Exige-se ainda que o ato de concorrência colida com normas e usos honestos de determinado ramo de atividade económica. Faz-se, portanto, apelo a um controlo ético geral de padrões sociais de conduta próprios do ramo de atividade em questão e que permita traçar a linha divisória entre o que é leal e desleal.


Desta forma, se o ato praticado tiver por finalidade atrair/desviar a clientela mas não for contrário a normas ou usos aceites no seio da respectiva atividade não haverá, evidentemente, concorrência desleal, ainda que, como consequência da sua realização, a empresa consiga obter clientela à custa da clientela alheia.


Quer isto significar que o que caracteriza a concorrência desleal não é o resultado obtido (angariação de mais clientela) mas os meios utilizados para o alcançar.


Feitas estas considerações preliminares, retornemos ao caso em apreço.

Com relevância para a questão de saber se deve ser anulada a marca  VET FOZ, registada pela ré, resultou provado que:

- A A. foi constituída em 19.06.2015, tendo por objeto social a prestação de serviços de veterinária, venda de animais de companhia e respectivos alimentos e a prestação de serviços de alojamento, limpeza e tosquia;

- Em Junho de 2015, a A. começou a preparar a criação de uma marca e imagem gráfica para identificar os produtos e serviços junto do público, tendo contratado os serviços de um designer e consultor de imagem;

- Em Julho de 2015, após estudo das possíveis soluções e realização de pesquisas para verificação da existência de marcas registadas com a mesma designação, foi decidida a utilização do sinal VET FOZ;

- A A. deu início à produção de instrumentos de divulgação do seu estabelecimento, como a criação de página do facebook, impressão de flyers, cartões-de-visita, papel timbrado;

- Foi registado o nome de domínio www.vetfoz.com, e criado o endereço de correio eletrónico geral@vetfoz.com;

- No início do mês de Setembro foram colocados na fachada frontal do prédio onde se situa o estabelecimento painéis em vinil com a inscrição VET FOZ, e imagens alusivas à atividade de veterinária — cf. docs. juntos com a petição inicial como docs. n.°7 e n.°8, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido;

-  O estabelecimento foi inaugurado no dia 24.10.2015;

- A R. teve conhecimento da instalação do estabelecimento da A. destinado à prestação de serviços de veterinária e afins, designado VET FOZ;

- A ré, em 6.10.2015, requereu o registo da marca nacional n.° 554054 VET FOZ, o qual lhe foi concedido em 28.12.2015.

Sendo esta a matéria dada como provada, somos levados a concluir não ter a autora logrado provar os factos constitutivos do direito alegado, ónus que sobre si recaía (cf. art. 342º, nº1, do CC).

Isto porque:

Como decorre do exposto, o momento que releva para apurar se se verifica o fundamento de anulação invocado pela autora é o da data do pedido do registo da marca em causa, ou seja, 6.10.2015.


Na petição inicial, a autora alegou ser – naquela data - utilizadora de marca com sinal idêntico, embora não registada.


Constata-se, porém, face aos factos provados, que, na data em que a ré requereu o registo da sua marca, a autora ainda não tinha passado de uma fase preparatória de “arranque” de uma determinada atividade económica.


Nesta conformidade, mesmo admitindo que a autora (atento o seu objeto social) e a ré pudessem situar-se (ou melhor dizendo, vir a situar-se) no mesmo mercado relevante, a verdade é que, na data em que a ré requereu o registo da sua marca, não se encontravam numa relação de concorrência, de modo atual e efetivo, pois a autora ainda não desenvolvia a sua atividade, isto é, não produzia ou comercializava produtos ou prestava serviços, com simultaneidade e no mesmo domínio territorial.


Por outras palavras: a autora ainda não tinha uma posição legitimamente adquirida no mercado que pudesse ser protegida através do instituto da concorrência desleal.

Diga-se, finalmente, que, ainda que assim não fosse entendido, a ação sempre naufragaria, pois os factos provados são claramente  insuficientes para imputar à ré uma atuação desleal e violadora de deveres gerais de conduta, tendo em vista conquistar uma posição vantajosa no mercado, face à clientela.

O recurso, nesta parte, deve, portanto, improceder.



***


12.2. O acórdão recorrido, julgando parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido, condenou a autora a abster-se de usar, por qualquer meio, o sinal VET FOZ.

A recorrente pede, na revista, a revogação desta decisão.


Sem qualquer razão, como veremos.


Em reconvenção, a ré pediu a condenação da autora a abster-se de usar o sinal VET FOZ, pois, ao fazê-lo, estava a infringir o seu direito de propriedade industrial decorrente do registo.


Ora bem.


Do caráter exclusivo do direito à marca decorre que um terceiro não poderá utilizar um sinal que constitua a marca de outrem em termos de lesar o correspondente direito (cf. arts. 224º e 258º, do CPI), mesmo que esse sinal integre o nome ou insígnia de estabelecimento ou firma (cf. arts. 239º, nº1, al. a) e 304º-I, al. b), do CPI).


No caso concreto, resulta dos factos provados que a autora, já depois de ter sido concedido à ré o registo da marca VET FOZ (e não antes), se encontra a usar aquele sinal (cf. ponto 26, dos factos provados), para sinalizar o seu estabelecimento, produtos e serviços prestados no estabelecimento comercial entretanto inaugurado (cf., v.g., pontos 1, 2 e 9, dos factos provados).


Sendo assim, considerando a semelhança gráfica e fonética dos sinais e a afinidade dos serviços e produtos que os mesmos se destinam a distinguir, afigura-se-nos estar suficientemente indiciado o risco de confusão ou erro por parte do consumidor, como aliás os factos provados demonstram (cf. pontos 23, 24 e 25).


É, assim, indiscutível que a ré goza do direito de se opor à usurpação por terceiros da sua marca registada, pelo que a autora não pode deixar de ser condenada a abster-se de usar aquela marca, como acertadamente se decidiu no acórdão recorrido.


Improcede, pois, o recurso, também nesta parte.


***


12.3. Da sanção pecuniária compulsória

A reconvinte pediu a condenação da reconvinda no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no montante de EUR 500,00 por dia, como forma de reforçar a eficácia da decisão que viesse a ser proferida.

Neste domínio, o acórdão recorrido condenou a reconvinda a pagar uma sanção, que fixou EUR 300,00, por cada dia de incumprimento da obrigação de se abster do uso da marca registada pela ré.

Como já dissemos (cf. supra ponto 11.2), a decisão, nesta parte, encontra-se ferida de nulidade, por absoluta falta de fundamentação (cf. al. b), do nº1, do art. 615º, do CPC, ex vi art. 666º, do mesmo Código), uma vez que o acórdão é completamente omisso quanto à indicação das normas jurídicas em que assenta a decisão, bem como quanto aos parâmetros que levaram o Tribunal a fixar a sanção naquele montante, e não noutro.

Todavia, não podendo o Supremo Tribunal de Justiça substituir-se à Relação e suprir o referido vício, impõe-se anular o acórdão recorrido, na parte afetada, e reenviar o processo ao tribunal recorrido a fim de ser efetuado o respectivo suprimento, nos termos previstos no art. 684º, nº2, do CPC.


***


IV – Decisão

13. Em face do exposto, concedendo parcial provimento à revista, acorda-se em:

- Anular o acórdão recorrido, na parte em que condenou a autora/reconvinda a pagar determinada quantia, a título de sanção pecuniária compulsória, e em reenviar o processo ao Tribunal recorrido a fim de ser efetuado o suprimento da nulidade prevista na al. b), do nº1, do art. 615º, do CPC, ex vi art. 666º, do mesmo Código, nos termos consignados no art. 684º, nº2, do CPC.

- Confirmar quanto ao mais a decisão recorrida.

Custas pela recorrente e pela recorrida, na proporção de 3/4 e 1/4, respetivamente.


Lisboa, 5 de Junho de 2018


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relatora)

José Sousa Lameira

Hélder Almeida

___________

[1] Para além daquelas que devam ser conhecidas oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC), o STJ conhece de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações de recurso, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra ou outras (arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, do mesmo diploma), sendo de ter presente que, para este efeito, as «questões» a conhecer não se confundem com os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, aos quais o tribunal o tribunal não se encontra sujeito (art. 5.º, n.º 3, também do CPC).
[2] Sobre os modos de aquisição do direito de marca, nos diferentes ordenamentos jurídicos, cf. Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, Almedina, 2012, págs. 167-177.
[3] É este o entendimento maioritário da nossa doutrina; Coutinho de Abreu, Curso de  Direito Comercial, pág. 385, Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, Almedina, 2012, págs. 167 e ss., Carlos Olavo, Propriedade Industrial, pág.120. Já Oliveira Ascensão (face ao CPI-1940), Direito Industrial, págs. 172 e ss, defendia que o direito de marca resultava fundamentalmente do uso, embora o titular devesse consolidar a sua situação através do registo.
[4] In casu, é aplicável o CPI aprovado pelo DL 36/2003, de 5 de Março, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 360/2007, de 2.11, Lei n.º 16/2008, de 1.4, DL n.º 143/2008, de 25.7, Lei n.º 52/2008, de 28.8, Lei n.º 46/2011, de 24.6 e Lei n.º 83/2017, de 18.8.
[5] Cf. Pedro Sousa e Silva Direito Industrial, Coimbra editora, 2011, pág. 219 e Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, Almedina, 2012, 168 e ainda Código da Propriedade Industrial Anotado, António Campinos e Couto Gonçalves, Almedina, 2015, págs 404-405.
[6] Ob. cit., págs. 219 e 324.
[7] Ob. cit., págs. 168 e 247-250.
[8] Cf. Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, 2002, págs. 76-78 e 348 e ss.
[9] Ob. cit. pág 316.
[10] Como sugere Pedro Sousa e Silva, ob. cit., pág. 325.
[11] Como defendem Couto Gonçalves, ob. cit., págs. 364-366 e Carlos Olavo, ob.cit., pág. 262.