Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1603/14.1JAPRT.G1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
JUÍZO PERICIAL
HOMICÍDIO
LEGÍTIMA DEFESA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA DE PRISÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO MORTE
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 04/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PENAL – FACTO / CAUSAS QUE EXCLUEM A ILICITUDE E A CULPA / CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / DESCONTO – PARTE ESPECIAL / CRIMES CONTAR AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA / HOMICÍDIO / CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
-Adriano Teixeira, Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato, Marcial Pons, 2015, p. 87;
-Américo Taipa de Carvalho, Prevenção, Culpa e Pena, Um concepção preventivo-ética do direito penal, Liber Discipulorum, Coimbra Editora, p. 316 a 318;
-Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Pena Privativa de Liberdade;
-Andreia Marisa Rodrigues, Análise jurisprudencial da Reparação do Dano de Morte – Impacto do Regime da Proposta Razoável de Indemnização, Abril de 2014 (Sob a orientação da ora Juíza Conselheira Maria da Graça Trigo, p.188;
-António Manuel Almeida Costa, Ilícito Penal, Imputação objectiva e Comparticipação em Direito Penal, Almedina, 2014, p. 659;
-Carlos Climent Durán, La Prueba Penal, Volume I, 2.ª edición, Tirant lo Blanch, Valencia, 2005, p. 735;
-Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Fundamentos, La Estructura de la Teoria del Delito, Civitas, Madrid, 1997, p. 412 a 478;
-Eduardo Demétrio Crespo, Prevención General e Individualização judicial da Pena, Ediciones Universidade Salamanca;
-Ferrando Mantovani, Diritto Penale. Parte Speciale I, Delitti Contro la Persona, Cedam, Milão, 2005, 93 a 99;
-Ferrer Beltrán, Jordi, Prueba y Verdad en el Derecho, Marcial Pons, Filosofia y Derecho, Barcelona, 2005, p. 46 e 47;
-Figueiredo Dias, Jorge, Direito Penal. Parte Geral. Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina do Crime, Coimbra Editora, 2004, p. 381 e ss.;
-Francisco Muñoz Conde, Derecho Penal, Parte Especial, Tirant lo Bçanch, Valência, 2017, 21.ª Edição, p. 30;
-Guilherme de Souza Nucci, Manual de Direito Penal, 6.ª Edição, Parte Geral e Parte Especial, S. Paulo, RT, 2010;
-Hans –Heinrich Jscheck, Tratado de Derecho Penal. Parte Geral; Volume I, Bosch, Barcelona, 3.ª Edição, 1981, p. 671;
-Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo 1, Bosch, 2.ª Edición, 2008, 219 e 220;
-Javier Boix Reig, Derecho Penal. Parte Especial. Volume I, La Protección penal de los interesses Jurídicos Personales, Iustel, 2016, p. 19;
-Javier Wilenmann, La Justificación de un Delito en Situaciones de Necessidad, Depreco Penal e Criminologia, Marcial Pons, Madrid, 2017, p. 304 a – 313;
-Laura Mancini, Responsabilità Civile. La Colpa nella Responsabilità Civile, Giuffrè Editore, 2015, p. 25 a 55;
-Luís Greco, Um Panorama da Teoria da Imputação Objectiva, AAFDL, 2005, p. 17;
-Maria Fernanda Palma, Direito Penal, Parte Geral, A Teoria geral da infracção como teoria da decisão penal, AAFDL, 2018, p. 279;
-Miranda Barbosa, Ana Mafalda, Responsabilidade Civil Extracontratual – Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade, Princípia Editora, Cascais, 2014, p. 196;
-Paolo Tonini, La Prova Penale, Quarta edizione, 2000,CEDAM, p. 29 e 30;
-Paulo Sousa Mendes, Sobre a Capacidade de Rendimento da Ideia de Diminuição do Risco. Contributo para uma Critica à Moderna Teoria da Imputação Objectiva em Direito Penal, AAFDL, Lisboa, 2007, 34 e 35 ; Causalidade Complexa e Prova Penal, Almedina, Coimbra, 2018, p. 120.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 31.º, 32.º, 33.º, 40.º, N.º 1, 71.º, N.ºS 1 E 2, 72.º, 80.º, 131.º E 144.º, ALÍNEAS A) E D).
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, 489.º, 496.º, 562.º E 566.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 18.º, 20.º, 25.º E 26.º.
REGIME JURÍDICO DAS ARMAS E MUNIÇÕES (RJAM), APROVADO PELA LEI N.º 5/2006, DE 23 DE FEVEREIRO, COM AS ALTERAÇÕES SOFRIDAS PELAS LEIS N.ºS 59/2007, DE 4 DE SETEMBRO; 17/2009, DE 6 DE MAIO; DE 26/2010, DE 30 DE AGOSTO; 12/2011, DE 27 DE ABRIL E 50/2013: - ARTIGO 86.º, N.º 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 13-01-1989, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-02-2005, PROCESSO N.º 4721/04;
- DE 25-05-2006, CJSTJ, ANO XIV, TOMO II, 2006, P. 197;
- DE 19-07-2006;
- DE 04-10-2006, RELATOR CONSELHEIRO SANTOS CABRAL;
- DE 11-07-2007;
- DE 05-09-2007, RELATOR CONSELHEIRO OLIVEIRA MENDES;
- DE 14-11-2007, RELATOR CONSELHEIRO OLIVEIRA MENDES;
- DE 14-05-2009, RELATOR CONSELHEIRO ARMINDO MONTEIRO;
- DE 11-01-2011, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 27-11-2013, RELATOR CONSELHEIRO SANTOS CABRAL;
- DE 30-03-2017, RELATOR CONSELHEIRO LOPES DO REGO.
Sumário :

I - Não ocorre insuficiência da matéria de facto provada para a decisão pela circunstancia de não se terem dado como provados os concretos actos operados pelo arguido para o municiamento da arma - com detalhe dos actos concretos e momentaneamente descritos em que a operação se desdobrou - porquanto, tal questão não é essencial e determinante para a determinação da existência de uma acção da autoria do arguido voluntariamente dirigida para a supressão da vida de outrem (a vítima), bastando que se tenha provado que o arguido possuía uma arma - com que previamente a qualquer contenda interpessoal se muniu - e que com ela tenha disparado os tiros que atingiram a vítima no corpo causando-lhe os ferimentos/lesões que determinaram o seu decesso.
II - Tendo o tribunal de 1 ª instância fundamentado a sua divergência quanto ao juízo pericial contida no auto de perícia e não se mostrando violado qualquer princípio ou regra procedimentar material está vedado a este STJ, como tribunal de revista - ou seja que conhece de direito - sindicar a factualidade que as instâncias confirmaram tendo por base a prova pericial efectuada.
III - Considerando que a agressão, ainda que a bens patrimoniais da vítima, é iniciada pela esposa do arguido que procurou desfeitear a obra que estava a ser operada pela vítima, sendo que a vítima, reage a essa agressão, tirando a vassoura das mãos da esposa do arguido e passando a agressor de bens pessoais da esposa do arguido, bem como dele próprio, e em seguida o arguido reage, municiando a pistola e desfechando três tiros no corpo da vítima, forçoso é considerar que a reacção do arguido, ainda que efectuada para rechaçar uma agressão à integridade física da sua esposa - e que ele próprio já tinha sofrido – excede um modo de reacção ajustado e compatível com a legítima defesa.
IV - O uso de arma de fogo para afastar e repulsar uma agressão mediante uma vassoura, um meio relativamente inidóneo para concretizar uma agressão intensa e de efeitos letais, ou pelo menos, de lesividade extensa, afigura-se-nos excessivo e desproporcionado, tornando a acção defensiva inidónea e susceptível de justificar a conduta ilícita do arguido.
V - Resultando da matéria de facto que o arguido quando disparou - e para os locais do corpo para onde dirigiu os projecteis - teve como propósito atingir o corpo da vítima e com o atingimento das partes do corpo visadas lesar órgãos vitais para a vida da vítima, forçoso é considerar que foi propósito do arguido tirar a vida da vítima e logro-o, realizando o resultado previsto na norma incriminadora constante do art. 131 º do CP, agravado nos termos do disposto no art. 86.º, n.º 4, da Lei 5/2006, de 23-02.
VI - Não sendo viável a qualificação da acção do agente como legitima defesa, o facto é que alguns dos elementos que são exigidos para que essa causa de justificação se verifique, não deixam de dever ser considerados para efeitos de dosimetria da pena e ponderação da culpabilidade do agente, pelo que, devem intervir na determinação da pena concreta e atenuar de forma significativa a pena a impor ao arguido, impondo-se reduzir a pena de 15 anos aplicada pelas instâncias para a pena de 8 anos.
VII - O montante de € 50.000,00 atribuído aos familiares a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelos familiares da vítima peca, por exíguo, na medida em que uma indemnização adequada, atendendo ao grau de proximidade dos filhos e da relação conjugal com a demandante dever-se-ia fixar em montante acercado aos € 70.000,00, assim distribuído € 40.000,00 para o cônjuge mulher e €15.000,00 para cada um dos filhos. Estando porém vedado ao tribunal modificar a decisão das instâncias o quantitativo atribuído é de manter.
VIII - Não merece censura a indemnização pelo dano morte no valor de € 50.000 fixada pelo tribunal recorrido que não se afasta da pauta indemnizatória que este STJ tem vindo a fixar no caso de morte.
IX - Limitando-se o recorrente a aludir a uma eventual, ou suposta, violação dos arts. 18.º, 20.º, 25.º e 26.º da CRP por errada interpretação dos arts. 31.º, 32.º, 33.º e 144.º, als. a) e d) do CP, 483.º, 489.º e 496.º do CC, mas omitindo a indicação interpretativa que deveria ter sido adoptada pelo tribunal para aplicação correcta dos preceitos relacionados, forçoso é considerar que o tribunal de recurso se encontra impossibilitado de expressar um juízo de valoração quanto ao pendor interpretativo que as instâncias fizeram nos preceitos citados.

Decisão Texto Integral:

I – RELATÓRIO.
No processo comum colectivo n.º 1603/14.1JAPRT, após audiência de julgamento, foi proferido acórdão em 21 de Dezembro de 2016, em que na procedência da acusação foi o arguido; AA, condenado, “(…) como autor material de um crime de homicídio agravado pela utilização de arma p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs. 131º do C.P. e 86º, nº. 3, da Lei nº. 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei nº. 17/2009, de 6 de Maio na pena de 15 (quinze) anos de prisão” – cfr. fls.
Na procedência parcial do pedido cível que os demandantes, BB, CC e DD, haviam deduzido contra o demandado, AA, o tribunal recorrido – cfr. fls. condenou o demandado a pagar a “(…) a pagar aos demandantes BB, CC e DD, a quantia de 100.766,26 (cem mil setecentos e sessenta e seis euros e vinte e seis cêntimos) a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos sobre a quantia de € 766,26 (arbitrada por danos patrimoniais), desde a notificação do arguido/demandado, para contestar o pedido cível e de juros vincendos sobre a quantia de € 100.000,00 (arbitrada por danos não patrimoniais), a partir da presente data, até efectivo e integral pagamento, absolvendo o demais peticionado”, bem como no pagamento ao “CHTMAD – Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, E.P.E.”, a quantia de € 10.503,77 (dez mil, quinhentos e três euros e setenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da notificação do demandado para contestar o pedido e vincendos até integral pagamento.” – cfr. fls.
Desalinhado com o decidido, recorreu o arguido/demandado – cfr. fls.  – tendo o tribunal de recurso, por decisão prolatada, a 9 de Outubro de 2017, vindo a proferir decisão confirmatório do julgado prolatado em primeira instância.
Desquiciado com o veredicto, recorre o arguido tendo dessumido a argumentação compressa no epítome conclusivo que a seguir queda extractado.
I.a). – QUADRO CONCLUSIVO.
1º- O arguido não se conforma com a sua condenação, pelo que o seu recurso incide sobre a matéria de direito quanto à atuação em legítima defesa, à causa da morte, à qualificação jurídica do crime, à medida da pena, da inconstitucionalidade e à condenação no pedido de indemnização cível.
2º- O arguido vinha acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, um crime de homicídio, previsto e punível pelo artigo 131º, n.º 1 do Código Penal, agravado por força do disposto nos n.ºs 3, 4 e 1, al. c) do artigo 86º do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.
3º- O arguido agiu em legítima defesa da vida e da integridade física da sua esposa e da sua própria pessoa, face às graves e atuais agressões de que estavam a ser vítimas, procurando afastar o perigo concreto, ilícito, imediato e grave resultante da atuação de EE. Factos estes que foram dados como provados nos pontos 6, 7, 13 a 17, constantes do douto acórdão e que estão em contradição direta com o facto dado como não provado no ponto a).
4º- O Arguido nunca procurou o resultado morte, nem tão pouco o previu, não tendo agido dolosamente, tendo os disparos ocorrido por motivos alheios à sua vontade, face às pancadas na mão esquerda proferidas pelo falecido EE, nem tão pouco buscou a arma com o intuito de matar, que tinha ido, momentos antes, buscar para limpar, tendo advertido o malogrado que tinha a arma quando a elevou ao ar.
5º- O Arguido não deu origem a qualquer contenda, tendo, após conversar com o EE, começado a abandonar o local, tendo-se afastado do mesmo cerca de 3/4 metros, até que surgiu a sua esposa (testemunha FF), que apenas tentou deitar abaixo a construção feita pelo falecido, munida de uma vassoura, tendo sido o falecido EE quem começou as agressões violentas no corpo de FF, insultando-a de “bêbada”, empurrando-a, partindo-lhe o braço esquerdo, tendo-se aquele munido de um martelo de orelhas, que estava a usar nos trabalhos, para desferir pancadas na crânio, braços e mãos, com recurso a uma vassoura e a um martelo no Arguido e sua esposa, como consta dos pontos provados 6, 7, 13 a 17, ameaçando-os continuamente, enquanto perpetrava as agressões, dizendo “eu fodo-vos, eu fodo-vos”.
6º- A conduta do Arguido tem de ser enquadrada numa situação de legítima defesa, ou sequer, de excesso de legítima defesa, nos termos dos artigos 31º, 32º e 33º do Código Penal, face, inclusive, aos factos que foram dados como provados nos pontos 6 e 7 e 13 a 17 do acórdão, ou seja, perante as violentas agressões que ele e a sua esposa estavam a ser vítimas.
7º- Nas circunstâncias constantes dos autos, o Arguido e a sua esposa foram alvo, através da atuação dolosa, ilícita, pessoal, direta e voluntária do falecido EE, de uma agressão de interesses juridicamente protegidos, neste caso a vida e a integridade física, tendo sido o falecido quem iniciou as agressões, agredindo gravemente a integridade física de ambos atacando-os nos membros superiores e na cabeça.
8º- A reação do Arguido fez-se perante uma agressão atual e iminente, tendo atuado em sua defesa e da sua esposa para pôr fim à agressão, nos termos do artigo 32º do Código Penal, havendo “animus deffendendi", pois atuou com a vontade de defender os bens jurídicos ameaçados pela agressão, havendo clara necessidade de defesa, face à violência extrema e cega da atuação do falecido.
9º- A utilização por parte do Arguido da arma que trazia consigo revelou-se, naquelas circunstâncias de tempo e modo, como o meio necessário de defesa, para repelir a agressão grave, atual e ilícita, não tendo tido hipóteses de se socorrer de qualquer outro meio, devendo entender-se não ser exigível do defendente, rápida e minuciosa valoração dos bens em jogo, nomeadamente com a chamada da G.N.R., sendo certo que aquele meio foi no imediato infrutífero para impedir a continuação das agressões.
10º- Deveria o Tribunal, tendo por base os factos ocorridos ter considerado que se está perante factos que configuram uma situação de legítima defesa, o que exclui a ilicitude do facto (artigos 31º, 32º e 33º do Código Penal).
11º- A atuação do Arguido enquadra-se e preenche os requisitos legais dos artigos 31º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e 32º do Código Penal, pois houve a agressão de interesses juridicamente prote­gidos do agente e de terceiro; a agressão era atual; a agressão foi ilícita; havia a necessidade da defesa face ao ataque à integridade física e à vida; houve a necessidade do meio e havia o conhecimento da situação de legí­tima defesa, atuando com «animus deffendendi», pois correram ambos sério risco de vida em virtude das violentas agressões do falecido EE.
12º- O Tribunal “a quo” qualificou como ilícita e atual a agressão de EE sobre o Arguido e a sua esposa FF, declarando no acórdão, «que essa agressão – sem dúvida, ilícita – estava em curso quando o Arguido desferiu os disparos, como também logrou provar-se», e que «a agressão perpetrada por EE, quer ao Arguido quer à sua mulher, foi uma agressão actual», mas o acórdão conclui «que se mostra afastada a legítima defesa», com o que não concorda o Arguido, não se podendo afastar que o falecido praticou um crime de injúrias, p. e p. artigo 181º, n.º 1 do CP, e dois crimes de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do CP, conforme consta dos autos.
13º- Sem conceder, pode conceber-se, que, na sua atuação, o Arguido poderá ter empregue um excesso dos meios de defesa ou um excesso intensivo de legítima defesa, nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 33º do Código Penal, continuando o facto a ser ilícito, porém a pena pode ser especialmente atenuada.
14º- Nos termos do n.º 2 do artigo 33º do Código Penal, o agente não é punido se o excesso resultar de perturbação, medo ou susto, o que sucedeu no presente caso, face à violência das agressões cometidas pelo falecido EE, sendo que esse excesso resulta do único meio que tinha à sua disposição para tentar fazer cessar as referidas agressões.
15º- O Arguido não agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de causar a morte a EE, não atuando com intenção de matar, nunca pretendeu tal conclusão, nem nunca tomou como séria a probabilidade da sua morte, pois, como resulta dos autos, mesmo após EE ter sido involuntariamente atingido pelos disparos da arma de fogo, continuou a bater no Arguido e na sua esposa, apenas tendo parado com a chegada da testemunha GG, ficando demonstrada a necessidade da defesa por parte do Arguido.
16º- Tão pouco foi feita prova do propósito deliberado de matar, o que implica uma negação da existência do elemento subjetivo do crime de homicídio em qualquer uma das suas modalidades: dolo direto, necessário e eventual, não se conjugando a falta de demonstração de tal elemento com a afirmação de que o Arguido previu a possibilidade de poder causar a morte.
17º- O resultado morte nunca foi previsto pelo Arguido nem resultou dos disparos efetuados pela arma, mas foi consequência de uma infeção não traumática, isto é, uma pneumonia, resultante do internamento de EE, vindo a falecer na Unidade de Cuidados Continuados da Santa Casa da Misericórdia de ... apenas em 19/03/2015, ou seja, cerca de seis meses após os factos (29/08/2014), e após ter tido melhorias clínicas, já não sendo expectável o resultado morte, tanto mais assim foi que o mesmo foi transferido para a dita Unidade, pois, esse desfecho, deveu-se a uma pneumonia associada a cuidados de saúde, cfr. relatório de perícia Médico-Legal de fls. 2006 e 2007.
18º- Não foi efetuada autópsia, nem foi feita outra prova nos autos, nomeadamente através de histórico clínico, que permita afastar a dúvida de saber se EE já padecia de qualquer insuficiência médica que, de per si, potenciasse, por exemplo, problemas respiratórios, que derivaram na pneumonia, pois não se pode esquecer que, à data dos factos, o mesmo tinha 72 anos de idade (DN: 1942).
19º- O Tribunal “a quo” não poderia concluir, como o fez, quando defende que existe nexo de causalidade entre a causa da morte, «Pneumonia associada aos cuidados de saúde», e a agressão por arma de fogo.
20º- Ao elaborar-se um juízo de prognose póstuma, fica claro que não existiu nexo de causalidade entre a atuação do Arguido e a morte de EE pois a causa da morte, ou seja, a mais próxima do evento, cfr. fls.2006 e 2007, foi uma causa exógena às lesões provocadas pelos disparos, das quais teve melhoria clínica, tendo vindo a falecer 202 dias após os factos, em virtude de uma pneumonia não traumática, mas sim infecciosa, associada aos cuidados de saúde, ou seja, perante um dano ulterior, não bastando que no caso concreto o facto tenha sido condição do dano, neste sentido o ponto III do Acórdão do STJ de 15/12/2011, Proc. n.º 549/08.7PVLSB.S1.
21º- O arguido considera não se encontrarem preenchidos os pressupostos da prática do crime que lhe é imputado, pelo qual foi condenado à pena de 15 anos de prisão, pela prática material de um crime de homicídio agravado pela utilização de arma p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º do Código Penal e do artigo 86º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação da Lei n.º 17/2009, de 6 de maio.
22º- Não foi feita prova do propósito deliberado de matar por parte do Arguido, o que implica uma negação da existência do elemento subjetivo do crime de homicídio em qualquer uma das suas modalidades: dolo direto, necessário e eventual.
23º- A condenação é desproporcionada, tendo em conta as circunstâncias concretas dos factos, bem como a situação social do arguido, não tendo tido o acórdão em atenção as condições socioeconómicas do Arguido e sua integração na sociedade, conforme deu o Tribunal como provado no ponto 23 do acórdão, constituindo uma medida demasiado gravosa, o que inverte a natureza e o papel das sanções penais, violando o critério de escolha das penas (artigo 70º do Código Penal),
24º- A pena aplicada é excessiva, pondo inclusivamente em causa os princípios de prevenção geral e especial, que devem presidir à determinação da medida da pena, tendo a conduta do arguido sido apreciada de forma desenquadrada dos acontecimentos que estiveram na origem da mesma, não tendo valorado da mesma forma quaisquer atenuantes, como circunstância das agressões sofridas por si e sua esposa, a sua integração social e o seu percurso de vida sem qualquer mácula, servindo Portugal, quer no serviço militar, quer na sua longa carreira profissional.
25º- A personalidade, a sua conduta social, o delito em causa e a sua particular posição pessoal e social justificavam que a pena em que foi condenado fosse especialmente atenuada, se não se enquadrasse a sua conduta na legítima defesa.
26º- A decisão recorrida violou, nesta parte, o disposto nos artigos 40º, 41º, 47º, 70º, 71º e 72º do Código Penal, tendo-se a fixação da medida da pena guiado por critérios abstratos, que derivam do facto de ter sido feito um julgamento de personalidade do arguido, que apenas podia ser tomado com base num relatório médico-legal específico, o que não foi feito, e não dos factos concretos.
27º- A prova produzida e a experiência comum deviam ter conduzido à absolvição do arguido ou, então, a uma pena especialmente atenuada, distinta daquela que foi aplicada ao arguido, porquanto agiu em legítima defesa ou com excesso, não sendo censurável a atuação do arguido nos termos dos artigos 70º, 33º, n.º 2, 31º e 32º todos do Código Penal.
28º- O Tribunal “ad quem”, aquando da fixação da medida da pena, deveria ter tido em conta que o Arguido foi sujeito ao regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 44º do Código Penal, desde o término do primeiro interrogatório judicial, em 30/08/2014, que vigorou até à aplicação da medida de apresentações bissemanais no Posto Territorial da G.N.R. de ..., bem como a proibição de se deslocar à Freguesia do ..., onde tinha a sua residência habitual, em 13/02/2015, que ainda vigora, por tal período.
29º- Tais medidas de coação constituem uma verdadeira medida privativa da liberdade do arguido, impedindo os seus movimentos e o seu regresso ao domicílio familiar, nos termos dos artigos 18º, 27º e 28º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pelo que tal período em que o arguido esteve e continua privado da sua liberdade de movimentos, de deslocação e de permanência na Freguesia do ..., deveria ter sido em consideração, na fixação da pena, não o sendo atenta contra os seus direitos fundamentais e contra a Constituição da República Portuguesa, por isso, o acórdão recorrido é inconstitucional, o que desde já se invoca.
30º- Houve errada aplicação da lei substantiva e processual e violação das normas legais aplicáveis, nomeadamente os artigos 18º, 20º, 25º, e 26º da CRP, artigos 31º, 32º, 33º e 144º, alíneas a) e d) do C. Penal, 483º, 489º e 496º do C. Civil.
31º - Mal andou o tribunal “a quo” na determinação do quantitativo da indemnização civil, condenando o arguido a pagar ao demandante a indemnização no montante global de 161.270,03€ (cento e sessenta e um mil, duzentos e setenta euros e três cêntimos), sendo: - 11.270,03€ a título de danos patrimoniais – relativos a despesas hospitalares e cuidados de saúde e – 150.000,00 € a título de dano não patrimoniais – pela perda da vida e o sofrimento causado aos familiares com essa perda e pelas dores sofridas pelo próprio e perceção da morte do próprio, acrescida de juros legais desde a notificação até efetivo e integral pagamento.
32º- Os juros moratórios sobre o montante da indemnização por danos não patrimoniais só devem ser calculados apenas a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, e não desde a notificação do pedido, pois só com a sentença é que o respetivo montante é estabelecido.
33º- Os juros, no que toca aos danos patrimoniais, são devidos desde a notificação para contestar o pedido cível, enquanto relativamente aos danos não patrimoniais, porque o seu montante é fixado à data da sentença, só devem ser devidos desde a data do trânsito em julgado da sentença condenatória.
34º- A indemnização fixada não tem suporte na matéria de facto dada por provada, sendo exagerada e desajustada à condenação de que foi alvo o aqui recorrente, pois tem sempre que se reger por critérios de equidade e devidamente arbitrada, porém, no acórdão em crise não está, salvo melhor opinião, devidamente fundamentada tal decisão, que é desproporcionada, tendo em conta os factos constantes dos autos e aos critérios do lucro cessante e do dano emergente, não tendo sido feita uma correta ponderação entre o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado, entre outras.
35º- No que diz respeito à compensação pelo dano morte, o valor médio atribuído pela Jurisprudência é de 60.000,00 €., para tal basta proceder à análise dos mais significativos Acórdãos do STJ proferidos a partir da entrada em vigor da Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio (alterada pela Portaria 679/2009, de 25 de junho), no que se refere ao dano morte em concreto.
36º- O valor atribuído a título de indemnização, a par de ser omisso quantos aos critérios que guiaram a fixação de tal valor, nos termos do art. 494º do Código Civil, não colhe qualquer conexão com os valores atribuídos pela jurisprudência nacional, nem tão pouco atenta ao facto de EE já ter 72 anos, à data dos factos (DN:1942).
37º- EE era pai de dois filhos adultos, já independentes dele em termos pessoais e monetários, não resultando o contrário dos autos, era detentor de património imobiliário e mobiliário, recebia, pensão de velhice, que reverterá na devida proporção, à esposa, a título de sobrevivência, pelo que tal valor mostra-se afastado da realidade socioeconómica portuguesa.
38º- O Acórdão recorrido enferma de deficiente indagação dos factos e incorreta aplicação do direito, pelo que o valor arbitrado a título de danos morais mostra-se exagerado e desprovido de fundamentação factual, pelo que deverá ser reduzido, incidindo juros moratórios apenas a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória.
39º- Quanto à indemnização cível, houve errada aplicação da lei substantiva e processual, bem como violação das normas legais aplicáveis, nomeadamente os artigos 483º, 494º, 496º e 566º do Código Civil.
Liberto de empeços formais, o Ministério Público junto do Tribunal recorrido, organizou resposta à pretensão do recorrente com o sequente argumentário (sic): “De acordo com as conclusões do recurso, defende o arguido que, ao disparar a sua arma de fogo contra a vítima EE, atuou em legítima defesa sua e de sua esposa FF; ou, pelo menos, em excesso de legítima defesa, pelo que a pena pode ser especialmente atenuada ou nem sequer ser punido, já que a sua atuação se deve a medo ou susto que não devem ser censuráveis face à violência das agressões de que, ele e a sua esposa, estavam a ser vítimas, cometidas pelo falecido EE; não existe nexo de causalidade entre os disparos que atingiram o EE e a morte deste, ficando a morte a dever-se a uma pneumonia infeciosa associada a cuidados de saúde e não a uma pneumonia traumática; foi feita errada qualificação jurídica dos factos; a pena de quinze anos de prisão que lhe foi aplicada é excessiva; a indemnização que foi condenado a pagar mostra-se exagerada e desproporcionada; o acórdão recorrido sofre de inconstitucionalidade.
Da legítima defesa e excesso de legítima defesa.
Sustenta o arguido que, ao disparar a sua arma de fogo contra a vítima EE, atuou em legítima defesa sua e de sua esposa FF “por terem sido violentamente agredidos pelo falecido, com recurso a um cabo de vassoura e a um martelo, agredindo-os nos membros superiores e na cabeça, com o claro propósito de lesar a sua integridade física e colocar em causa a sua vida, o que o agressor conseguiu, isto ao contrário da matéria que foi dado provada nos pontos 6, 7, 13 a 17 no douto acórdão”.
Insiste o arguido em substituir-se ao tribunal e em ser ele a fazer o seu julgamento dando como provada a matéria de facto que lhe interessa e insistindo que ele e a esposa foram “violentamente agredidos” pelo falecido com um martelo.
Nos pontos 6 e 7 da matéria de facto provada o tribunal considerou que o arguido e a esposa foram agredidos pelo falecido EE, mas apenas com o cabo de uma vassoura, excluindo, e muito bem, que tivessem sido agredidos com o martelo.
Considera ainda o tribunal como não provado – al. a) dos factos não provados - que tivesse agido “o arguido apenas em legítima defesa da integridade física da sua esposa e da sua própria pessoa face às graves agressões de que estavam a ser vítimas e que foram cometidas por EE, tendo os tiros disparados ocorrido por motivos alheios à sua vontade”.
As causas de exclusão da ilicitude encontram-se estabelecidas no artigo 31º do Código Penal que dispõe:
1 – O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.
No número 2 dá exemplos de algumas dessas situações dizendo:
Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado:
a) - Em legítima defesa.
O artigo seguinte – artigo 32º - define o que é legítima defesa.
“Constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiros”.
Para se verificar a legítima defesa, face ao disposto no artigo 32º do Código Penal, é necessário que se verifique uma agressão ao próprio ou a terceiro, que essa agressão seja atual e ilícita, que o meio e a forma empregues para a defesa sejam necessários e racionais e que se verifique a intenção de defesa.
Ensina o Professor Jorge Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, página 408, que “uma situação de legítima defesa supõe a existência de uma agressão actual ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro; devendo a acção de legítima defesa constituir o meio necessário para repelir a agressão”. Mais adiante, a folhas 419, o mesmo ilustre Professor refere que “o meio será necessário se for um meio idóneo para deter a agressão e, caso sejam vários os meios adequados de resposta, ele for o menos gravoso para o agressor. Só quando assim aconteça se poderá afirmar que o meio usado foi indispensável à defesa e, portanto, necessário. O juízo de necessidade reporta-se ao momento da agressão, tem natureza ex ante, e nele deve ser avaliada objectivamente toda a dinâmica do acontecimento, merecendo todavia especial atenção as características pessoais do agressor (idade, compleição física, perigosidade), os instrumentos de que dispõe, a intensidade e a surpresa do ataque, em contraposição com as características pessoais do defendente (o porte físico, a experiência em situações de confronto) e os instrumentos de defesa de que poderia lançar mão”. Já quanto à proporcionalidade entre a agressão e a defesa o Professor Figueiredo Dias ensina, a folhas 429 da mesma obra, “não pode ser legítima a defesa que se revela notoriamente excessiva face aos bens agredidos e que, nessa medida, representa um abuso de direito de legítima defesa. A necessidade da defesa deve ser negada sempre que se verifique uma insuportável (do ponto de vista jurídico) relação de desproporção entre ela e a agressão: uma defesa inadmissivelmente excessiva e, nesta acepção, abusiva, não pode constituir simultaneamente defesa necessária; logo porque não pode de modo algum representar-se como uma defesa de Direito contra o ilícito na pessoa do agredido”.
Por sua vez, no acórdão do STJ de 16/09/2008, proferido no processo nº 08P2491, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, que passamos a citar na parte que interessa, encontram-se sintetizados, de modo exemplar, todos os pressupostos necessários à legítima defesa. “X - Segundo a definição mais clássica de legítima defesa – acção necessária para repelir por si mesma um ataque actual e antijurídico, que, essencialmente, vem aceite no art. 32.º do CP –, a situação de defesa pressupõe e tem de ser desencadeada por uma agressão actual e ilícita contra o agente ou terceiro, afectando bem jurídico susceptível de ser protegido através de defesa. Deve, pois, existir uma agressão – que significa toda a lesão ou a iminência de lesão (perigo imediato) – de um interesse juridicamente protegido do agente ou de terceiro, desde que o comportamento do agressor se apresente com um mínimo de causalidade de acção. XI - Para o efeito de integração dos pressupostos da situação de legítima defesa, a agressão deve ser actual, no sentido de que está em execução ou iminente, porque o bem jurídico se encontra já imediatamente ameaçado. A agressão está iminente quando, embora ainda não iniciada, numa aproximação analógica aos elementos da tentativa, se deva seguir imediatamente, segundo a leitura objectiva da situação de um terceiro exterior e não pela representação subjectiva do agente. Ou seja, para determinar a iminência ou a actualidade é decisivo o prognóstico objectivo de um espectador experimentado colocado na situação do agente e não a representação subjectiva deste. A mera intenção, sem ser exteriormente accionada, não constitui iminência de agressão (cf., v.g., Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo 1, 2.ª edição, págs. 411-412, e Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, ob. cit., pág. 366). A iminência da agressão estará presente nas situações em que se saiba antecipadamente, com certeza ou com elevado grau de probabilidade, que terá lugar. XII - Perante uma agressão actual e antijurídica pode ter lugar a defesa necessária. A legítima defesa, como defesa necessária, supõe, porém, uma vontade de defesa, não no sentido de exclusão, pois desde que exista tal vontade, podem concorrer, para além desta, outros motivos (v.g., ódio, indignação, vingança), mas com tratamento específico quando, perante o animus deffendendi, sobrelevem a necessidade de defesa. A necessidade (art. 32.º do CP: “meio necessário”) da acção defensiva para repelir o ataque constitui, assim, um pressuposto da situação de legítima defesa. XIII - Mas a actuação com vontade de defesa depende dos bens jurídicos ameaçados pela agressão. Existindo o conhecimento de uma situação objectiva de legítima defesa, não tem sentido a exigência adicional, como se fosse autónoma, de uma co-motivação de defesa (cf. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 438, e Roxin, ob. cit., pág. 667). XIV - A exigência da necessidade que qualifica os meios de defesa admissíveis traduz-se na escolha do meio menos gravoso para o agressor, de acordo com o juízo do momento, mas com natureza ex ante, avaliando objectivamente toda a dinâmica do acontecimento. A necessidade da acção defensiva supõe que esta não deve passar além do que seja adequado para afastar e repelir eficazmente a agressão – princípio da menor lesão para o agressor, avaliada segundo critérios objectivos; por isso, quem defende deve escolher de entre os meios eficazes de defesa que estejam, em concreto, à sua disposição, aquele que resulte menos perigoso e que cause menor dano. XV - Assim, a acção defensiva necessária é a que é idónea para a defesa e constitui o meio menos prejudicial para o agressor. A avaliação da necessidade depende do conjunto de circunstâncias nas quais ocorre a agressão e a reacção – especialmente a intensidade do concreto meio ofensivo e da ofensa, as características pessoais do agressor em contraposição com as características pessoais do defendente (idade, compleição, experiência em situações de confronto, perigosidade e modo de actuação), bem como dos meios disponíveis para a defesa – e deve valorar-se sob uma perspectiva objectiva, isto é, tal como um homem médio colocado na posição do agredido teria valorado as circunstâncias da agressão. XVI - A necessidade liga-se ao próprio fundamento teleológico da causa de exclusão da ilicitude – não ceder perante o ilícito; a acção defensiva não será necessária quando, por exemplo, se verifique uma «crassa desproporção» entre a natureza, qualidade ou intensidade da agressão e a gravidade das consequências da reacção. Agressões irrelevantes não poderão ser repelidas causando a morte; não pode existir, analisada caso a caso, uma desproporção intolerável entre a natureza da agressão e a gravidade das consequências da reacção (cf. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 430, e Claus Roxin, ob. cit., pág. 663). XVII - A ponderação da necessidade (menor lesividade) tem, porém, de ser compreendida nas circunstâncias do caso: a defesa pode ser intensa para fazer terminar rápida e completamente a agressão ou a eliminação do perigo, não sendo exigível que o agredido apenas utilize tímidos intentos de defesa que podem fazer correr o risco de continuação ou de intensificação da agressão. XVIII - A interpretação da exigência de “necessidade” deve conduzir ao resultado político-criminalmente desejável de que os erros objectivamente insuperáveis sobre a necessidade do meio defensivo sejam tomados em prejuízo do agressor. XIX - Na ponderação sobre a necessidade dos meios não deve, porém, entrar-se em linha de conta com a possibilidade de fuga; escapar não é repelir a agressão (cf. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 419, e Claus Roxin, ob. cit., pág. 631-633). XX - A necessidade e o exame sobre a necessidade surgem ex ante e não supõem uma ponderação de proporcionalidade dos bens jurídicos implicados. É esta a posição maioritária na doutrina nacional, que nos últimos cinquenta anos não parece atender ou considerar a exigência de proporcionalidade dos bens, fundamentando-se, para tanto, no princípio de que «o direito não tem que ceder ao ilícito» (cf. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 428, Américo A. Taipa de Carvalho, A Legítima Defesa, 1995, págs. 423-424, e, sobre as diversas posições na questão, Teresa Quintela de Brito, Homicídio Justificado em Legítima Defesa e em Estado de Necessidade, in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, vol. I, pág. 185 e ss.). XXI - O uso de um meio não necessário constitui excesso de meios ou excesso intensivo que não exclui a ilicitude do facto defensivo – art. 33.º do CP”.
No presente caso ressalta dos factos provados e não provados que o arguido nunca teve intenção de se defender. A sua intenção era nitidamente homicida, o que o levou, logo que viu o EE o efetuar uma obra na garagem, a dirigir-se ao local onde tinha guardada a pistola, pegar nela e nas munições, voltar ao local onde a vítima se encontrava e invetivá-lo sobre a obra que estava a realizar.
Quem se quer defender de uma pessoa que o está a agredir não dispara contra essa três tiros e não dirige os tiros para zonas do corpo onde se encontram órgãos vitais, como é o ventre, o peito e o pescoço, como fez o recorrente.
Dispara para o ar para intimidar o agressor ou, quando muito, para os membros inferiores. O arguido podia muito bem ter tentado alvejar a vítima nos membros inferiores, pois encontrava-se muito próximo, a cerca de dois metros de distância, e sabia manejar armas de fogo, pois foi, como ele próprio afirma, militar. Mas não, apontou e disparou a arma contra zonas do corpo que sabia serem letais. E não foi só um tiro, foram três. Um deles no pescoço e outro na parte superior do ventre. Qualquer um destes tiros era capaz, só por si, de causar a morte do EE e o arguido sabia-o bem.
A compleição física do arguido e da vítima eram muito semelhantes, tendo este apenas mais cinco centímetros de altura. Mas a vítima era mais velha quatro anos do que o arguido. Aquele tinha setenta e dois anos de idade e este tinha sessenta e oito. Na faixa etária em que ambos se encontravam, quatro anos fazem muita diferença relativamente à robustez física, beneficiando o mais novo.
Acontece ainda que o arguido não estava só, encontrava-se acompanhado pela esposa. Eram duas pessoas contra uma que apenas tinha como arma de agressão o cabo de uma vassoura.
O arguido podia ainda ter-se socorrido da força pública, chamando a Guarda Nacional Republicana que se encontrava muito próxima. O posto desta corporação situa-se a menos de cem metros do local da ocorrência dos factos.
Mas nada disto fez o arguido. Puxou da pistola que tinha no bolso, municiou-a e disparou três tiros no corpo do infeliz EE, em zonas do corpo que sabia serem letais, demonstrando nítida intenção de o matar para, de uma vez, acabar com as más relações de vizinhança e com as constantes discussões que tinham.
A matéria de facto provada não revela um comportamento da vítima que configure uma ofensa a direitos ou interesses juridicamente tutelados do arguido, a que a conduta deste se adequasse.
O meio utilizado pelo arguido ao disparar três tiros contra zonas vitais do corpo do EE não se mostra o meio racionalmente necessário e idóneo para deter a agressão que este, eventualmente, estivesse a levar a cabo e muito menos o menos gravoso para a vítima, sobretudo porque o arguido tinha todas as possibilidades de se socorrer do auxílio da GNR que se encontrava muito próxima e, em último caso, poderia ter alvejado a vítima em zona do corpo que não fosse vital.
Não se verificam, pois, os pressupostos da legítima defesa, pelo que deve ser confirmada a responsabilidade penal do arguido, nos termos em que foi condenado.
Como bem se afirma no douto acórdão recorrido, “não se pode falar em excesso de legítima defesa porque esta pressupõe necessariamente uma situação de legítima defesa”. Ora, salvo melhor opinião, os pressupostos da legítima defesa não se verificam, pelo que nunca poderá haver excesso de legítima defesa.
Nexo de causalidade entre a conduta do recorrente e a morte do EE.
Relativamente a esta matéria iremos transcrever, com a devida vénia, as alegações da nossa colega na primeira instância, pois analisa minuciosamente a questão, tornando-se desnecessário repetir aqui, por outras palavras, o que tão bem foi dito.
“O arguido coloca em causa o nexo causal entre a actuação do arguido (que admite ter disparado dois tiros ainda que na versão mais recente tenha sido sempre com intervenção do ofendido) e o resultado morte no ofendido.
Pretende o arguido que se considere que a morte de EE teve como causa uma pneumonia associada a cuidados de saúde e não nos disparos que foram efectuados pela arma do arguido.
Mais uma vez, manifestamente, não lhe assiste razão quando defende que a morte do ofendido foi causada por IACs (infecções associadas aos cuidados de saúde), concretamente a aludida pneumonia, que, na sua óptica, são um problema de saúde pública alheio à conduta do arguido e suas consequências.
Decorre do acórdão recorrido que a prova dos factos atinentes ao nexo causal se estribaram quer na perícia médico-legal e relatório de fls. 2006 e ss., quer nos elementos clínicos juntos aos autos e prova testemunhal (mormente a assistente).
É certo que, como refere o arguido, não foi efectuada no caso vertente a autópsia médico-legal, dado que a morte do ofendido veio a ocorrer muitos meses depois do evento.
Porém, a perícia ordenada oficiosamente pelo Tribunal permitiu esclarecer as dúvidas que eventualmente se suscitassem perante os elementos clínicos (que, do nosso ponto de vista permitiam já aquela conclusão, mas que foram estribados pericialmente com a realização desta perícia).
Em síntese ressuma da perícia médico-legal efectuada nos autos (que nos escusamos de reproduzir por vir integralmente reproduzida no acórdão recorrido) que:
 - o ofendido EE sofreu as lesões, tratamentos e intervenções melhor descritas no ponto 1. de tal relatório consequentes aos disparos de arma de fogo ocorridos em 24.08.2014 que aqui se dão por reproduzidos;
- veio a falecer no  dia  19/03/2015 pelas 18:15 devido  a Pneumonia associada  aos cuidados de saúde;
- dos disparos de arma de fogo (3 projécteis) terão resultado as lesões traumáticas abdominais, vertebrais lombares, cervicais, dorsais e do ombro esquerdo atrás descritas. Estas lesões traumáticas terão sido complicadas de choque hemorrágico e séptico severos, com disfunção multiorgânica (cardiovascular, respiratória, metabólica, renal e hepática), bem como de polineuropatia do doente crítico e aletuamento prolongado que predispõe ao surgimento de úlceras de pressão e que motivaram as intervenções cirúrgicas, subsequentes internamentos e tratamentos médicos, nomeadamente a realização de traqueostomia, que em conjunto com outras complicações já anteriormente descritas aumentam a susceptibilidade a quadros infecciosos (respiratórios, entre outros);
- as lesões/efeitos/consequências, tal como descrito  anteriormente no Ponto 1., foram potenciadas/causadas umas pelas outras, existindo encadeamento  clínico  e cronológico entre as lesões  iniciais (lesões traumáticas causadas por acção directa da energia cinética dos projécteis  de arma de fogo) e as complicações subsequentes.
- A morte sobrevinda de EE teve por causa uma Infecção Respiratória Associada aos Cuidados de Saúde, complicação expectável de um indivíduo aletuado (tetraplégico), com traqueostomia e anemia multifactorial, consequentes ao choque hemorrágico, internamento prolongado e tratamentos que advieram como consequência das lesões traumáticas por projéctil de arma de fogo.
- O surgimento da referida pneumonia, como causa de morte, é uma complicação expectável do aletuamento prolongado (por tetraplégia potenciada por internamento prolongado   em unidade de cuidados intensivos de doente crítico) e do procedimento  de traqueostomia.
- as lesões traumáticas abdominais resultantes do disparo  de projéctil de arma de fogo (tendo em conta a natureza das lesões, a sua localização e gravidade), atendendo a que se  complicaram de choque hemorrágico e séptico  graves, teriam causado  a morte da vítima na ausência  de intervenção médica atempada."
Ora, em face destas conclusões do relatório pericial, o Tribunal colectivo conclui, e bem, que “Das conclusões ali extraídas resulta cristalinamente que foram os três disparos desferidos pelo arguido no corpo de EE que lhe causaram as lesões descritas as quais foram causa directa e necessária da sua morte, pois inexistiu qualquer quebra no nexo causal entre o evento e a morte, pese embora o lapso temporal decorrido entre um e outro.”
E refere ainda que tal nexo causal ressuma já da documentação clinica extensa junta aos autos e que documentava já que desde o dia da ocorrência dos factos até à sua morte, nunca o ofendido deixou de estar internado e sofrer tratamentos, vindo o seu estado de saúde a degradar-se até à morte
Entendemos assim, tal como concluiu o tribunal a quo, que existe nexo causal entre a actuação do arguido e o resultado/verificação dos elementos objectivos e subjectivos do crime de homicídio.
Dispõe o art. 10.º n.º 1 do Código Penal que quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo, salvo se outra for a intenção da lei.
Como é sabido, consagra este normativo a denominada teoria da causalidade adequada ou da adequação, sobre a qual também já muito se escreveu e debateu no âmbito académico e jurisprudencial.
Para EE CORREIA “segundo esta teoria, para que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre um resultado e uma acção não basta que a realização concreta daquele se não possa conceber sem esta: é necessário que, em abstracto, a acção seja idónea para causar o resultado”. (in Direito Criminal I, pág. 257)
A teoria surgiu para tentar corrigir os exageros da teoria das condições equivalentes ou conditio sine qua non, em que a causa de certo evento seria qualquer condição, ou seja, “todo o antecedente sem o qual o resultado se não teria produzido.” (ob. cit., pág. 254)
Já como modalidade da adequação, surgiu ainda a teoria da relevância jurídica, em que se pretende “saber em que termos é justa a imputação objectiva de um resultado tanto à acção que o produz como ao agente que pratica a acção”. (cfr. CAVALEIRO DE FERREIRA, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, pág. 152)
Ou seja, o processo lógico deve ser o de uma prognose póstuma, ou seja, de um juízo de idoneidade, aferido segundo as regras de experiência normais e as circunstâncias concretas em geral conhecidas, com referência ao momento em que a acção se realiza, como se a produção do resultado se não se tivesse ainda verificado, isto é, o de um juízo ex ante.
Analisando o caso dos autos, sempre com o devido respeito por diferente opinião, não vê que as infecções contraídas em meio hospitalar sejam causa adequada da morte de EE, ou, por outras palavras, sejam causa bastante capaz de interromper o nexo causal iniciado com as lesões sofridas em resultado da conduta do arguido.
Na verdade, olhando quer para os elementos clínicos quer para a prova pericial solicitada pelo Tribunal, verificamos que, como resultado dos três disparos com arma de fogo, o ofendido EE, sofreu gravíssimas lesões corporais que, por si só, seriam causa adequada da sua morte.
O arguido coloca especial enfoque na presença de bactérias/ocorrência de infecções hospitalares, a qual interromperia o nexo causal acima referido:
Todavia, como acentua CAVALEIRO DE FERREIRA, “a causa a que se segue outra causa que é daquela necessário efeito é ainda causa adequada da morte” (ob. citada, pág. 156), o que significa que a causalidade apenas seria excluída se uma qualquer causa acidental interferisse no processo causal, o que não se afigura ser o caso.
Quanto aos bacilos aeróbicos, que podem facilmente ser encontrados, por exemplo, como colonizador da pele humana, da orofaringe e da via digestiva em indivíduos saudáveis em ambiente hospitalar, actua como oportunista em doentes comprometidos ou debilitados por causas diversas, nomeadamente o stress cirúrgico.
Na verdade, importa salientar que o organismo de alguém que sofreu tão graves lesões corporais está evidentemente muito enfraquecido e é por conseguinte muitíssimo mais vulnerável à contracção de quaisquer doenças infecciosas – e o certo é que, por muito esforço que se faça na esterilização do ambiente, também os hospitais são locais onde existe uma multiplicidade de agentes microbianos ou microorganismos bacterianos.
O ofendido nunca chegou a recuperar ou a ter francas melhorias como alvitra o arguido, mantendo-se sempre um quadro grave e complicado que motivou mesmo a transferência do ofendido para uma unidade de cuidados continuados por forma a poderem-lhe ser ministrados os tratamentos de que necessitava. Aliás o seu estado foi sempre de muita debilidade, permanecendo num estado de muita gravidade e prognóstico reservado, sujeito pois a naturais variações no seu estado de saúde, pelo que não se vislumbram razões para ter por interrompido o nexo causal entre a conduta do arguido e e o resultado morte.
Como se refere no acórdão recorrido, “O facto, nessa formulação negativa, como condição do dano só deixa de ser sua causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para ocorrência do dano, provocado por via de condições excepcionais, anormais, extraordinárias - cfr., ainda, Ac . do STJ, de 23.11.2005, in P.º 1025/04”.
No caso concreto a pneumonia surge associada aos cuidados de saúde prestados ao ofendido na sequência da actuação do arguido, sendo essa uma consequência expectável para um doente tetraplégico, aleituado, traqueostomizado e com anemia multifactorial como consequência de lesões traumáticas por armas de fogo.
Aliás, no certificado de óbito do ofendido surge, além da pneumonia como causa de morte, a tetraplagia traumática decorrente de agressão por arma de fogo, numa sucessão invertida de eventos que permite estabelecer sem quebras esse nexo causal e que o Tribunal muito bem descreve e retrata a fls. 36/ 37/38 e 39 dos autos em termos que aqui se dão por reproduzidos”.
Da qualificação jurídica dos factos.
Defende o arguido que não cometeu o crime de homicídio previsto e punido pelo artigo 131º do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, por que foi condenado, insistindo que agiu em legítima defesa ao disparar a sua arma contra o EE.
Sobre esta questão as alegações do recorrente são praticamente uma repetição das alegações que fez quanto à questão da sua atuação em legítima defesa ou com excesso de legítima defesa, pelo que nada temos a acrescentar ao que acima dissemos relativamente a essa problemática, sob pena de também nos repetirmos, pois estamos convencidos que não lhe assiste razão.
Da medida da pena.
Volta neste ponto o arguido a defender que atuou em legítima defesa pelo que deveria ter sido absolvido. A considerar-se que atuou com excesso de legítima defesa deve a pena ser especialmente atenuada.
Afirma ainda que a pena que lhe foi aplicada é “manifestamente excessiva”, devendo atender-se à legítima defesa ou mesmo ao excesso de legítima defesa e devem ser valoradas todas as circunstâncias atenuantes que militam a seu favor.
Já acima demonstramos que o arguido não atuou em legítima defesa nem sequer com excesso de legítima defesa, pelo que não tem cabimento voltar a repisar esta questão.
Ao contrário do que o arguido afirma, tanto o tribunal recorrido como esta Relação tiveram na devida conta todas as circunstâncias atenuantes que o beneficiam, como se pode constatar do facto 23 da matéria de facto provada, ao referir expressamente que “o arguido é bom pai de família, honesto, trabalhador, bem integrado socialmente, respeitador e respeitado, tendo sido militar do Exército Português, profissional dos CTT ao longo de mais de 40 anos, além de integrar grupos culturais e desportivos do ..., sempre com especial dedicação e empenho”. Assim como teve em atenção as suas condições socioeconómicas, descritas nos pontos 24 a 35 da matéria de facto provada.
As instâncias ponderaram, na aplicação concreta da pena, todos os requisitos impostos pelos artigos 40º e 71º do Código Penal.
Veja-se o que sobre esta matéria - aplicação concreta da pena - se escreve no acórdão desta Relação de Guimarães, de 22-02-2016, processo nº 176/15.2GACMN.G1, relatado pelo Desembargador Dr. Fernando Monterroso:
"Como se sabe, a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa - art. 40° do Cód. Penal. O limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Dentro destes limites, a pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial. "Toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa" — cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Tomo 1, pag. 81.
Noutra obra - As Consequências Jurídicas do Crime -, ao tratar da controlabilidade por via de recurso da medida da pena, o Prof. Figueiredo Dias dá notícia das doutrinas segundo as quais "a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quanto exato da pena, para o qual o recurso de revista seria inadequado". Aquele nosso maior Mestre conclui considerando que "esta posição é a mais correta..." (pag. 197) – sublinhado do relator.
Ou seja, num recurso interposto pelo arguido, com vista à diminuição da pena aplicada, ele deverá, antes de mais, alegar que foi ultrapassado aquele limite máximo da medida da culpa. Pelo contrário, no recurso interposto pelo Ministério Público para a agravação da pena, terá de demonstrar-se que a pena fixada não garante a satisfação das exigências de prevenção geral positiva. Dentro destas fronteiras, que indicam o máximo e mínimo da pena concreta legalmente admissível, deverá, por regra, prevalecer o prudente critério do tribunal a quo. O direito penal português ainda não aderiu a uma certa ideia de matematização da pena".
Ainda sobre esta matéria, determinação da medida concreta da pena, escreve-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo nº 1013/08-3ª secção, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges: “A intervenção do Supremo Tribunal em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quanto exacto da pena, salvo perante a violação das regras de experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada”.
No presente caso, a primeira instância e esta Relação atenderam, na aplicação concreta da pena, a todos os requisitos impostos pelos artigos 40° e 71° do Código Penal, designadamente a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor ou contra o arguido, como se pode constatar pelo seguinte excerto que passamos a citar:
“Ao crime praticado pelo arguido corresponde a pena abstracta de prisão de 10 (dez) anos e 8 (oito) meses a 21 (vinte e um) anos e 4 (quatro) meses, ao crime de homicídio p. e p. pelo artº. 131º, agravado pela utilização de arma nos termos previstos no artº. 86º, nº. 3, da Lei nº. 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei nº. 17/2009, de 6 de Maio.
De harmonia com o disposto no artº. 70º do C.P., o Tribunal deverá dar preferência à pena não privativa da liberdade "sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" (exigências de reprovação e de prevenção do crime).
No caso, apena é ponderável a pena de prisão.
A propósito das finalidades da pena, escreveu o Prof. Figueiredo Dias (in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor EE Correia, pág. 815): A «prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida». 
Posto isto, importa determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido, pena essa que é limitada pela sua culpa revelada nos factos (cfr. art. 40º, n.º 2 do C.P.), e terá de se mostrar adequada a assegurar exigências de prevenção geral e especial, nos termos do disposto nos artºs. 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1, ambos do C.P., havendo que ponderar na determinação daquela medida, todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as enumeradas no citado artº. 71º, nº 2.
O grau de ilicitude dos factos afigura-se-nos elevado, tendo em conta, designadamente que o arguido, num contexto de desentendimento com a vítima e desagradado com a obra que esta efectuava, antes de ir falar com ela mune-se da arma e das munições só depois vai falar e travar-se se razões e desfere-lhe três tiros, depois de em plena contenda desarmar e municiar a arma.
O dolo do arguido, que reveste a modalidade de dolo directo, cuja intensidade se revela medianamente acentuada tendo o arguido actuado na sequência da vítima ter agredido tanto a sua pessoa como sua mulher, com a inerente carga de nervosismo e de tensão psicológica e emocional que situações dessa natureza normalmente envolvem. Contudo, importa não esquecer que quem iniciou a contenda foi a mulher do arguido, tentando destruir a obra que a vítima realizava, o que motivou a agressão levada a cabo pela vítima. Porém, nesta altura o arguido já se tinha munido da arma sendo certo que tais agressões nunca justificariam a supressão de uma vida, agindo o arguido de forma violenta e desproporcionada.
Por outro lado, importa sublinhar o sofrimento da vítima desde a data em que sofreu os disparos até à data do seu decesso, ocorrido ao fim de longos e penosos 7 meses, sempre internado, num estado de saúde cada vez mais degradado, sem poder comunicar com os familiares, que assistiram e viveram também este sofrimento. E, neste conspecto, cumpre sublinhar que o arguido nunca demonstrou qualquer réstia sequer de solidariedade para com este sofrimento, bem ao contrário. Não demonstrou arrependimento nem sequer qualquer tipo de ressonância na sua consciência, tendo ao longo de todo o julgamento uma atitude de desprezo e de indiferença para com a vítima e sua família, apresentando um discurso claramente auto-centrado e egoísta. A título meramente exemplificativo, refira-se que quando lhe foi perguntada a razão da conduta, se tinha sido “por causa de um parafuso que a vítima tinha colocado” ainda consegue ter a arrogância de responder que “não foi um parafuso, foram dois”… esta resposta revela bem a personalidade, mal formada, do arguido. E quando questionado sobre como se sente com esta situação, a resposta foi bem elucidativa: “com muita tristeza, estou privado da minha liberdade, sempre fui como um passarinho…”. Portanto, é um homem que só se vê a si próprio, incapaz de se colocar no lugar do outro, tentando colocar o odioso na vítima, como se fosse ela a culpada da sua própria morte. Claramente, não interiorizou o desvalor da sua (grave) conduta, sendo, por isso, intensíssimas e prementes as exigências de prevenção especial.
É incontornável salientar, ainda, as razões que motivaram o crime, insignificantes, mas que o arguido apesar de reconhecer que não lhe causavam qualquer prejuízo, rematou dizendo que aquela obra lhe causou “prejuízo moral”.
Milita a favor do arguido que está inserido familiar e socialmente, a ausência de antecedentes criminais e a sua idade.
Há, ainda, que ponderar, as exigências de prevenção geral que são prementes, pois, como se escreve no acórdão do STJ, já acima citado de 15.12.2001, “a prática do crime de homicídio cresce, exponencialmente, em todo o país, denotando a banalização do respeito pela vida humana, tornando a necessidade de pena, actualizada e adequada ao valor do supremo bem jurídico suprimido, irrepetível, e o mais valioso na pirâmide dos direitos fundamentais.
Ponderando todos estes elementos julgamos adequada a aplicar ao arguido a pena de 15 (quinze) anos de prisão, pela prática do crime de homicídio”.
Ponderados todos estes factos, mostrando-se perfeitamente adequado ao grau de culpa do arguido, à gravidade dos factos perpetrados e às consequências advenientes do crime cometido, às exigências de prevenção geral que assumem grande relevo face à frequência como crimes deste jaez são cometidos, às exigências de prevenção especial, atendendo-se ao facto de o arguido ser primário e se encontrar inserido social e familiarmente, mas não ter assumido a prática do crime e não ter demonstrado qualquer arrependimento, também a nós nos parece que, a pena aplicada ao arguido – quinze anos de prisão pela prática de um crime de homicídio que, no caso, tem como limite mínimo dez anos e oito meses de prisão e como limite máximo vinte e um anos e quatro meses de prisão -, não viola as regras da experiência nem a sua quantificação se revela de todo desproporcionada, antes se contém dentro dos limites da culpa e das necessidades de prevenção e faz adequada e justa ponderação das circunstâncias que não fazendo parte do crime militam a favor e contra o arguido.
Ponderados todos estes factos, concordamos inteiramente com a douta decisão recorrida parecendo-nos que a pena aplicada ao arguido se mostra justa e adequada, devendo “prevalecer o prudente critério do tribunal a quo”.
Da inconstitucionalidade.
Defende o recorrente que o tribunal violou o disposto nos artigos 18º, 27º e 28º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem porque, no momento da fixação da medida da pena não teve em conta que o arguido esteve sujeito ao regime de permanência na habitação, desde o dia 30 de agosto de 2014, que vigorou até à data da aplicação da medida de apresentações bissemanais no Posto da GNR de ..., bem como a proibição de se deslocar à Freguesia do ..., onde tinha a sua residência habitual, medida de coação que se mantém desde o dia 13 de fevereiro de 2015.
Diz o arguido que estas medidas de coação – tanto a medida de permanência na habitação como a medida de apresentações no posto da GNR e de estar proibido de se deslocar à freguesia do ... -, são medidas privativas da liberdade “que impedem o regresso “a sua casa” e a obrigação de viver numa terra que não é a sua, em casa de familiares, sem as suas memórias, sem os seus pertences, longe da sua comunidade familiar e amiga, traduzem-se numa verdadeira pena de prisão, privativa da liberdade”.
Tanto a medida de obrigação de permanência na habitação, prevista no artigo 201º, como a medida de apresentações periódicas, prevista no artigo 198º, ambas do Código de Processo Penal, são medidas de coação, anteriormente impostas ao arguido, que nada têm a ver com a determinação concreta da pena, como se alcança pela simples leitura do artigo 71º, nº 2 do Código de Processo Penal.
O que acontece é que o período em que o arguido esteve sujeito à obrigação de permanência na habitação será descontado na pena em que for condenado, de acordo com o disposto no artigo 80º do Código Penal.
Esta medida, obrigação de permanência na habitação, é de facto uma medida privativa da liberdade, embora menos gravosa do que a prisão preventiva. “Não estando diretamente prevista na Constituição, a sua constitucionalidade deriva precisamente de constituir um minus relativamente àquela, que a Constituição prevê nos arts. 27º, nº 3, b), e 28º” – vd. Código de Processo Penal comentado, 2016 – 2ª edição, de Henriques Gaspar e outros, página 813, comentário ao artigo 201º feito pelo Conselheiro Maia Costa.
Já a medida de apresentações periódicas no posto policial e a proibição e imposição de condutas não são, de modo algum, medidas privativas da liberdade, como afirma o arguido.
Não se verifica qualquer violação da lei e muito menos da Constituição da República Portuguesa ou da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nem se compreende o porquê de o presente recurso incidir sobre esta matéria. Se o arguido não concordava com as medidas de coação que lhe foram aplicadas deveria ter delas recorrido quando foram decretadas.
Deve, pois o recurso improceder também quanto a esta matéria.
Relativamente à questão respeitante à condenação do arguido no pagamento de indemnização civil não nos pronunciaremos por falta de interesse em agir por parte do Ministério Público.
Sobre os concretos pontos postos em crise pelo arguido o douto acórdão recorrido mostra-se totalmente correto, não foi violada qualquer disposição legal, pelo que se deve manter nos seus precisos termos.”
Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Distinto Magistrado do Ministério Público é de parecer que (sic): “1.1 - O arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi condenado em primeira instância, por acórdão do Tribunal Coletivo da Instância Central, Secção Criminal (J3) da Comarca de Vila Real, de 21 de dezembro de 2016, para além do mais, na pena de 15 (quinze) anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio agravado pela utilização de arma, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131.º do Código Penal e 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 17/2009, de 6 de maio.
1.2 – Inconformado com a decisão, interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, que por acórdão de 9 de outubro de 2017, julgou o recurso improcedente e confirmou o acórdão recorrido.
1.3 – Deste último acórdão vem o arguido uma vez mais concorrer com base nos seguintes fundamentos que, de forma sumária, a partir das conclusões da sua motivação e apenas no que respeita à vertente criminal, a seguir se enunciam:
a) A conduta do arguido enquadra-se nos pressupostos da legítima defesa;
b) Quando muito, e sem conceder, poderia considerar-se excesso intensivo da sua conduta defensiva;
c) Nunca o arguido teve intenção de tirar a vida à vítima;
d) O resultado morte não resultou dos disparos mas de uma infecção não traumática, concretamente de uma pneumonia;
e) Não foi efectuada autópsia nem foi feita prova nos autos para saber se a vítima padecia de problemas clínicos que tivessem potenciado o aludido problema de saúde;
f) O Tribunal a quo não podia concluir pelo nexo de causalidade entre a causa da morte e a agressão por arma de fogo;
g) A condenação é desproporcionada violando o critério de escolha das penas do art.º 70.º do C. Penal;
h) A pena deveria ter sido especialmente atenuada, atenta a particular posição pessoal e social do arguido, tendo sido violado o disposto nos artigos 40.º, 41.º, 47.º, 70.º, 71.º e 72.º do C. Penal;
i) A atuação do arguido não é censurável, nos termos dos artigos 70.º, 33.º, n.º 2, 31.º e 32.º,. todos do C. Penal;
j) Aquando da fixação da medida da pena o tribunal a quo devia considerar como medida privativa da liberdade as medidas de coacção que lhe foram impostas o que, a não ser acatado, viola os artigos 18.º, 20.º, 25.º e 26.º da CRP, artigos 31.º, 32.º, 33.º e 144.º, alíneas a) e d) do C. Penal, bem como os artigos 483.º, 489.º e 496.º do C. Civil.
1.4 O Ex.mo magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação pronuncia-se no sentido da improcedência do recurso.
II - Dos factos
2.1 - Os factos dados como provados em 1.ª instância, e que não foram alterados pelo acórdão recorrido, são os seguintes (não aludiremos  aos que respeitam às condições socioeconómicas do arguido nem os respeitantes aos pedidos de indemnização cível, quanto a estes por falta de legitimidade do MP), sendo da nossa responsabilidade as partes sublinhadas e a negrito:
«1. No dia 29 de agosto de 2014, aproximadamente pelas 10h30m, o arguido, chegou à entrada da sua habitação sita na ..., no ..., em ..., dirigindo-se até à zona da sua garagem, onde já se encontrava o ofendido EE, residente no n.º 17 da mesma rua, que nesse momento estava em cima de um escadote, a realizar uma obra numa zona não concretamente determinada da parte inferior de uma das escadas que dava acesso à casa de habitação do arguido e do ofendido EE.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido, desde há muito desavindo com o ofendido EE, por razões de vizinhança, dirige-se à garagem e mune-se da sua pistola semi-automática de marca FN (Fabrique Nationale) /Browning, modelo Baby, calibre 6.35mm (.25ACP ou.25 Auto na designação americana), com o n.º de série 405384, que coloca no bolso dos calções.
3. Acto contínuo, sai da garagem e troca algumas palavras de teor não concretamente apurado com o ofendido, mas sempre relacionadas com o facto de o arguido considerar que EE não podia realizar a obra referida em 1. naquele local sem a autorização do arguido e da mulher.
4. Nesse contexto, num tom de voz cada vez mais exaltado, enquanto o arguido e EE se encontravam a discutir sobre a realização da aludida obra, surgiu FF , mulher do arguido, que, ao chegar à entrada da sua habitação, e por ouvir vozes exaltadas provenientes da zona da sua garagem, de imediato se deslocou até ao local onde se encontravam o arguido e EE.
5. Acto contínuo, depois de também ter trocado algumas palavras com o arguido, sobre a mesma obra, FF pegou numa vassoura que se encontrava nas imediações e, munida com tal objecto, começou a desferir várias pancadas num suporte que EE tinha colocado na parede, com a finalidade de o destruir.
6. EE reagiu, desceu do escadote e inicia uma troca de palavras ainda mais exaltada e de teor não concretamente apurado com FF, desferindo-lhe um número não concretamente apurado de pancadas com a referida vassoura, designadamente na parte superior esquerda da testa, no ombro e nos pulsos.
7. O arguido passou também intervir na contenda, tendo sido atingido pelo mesmo objecto no lado esquerdo da cabeça e no braço direito.
8. Em determinado momento dessa discussão, quando EE e FF se encontravam junto das garagens, o arguido, a uma distância não superior a 2 metros do ofendido, empunhou a arma referida em 2, que tinha no bolso, municiou-a, destravou-a e apontou-a em direcção ao corpo de EE, mais concretamente à zona do corpo superior ao abdómen e desferiu de imediato 3 (três) disparos consecutivos em direcção a zonas do corpo de EE que se situam acima do abdómen, mais concretamente:
a) desferiu um disparo que atingiu EE na zona abdominal superior direita, tendo o projéctil ficado alojado na região dorsal;
b) desferiu um  disparo na zona do ombro esquerdo de EE, tendo o projéctil saído na omoplata direita (trajectória em linha recta);
c) desferiu um disparo no lado direito da região cervical baixa (pescoço), onde o projéctil ficou alojado.
9. Poucos minutos após ter sido vítima dos 3 (três) disparos acima referidos, EE foi transportado por uma ambulância VMER em direcção ao «Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, E.P.E.», onde se manteve ininterruptamente internado desde as 12h41m do dia 29 de Agosto de 2014 até ao dia 10 de Dezembro de 2014, data em que EE foi transferido para a Unidade de Cuidados Continuados Integrados (UCCI) da Santa Casa da Misericórdia de ....
10. Desde o dia 10 de Dezembro de 2014 até ao dia 19 de Março de 2015 que EE se encontrou ininterruptamente internado na UCCI da Santa Casa da Misericórdia de ....
11. Em consequência directa e necessária dos três disparos desferidos no seu corpo, o ofendido EE, além de cicatrizes no ombro esquerdo, sofreu as seguintes lesões: a) na região cervical, trauma perfurante, com consequente enfisema subcutâneo da região cervical anterolateral direita, com infiltração por hematoma, que envolveu o músculo esternocleidomastoideu ispilateral; b) na zona abdominal, trauma perfurante, com consequente hemoperitoneu, a que se associou pneumoperitoneu, bem como hematoma inter cavo-aortico, fractura do primeiro arco posterior direito e projéctil alojado ao nível inter somático do espaço L3-L4.
12. As lesões acima mencionadas sofridas pelo ofendido EE em consequência dos disparos de que foi vítima, foram causa directa e necessária da sua morte, ocorrida no dia 19 de Março de 2015.
13. Por seu turno, em consequência directa e necessária dos golpes que EE desferiu no corpo de AA, este sofreu as seguintes lesões: a) no crânio, cicatriz com cinco centímetros de comprimento, situada na região frontal esquerda; no membro superior direito, cicatrizes dispersas pelo antebraço e dedo polegar; no membro superior esquerdo, cicatrizes dispersas pelo primeiro e terceiro dedos da mão.
14. Lesões que foram causa directa e necessária de 10 (dez) dias de doença, sem qualquer afectação da capacidade de trabalho geral de AA.
15. Em consequência directa e necessária dos golpes que EE desferiu no corpo de FF , esta sofreu as seguintes lesões: a) no crânio, cicatriz com três centímetros na região frontal esquerda; b) no membro superior esquerdo, dificuldades em fazer a flexão total dos dedos, com agravamento durante a noite e de manhã.
16. Tais lesões foram causa directa e necessária de 220 (duzentos e vinte) dias de doença, com 43 (quarenta e três) dias de incapacidade para o trabalho geral.
17. As lesões referidas em 15.º são permanentes e, sob o ponto de vista médico-legal, traduzem-se em dismorfia residual a nível do terço distal do bordo cubital e limitação discreta da força e flexão da mão esquerda.
18. O arguido agiu da forma acima descrita, desferindo 3 (três) disparos em várias zonas do corpo do ofendido EE, mais concretamente em zonas do corpo situadas do abdómen para cima, com o propósito de lhe tirar a vida, o que o arguido quis e conseguiu.
19. O arguido bem sabia que, ao desferir 3 (três) disparos em várias zonas do corpo do ofendido EE, nenhum deles em direcção aos membros inferiores e pelo menos um desses três disparos em direcção a uma zona tão sensível como a zona do pescoço, desferia disparos aptos a tirar a vida ao ofendido.
20. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.
21. O Posto da GNR do ... fica a cerca de 100 metros da morada referida em 1.
22. Do seu certificado de registo criminal nada consta.
Da contestação
23. O arguido é bom pai de família, honesto, trabalhador, bem integrado socialmente, respeitador e respeitado, tendo sido militar do Exército Português, profissional dos CTT ao longo de mais de 40 anos, além de integrar grupos culturais e desportivos de ..., sempre com especial dedicação e empenho.
(…)
Os factos não provados:
«a. O arguido apenas em legítima defesa da integridade física da sua esposa e da sua própria pessoa faces às graves agressões de que estavam a ser vítimas e que foram cometidas por EE, tendo os tiros disparados ocorrido por motivos alheios à sua vontade.
b. O arguido seja um cidadão exemplar e nunca teve conflitos com qualquer pessoa.
c. O EE fosse incapaz de agredir quem quer que seja.
d. Que o arguido de forma consciente e premeditada, doou o seu património aos seus filhos, para invocar falta de capacidade para pagar a indemnização aos familiares de EE, o qual, se desloca de forma livre e sorridente pela localidade, provocando os familiares.
(…)».
III - Questão prévia. Nulidade do acórdão
3.1 - Importa desde já acentuar que, para além da gravidade dos factos em apreço nestes autos, já que envolvem uma situação de que resultou para além do mais a morte de uma pessoa, nos defrontamos aqui com algumas das questões mais complexas que se colocam no âmbito do direito penal, a saber, a eventual ocorrência de uma situação de legítima defesa e o problema da relação causal entre os factos e o evento morte, uma vez que a vítima mortal viria a falecer meses após a agressão.
Por outro lado não há prova direta sobre o que efetivamente ocorreu até ao momento em que o arguido disparou sobre a vítima, uma vez que o tribunal não considerou coerentes os depoimentos quer do arguido quer da sua esposa. Para a reconstrução factual do evento o tribunal baseou-se nos indícios recolhidos no local, lesões sofridas pelos diversos intervenientes e naquilo que considerou consistente dos depoimentos do arguido e sua mulher, à luz das regras da experiência comum.
Há porém que acentuar que a prova obtida por esta via exige detalhe, clareza, prova direta dos factos indiciários e, fundamentalmente exercício do contraditório, particularmente no que respeita aos elementos que decorrem da audiência e àqueles que o tribunal tem o dever de apurar em nome da procura da verdade material, nos termos do disposto no art.º 340.º do C.P.Penal.
3.2 - Como se escreve no Acórdão de 17 de março de 2017, relatado pelo Senhor Conselheiro Pires da Graça, “ (…) para além dos factos essenciais, também os factos circunstanciais ou instrumentais — inequivocamente relevantes para a prova dos factos probandos — devem ser objecto de pronúncia por parte do tribunal.
(…)
Por exemplo, estando em causa a prática de um crime de homicídio doloso (morte causada por disparo de pistola), se o arguido não presta declarações ou nega a prática dos factos, será da prova de factos contemporâneos ou próximos do facto-delito que resultará ou não a prova dos factos integradores do tipo de culpa. Assim terão importância, entre outros, factos como o número de disparos efectuados, a distância a que o arguido se encontrava da vítima quando disparou, a região atingida, a existência ou não de ameaças anteriores, a existência ou não de conflito(s) do arguido como a vítima ou familiares desta. Será da prova destes factos que devidamente analisados e conjugados de acordo com as regras da experiência e de conhecimentos científicos e técnicos que resultará ou não prova dos factos integradores do tipo de culpa, respeito das regras da lógica e da experiência, dará ou não como provados os factos integradores do tipo objectivo de ilícito em questão.
(…)
De facto, não nos parece procedimento legal e salvo o devido respeito por opinião contrária, apenas identificar os factos indiciários, que se têm como provados, na motivação da decisão da matéria de facto. Sendo a motivação um discurso argumentativo no sentido de justificar por que é que determinados factos resultaram provados e outros não, não parece que se possam misturar realidades substancialmente diferentes: factos e provas. Parece lógico e de inequívoca clareza que o tribunal primeiro identifique, enumere, os factos que deu como provados e depois, com aquela matéria claramente autonomizada, parta para o exame crítico das provas. Mas há ainda um aspecto que não deve ser desprezado: se os factos indiciários não estão enumerados na matéria de facto e apenas são invocados no discurso argumentativo da motivação, há sério risco de incerteza sobre quais os factos indiciários que efectivamente o tribunal deu como provados, inquinando-se deste modo todo o processo de justificação. Como se sabe, pressuposto do juízo inferencial é que os factos indícios estejam provados. De facto, não se constrói nenhum processo dedutivo sobre a incerteza dos factos de que se parte. Mas perguntamos: Se devem ser enumerados os factos relevantes para a decisão, como podem deixar de ser enumerados aqueles factos que possibilitaram a decisão, sem desrespeitar o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do CPP? Como poderá o tribunal na motivação justificar a prova dos factos fundamentais ou essenciais que resultaram provados através da prova indiciária, se não tiver enumerado os concretos factos indiciários relevantes na matéria de facto provada? Como poderá o recorrente impugnar a matéria de facto (atente-se nos requisitos do n.º 3, al. a), do artigo 412.º do CPP), se o facto que considera incorrectamente julgado não está expressamente enumerado na matéria de facto? Note-se que a razão da discordância muitas das vezes consiste precisamente em ter-se dado como provado determinados factos indiciários dos quais, por inferência, se deram como provados factos essenciais — os factos integradores do tipo de ilícito.
(…)”.
3.3 - As considerações feitas no citado acórdão aplicam-se a nosso ver, em boa parte, à situação dos presentes autos.
Na verdade, a prova dos factos nos momentos determinantes do iter criminis não é prova direta dado que, as únicas pessoas presentes no local, para além da vítima, eram o arguido e sua esposa, de cujos depoimentos o tribunal arredou, por alegada incoerência, tudo aquilo que pudesse apontar para uma situação de legítima defesa ou até de mitigação da culpa. Não se questionando a avaliação feita pelo tribunal, considera-se porém que, em tais circunstâncias se exigia uma análise detalhada, minuciosa, de todo o circunstancialismo que precedeu, acompanhou e se seguiu aos factos que levaram á morte da vítima, única forma de conferir a devida consistência à prova obtida nas aludidas condições.
É nestas circunstâncias que assumem maior relevo os poderes conferidos ao julgador pelo art.º 340.º do C.P.Penal, atribuindo-lhe o poder/dever de realizar todos os atos necessários ao alcance da verdade material, num modelo processual que não crê que a verdade seja alcançada apenas através da interação dialética entre a acusação e a defesa, mas faz do juiz um participante ativo na busca da verdade para a efetiva realização da justiça.
3.4 - Ora…
Como resulta da matéria de facto dada como provada, o conflito que conduziu à morte de EE teve a sua génese num conflito de vizinhança associado à realização de umas obras que estavam a ser levadas a cabo pela vítima. Seria por isso da maior importância saber quem efetivamente iniciou a contenda e a agressão, averiguando se o local da realização das obras era em propriedade comum, propriedade do arguido e esposa ou propriedade da vítima.
O tribunal, ao dar simplesmente como provado que a vítima realizava a obra numa zona não concretamente determinada da parte inferior de uma das escadas que dava acesso à casa de habitação do arguido e do ofendido, abdicou de averiguar uma questão de manifesta importância para a decisão da causa.
Mas não só. Na motivação sobre a decisão da matéria de facto o colectivo vai mais longe e considera o seguinte: “Finalmente, a versão apresentada pelo arguido no sentido da legítima defesa não colhe: desde logo porque ao contrário do que diz o arguido quem iniciou a contenda não foi a vítima, mas ele próprio e sua mulher. E não se diga que quem iniciou foi o vizinho, ao fazer a obra naquele local, pois está por demonstrar que não podia fazer”. E na justificação da medida da pena dá-se uma outra versão considerando-se “ (…) importa não esquecer que quem iniciou a contenda foi a mulher do arguido, tentando destruir a obra que a vítima realizava (…)”. O tribunal diz uma vez que quem iniciou a contenda foi o arguido e a mulher, diz em outra que quem a iniciou foi a mulher. Ou seja, não apenas se demitiu de apurar um facto essencial, afastando-se da procura da verdade material, como faz diferentes interpretações sobre essa parte da matéria de facto, fazendo ainda valer em desfavor do arguido essa indeterminação factual, como se sobre ele incidisse o ónus de fazer prova do facto que importava apurar. No limite, o não apuramento do mencionado facto não podia, nem beneficiar nem prejudicar, o arguido.
Voltando ao já citado acórdão, “(…) Não pode haver porém dúvida negativa, cuja convocação ou interpelação se assuma em valoração contra o arguido; não pode convocar-se presunção conducente a convicção não objectivada, de que não constem elementos objectivados nos autos, sob pena de arbitrariedade, afrontando-se a sua razoabilidade objectivável, ou indiciariamente justificativa, e que iria anular a razão de ser do princípio de “in dubio pro reo”. A verdade é que, como resulta da decisão recorrida, a dúvida sobre a aludida questão foi um dos fundamentos para afastar a legítima defesa”.
Dá também o tribunal como provado que depois de também ter trocado algumas palavras com o arguido, sobre a mesma obra, FF pegou numa vassoura que se encontrava nas imediações e, munida com tal objecto, começou a desferir várias pancadas num suporte que EE tinha colocado na parede, com a finalidade de o destruir.
Porém, na apreciação da prova o colectivo vai para além disso considerando “ (…) entendemos provado que a agressão foi perpetrada fazendo uso de uma vassoura – a vassoura que a mulher do arguido trazia e com a qual começou a desferir pancadas na obra que realizava EE (…)”. Deste texto decorre claramente a ideia que foi a mulher do arguido que levou a vassoura para o local da contenda, o que vai para além do que consta da matéria de facto.
3.5 - Deu ainda o tribunal como provado que EE reagiu, desceu do escadote e inicia uma troca de palavras ainda mais exaltada e de teor não concretamente apurado com FF , desferindo-lhe um número não concretamente apurado de pancadas com a referida vassoura, designadamente na parte superior esquerda da testa, no ombro e nos pulsos e que o arguido passou também intervir na contenda, tendo sido atingido pelo mesmo objecto no lado esquerdo da cabeça e no braço direito.
O tribunal, não obstante os depoimentos das testemunhas no sentido de que a vítima agredia o arguido e a mulher com uma vassoura e um martelo, depoimentos que constam da decisão recorrida, concluiu que as agressões praticadas pela vítima sobre o arguido e sua mulher, foram levadas a cabo apenas com a vassoura.
Todavia, o exame pericial regista que “(…) no martelo verificou-se uma mistura de vestígios biológicos provenientes de mais de um indivíduo, sendo possível indicar o perfil do maior contribuidor com o qual há identidade de poliformismos com a zaragatoa bucal recolhida ao arguido (…)”.
Entendeu porém o tribunal que “(…) a probabilidade – segundo um juízo de normalidade – de ter sido usado um martelo pelo malogrado EE para atingir o arguido e sua mulher é muitíssimo reduzida, pois caso contrário as lesões produzidas teriam sido de gravidade muitíssimo superior às que efectivamente ocorreram, apesar do aparato das mesmas que se retira das fotografias juntas aos autos”.
A verdade porém é que não é esse o juízo pericial, que consta dos relatórios de perícia de avaliação ao dano corporal e que o acórdão aqui manifestamente contraria. Por exemplo, na conclusão de um dos relatórios respeitantes ao arguido diz-se a fls. 250: “As lesões atrás referidas terão resultado de traumatismo de natureza contundente o que é compatível com a informação”. Por sua vez a aludida informação, de fls 249, elaborada a partir de declarações do examinado, refere agressão, com instrumento contundente e (martelo), sendo que informação idêntica, respeitante à mulher do arguido, consta de fls.213 a 215. Afigura-se que a colocação entre parênteses pretende especificar o tipo de objecto, já que o martelo é objecto contundente.
Ou seja, o colectivo considera incompatível aquilo que os peritos tratam como compatível, afrontando o juízo pericial com apelo àquilo que o próprio coletivo considera serem as consequências de “uma pancada desferida com um martelo (numa utilização normal, ou seja, pegando pelo cabo e desferindo a pancada com a parte metálica)” como se os factos tivessem ocorrido num laboratório e não numa contenda entre vizinhos, retirando conclusões para uma situação real com base numa factualidade hipotética. Ora, como se escreve, e bem, no acórdão recorrido, «…a regra do art.º 163.º do CPP é compatível com a livre apreciação probatória, apenas se erigindo como norma que qualifica essa apreciação probatória, na medida em que permite ao juiz divergir com argumentos qualificados na área técnica, científica ou artística em causa, apenas lhe estando vedada uma livre apreciação com apelo a “regras de experiência comum”, à sua convicção pessoal ou a qualquer outro critério que não o uso de conhecimentos e argumento inerentes à área artística, técnica ou científica da perícia». Nenhum conhecimento desta índole foi invocado para eliminar as conclusões que a partir dos exames periciais, quer o respeitante aos polimorfismos de ADN quer os das perícias de avaliação do dano corporal.
Por outro lado o tribunal não curou de saber como é que a vassoura passou das mãos da mulher do arguido para as mãos da vítima nem curou de averiguar se antes disso tinha efetivamente o martelo na sua posse. O martelo pura e simplesmente desapareceu do elenco da matéria de facto
3.6 - Provou-se ainda que, “em determinado momento dessa discussão, quando EE e FF se encontravam junto das garagens, o arguido, a uma distância não superior a 2 metros do ofendido, empunhou a arma referida em 2., que tinha no bolso, municiou-a, destravou-a e apontou-a (…).”
Municiar uma arma significa uma de três coisas:
1.ª Fazer passar a munição do carregador para a câmara de percussão; ou…
2.ª Introduzir o carregador na arma e seguidamente fazer passar a munição para a câmara de percussão; ou
3.ª introduzir as balas no carregador, introduzir o carregador na arma e de seguida fazer passar a bala para a câmara de percussão.
Qualquer utilizador de armas sabe que todas essas tarefas exigem a utilização de ambas as mãos pelo que, ao municiar-se uma arma, quem o está a fazer fica indefeso, seja por breves instantes, como nas primeiras duas hipóteses, seja durante alguns segundos, na terceira hipótese.
Para avaliação da conduta do arguido e boa compreensão da dinâmica dos factos seria da maior importância saber o que concretamente significou municiar a arma, dando resposta clara a essa questão. Acresce que os factos aqui dados como provados ocorreram já quando decorria a agressão e não a discussão.
3.7 - Provou-se também:
Por seu turno, em consequência directa e necessária dos golpes que EE desferiu no corpo de AA, este sofreu as seguintes lesões: a) no crânio, cicatriz com cinco centímetros de comprimento, situada na região frontal esquerda; no membro superior direito, cicatrizes dispersas pelo antebraço e dedo polegar; no membro superior esquerdo, cicatrizes dispersas pelo primeiro e terceiro dedos da mão.
14. Lesões que foram causa directa e necessária de 10 (dez) dias de doença, sem qualquer afectação da capacidade de trabalho geral de AA.
15. Em consequência directa e necessária dos golpes que EE desferiu no corpo de FF , esta sofreu as seguintes lesões: a) no crânio, cicatriz com três centímetros na região frontal esquerda; b) no membro superior esquerdo, dificuldades em fazer a flexão total dos dedos, com agravamento durante a noite e de manhã.
16. Tais lesões foram causa directa e necessária de 220 (duzentos e vinte) dias de doença, com 43 (quarenta e três) dias de incapacidade para o trabalho geral.
O tribunal, não exclusivamente por sua responsabilidade mas em resultado de omissões que também lhe competia suprir, confunde lesões com consequências das lesões.
Como se pode ler no relatório clínica forense de fls. 621, feito a partir da documentação clínica do hospital de Vila Real, FF “Sofreu dores ao nível do antebraço esquerdo e ombro direito. Efetuou RX que revelou fratura cominutiva do terço distal cúbito esquerdo e acrómio direito sem desvio. Foi imobilizada com gesso. Ferimento cortante na região frontal suturado com fio não absorvível. Ferimento cortante e sangrante no punho esquerdo. Foi seguida na consulta externa de Ortopedia até ao dia 6/4/15 com evolução clínica e imagiologia favorável. Apresentava distrofia residual a nível do terço distal do bordo cubital. Limitação discreta da força na mão”.
Por sua vez, no relatório de clínica forense respeitante ao arguido, conta a fls. 213 que “Sofreu traumatismo na região frontal e ambos os membros inferiores. Efetuou TAC que revelou pequeno hematoma subcutâneo na região parietal esquerda. Apresentava pequenas feridas superficiais com apenas perda de pele em ambos os antebraços e mão direita. Apresentava também ferida incisa mais profunda na região temporal esquerda e na clavícula esquerda”.
A omissão destes elementos da matéria de facto prejudica objetivamente a compreensão do que efetivamente aconteceu. Desde logo permitiria apurar, se necessário com a opinião de peritos, se as agressões com uma vassoura normalmente provocam ferimentos cortantes e feridas incisas mais profundas ou se estas serão mais compatíveis com a utilização de um martelo. 
Situando-se as agressões num contexto complexo que pode apontar para uma situação hipotética de legítima defesa, o aparato das fotografias juntas aos autos, como refere o tribunal coletivo na sua motivação, ajuda a compreender a reação dos envolvidos. Se é certo que meras cicatrizes ou feridas lavadas e suturadas atenuam ou afastam o aparato, numa situação como a dos autos, as pessoas reagem perante aquilo que vêm, perante o aparato. Ora da leitura dos factos provados não se extrai, por exemplo, que a mulher do arguido sofreu uma fratura no braço esquerdo, que lhe provocou imobilização com gesso (v. fls 621).
Era da maior importância que estes elementos tivessem ido á matéria de facto.
A indicação das lesões sofridas poderia certamente ajudar a esclarecer o motivo pelo qual o arguido não abandonou a mulher para se deslocar ao Posto da GNR do ... fica a cerca de 100 metros da morada referida em 1, ou seja, do local onde ocorreram os distúrbios, para depois considerar que “ (…) em vez de disparar contra o vizinho, o que se lhe impunha era chamar as autoridades”. Esta afirmação prende-se com o minimizar das agressões sofridas pelo arguido e pela esposa. Um retrato mais nítido das agressões sofridas poderia ajudar a esclarecer as razões pelas quais o arguido não abandonou o local para chamar as autoridades.
3.8 - Considerou-se ainda que o arguido é bom pai de família, honesto, trabalhador, bem integrado socialmente, respeitador e respeitado, tendo sido militar do Exército Português, profissional dos CTT ao longo de mais de 40 anos, além de integrar grupos culturais e desportivos de ..., sempre com especial dedicação e empenho. Facto que se não coaduna com as considerações feitas a propósito do seu carácter que, segundo o colectivo exigiriam “ (…) Intensíssimas e prementes exigências de prevenção especial”.
Refira-se que esta conclusão não assenta em qualquer elemento constante da matéria de facto mas de circunstâncias mencionadas na determinação da medida da pena.
3.9 - Finalmente deu o tribunal como não provado: a. O arguido [[1]] apenas em legítima defesa da integridade física da sua esposa e da sua própria pessoa faces às grave agressões de que estavam a ser vítimas e que foram cometidas por EE, tendo os tiros disparados ocorrido por motivos alheios à sua vontade.

Também aqui há, a nosso ver, insuficiência da matéria de facto porque a resposta não é suficientemente esclarecedora sobre a intenção do arguido. O tribunal decidiu como se as agressões sofridas pelo arguido e sua esposa tivessem sido totalmente indiferentes para a decisão do arguido de utilizar a arma disparando contra a vítima. Todavia, essa não é a leitura mais óbvia da resposta acima referida, da qual parece resultar que o arguido agiu em defesa da integridade física da sua esposa e da própria, mas não apenas.
Como se pode ler no acórdão do STJ de 27-11-2013 (P. 2239/11.4JAPRT.P1.S1), relatado pelo Senhor Conselheiro Santos Cabral, “V- O elemento ou requisito essencial da legítima defesa é a ocorrência de animus deffendendi, ou seja, a vontade ou intenção de defesa, muito embora com essa vontade possam convergir outras razões. O elemento subjectivo da acção de legítima defesa refere-se à consciência da “situação de legítima defesa”, isto é, ao conhecimento e querer dos pressupostos objectivos daquela concreta situação, o que se justifica e fundamenta no facto de a legítima defesa ser a consagração de um direito e na circunstância de o sentido e a função das causas de justificação residirem na afirmação do interesse jurídico (em conflito) considerado mais valioso, a significar que em face de uma agressão actual e ilícita se deve ter por excluída a ilicitude da conduta daquele que, independentemente da sua motivação, pratica os actos que, objectivamente, se mostrem necessários para a sua defesa”.
Como se salienta neste aresto, com a vontade ou intenção de defesa podem convergir outras razões. Quando o tribunal dá como não provado que “O arguido (agiu) apenas em legítima defesa da integridade física da sua esposa e da sua própria pessoa face às grave agressões de que estavam a ser vítimas (…)”, com tal resposta não exclui o intuito de defesa. Diz que não agiu apenas com esse intuito. A resposta à matéria de facto é pois omissa, ou pelo menos não é clara quanto a saber se o arguido, não tendo agido apenas, agiu também em defesa da integridade física da sua esposa e da sua própria pessoa, facto essencial para saber se houve de facto legítima defesa ou se com o propósito homicida concorreu também o propósito defensivo, situações que não são incompatíveis e com reflexos na qualificação dos factos e determinação da intensidade do dolo e da medida da culpa.
3.10 - Acresce que o tribunal, na motivação da sua decisão, chega a conclusões respeitantes quer à acção quer à intenção das pessoas envolvidas que, como já acima se mencionou, não foram levadas à matéria de facto, mas que claramente são determinantes para a decisão.
Na verdade, o tribunal, aludindo a todos os elementos de prova mas baseando-se na realidade nos vários depoimentos do arguido, a que não atribui credibilidade, extrai a seguinte conclusão: “O arguido viu o vizinho a fazer uma obra que lhe desagradou e foi à garagem buscar a arma, o que fez com o intuito de resolver definitivamente o problema, pois os desentendimentos entre as famílias existiam há muito e tinham que ver com as partes comuns dos prédios de ambos. E, se o arguido já tinha aquela intenção mais a revelou ao efectuar os três disparos (…)”.
Portanto, segundo o tribunal, o arguido foi buscar a arma porque a obra lhe desagradou (na matéria de facto terá sido porque considerava que o vizinho a não podia fazer). Por simples desagrado a sua acção torna-se ainda mais censurável. E a forma de resolver definitivamente o problema era… resulta implicitamente do texto, liquidar o vizinho. Ou seja, foi buscar a arma com o propósito firme de matar a vítima.
Devia ser levado à matéria de facto a questão de saber qual o intuito com que o arguido foi buscar a arma, se para fazer a sua limpeza [[2]], se com o intuito de resolver definitivamente o problema, esclarecendo devidamente o significado da expressão sublinhada.
Outros factos resultaram da audiência, como se depreende da leitura do acórdão, que deveriam ser levados á matéria de facto, designadamente:
- Se a vítima teve ou não o martelo na sua posse;
- Como se apoderou da vassoura;
- Se o arguido foi buscar a arma para a limpar;
- Como foi municiada a arma;
- O facto de, embora armado, ter sofrido, bem como a mulher agressões por parte da vítima e só depois ter sacado da arma;
- A circunstância de ter largado a arma depois dos três disparos;
- A circunstância de a vítima mesmo após os disparos não aparentar ter sido mortalmente atingida;
- E de continuar a agredir a esposa do arguido.
- O facto de o arguido ter largado a arma que ainda estaria municiada (tribunal declarou perdidas a favor do estado as munições);
- Quantas munições havia ainda no carregador.
Seria ainda de repor a averiguação do uso ou não do martelo nas agressões praticadas pelo arguido, atenta a divergência das respostas entre a posição do tribunal e o juízo pericial.
A partir dos resultados poderia até sugerir uma diferente dinâmica dos factos:
Será que o arguido foi buscar a arma com mero propósito de intimidação, atenta a expectável discussão que iria ter com o vizinho?
Que por isso mesmo não levava a arma municiada?
Que pela mesma razão só puxou da arma após diversas agressões de que ele próprio e a esposa foram vítimas?
Que não continuou a disparar a arma, apesar da continuidade da agressão, porque os disparos que efectuou o ajudaram a recuperar o controlo emocional?
Porque se arrependeu?

Porque entrou em pânico?
Só o esclarecimento de todas as citadas questões, a serem levadas à matéria de facto, permitirá a nosso ver ultrapassar as tremendas dúvidas e enorme desconforto que a leitura do acórdão recorrido suscita, as quais resultam também de uma investigação manifestamente deficiente, designadamente no que respeita à preservação de elementos de prova existentes no local dos factos, realização tardia de exames das lesões sofridas pelo arguido e esposa, omissão da realização de autópsia, etc., o que exigiria acrescido empenho do tribunal no esclarecimento dos factos.
O que não encaixa na experiência comum é, salvo o devido respeito, que alguém que vai buscar uma arma com o propósito de liquidar o vizinho, a leve não devidamente municiada, a utilize apenas depois de várias agressões sofridas, pelo próprio e a esposa, e que, a final, tenha largado a arma quando a vítima não apresentava sinais de ter sido mortalmente atingida.
3.11 - Nos termos do art.º 340.º, n.º 1 e 2 do C.P.Penal,
“O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.
Conforme se escreve no acórdão do STJ de 9/10/2003 (processo n.º 1670/03-5.ª), “I - Os n.ºs 1 e 2 do art.º 340.º do CPP completam os princípios da investigação (tendente ao apuramento da verdade material) e do contraditório (visando o acautelamento interesses processuais das partes afectadas). II – Os poderes aí conferidos ao Tribunal são de exercício obrigatório. III – O poder conferido pela norma do n.º 1 do art.º 340.º do CPP, ao ser actuado fora do condicionalismo legal, em sentido positivo ou negativo, pode ser sindicado e censurado pelo STJ, em sede de violação de lei.”.
“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, é o que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, porque o Tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deviam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão”, STJ 3-7-2002, P 1748/02-%.ª (Armando Leandro)
“I- O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada resulta da circunstância de o tribunal não ter esgotado os seus poderes de indagação relativamente ao apuramento da matéria de facto essencial, ou seja, quando o tribunal, podendo e devendo investigar certos factos, omite esse seu dever, conduzindo a que, no limite, se não possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. II- Trata-se, pois, de um vício que resulta do incumprimento por parte do tribunal do dever que sobre si impende de produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa – art.º 340.º, n.º 1, do CPP” STJ, 19-07-2006, P. 1932/06 – 3.ª, (Oliveira Mendes)”
3.12 - A nosso ver há clara insuficiência da matéria de facto para avaliação de momentos essenciais do iter criminis, que se prendem com avaliação de hipotética legítima defesa ou o seu excesso bem como, a considerar-se excluída, tal como foi, essa causa de justificação, para a avaliação da modalidade e intensidade do dolo, aspectos de grande relevância para determinação da medida da pena.
Por outro lado, o acórdão recorrido chega a conclusões em sede de justificação nas respostas à matéria de facto que não constam do elenco dos factos provados e não provados, não sendo claro em que medida tais conclusões são mera justificação em sede de motivação ou na realidade alicerçam a qualificação da conduta do arguido e posterior determinação da medida da pena.
Entende-se pelo exposto a decisão recorrida incorre no vício do art.º 410.º, n.º 2, alínea a) do C. P. Penal, devendo por isso ser anulado, determinando-se o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art.º 426.º, n.º 1, do C. P. penal
Sem prescindir e quando assim se não entenda…
IV – Do mérito
4.1 - As razões para o recurso interposto pelo arguido são as seguintes:
a) A conduta do arguido enquadra-se nos pressupostos da legítima defesa;
b) Quando muito, e sem conceder, poderia considerar-se excesso intensivo da sua conduta defensiva;
c) Nunca o arguido teve intenção de tirar a vida à vítima;
d) O resultado morte não resultou dos disparos mas de uma infecção não traumática, concretamente de uma pneumonia;
e) Não foi efectuada autópsia nem foi feita prova nos autos para saber se a vítima padecia de problemas clínicos que tivessem potenciado o aludido problema de saúde;
f) O Tribunal a quo não podia concluir pelo nexo de causalidade entre a causa da morte e a agressão por arma de fogo;
g) A condenação é desproporcionada violando o critério de escolha das penas do art.º 70.º do C. Penal;
h) A pena deveria ter sido especialmente atenuada, atenta a particular posição pessoal e social do arguido, tendo sido violado o disposto nos artigos 40.º, 41.º, 47.º, 70.º, 71.º e 72.º do C. Penal;
i) A atuação do arguido não é censurável, nos termos dos artigos 70.º, 33.º, n.º 2, 31.º e 32.º, todos do C. penal;
j) Aquando da fixação da medida da pena o tribunal a quo devia considerar como medida privativa da liberdade as medidas de coacção que lhe foram impostas o que, a não ser acatado, viola os artigos 18.º, 20.º, 25.º e 26.º da CRP, artigos 31.º, 32.º, 33.º e 144.º, alíneas a) e d) do C. Penal, bem como os artigos 483.º, 489.º e 496.º do C. Civil.
Reduzindo tal argumentação ao máximo denominador comum, a motivação reconduz-se às seguintes questões:
- O recorrente agiu em legítima defesa, podendo considerar-se, no limite, ter havido excesso intensivo;
- Não existe nexo causal entre as lesões causadas pelos disparos e a morte da vítima, a qual resultou de infeção hospitalar;
- Quando assim se não entenda justifica-se a atenuação especial da pena;
- O tribunal deveria ter considerado que as medidas de coação impostas, pela sua natureza, deviam ser consideradas como privativas da liberdade.
4.2 - Legítima defesa
4.2.1 - Sobre esta questão consta do acórdão recorrido o seguinte:
“No caso dos autos, como decorre da factualidade dada como provada, verifica-se uma agressão actual e ilícita por parte do ofendido que ao arguido, quer à sua esposa, mas não se verificam os demais pressupostos enunciados, designadamente não resulta dos factos provados que a conduta do arguido tenha sido motivada pela intenção – animus – de defesa.
O que se retida dos factos provados é que a conduta do arguido foi levada a cabo num quadro caracterizado por uma conflitualidade recíproca derivada de más relações de vizinhança com o ofendido EE e sempre com o propósito de atentar contra a sua vida”.
Os termos em que o tribunal recorrido coloca o problema remete-nos desde logo para a questão prévia acima suscitada sobre a insuficiência da matéria de facto dado que, salvo o devido respeito, as respostas que sobre tal matéria foram dadas não permitem as referidas conclusões.
Ficou apenas provado que o arguido “desde há muito desavindo com o ofendido EE, por razões de vizinhança, dirige-se à garagem e mune-se da sua pistola semi-automática de marca FN (Fabrique Nationale) /Browning, modelo Baby, calibre 6.35mm (.25ACP ou.25 Auto na designação americana), com o n.º de série 405384, que coloca no bolso dos calções”.
O tribunal não respondeu à questão de saber se ele foi buscar a arma para a limpar, como alegou ou se lá foi com o propósito de matar a vítima, como parece resultar da motivação. Mas se assim foi, tal teria que constar da matéria de facto e, não o estando, tal non liquet não poderá deixar de reverter em favor do arguido, de acordo com o princípio in dúbio pro reo. Não se pode pois dar como assumido que o arguido foi buscar a arma com o propósito de matar o vizinho.
Também não é possível concluir que o arguido não agiu com animus defendendi. O que se não provou, quanto a esta questão foi que “o arguido (agiu) apenas em legítima defesa da integridade física da sua esposa e da sua própria pessoa faces às grave agressões de que estavam a ser vítimas e que foram cometidas por EE, tendo os tiros disparados ocorrido por motivos alheios à sua vontade”.
Tal resposta à matéria de facto comporta perfeitamente a possibilidade de ter agido também em sua defesa bem como da esposa o que, em qualquer caso, deveria ter ficado perfeitamente claro até porque, como é sabido, a verificação do animus defendendi é uma exigência da nossa jurisprudência, que objetivamente se traduz numa interpretação restritiva da lei, para a qual “constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro” (art.º 32.º do CP), fórmula que coloca o acento tónico na defesa e afirmação da ordem jurídica (repelir a agressão actual e ilícita), residindo a única vertente subjetiva da norma no conhecimento dos aludidos pressupostos da legítima acção defensiva. É aliás nesses termos que a legítima defesa encontra abrigo na Constituição que, no art.º 21.º, a todos consagra o direito a repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública (sublinhado nosso).
4.2.2 - Como escreve o Prof. Cavaleiro de Ferreira “ (…) a circunstância justificativa da legítima defesa é uma circunstância relativa ao facto, isto é, excludente da ilicitude objectiva e, como tal, em princípio, comunicável aos que auxiliam a defesa, em defesa alheia. Não entram, em princípio, na sua estrutura elementos subjectivos” [[3]].
Ao argumento de Cavaleiro de Ferreira será de acrescentar a posição do Prof. Figueiredo Dias para quem, havendo o conhecimento da situação de legítima defesa, a exigência adicional de uma co-motivação de defesa “faria depender a existência da justificação da manifestação de uma atitude interior do defendente que levaria a conotar perigosamente a legítima defesa com concepções morais próximas de um direito penal do agente” [[4]]. Esta é também a posição dominante por exemplo na Alemanha onde se entende que para a justificação é em princípio suficiente que o sujeito atue objetivamente no quadro do justificado e subjetivamente com conhecimento da situação justificante, não se exigindo que atue em virtude da finalidade da justificação [[5]].
Também em Espanha um amplo setor da doutrina sustenta ponto de vista semelhante, considerando que a ideia da necessidade de defesa que deriva da expressão “…o que age em defesa…« não significa outra coisa que a consciência da agressão e da necessidade de defender-se (Rodriguez Mourullo). Porém significa também que a defesa exercida terá que ser valorada como necessária (e não nos referimos agora à necessidade do “meio utilizado”, que é outra questão), ou seja, como consequência de um estado de necessidade defensivo, perante o qual o direito, por não poder permitir o sacrifício do agredido e pela própria necessidade de se afirmar, valorará a reação defensiva como a única possível» [[6]].
[Há mesmo sistemas penais próximos do nosso, como em Itália ou em França, onde grande parte dos autores nem uma linha dedicam à questão do  animus defendendi.
Pode hoje considerar-se dominante a posição sustentada por Figueiredo Dias e restantes autores que elegem como requisitos necessários o conhecimento da situação de legítima defesa, posição que afinal representa um compromisso entre o objetivismo radical de autores como Mezger ou Hippel para quem “o que importa é o fim objetivo da ação, não o fim subjetivo do agente” [[7]] e o radicalismo subjetivista daqueles que sobrepõem uma intenção supostamente implícita no instituto da legítima defesa (animus defendendi) aos requisitos da mesma explicitados na norma.
4.2.3 - Porém, e independentemente da posição que seja tomada quanto a esta questão, não se pode partir do princípio de que a intenção de matar exclua o propósito de legítima defesa já que, e nesta parte há unidade de entendimento tanto na doutrina como na jurisprudência de que, com o propósito de defesa podem concorrer outros motivos. É assim que, segundo EE , verificado o animus defendendi, “tornam-se irrelevantes quaisquer outros fins – v. g. o desejo de vingança – que possam orientar a vontade do defendente” [[8]]. [Esta posição tempera os excessos que decorreriam de uma subjetivação extrema do direito de legítima defesa pois, “se concorrem todos os requisitos (agressão, falta de provocação), e se comprova que o sujeito não teve outro remédio que defender-se (necessidade da defesa), pouco importará que em última instância tenha sido animado pelo desejo de vingança ou por um sentimento de ódio [[9]].
É aliás vasta a jurisprudência neste sentido, mesmo nos casos em que é provocada a morte.
Acórdão do STJ de 22/10/97, processo n.º 1402/97:  “1- Em legítima defesa  não é incompatível que o arguido  tenha agido, para além do propósito defensivo, também com propósito de agredir, de ferir ou de matar, desde que aquele, o primeiro intuito, apareça no espírito do agente como objetivo a conseguir por meio do ferimento ou da morte”.
(…)
Acórdão do STJ de 21/04/94, processo n.º 46089: “ É perfeitamente conciliável a intenção de matar, mesmo com dolo direto, com a intenção de defesa”.
No caso dos autos e sem prejuízo do que foi assinalado na questão prévia, provou-se que o arguido só puxou, municiou e disparou a arma já depois de a sua esposa e ele próprio terem sido agredidos pela vítima, agressões de que lhes resultaram graves consequências, designadamente na esposa.
O tribunal não dá resposta positiva a esta questão sendo certo que, dos termos da resposta à matéria de facto, apenas se pode concluir que o arguido não agiu apenas com o propósito de legítima defesa.
Uma vez que não ficou provado que o arguido foi buscar a arma com o propósito de com ela atingir a vítima, que só efetuou os disparos depois de se terem iniciado as agressões contra a sua esposa e contra si próprio, que a arma foi disparada antes da agressão ter cessado, e não se tendo apurado também que o arguido poderia utilizar meios menos ofensivos para repelir a agressão, estão a nosso ver reunidos os requisitos legalmente exigidos para verificação de uma situação de legítima defesa.
É certo que a autoridade pública estava a 100 metros do local onde os factos se verificaram. Não se poderia porém exigir que o arguido deixasse o local onde a esposa estava a ser agredida para poder pedir o auxílio da autoridade. Não seria esse o comportamento expectável de uma pessoa que está a ver a esposa a ser violentamente agredida e teria que percorrer 200 metros (ida e vinda), deixando-a exposta à agressão.
4.2.4 - Finalmente coloca-se a questão do meio necessário para repelir a agressão. Efetivamente, face ao que foi dado como provado e atentas as circunstâncias em que ocorreram os factos, o arguido podia e devia ter disparado tiros de aviso ou pelo menos podia ter procurado atingir a vítima em partes do corpo de que não resultasse grave perigo para a vida. Tal conduta era tanto mais exigível quanto é certo que tudo se passou a curta distância. Deverá pois a nosso ver considerar-se ter havido excesso de legítima defesa, sendo em tal medida ilícito o comportamento do arguido.
4.3 - Nexo de causalidade
4.3.1 - Segundo o Prof. Figueiredo Dias o problema da imputação objetiva do resultado á conduta, visto como questão normativa, “…continua a constituir hoje uma das mais duvidosas e discutidas questões de toda a dogmática penal” [[10]].
A teoria da imputação objectiva resulta de uma evolução de uma perspetiva meramente causalista para uma outra que, partindo da conceção naturalista, lhe acrescenta uma dimensão normativa associada quer aos fins que o direito através de determinadas normas pretende alcançar quer às condutas que para os mesmos fins o ordenamento jurídico pretende impedir.
Ou seja, sem deixar de exigir uma relação causal entre comportamento e resultado,  a causalidade é porém e apenas, como afirma G. Jakobs, condição mínima da imputação objectiva do resultado; a ela deve acrescentar-se ainda a relevância jurídica da relação causal entre a acção e o resultado [[11]]. Segundo este autor a teoria da adequação não substitui a da equivalência, apenas suprime a equivalência de todas as condições e na valoração da teoria da adequação há que distinguir entre a adequação de uma consequência de determinado género e a de um determinado curso causal para uma consequência.
Numa diferente formulação podemos então dizer, como F. Antolisei, que a relação de causalidade em sentido jurídico pressupõe a verificação de dois elementos, um positivo e um negativo. O elemento positivo traduz-se no facto de a acção humana ser uma condição do evento, o qual não teria ocorrido sem esse antecedente. O elemento negativo é que o evento não tenha ficado a dever-se ao concurso de factores excepcionais [[12]]. Ou seja, o que no fundo se pretende traduzir com esta fórmula, que dando uma muito útil linha de orientação para o problema não é ainda assim isenta de crítica, é que a relação causal terá que ser idónea por si própria para produzir o resultado e que este não resulte de circunstâncias anómalas, fora do juízo normal de previsão.
Todas as teorias sobre a causalidade têm como objetivo impor limites à teoria das condições equivalentes já que, como escreve. F. Mantovani “…a história da causalidade jurídica é, na verdade, a história dos corretivos da causalidade natural” [[13]]. Mas como a causalidade natural não é “corrigível” porque segue o rumo da própria natureza das coisas, os ajustamentos têm que ser realizados no plano normativo e daí que a teoria da adequação não possa considerar-se  “…uma teoria da causalidade mas uma teoria da imputação objectiva, ou seja, do limite da responsabilidade sobre a base da efectiva causalidade” [[14]].
Não basta portanto, como expressivamente diz Mir Puig a propósito do homicídio, que naturalisticamente se tenha causado a morte, mas que juridicamente se possa afirmar que se matou alguém.
Ora, da matéria que resultou provada, não pode haver qualquer dúvida quanto á relação causal entre a conduta do arguido e a morte da vítima, qualquer que seja o caminho por onde se queira analisar a questão da causalidade ou da imputação objetiva. Efetivamente o arguido “matou” a vítima, tendo-lhe provocado lesões que não foram causa direta mas foram causa necessária da sua morte. O juízo dos peritos não consente diferente interpretação, sendo certo que os ferimentos diretamente provocados só por si eram aptos a conduzir a tal resultado. A intervenção hospitalar pretendeu por todos os meios atenuar o risco de verificação desse resultado, sendo certo que tal não foi possível, não por qualquer omissão ou violação das “leges artis” da medicina, apta a interromper o nexo causal, algo que na verdade ninguém invocou, mas em consequência de gravíssimas lesões que afetaram de forma irremediável os aparelhos respiratórios e digestivo da vítima. Na verdade só foi possível evitar o colapso respiratório através de uma intervenção (traqueotomia), a qual agravou ainda mais o estado de debilidade da vítima, com risco acrescido e previsível de contração de infeções, o que efetivamente veio a acontecer. Ou seja, como claramente resulta dos pareceres juntos aos autos e cujo teor relevante consta da decisão recorrida, a medicina pôde apenas manter durante alguns meses a vida do ofendido.
E nem se invoque qualquer hipotética patologia de que a vítima pudesse padecer. Por um lado se tal se verificasse certamente que não teria deixado de ser detetada no decurso dos tratamentos a que foi sujeita e não deixaria de constar dos relatórios clínicos. Esta não é seguramente uma daquelas situações em que a autópsia seria determinante para apurar esse hipotético problema dado que a vítima esteve meses sob rigoII monitorização hospitalar.
4.4 - Excesso de Legítima Defesa
4.4.1 - De acordo com o art.º 33.º do C. Penal, havendo excesso dos meios empregados em legítima defesa, o facto é ilícito mas a pena pode ser especialmente atenuada, podendo o agente não ser punido se o excesso resultar de perturbação, medo ou susto não censuráveis.
No caso em análise é manifesto que houve excesso de legítima defesa. Uma arma como a que foi utilizada pelo arguido é sem dúvida um instrumento idóneo para deter a agressão de que tanto o arguido como a sua esposa estavam a ser vítimas. Por outro lado, dos elementos constantes da matéria de facto nada nos indica que ele pudesse utilizar outro meio também idóneo e menos gravoso. A questão coloca-se por isso não em relação ao meio em si mas às circunstâncias em que o mesmo foi utilizado dado que, pelo que se depreende da leitura da matéria de facto o arguido poderia, mesmo recorrendo ao uso da arma, repelir a agressão sem causar a morte da vítima. Para além de se não ter provado que tenha disparado qualquer tiro de aviso, a uma distância de cerca de dois metros da vítima podia, uma vez que não era inexperiente no uso de armas, atingir sem dificuldade qualquer parte do corpo da vítima.
É certo que tudo se passou num clima de grande conflito, durante o qual tanto o arguido como a esposa estavam a ser agredidos, esta com significativa gravidade, na cabeça, das quais se procuravam defender com os braços e as mãos, como é evidente pela localização das lesões que ambos sofreram. Também por este motivo se considera que o arguido não tinha condições para recorrer à força pública, a cem metros de distância, já que tal implicaria abandono do local onde a esposa continuaria a ser agredida.
É natural que num contexto destes o arguido estivesse possuído de um estado de nervosismo e perturbação que lhe não davam total domínio e si e o induzissem a agir com precipitação e com o propósito, como ficou provado, de causar a morte da vítima.
Todavia, a situação de conflito entre arguido e vítima era frequente e antiga, o arguido não foi apanhado de surpresa, estava munido de uma arma de fogo, o que lhe dava grande superioridade em relação ao ofendido. Nestas circunstâncias, ainda que o excesso possa ter resultado de alguma perturbação ou nervosismo sempre associados a situações deste tipo, não será de considerar que as perturbações tenham sido de tal ordem que justifiquem a não punição pelo excesso.
Entendemos pelo exposto que deve ser punido pelo excesso, sendo que a pena deverá ser especialmente atenuada, nos termos do artigo 33.º, n.º 1 do C. Penal.
4.4.2 - Na situação em apreço entendemos que, não se tendo provado que o arguido dispunha de outro meio para conter a agressão de que ele próprio e a esposa estavam a ser vítimas, era legítima a utilização da arma, para cujo uso tinha a necessária licença. O excesso situa-se não no meio, como acima ficou dito, mas com a forma como o mesmo foi utilizado.
Ora, sendo legítimo o uso da arma, afigura-se-nos que  não se verifica em concreto a ratio subjacente à agravação do crime quando praticado com arma de fogo. Tal agravação constitui um desincentivo ao uso de armas mas que não pretenderá punir a sua utilização em circunstâncias que encontram abrigo na ordem jurídica, como a nosso ver é este o caso.
Consideramos pois que se deverá proceder a uma convolação do crime imputado ao arguido para o homicídio simples, p. e p. pelo art.º 131.º do C. Penal.
Conjugando tal disposição com o disposto no art.º 73.º, n.º 1, alíneas a) e b) do C. Penal, a pena a aplicar ao arguido deverá situar-se entre um mínimo de 3 anos, 2 meses e 12 dias de prisão e um máximo de 10 anos e 8 meses de prisão.
Atentas as circunstâncias da ocorrência do crime, que o mesmo ocorreu no desenvolvimento de um clima de grande animosidade que vinha acontecendo desde longa data entre o arguido e a vítima, que os disparos se verificaram já depois de diversas agressões sofridas pelo arguido e sua esposa, que o arguido apesar da idade não tem antecedentes criminais, afigura-se adequada e justa uma pena de 5 anos de prisão.
Finalmente há que considerar estar-se perante uma situação típica de crime ocasional. O arguido, como ficou provado, é bom pai de família, honesto, trabalhador, bem integrado socialmente, respeitador e respeitado. É certo que o tribunal assumiu as justificações dadas em primeira instância segundo as quais o arguido nunca mostrou solidariedade para com a vítima e  “ Não demonstrou arrependimento nem sequer qualquer tipo de ressonância na sua consciência, tendo ao longo de todo o julgamento uma atitude de desprezo e indiferença para com a vítima e sua família, apresentando um discurso claramente autocentrado e egoísta”. Certo porém é que da matéria de facto emerge uma conclusão muito diferente e, na avaliação do comportamento do arguido em relação à vítima e sua família há que ponderar que estava impedido pelo tribunal de com eles sequer contactar, estando até vedado deslocar-se à freguesia de ....
Tudo isso ponderado não nos chocaria até que a pena de prisão fosse declarada suspensa na sua execução.
V - Contagem do tempo de prisão
5.1 - Entende finalmente o arguido que aquando da fixação da medida da pena o tribunal a quo devia considerar como medida privativa da liberdade as medidas de coacção que lhe foram impostas o que, a não ser acatado, viola os artigos 18.º, 20.º, 25.º e 26.º da CRP, artigos 31.º, 32.º, 33.º e 144.º, alíneas a) e d) do C. Penal, bem como os artigos 483.º, 489.º e 496.º do C. Civil.
Só entendemos esta posição na lógica de abertura futura de uma nova instância de recurso para protelamento de trânsito em julgado da decisão que venha a ser proferida. Não iremos por isso alongar a nossa posição sobre o assunto, que de resto corresponde à que já foi assumida pelo Ex.mo PGA na Relação.
Naturalmente que o tempo de permanência em habitação será tido em conta no cumprimento da pena se ao arguido for imposta pena de prisão efetiva. Quanto às restantes medidas, que se traduziram na obrigação de apresentações periódicas e de proibição de deslocação a determinados locais, é óbvio que nada têm a ver com a privação da liberdade.
Por essa lógica o próprio termo de identidade e residência seria medida privativa de liberdade uma vez que a pessoa a ele sujeita tem que se manter à disposição da autoridade competente e sofre de limitações quanto à mudança de residência e saída da mesma por mais de cinco dias.
A privação da liberdade supõe que alguém está confinado a um local, de onde não pode sair. Quando se está livre mas proibido de ir a determinado local, ocorre a situação oposta.
5.2 - Quanto às demais questões suscitadas pelo arguido entendemos que a apreciação das mesmas ficará prejudicada pela posição aqui expressa.
VI - Pelo exposto
- Deverá ser anulado o acórdão por insuficiência da matéria de facto para a decisão devendo determinar-se a realização de novo julgamento para esclarecimento das situações referidas da questão prévia.
Quando assim se não entenda deverá ser dado provimento parcial ao recurso e:
- Decidir-se pela verificação de legítima defesa com excesso intensivo;
- Convolar-se o crime imputado ao arguido para o crime de homicídio simples;
- Punir o arguido com a pena de 5 anos de prisão, eventualmente suspensa por igual período, com regime de prova.
- Declarar-se improcedente, quanto ao mais, o recurso interposto.”
Em resposta ao parecer do Minsitério Público, perora o arguido (sic): “
O Recorrente, após leitura atenta do douto parecer proferido pelo Digno Magistrado do Ministério Público, em serviço no Supremo Tribunal de Justiça, aceita as conclusões proferidas, sem conceder, nomeadamente quanto a haver clara «insuficiência da matéria de facto para a decisão», à «verificação de legítima defesa com excesso intensivo», a convolar-se «o crime imputado ao arguido para o crime de homicídio simples», «punir o arguido com a pena de 5 anos de prisão, eventualmente suspensa por igual período, com regime de prova».
Assim, o arguido considera que, se o sentido da decisão a proferir pelos Senhores Doutores Juízes Conselheiros não for o da absolvição, propugnada pelo arguido, deve aquele douto parecer ser atendido em tudo o que resulte em seu benefício
Em tudo o mais, dão-se aqui por reproduzidas as alegações e as conclusões do recurso, que, por razões de economia processual, aqui não se transcrevem, mantendo a posição assumida, impugnando, todos, em geral, e cada um de per si, os factos constantes do parecer apresentada pelo MP, que direta ou indiretamente contrariem o alegado no recurso.
Compulsada a matéria de facto, o arguido considera que não se encontram preenchidos os pressupostos da prática do crime que lhe é imputado e no qual foi condenado à pena de 15 anos de prisão, pela prática material de um crime de homicídio agravado pela utilização de arma, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º do Código Penal e do artigo 86º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação da Lei n.º 17/2009, de 6 de maio.
Não foi feita prova do propósito deliberado de matar, o que implica uma negação da existência do elemento subjetivo do crime de homicídio em qualquer uma das suas modalidades: dolo direto, necessário e eventual, nem foi feita uma correta ponderação da prova produzida, pois, como doutamente refere o citado parecer, o tribunal abdicou de averiguar questões de manifesta importância para a decisão da causa, fazendo interpretações diversas sobre a mesma matéria.
O Tribunal “a quo” não fez um adequado julgamento de factos e provas, mas sim uma ponderação em desfavor do arguido, avaliando a sua personalidade e minimizando as agressões sofridas pelo arguido e pela sua esposa, que sofreu fratura de membro superior.
O Tribunal «a quo» apreciou a conduta do arguido de forma desenquadrada dos acontecimentos que estiveram na sua origem, não tendo valorado da mesma forma quaisquer outros factos relevantes, como a circunstância das agressões sofridas por si e sua esposa, conforme concluiu o douto parecer em apreço.
Mal andou o tribunal “a quo” quando afastou matéria probatória factual, testemunhal e pericial, retirando, quanto a este instrumento probatório, «conclusões para uma situação real com base numa factualidade hipotética», como bem refere o douto parecer, assim ficando demonstrado o «erro notório na apreciação da prova», previsto nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 artigo 410º do Código de Processo Penal.
O arguido agiu em legítima defesa da vida e da integridade física da sua esposa e da sua própria pessoa, face às graves, ilícitas e atuais agressões de que estavam a ser vítimas e que foram cometidas por EE, factos estes que foram dados como provados nos pontos 6, 7, 13 a 17, constantes do acórdão recorrido, e que estão em contradição direta com o facto dado como não provado no ponto a).
A conduta do Arguido sempre terá de ser enquadrada numa situação de legítima defesa, ou, então, de excesso de legítima defesa, nos termos dos artigos 31º, 32º e 33º do Código Penal, como concluiu o douto parecer em análise, pois o arguido nunca procurou o resultado morte, tendo os disparos sido alheios à sua vontade, tendo apenas, com aqueles, pretendido afastar o perigo ilícito, concreto, imediato e grave resultante das agressões de que ele e sua esposa estavam a ser vítimas.
O Tribunal “a quo”, na fixação da medida da pena, deveria ter tido em conta as circunstâncias concretas, bem como a situação socioeconómica do arguido e a sua integração social e percurso pessoal e profissional, como se debruçou aquele douto parecer.
O quantum da condenação é desproporcionado e excessivo, pondo inclusivamente em causa os princípios de prevenção geral e especial, que devem presidir à determinação da medida da pena, pelo que o Tribunal “a quo” violou as regras de experiência comum.
A prova produzida e a experiência comum deviam ter conduzido à absolvição do arguido, ou, então, a uma pena especialmente atenuada, distinta daquela que foi aplicada ao Arguido, porquanto agiu em legítima defesa.
Não sendo o arguido absolvido, sempre deverá, quanto à fixação da medida da pena, ser tido em consideração o período de tempo em que o arguido esteve e continua privado da sua liberdade de movimentos, nomeadamente de deslocação e de permanência na Freguesia do ..., concelho de ..., como medida privativa da liberdade, sob pena de ofensa aos direitos, liberdades e garantias consagrados na CRP.
O arguido considera que houve, pois, errada aplicação da lei substantiva e processual e violação das normas legais aplicáveis, nomeadamente os artigos 18º, 20º, 25º e 26º da CRP, artigos 31º, 32º, 33º e 144º, alíneas a) e d), do C. Penal e artigos 483º, 489º e 496º do C. Civil. (…).”
Não quedaram, os assistentes, indiferentes ao expendido pelo Digno magistrado do Ministério Público, junto deste Supremo Tribunal, tendo repontado com a argumentação (“alegações”), que a seguir quedam transcritas (sic). 
 “1º - É ofensivo à memória da vitima e dos familiares os argumentos que o MP invoca no seu relatório, que o arguido atuou em legitima defesa, em excesso de legitima defesa.
2º - O recurso à força privada é meramente subsidiário, devendo ser a força pública a intervir, pressuposto não expressamente configurado na lei, mas que se integra na necessidade do meio, o arguido sabia o que queria, o MP, não estava no local e muito menos esteve presente na audiência e discussão de julgamento, como pode afirmar que o arguido estava a defender a sua esposa, e porque não pensar que a vitima estava a defender-se das agressões da mulher do arguido e do arguido, que iniciaram as agressões, quando na realidade esta senhora é que juntamente com o arguido iniciou agressões sobre a vitima, a qual, estava a executar um trabalho, em Paz e dom tranquilidade quando é atacado pela mulher e pelo arguido, quando deveriam chamar as forças de autoridade, apesar delas estarem fartas das confusões que o arguido criava e a mulher.
3º - Ademais, com todo o respeito os Dignos MP da Primeira Instância e do Tribunal da Relação de Guimarães estão muito enganados sobre os factos, quando analisaram e aplicam a defesa da vida, quando possuem a realidade do processo e dos facos, em que o MP do Supremo Tribunal, descontextualiza os factos e concede uma benesse ao arguido de “vitima”, há que a lei, os factos, e ocorre a falta de legítima defesa, logo, afasta o excesso de meios, o excesso de legítima defesa, por natural inconciliabilidade, nos termos do art. 33º nº 1 do CP se imponha.
Vejamos o seguinte horizonte factual:
5º - A vítima, e esta análise é nuclear, não desencadeou qualquer agressão, pelo contrário estava a executar o seu trabalho, vendo-se confrontado com o arguido e de seguida com a mulher do arguido, nunca por nunca o arguido demonstrou medo ou receio pela vida, de todo, e muito menos procurou fugir do local, pelo contrário exercia ofensas contra a vitima, fazendo uso da arma, causando lesões graves que causaram a morte, matando, demonstrando falta de respeito pela vida, teve o prazer de matar e ficou tranquilo como nada se tivesse passado, pelo contrário teatralizando-se com as fotografias, como se fosse agressões graves ou que colocasse a vida em perigo, bom encenador.
6º - Ou será que os Dignos Procuradores da primeira instância e da Relação estão tão distantes da verdade jurídica, e, que a posição do Procurador do Supremo é que tem a sabedoria da Suprema da lei e da verdade, há que ter respeito pela vítima e não banalizar a vida, nem tão pouco invocar factos que não foram valorados em sede de audiência, todos, mesmos todos factos foram, o que o arguido deseja é vitimizar-se e provocar a família da vítima foi o que sempre fez, quando na varanda da sua casa, apresentava a ara e dizia um dia tu vais ver…
7º - Igualmente não existe a legítima defesa, quando vai buscar a arma, com a intenção de matar, cuja acção violenta que culminou com a morte da vitima, em que o recurso à força pública não estava prejudicado, pelo contrário era só atravessar a rua e a GNR estaria no local, bastando que o arguido se reconhece e a sua mulher à sua residência, e, a partir daí, solicitasse a intervenção das forças policiais, como, pelo menos uma das vezes, no antecedente requereu, a vitima requereu devido a conflitos de má relação de vizinhança, sendo Absoluta e evidente a ação fora do quadro de legítima defesa e a falta de legítima defesa, afasta o excesso de meios, o excesso de legítima defesa, por natural inconciliabildade, nos termos do art. 33º nº 1 do CP, acórdão Supremo Tribunal de Justiça, Secção Criminal, de 7 Jun. 2006, Processo 1174/2006-3 colectânea de Jurisprudência, N.º 192, Tomo II/200
8º - O Arguido demonstrou num quadro patológico, de ausência de sensibilidade atuou com a intenção de matar, a sangue frio, há-de situar-se num patamar de elevada gravidade ou grau de intensidade para configuração do tipo de homicídio qualificado. A vítima foi agredida pela mulher e pelo arguido, que foi buscar a arma de propósito para atingir e querer a morte e não para se defender, a vítima é que se defendeu do arguido e da mulher deste, não ocorre dúvidas.
9º - Os três tiros foram disparados com intenção de querer a morte da vitima e não para se defender, até porque a vítima estava preocupado em defender-se da arma que o arguido sustentava, e, tinha a preocupação de se defender, em retirar a arma ao arguido, facto, que o fez, quando o arguido deixou cair a arma no chão de imediato a vitima apanhou-a e colocou no bolso, local os agentes foram buscar quando a vitima estava já inanimada.
10º- Os acórdãos não se encontram feridos de nulidades, estão fundamentados e bem fundamentados, os depoimentos do arguido eram de uma inconsistência total e ofensivas à memória da vitima, não ocorre factos indiciários, mas factos objetivos.
11º - Nunca o Arguido agiu em defesa da mulher, até porque, os dois encetarem ofensas à integridade física da vítima, e, os dois, iniciaram insultos à vítima, e, a vítima defendeu-se deles, até porque a vítima nunca por nunca bateria na mulher do arguido, está se ficou ferida, foi decorrente da tentativa de retirar a arma que o arguido empunhava e que já tinha dado um tiro à vítima, quando a mesma se encontrava nas escadas a efetuar a reparação das obras.
12º - O Tribunal de primeira instância julgou e bem os factos, assim, como o Tribunal da Relação, pelo que, não podem aceitar os argumentos do MP do SPJ, em que todo o seu relatório é invocando que o arguido atuou em legitima defesa e com excesso, sendo ofensivo tal interpretação, considerando o mesmo a vitima, quando a mulher ou ele podiam ter chamado a força da autoridade que era cerca, em vez disso, encetaram agressões contra a vitima, o que demonstra falta de caracter e não atuou como um bom pai de família, mas sim, com odio e raiva, que era patente em sede de audiência.
13º - O arguido já tinha a arma em posição de disparar, não tinha a arma para intimidar, a arma estava em posição de disparar, por isso não necessitou de usar as duas mãos porque já tinha preparado a arma para disparar, não fez movimento de duas mãos, há que ter clareza dos factos, facto, que não necessita de clareza o próprio arguido confessou que a arma estava descravada, como tal não necessitou de movimentar as mãos, porque sabia muito bem a posição da arma.
14º - O Arguido esteve sempre em superioridade, tinha o poder de uma arma, e, já tinha disparado um tiro contra a vítima atingindo no abdómen, e não contente, realizou mais dois tiros, para órgãos vitais, e invocou que a morte teve como causa uma bactéria decorrente do internamento, só demonstra indiferença pela vida, é esta a realidade e não a que o MP do STJ pretende levar aos autos, invocando a legitima defesa ou o excesso de legitima defesa e bem assim um crime simples, com pena até 5 anos, podendo ser suspensa, é um prémio para o arguido, que mata com consciência com dolo e vê a sua conduta a ser minimizada como vitima, há que ter razão dos factos e honrar a memoria da vitima, que deve a morte ser defendida pelo MP, crime Público e não banalizar a morte, com argumentos que de todo não se subscreve.
15º - Os requisitos da legítima defesa:
a) a existência de uma agressão a quaisquer interesses, pessoais ou patrimoniais, do defendente ou de terceiro;
b) tal agressão deve ser actual, no sentido de estar em desenvolvimento ou iminente, e ilícita, no sentido mais geral de o seu autor não ter o direito de a fazer (não se exige que actue com dolo, mera culpa, ou mesmo que seja imputável, sendo admissível a legítima defesa contra actos praticados por inimputáveis ou por pessoas agindo por erro);
c) a defesa, circunscrita aos meios necessários para fazer cessar a agressão, paralisando a actuação do agressor (aqui se incluindo, como requisito da legítima defesa, a impossibilidade de recorrer à força pública);
d) "animus deffendendi"; ou seja, o intuito de defesa por parte do defendente (cf. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 9.ª ed.ª, 276 e segs). Como se afirma no acórdão do STJ de 13-12-2001, in Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do STJ, 2001, III-244, citando-se Taipa de Carvalho: "Só é legítima se surgir como indispensável para a salvaguarda de um interesse jurídico do agredido ou de terceiro - o meio menos gravoso para o agressor. A necessidade de defesa tem de ser vista em confronto com as circunstâncias em que se verifica a agressão, e, em particular, consoante a intensidade desta, a perigosidade do agressor, a sua forma de actuar e os meios de que se dispõe para defesa. Assim a necessidade deve aferir-se objectivamente, ou seja, segundo o exame das circunstâncias feito por homem médio homem colocado na situação do agredido", ou seja, o arguido nunca atuou à luz do homem médio, até porque os factos, não se comportam com a conduta do arguido, que ao ver a realização da obras, à luz do homem médio chamava a GNR que bastava atravessar a rua, mas não, instigou a mulher que por sua vez iniciou agressões na vitima e não contente o arguido exibe e utiliza a arma com a intenção de matar, quis a morte e teve a morte.
16º - O tribunal de Primeira Instância não confundiu lesões com consequências lesões, assim, como o Tribunal da Relação, facto, que desde já se impugna todos os argumentos invocados, pelo contrário, o Tribunal verificou que a vitima defendeu-se da lesões do arguido e da mulher, a vitima defendeu-se, ficou demonstrado que atuou sempre para retirar a arma da mão do arguido, facto, que o fez, e, na posse, guardou a arma, esse facto, o MP do STJ não analisa, pelo que a existir legitima foi da vitima, segundo Taipa de Carvalho, in «A Legítima Defesa», 1995, Coimbra Editora, pág. 317 -, sendo função da acção de legítima defesa apenas o impedir ou repelir a agressão, compreende-se e exige-se que o defendente só utilize o meio considerado no momento e segundo as circunstâncias concretas, suficiente para suster a agressão. Meios adequados para impedir a agressão, mas mais danosos (para o agressor) do que aqueles que, sem deixarem de ser adequados (suficientes, eficazes), causariam menores lesões ou prejuízos ao agressor, serão considerados desnecessários e, assim, excluirão a justificação do facto praticado pelo agredido, ou seja, o arguido nunca atuou em legitima defesa e muito menos em excesso, atuou com intenção de matar a vítima.
17º - O Exmº Procurador junto do DTJ, ao invocar factos com os factos do acórdão do STJ de 27-11-2013, é de todo surreal, na medida em que não se pode comprar o que é incomparável e muito menos justificar o injustificável.
18º - O arguido nunca exerceu legitima defesa, quem exerceu, sim, foi a vítima, que defendeu-se de duas pessoas munidas de instrumentos, um cabo de vassoura que a vitima retirou e bem assim a arma de fogo, que também a vitima retirou, quando a arma caía no chão, logo de imediato a vítima teve o cuidado de guardar, a vítima não guardava a arma, a vitima lutou para se defender de duas pessoas, que tinham a intenção de matar, e que conseguiram, sem margem para dúvidas.
19º - Não ocorre insuficiência da matéria de facto nem de direito, não existe legitima defesa, e, estamos perante um crime é de homicídio qualificado, em que as alegações do MP da relação de Guimarães são bem objetivas e com clareza, o arguido não defendeu a esposa, o arguido sempre provocou e quis a morte do arguido, até porque a esposa poderia ter fugido do local e não o fez, porquê? ninguém a impediu, tinha ao seu alcance a GNR e não o fez, não o fez, porque o marido estava munido de uma arma, e fez o que sempre disse, que um dia o matava a vitima, chegou o dia.
19º - O arguido nunca em tempo algum se defendeu, sempre teve a intenção de matar, porque ambos poderiam ter abandonado o local, mas não o fizeram, provocaram a vítima, com a intenção de matar, como ele sempre o referiu e exibia a arma na varanda como um troféu.
20º - É de censurar a conduta do arguido, sabendo e conhecendo as armas, tinha plena consciência de que queria matar, até porque seria mais honesto se pedisse ajuda aos agentes de autoridade, mas não, fez justiça pelas próprias mãos, como ele próprio se gaba e transmite para a sociedade, não como o Procurador tenta passar mensagem no seu relatório, em que não valoriza a vida e dá ao arguido um prémio de excesso de legitima defesa.
21º - Pelo menos andou bem o Procurador no tocante ao nexo causal.
22º - O arguido em circunstâncias alguma atuou com o “animus deffendendi” como pretende o Procurador invocar, nunca, nunca por nunca, teve sempre desde o principio a intenção de causar a morte, quando se muniu da arma a qual estava destrava e pronta a disparar e não a intimidar, não usou as duas mãos, o arguido explicou muito bem, não pode o Procurador invocar o animus deffendendi, quando não ocorre o animus deffendendi.
23º - O elemento subjectivo da acção de legítima defesa refere-se à consciência da «situação de legítima defesa», isto é, ao conhecimento e querer dos pressupostos objectivos daquela concreta situação, o que se justifica e fundamenta no facto de a legítima defesa ser a consagração de um direito e na circunstância do sentido e a função das causas de justificação residirem na afirmação do interesse jurídico (em conflito) considerado objectivamente como o mais valioso, a significar que em face de uma agressão actual e ilícita se deve ter por excluída a ilicitude da conduta daquele que, independentemente da sua motivação, pratica os actos que, objectivamente, se mostrem necessários para a sua defesa, in causu, não ocorreu os factos por parte do arguido, quem se defendeu foi a vitima dos atos do arguido que munido de uma arma, atirou sobre a vitima a uma distancia de 2 metros, tinha plena consciência de que queria o resultado a morte.
24º - O Arguido agiu com frieza de ânimo, com reflexão dos meios empregados ou ter persistido na intenção de disparar a arma para matar, e não com o animus deffendendi – ver acórdão do STJ 23-05-2007, ânimo terá lugar sempre que interceda um hiato temporal entre a ideação do meio a usar e a passagem à acção, por seu intermédio. No entendimento corrente, e na esteira do Prof. Beleza dos Santos (in RLJ, Ano 67, págs. 306 e ss.), a frieza de ânimo titula firmeza, propósito, tenacidade, irrevogabilidade da decisão, indiciada pela persistência durante um apreciável espaço de tempo – ou seja, uma forte vontade criminosa – e preenchendo o campo da consciência; o agente age com frieza de ânimo quando selecciona os meios a utilizar na agressão, quando reflecte na opção pelo meio mais adequado, repudiando o que menos probabilidade de êxito se lhe oferece de um ponto de vista pragmático, por ter em mente o que menos possibilidade de defesa representa para a pessoa da vítima. - Ac . do STJ, de 17-01-2007, Proc. n.º 3845/06.
25º - No mesmo sentido não age em legitima defesa o arguido que não demonstrou nem medo, nem demonstrou que sentiu a sua vida em perigo, pelo contrário, a arrogância era bem patente no arguido, o qual, demonstrou desprezo pela vida da vitima, como refere o acórdão da Primeira Instância, e bem assim acórdão da Relação de Évora, Secção Criminal, Acórdão de 12 Mar.2008, Processo 2965/07-1 Relatores: João Martinho Sousa Cardoso; João Martinho Sousa Cardoso. Processo: 2965/07-1 Colectânea de Jurisprudência” deve sempre ter pressente o homem médio colocado na situação do agredido".
26º O mesmo se diga quanto à figura jurídica do homicídio privilegiado (art° 133° do Código Penal), que é também de afastar, pois que, ainda que se admita que o arguido, tivesse algum medo do ato de defesa da vitima, esta menor e não grave, certo é que, o arguido, quando atirou, foi logo para matar e não para intimidar até porque é conhecedor de armas e sabe que atirar para órgãos vitais a consequência é a morte, sem olvidar que o arguido e a mulher não estavam impedidos de sair do local, nem tão pouco a vitima manietou a mulher do arguido, ela ficou a provocar a vitima em vez de chamar os agentes de autoridade assim, como o marido, mas não, o arguido atuou com dolo, queria a morte do vizinho, e, assim, o realizou.
27. Nesta conformidade, entende-se que, nas circunstâncias concretas, não é de considerar compreensível o comportamento do arguido ao atirar "a matar"! e muito menos considerar um crime de homicídio simples, devendo ser afastada a figura do homicídio simples e manter o homicídio qualificado e a condenação a 15 anos de cadeia.
28º - Acresce que, face à prova produzida revelou-se neste casal – arguido e a mulher – tinham um grave desrespeito por tudo o que passasse por soluções legais para os problemas e muito pouco conformidade com a lei, já que, podiam chamar os GNR, que bastava atravessar a rua, e chamar não o fizeram, quando podiam, o que demonstra a frieza como atou, quando disparou e quis a morte da vítima.
Pelo exposto, impugnam o relatório do Procurador-Geral Adjunto, do Supremo Tribunal de Justiça, o qual, não defende o direito à vida da vitima, e, fundamenta factos que de todo foram apreciados, e muito menos existiu legitima defesa, logo falece o excesso da legitima defesa,
Devendo os autos, prosseguir as suas démarches, nos termos das alegações do muy nobremente Exmº Procurador-Geral Adjunto do Tribunal da Relação de Guimarães, a, quais, não merece sindicância, tendo fundamentado as razões de facto e de direito, na mesma dinâmica das Alegações proferidas pelo Ministério Público, da Primeira Instância, tendo analisado todos mesmos todos os factos, devendo ser confirmada a sentença de homicídio qualificado com a pena de 15 anos de prisão, por ser a medida proporcionada aos factos e a gravidade a conduta do ARGUIDO.”

I.a). – QUESTÕES A SER OBJECTO DE CONGNISCIBILIDADE.
No proémio da síntese conclusiva, o recorrente enuncia e vinca as questões que almeja ver apreciadas e resolvidas no recurso que interpõe:
a) – Legitima defesa e/ou excesso de legítima defesa;
b) – Causa da morte;
c) – Qualificação jurídica do crime;
d) – Medida da pena;
e) – Inconstitucionalidade (por suposta/eventual (sic) “violação das normas legais aplicáveis, nomeadamente os artigos 18º, 20º, 25º, e 26º da CRP, artigos 31º, 32º, 33º e 144º, alíneas a) e d) do C. Penal, 483º, 489º e 496º do C. Civil”;
f) – Condenação no pedido de indemnização cível.
O parecer do distinto magistrado do Ministério Público neste Supremo Tribunal antecede a cognoscibilidade do recurso da análise de um vício da decisão recorrida que atina com a insuficiência da factualidade apurada para a avaliação cabal e plena da conduta do arguido e contradição insanável na fundamentação (de facto).
II – FUNDAMENTAÇÃO.
II.A. – DE FACTO.
Com a imodificabilidade da decisão de facto pelo tribunal de segunda (2ª) instância, consolidou-se a factualidade adquirida pelo tribunal de primeira instância, que a seguir queda transcrita na íntegra.
1. No dia 29 de Agosto de 2014, aproximadamente pelas 10h30m, o arguido, chegou à entrada da sua habitação sita na Rua ..., no ..., em ..., dirigindo-se até à zona da sua garagem, onde já se encontrava o ofendido EE, residente no n.º 17 da mesma rua, que nesse momento estava em cima de um escadote, a realizar uma obra numa zona não concretamente determinada da parte inferior de uma das escadas que dava acesso à casa de habitação do arguido e do ofendido EE.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido, desde há muito desavindo com o ofendido EE, por razões de vizinhança, dirige-se à garagem e mune-se da sua pistola semi-automática de marca FN (Fabrique Nationale) /Browning, modelo Baby, calibre 6,35mm Browning (.25ACP ou .25 Auto na designação americana), com o número de série 405384, que coloca no bolso dos calções.
3. Acto contínuo, sai da garagem e troca algumas palavras de teor não concretamente apurado com o ofendido, mas sempre relacionadas com o facto de o arguido considerar que EE não podia realizar a obra referida em 1. naquele local sem a autorização do arguido e da sua mulher.
4. Nesse contexto, num tom de voz cada vez mais exaltado, enquanto o arguido e EE se encontravam a discutir sobre a realização da aludida obra, surgiu FF , mulher do arguido, que, ao chegar à entrada da sua habitação, e por ouvir vozes exaltadas provenientes da zona da sua garagem, de imediato se deslocou até ao local onde se encontravam o arguido e EE.
5. Acto contínuo, depois de também ter trocado algumas palavras com o arguido, sobre a mesma obra, FF pegou numa vassoura que se encontrava nas imediações e, munida com tal objecto, começou a desferir várias pancadas num suporte que EE tinha colocado na parede, com a finalidade de o destruir.
6. EE reagiu, desceu do escadote e inicia uma troca de palavras ainda mais exaltada e de teor não concretamente apurado com FF, desferindo-lhe um número não concretamente apurado de pancadas com a referida vassoura, designadamente na parte superior esquerda da testa, no ombro e nos pulsos.
7. O arguido passou também intervir na contenda, tendo sido atingido pelo mesmo objecto no lado esquerdo da cabeça e no braço direito.
8. Em determinado momento dessa discussão, quando EE e FF Anjos se encontravam junto das garagens, o arguido, a uma distância não superior a 2 metros do ofendido, empunhou a arma referida em 2., que tinha no bolso, municiou-a, destravou-a e apontou-a em direcção ao corpo de EE, mais concretamente à zona do corpo superior ao abdómen e desferiu de imediato 3 (três) disparos consecutivos em direcção a zonas do corpo de EE que se situam acima do abdómen, mais concretamente:
a) desferiu um disparo que atingiu EE na zona abdominal superior direita, tendo o projéctil ficado alojado na região dorsal;
b) desferiu um disparo na zona do ombro esquerdo de EE, tendo o projéctil saído na omoplata direita (trajectória em linha recta);
c) desferiu um disparo no lado direito da região cervical baixa (pescoço), onde o projéctil ficou alojado.
9. Poucos minutos após ter sido vítima dos 3 (três) disparos acima referidos, EE foi transportado por uma ambulância do VMER em direcção ao “Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, E. P. E.”, onde se manteve ininterruptamente internado desde as 12h41m do dia 29 de Agosto de 2014 até ao dia 10 de Dezembro de 2014, data em que EE foi transferido para a Unidade de Cuidados Continuados Integrados (UCCI) da Santa Casa da Misericórdia de ....
10. Desde o dia 10 de Dezembro de 2014 até ao dia 19 de Março de 2015 que EE se encontrou ininterruptamente internado na UCCI da Santa Casa de Misericórdia de ....
11. Em consequência directa e necessária dos três disparos desferidos no seu corpo, o ofendido EE, além de cicatrizes no ombro esquerdo, sofreu as seguintes lesões: a) na região cervical, trauma perfurante, com consequente enfisema subcutâneo na região cervical anterolateral direita, com infiltração por hematoma, que envolveu o músculo esternocleidomastoideu ispilateral; b) na zona abdominal, trauma perfurante, com consequente hemoperitoneu, a que se associou pneumoperitoneu, bem como hematoma inter cavo-aortico, fractura do primeiro arco posterior direito e projéctil alojado ao nível inter somático do espaço L3-L4.
12. As lesões acima mencionadas sofridas pelo ofendido EE em consequência dos disparos de que foi vítima, foram causa directa e necessária da sua morte, ocorrida no dia 19 de Março de 2015.
13. Por seu turno, em consequência directa e necessária dos golpes que EE desferiu no corpo de AA, este sofreu as seguintes lesões: a) no crânio, cicatriz com cinco centímetros de comprimento, situada na região frontal esquerda; b) no membro superior direito, cicatrizes dispersas pelo antebraço e dedo polegar; no membro superior esquerdo, cicatrizes dispersas pelo primeiro e terceiro dedos da mão.
14. Lesões que foram causa directa e necessária de 10 (dez) dias de doença, sem qualquer afectação da capacidade de trabalho geral de AA.
15. Em consequência directa e necessária dos golpes que EE desferiu no corpo de FF , esta sofreu as seguintes lesões: a) no crânio, cicatriz com três centímetros na região frontal esquerda;b) no membro superior esquerdo, dificuldades em fazer a flexão total dos dedos, com agravamento durante a noite e de manhã.
16. Tais lesões foram causa directa e necessária de 220 (duzentos e vinte) dias de doença, com 43 (quarenta e três) dias de incapacidade para o trabalho geral.
17. As lesões referidas em 15.º são permanentes e, sob o ponto de vista médico-legal, traduzem-se em dismorfia residual a nível do terço distal do bordo cubital e limitação discreta da força e flexão da mão esquerda.
18. O arguido agiu da forma acima descrita, desferindo 3 (três) disparos sobre várias zonas do corpo do ofendido EE, mais concretamente em zonas do corpo situadas do abdómen para cima, com o propósito de lhe tirar a vida, o que o arguido quis e conseguiu.
19. O arguido bem sabia que, ao desferir 3 (três) disparos em várias zonas do corpo do ofendido EE, nenhum deles em direcção aos membros inferiores e pelo menos um desses três disparos em direcção a uma zona tão sensível como a zona do pescoço, desferia disparos aptos a tirar a vida ao ofendido.
20. O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.
21. O Posto da GNR do ... fica a cerca de 100 metros da morada referida em 1.
22. Do seu certificado de registo criminal nada consta.
Da contestação
23. O arguido é bom pai de família, honesto, trabalhador, bem integrado socialmente, respeitador e respeitado, tendo sido militar do Exército Português, profissional dos CTT ao longo de mais de 40 anos, além de integrar grupos culturais e desportivos de ..., sempre com especial dedicação e empenho.
As condições socioeconómicas do arguido
24. O arguido frequentou o sistema regular de ensino e concluído a 4ª classe, tendo seguidamente passado ajudar os seus familiares na agricultura. 
25. Com 20 anos incorporou o serviço militar obrigatório no ramo do Exército, no qual permaneceu até 1970, tendo cumprido missões em Africa, durante o período de guerra colonial.
26. Quando regressou a Portugal o arguido casou com Hermínia dos Anjos, relacionamento do qual nasceram dois filhos.
27. A partir desta altura, a vivência familiar passou a decorrer na freguesia do ...-..., por motivos profissionais, o arguido começou por exercer a profissão de motorista de táxis e a cônjuge como trabalhadora numa quinta agrícola e aonde os seus filhos viriam a frequentar o ensino básico.
28. Neste contexto, a família fixou a sua residência, tendo adquirido uma habitação, de tipologia “T3”, integrada num prédio urbano composto por R/C, dedicado ao comércio (Oficina de automóveis) e dois apartamentos de habitação.
29. Economicamente, o núcleo familiar assegurou, satisfatoriamente, a manutenção dos seus membros, com os rendimentos do trabalho de ambos os cônjuges.
30. AA havia integrado os quadros dos CTT-Correios e Telecomunicações (em Vila Real), em 1994, como motorista, onde permaneceu até à sua aposentação, em 2005, enquanto FF (a cônjuge) se mantém em actividade nos serviços do ministério da agricultura, com a função de auxiliar, em ....
31. A dinâmica do agregado subsistia uma forte interdependência familiar e coesão entre os seus elementos, tendo o casal adquirido uma segunda habitação em Vila Real; um apartamento de tipologia “T3” (ainda quando o arguido mantinha o exercício da sua actividade), facilitando, assim, a conciliação entre a vida familiar a vida profissional (apoiando o arguido a cônjuge na sua deslocação diária para o local de trabalho, em ...).
32. Entretanto, ambos os descendentes autonomizaram-se, dispondo no presente dos seus próprios núcleos familiares, em Lisboa, com os quais continua a existir uma grande proximidade a nível relacional.
33. Na comunidade socio residencial, o agregado detinha uma adequada enquadramento, tendo o arguido integrado nos seus tempos livres diversos grupos a nível desportivo e recreativo, estabelecendo, ainda, com os demais residentes uma relação de respeito e cordialidade. 
34. O arguido dispõe uma pensão de reforma (de cerca de €1200) e a cônjuge aufere um vencimento equiparado ao Salário Mínimo Nacional.
35. Para além destes rendimentos o casal possui duas habitações próprias, dispondo de alguns terrenos agrícolas na localidade de , ..., nos quais ambos se ocupavam, sobretudo aos fins-de-semana.
Dos pedidos de indemnização civil
Da demandante BB e intervenientes
36. O EE, sofreu dores e sentiu a morte, provocada intencionalmente pelo Arguido, quando dispara três tiros sobre o Lesado, tendo previsto a morte do mesmo, teve a percepção da morte, tendo entrado em sofrimento desde o dia dos factos até ocorrência da morte.
37. O Arguido sabia que a família de EE, pessoa acarinhada e de grande respeito, iria sofrer com a perda da vida do seu ente querido, e, mesmo assim, procedeu aos seus intentos, tirando a vida a EE.
38. O Arguido actuou de forma dolosa, tendo cumprido o seu objectivo de tirar a vida ao EE, pessoa querida da família e respeitada pela sociedade local.
39. O EE, pessoa de bom trato, apaziguador, calmo e bom pai de família.
40. A família com a perda da vida de EE, encontra-se em grande sofrimento, em que a perda precoce decorrente do ato doloso do Arguido, provocou uma grande tristeza e desgosto, que nem o tempo vai ajudar a ultrapassar.
41. A perda da vida de EE, causou à Assistente/Lesada, filhos e neta, em que esta, estava sob a responsabilidade parental do avô, danos, que serão irreparáveis, em que a perda da vida não é reposta, em que o sofrimento é uma dor imensa, que o tempo nunca vai apagar
42. O Arguido sabia que a família iria sofrer muito com a sua conduta e mesmo assim, quis a morte de EE, tendo os familiares medo do Arguido.
43. O EE tinha filhos adultos, os quais tinham uma relação da proximidade com o Lesado, sofreram com a perda do pai, e não só, o lesado tinha a cargo a responsabilidade paternal reconhecida pelo tribunal de sua neta, desde tenra idade, actualmente com 18 anos e estudante.
44. O Arguido doou os seus bens imóveis aos filhos na proporção de metade para cada um, aquisição a favor destes registada na Conservatória do Registo Predial respectiva pela ap. 3481 de 08.05.2015, tendo sido proposta pelos ora demandantes acção com vista à anulação daqueles negócios.
45. Os familiares do EE, suportaram despesas necessárias aos cuidados de saúde do demandante, que ascendem ao valor de € 766,26€, conforme se descrimina: na Santa Casa Misericórdia de ... no valor de € 173,88; Santa casa misericórdia de ... no valor de € 215,28; Santa casa misericórdia de ... no valor € 149,04; Santa casa misericórdia de ... no valor de € 182,16 e ASSOCIAÇÃO H. B. V. de ... a quantia de € 45,90.
Do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro
46. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido o ofendido EE foi admitido no serviço de urgência do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro no dia 29.08.2014, tendo permanecido internado até ao dia 10.12.2014.
47. Ainda como consequência directa e necessária da conduta do arguido o ofendido EE foi atendido no Serviço de Consulta Externa do mesmo Centro Hospitalar no dia 07.01.2015.
48. A assistência que lhe foi prestada – episódio de urgência, internamento, consulta externa e meios complementares de diagnóstico orçaram a quantia de 10 503,77€.»
1.2. Quanto a factos não provados consta do acórdão recorrido (transcrição):
«a. O arguido apenas em legítima defesa da integridade física da sua esposa e da sua própria pessoa face às graves agressões de que estavam a ser vítimas e que foram cometidas por EE, tendo os tiros disparados ocorrido por motivos alheios à sua vontade.
b. O arguido seja um cidadão exemplar e nunca teve conflitos com qualquer pessoa.
c. O EE fosse incapaz de agredir quem quer que seja.
d. Que o arguido de forma consciente e premeditada, doou o seu património aos seus filhos, para invocar falta de capacidade para pagar a indemnização aos familiares de EE, o qual, se desloca de forma livre e sorridente pela localidade, provocando os familiares.
e. Que os familiares do EE, suportaram despesas com o internamento hospitalar no valor de € 10.503,77.»”
1.3. O tribunal recorrido fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):
«A convicção do Tribunal no tocante à prova dos factos que deu por assentes formou-se com base no conjunto da prova produzida e respectiva apreciação crítica, à luz das regras da experiência e da normalidade da vida.
Em concreto:
Em sede de prova pré-constituída [a propósito, vide Ac. TRP, de 14.09.2016 assim sumariado: as declarações prestadas em primeiro interrogatório judicial pelo arguido, após ter sido advertido do disposto no art.º 141.º 4 b) CPP, porque integradas no processo, consideram-se examinadas em audiência e não têm de ser ali lidas para serem valoradas pelo tribunal na decisão final] nas declarações do arguido, advertido expressamente nos termos do aludido normativo, conforme auto de fl.s 97, cuja transcrição integral consta de fls. 174 e ss – artigo 357.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, nos termos das quais o arguido declarou que “confirmava o que tinha dito à Polícia Judiciária”, ou seja (vide fl.s 55-57) [cujo teor se transcreve, por se entender relevante, no contexto do caso, pois as versões apresentadas, que como veremos, no que tange à defesa que apresentou não são coincidentes em aspectos essenciais]: que “admite a autoria de dois disparos efectuados com a sua arma de defesa de calibre 6,35mm, de marca Browning, os quais vieram a atingir o seu vizinho EE. Efectuou tais disparos pelo facto de o seu vizinho, naquele momento, estar munido de um martelo, com o qual estava a agredir a o arguido e sua esposa. Que (…) chegou a casa por volta das 10.30 horas/10 45h e chegado à entrada de sua residência deslocou-se à garagem, tendo-se cruzado com o seu vizinho que se encontrava em cima de um escadote a fazer uns furos na parte inferior das escadas que dão acesso à residência de ambos. Que o seu vizinho teve que desviar o escadote para poder aceder à sua garagem. Não trocaram qualquer tipo de palavras. Explica que o motivo de se deslocar à garagem naquela hora foi devido a pretender limpar a sua arma de defesa que se encontrava guardada na parte lateral da porta do condutor da sua viatura automóvel. Que em nenhuma altura foi buscar aquela arma com intenção de a vir a utilizar contra o seu vizinho ou outra pessoa qualquer. Que após ter pegado na pistola meteu-a no bolso esquerdo dos calções e saiu da garagem dirigindo-se à sua habitação. Ao chegar mais ou menos a meio da rampa de acesso às garagens resolveu voltar para trás e disse ao vizinho que ele não deveria efectuar qualquer furo na laje (tecto) que correspondia às suas escadas. O vizinho questionou-o sobre o motivo de não poder fazer tais furos e o arguido disse que não poderia fazer porque aquela zona pertencia às suas escadas. Encontrava-se a falar sobre tal assunto quando chegou a esposa do arguido que o questiona porque é que estavam a ter aquele tipo de conversa. O arguido explicou-lhe que o vizinho estava a fazer uns furos numa zona que era sua propriedade e que estava a dizer que não o podia fazer. A esposa do arguido pegou então numa vassoura que ali se encontrava com a qual tentou deitar abaixo o suporte que iria servir para o tubo da água que o vizinho pretendia fazer passar pela sua propriedade. Ela dizia que ele não podia fazer aquilo e por isso iria tirar o que entretanto já ali tinha colocado. O arguido foi caminhando pela rampa com o intuito de se dirigir para o interior da sua habitação. Nesse momento o EE começou a empurrar a sua esposa tendo ainda proferido a seguinte afirmação “Cale-se sua bêbada”. Que apos chamar bêbada a sua esposa virou-se a ele, tendo reagido a tal provocação, afastando-o. Desconhece se a sua esposa estava nesse momento com a vassoura na mão. Foi nesse instante que o EE pega num martelo que possuía dentro de uma caixa de ferramentas que estava no chão e com ele agride a sua esposa, tendo-lhe acertado em vários locais, nomeadamente nos braços e na cabeça. Perante tal o arguido, que se encontrava a meio da rampa, voltou de imediato para trás para defender sua esposa, tendo sido igualmente agredido com o martelo pelo EE, que lhe acertou no lado esquerdo da cabeça. Apos tal agressão, no meio da confusão e porque ainda ali se encontrava a sua esposa, o arguido recuou um pouco e retirou do bolso dos calções a sua pistola. Municiou-a e tentou disparar na direcção do seu vizinho, para o ar, na tentativa de que este parasse com as agressões com o martelo a si e a sua esposa. A arma encontrava-se em posição de segurança, não tendo por isso conseguido efectuar esse disparo. O arguido colocou a arma então em posição de fogo e, a cerca de 2 metros, de distância do seu vizinho, efectuou um disparo de intimidação para o ar, desconhecendo se o atingiu com o mesmo. Logo após a ocorrência desse disparo o seu vizinho aproximou-se de si, e ainda com o martelo empunhado desferiu-lhe uma série de golpes que o vieram a atingir em diversas zonas do corpo, nomeadamente no ombro, braços e mãos. Que um desses golpes o atingiu na mão que empunhava a pistola, neste caso a esquerda, momento em que terá efectuado um segundo disparo, desconhecendo se o mesmo o veio a atingir ou não. Após ser agredido na mão que empunhava a pistola o arguido deixou-o cair no chão, tendo o EE pegado nela e colocado no seu bolso. Após isso ainda continuou com as agressões com o martelo ao arguido e esposa, isto até ao momento em que surgiu um casal de emigrantes que ali ia a passar e que foram de imediato em seu auxílio, tendo conseguido que o EE parasse com as agressões. O arguido afirma desconhecer a identidade completa (…) mas sabe que o homem se chama GG. Nesse instante chega também outro individuo de nome HH que juntamente com aquele casal conseguiu afastar o EE dali, tendo-o encaminhado para a garagem dele. Apos o EE ter sido encaminhado para a garagem ouviu-o a queixar-se, presumindo nessa altura que algum dos disparos anteriormente efectuados o poderia ter atingido. Que em nenhuma altura viu sangue no seu vizinho, tendo ficado surpreendido quando o ouviu queixar-se.(…)”
Por sua vez, em sede de instrução, o arguido (perante Juiz de Instrução – vide decisão instrutória), em suma, “nega ter efectuado, intencionalmente, qualquer disparo sobre o ofendido.
Admite ter efectuado dois disparos, mas por acção do próprio ofendido.
Assim, esclareceu que os factos se precipitaram quando o arguido, chegado a casa ouviu um barulho das garagens, e, ao aproximar-se, constatou que o ofendido estava em cima de um escadote a fazer furos no tecto, em frente ao portão da sua garagem.
Dirige-se então à garagem, tendo o ofendido permitido a passagem, desviando-se, sendo que do interior do veículo (estacionado na garagem), retira uma arma, que pretendia limpar, metendo-a no bolso dos calções que trazia vestidos.
Ao sair, dirige-se ao ofendido, dizendo que não poderia fazer furos onde estava, momento em que chega a sua mulher.
Já com os três no local, inicia-se uma troca de palavras entre a sua mulher e o ofendido, ao que este começa a desferir várias pancadas na sua mulher com o martelo, atingindo-a em diversas partes do corpo, designadamente nos braços e na cabeça.
Acto contínuo, retira a pistola do bolso, municia-a, aponta para o ar avisando ofendido para parar as agressões ou então dispararia, ao que este o atinge com o martelo no braço esquerdo, tendo sido por força da pancada que o primeiro disparo acontece.
Acto contínuo, aponta a arma ao ofendido, ao que este responde com nova pancada, agora na mão esquerda, tendo sido a pancada que provoca o disparo.
Acrescenta que não sabe se algum dos disparos atingiu o ofendido, admitindo que sim.
Mais refere que com a segunda pancada (na mão esquerda) o ofendido provocou não só o disparo como também a queda da arma ao chão, que o próprio ofendido recolhe e coloca no bolso.
Após, o arguido foge para a rua, altura em que aparecem as testemunhas GG e II, sua mulher, e, bem assim, a testemunha HH.
Finalmente, em audiência de discussão e julgamento, o arguido apresentou, em síntese, a seguinte versão dos factos:
“No dia em causa, cheguei a casa por volta das 10.30 horas e pensei “tenho a pistola para limpar e vou limpá-la (sic). Vi movimento na garagem e ele (referindo-se a EE) estava num escadote e pedi-lhe para o tirar e foi então que vi o que estava a fazer – andava a furar e eu disse-lhe para não furar porque aquilo é meu. Nessa altura já tinha ido buscar a arma, que estava no bolso. Entretanto, chegou a mulher, que tinha ouvido a conversa e disse “o que é que ele anda a fazer? E ele respondeu “a mulher vem bêbada!”. A mulher tentou tirar aquilo com uma vassoura e eu disse “vamos embora” (sic), mas quando deu conta ele andava a bater na mulher, com um martelo. E, ao mesmo tempo, dizia “fodo-vos aos dois” e não parava de me bater e deu-me com um martelo na cabeça (levou 7 pontos de um lado e três noutro). “Estava já com sangue e lembrei-me: oh, eu tenho isto aqui no bolso” e “por desgraça a arma disparou, não foi para o atingir, mas para o intimidar, queria que ele parasse com aquilo”.
Concretizando um pouco melhor, disse que “obviamente” estava no chão quando ele lhe deu com o martelo. Que para manejar a arma recuou 1,45 metros, “tentei disparar, mas estava em segurança”. Que a arma já estava carregada quando saiu da garagem, que retirou a patilha de segurança e disse “oh, DD cuidado que eu tenho isto aqui” e direccionou a arma para o ar (estava, nesta ocasião a meio da rampa, disse) e ele continuou a malhar, a mulher estava caída no chão quando disparou a 2º vez estava perto, também disparou para o ar e foi quando me atingiu no antebraço com o martelo e mesmo depois dos tiros continuou a bater-me e à mulher também. A pistola caiu, disparou-se. Esteve sempre a 1,5 metro dele. Disse que não se apercebeu que ele tivesse sido atingido, pois “ele continuou sempre a bater com uma força maluca”. Disse que lhe partiu o braço (bateu-lhe com tal instrumento – o referido martelo – no peito, na cabeça, no braço e na mão).
Questionado sobre se tinha chamado a GNR na sequência de tais agressões esclareceu que o posto é perto de sua casa e disse que não chamou, acrescentando que “se fosse hoje tinha chamado, mas as provocações eram muitas”.
A perguntas da defesa disse que no martelo há vestígios de sangue dos dois, que puxou da arma apenas depois de ter sido agredido, que o Saraiva era mais alto (devia ter 1,70 m, era um homem muito robusto, de 73-74 anos de idade). Disse sentir toda esta situação com muita tristeza, está privado da sua liberdade, pois sempre fui um passarinho…. Depois lá acrescenta (evidentemente quando percebe que a resposta não tinha sido satisfatória) que está condoído com tudo isto, que nunca quis matar e que estava arrependido.
Disse ainda que ele estava a colocar anilhas debaixo da sua casa, para colocar ali um tubo, o qual não lhe causava prejuízo, mas fazê-lo sem a minha autorização é um “prejuízo moral”.
Que a arma estava na garagem pois tinha vindo de Lisboa. Tal arma tem capacidade para 5 munições (uma Browning 6,35mm), mas na altura tinha 4 balas para não forçar a mola.
Desta súmula das [várias] declarações do arguido retiram-se várias conclusões: a primeira é que a versão dos factos apresentada ao longo do processo não é coerente em si mesma, pois das várias versões resulta que a dinâmica do ocorrido é diversa em cada uma das explicações apresentadas, em aspectos que são essenciais (e não são em diferentes em aspectos laterais, pois estas são rigoIImente coincidentes, o que significa que no núcleo essencial a sua versão foi sendo composta no sentido de tentar que lhe fosse mais favorável) e, por isso, a credibilidade do que disse resultou seriamente colocada em crise.
Efectivamente, o arguido começa por dizer que efectuou os disparos para se defender das agressões perpetradas pelo ofendido contra si e sua mulher. E que nunca teve intenção de o matar. A arma que levava no bolso era uma mera coincidência, pois tinha acabado de a ir buscar à garagem para a limpar. Mas disse também que a arma não estava municiada quando a colocou no bolso e que a municiou precisamente antes de disparar. Só que esta versão apresenta um problema que é justificar a posse da arma naquele momento, pois da sua posse infere-se claramente qual a sua intenção. E, o que disse para a justificar foi que a foi buscar para a limpar. Porém, quer no primeiro interrogatório quer na instrução disse que a municiou antes de disparar (acrescentando o pormenor que a arma estava em segurança e teve que tirar o modo de segurança antes de disparar). Logo, a reticência é óbvia: é que, para limpar a arma não precisava das munições para nada (que se saiba, não se limpam armas com munições nem estas são necessárias para tal operação). De resto, como se extrai do exame de fl.s 272 que a arma em causa se encontra “em boas condições de actuação, apresentando-se em regular estado de conservação e limpeza”. É o mesmo que dizer que a arma nem sequer precisava de ser limpa, também por aqui se inferindo que a sua versão não colhe).Ou seja, logo aqui cai por terra a justificação apresentada para ter a arma naquele preciso momento, que foi buscar logo depois de ter visto o que o vizinho andava a fazer. E, o arguido em julgamento tendo percebido perfeitamente esta falha na sua versão e ao arrepio do que tinha dito, já diz que quando trouxe a arma da garagem esta já estava municiada.   
Depois, em sede de instrução, diz que (ambos) os disparos que efectuou foram causados pelas pancadas desferidas no braço com um martelo pela própria vítima, o que se mostra completamente ao arrepio não só das regras da lógica e da experiência comum como também da física, pois nas circunstâncias que referiu os tiros nunca teriam atingido o tronco e pescoço da vítima, por um lado, e por outro, a reacção normal de quem leva uma pancada na mão que tem uma arma é deixá-la cair e não premir o gatilho (e a probabilidade de acertar no corpo da vítima todos os disparos, ainda é menor).
Ora, da conjugação de todos os elementos de prova resulta que não foi nada disto que aconteceu, não tendo a versão do arguido apresentado qualquer credibilidade. O arguido viu a vizinho a fazer uma obra que lhe desagradou e foi à garagem buscar a arma, o que fez com o intuito de resolver definitivamente o problema, pois os desentendimentos entre as famílias existiam há muito e tinham que ver com as partes comuns dos prédios de ambos. E, se o arguido já tinha aquela intenção mais a revelou ao efectuar os três disparos (e não dois, como disse, pois isso mesmo resulta dos ferimentos apresentados pela vítima, que pela sua localização não permitem outra conclusão que não seja essa, pois nenhum orifício de entrada está colocado em local que pudesse ser um orifício de saída do projéctil: todos eles situados na parte da frente do tronco e pescoço e nenhum na parte de trás). Tais disparos foram efectuados a menos de 2 metros da vítima, tendo o arguido municiado a arma imediatamente antes de disparar. Também desta circunstância – a de o arguido retirar o modo de segurança e municiar a arma antes de disparar reafirma e demonstra cabalmente a sua intenção, pois nem o tempo de o fazer, ainda que curto, atenta sua experiência como militar, o fez inflectir a sua ideia. Esta versão dos factos por ser a mais espontânea – a prestada logo pouco depois do cometimento dos factos e reafirmada em sede instrução – afigura-se a mais correspondente com a realidade, sendo a versão apresentada em julgamento uma versão “restaurada”. Este facto (o de ter municiado e destravado a arma antes dos disparos) resultou das declarações do próprio arguido, como vimos já, pelo que a sua prova, consubstanciando alteração não substancial dos factos, não carece de comunicação ao arguido – artigo 358º, n.º 2 do Código de Processo Penal.
Recorde-se, a este passo, que o arguido foi militar (como o próprio fez questão de enfatizar), tendo perfeito conhecimento do manejamento de armas – até tem licença de uso e porte de arma. O que significa que nada do que disse sobre os disparos para o ar a avisar o vizinho, com o intuito de defesa como disse, mereceu credibilidade. Se quisesse disparar para o ar tê-lo-ia feito, tal como quis disparar contra o vizinho e fê-lo. E a teoria de ter sido por acção da própria vítima que os disparos foram produzidos pela própria vítima ao desferir pancadas com um martelo no braço, como vimos, não faz qualquer sentido.
Vejamos a demais prova produzida.
A testemunha JJ chegou ao local logo depois dos factos e mereceu credibilidade no que disse, pois foi depoimento desinteressado, não conhecendo qualquer dos intervenientes, sendo emigrante. Disse que passou na casa do senhor e vi os senhores numa confusão e continuou o seu caminho. Logo após, disse, ouviu “dois estoiros e pensei, são dois tiros e voltei para trás”. Disse que viu o arguido com a arma na mão (o que infirma a versão por este apresentada que, recorde-se, disse que por causa da pancada com o martelo a arma caiu ao chão e foi apanhada pela vítima que a guardou) e disse-lhe “para parar com isso, para deitar a arma ao chão”, o que o arguido fez. Só depois de a arma estar no chão é que o Sr. DD (a vitima) a apanhou do chão. E disse mais: que a vítima tinha uma vassoura na mão e com ela batia na mulher. Disse que ele tinha a vassoura numa mão e um martelo na outra, que deixou cair, tendo ficado com a vassoura na mão. Adiante já disse que quando chegou ao local ele (a vítima) já não tinha o martelo na mão, que este estava no chão, mas apenas tinha a vassoura na mão, com a qual continuava a bater (com a parte “do piaçaba”, disse) na senhora. Esta, entretanto caiu e ele continuou a bater-lhe com o pau. Que o Saraiva só dizia “ele matou-me”, mas continuava a bater.
Disse que eles estavam a cerca de 2 metros de distância um do outro. Não viu sangue na vítima, mas quer o arguido quer a mulher tinham sangue. Foi chamar a GNR, que fica mesmo ao pé, tão perto que eles até deviam ouvir, acrescentou. Mas que eles disseram que aquilo era todos os dias e já nem ligavam. E, também o arguido tinha referido que a GNR fica perto de sua casa.
Por sua vez, II , mulher da testemunha, apresentou um depoimento menos coerente que o marido, admitindo que este “viu mais”, pois variava consoante a pergunta que lhe era feita (diz que não viu a arma, depois já viu o arguido pousá-la; que trazia a vassoura e o martelo, batendo com ambos na senhora; depois já só viu bater com a vassoura.) Enfim, deste depoimento pouco pôde ser retirado. Com segurança, afirmou que os viu com sangue, que o ofendido tinha apenas umas gotas na camisa, que até pensou que fosse dos outros, mas estava muito branco, com os olhos muito saídos e que o viu dar vassouradas na senhora.
O depoimento da mulher do arguido, a testemunha FF , por razões óbvias, não mereceu credibilidade. Mas para além da reserva natural que levanta um depoimento de familiar tão próximo, este depoimento concreto foi eivado de contradições e de incoerências, numa tentativa evidente de sustentar a versão apresentada pelo marido.
Começa por dizer que o relacionamento entre os dois casais era mau e consigo em particular era muito mau, há muito tempo. E nisto, acreditamos. Relatou os factos da seguinte forma: que chegou a casa, ouviu vozes e foi ver o que se passava. O marido dizia para o vizinho “já lhe disse que não fura!” e ele dizia “não furo porquê?” [aqui contraria o arguido que diz que não trocaram uma palavra antes de chegar a mulher – o que também não é crível]. Ele já tinha posto umas argolas e tentei tirá-las com a vassoura. Ele disse: “a mulher vem bêbada, mas eu fodo-a” e deu-lhe uma pancada na cabeça com a vassoura. Atirou com a vassoura e com as compras que trazia. Com o martelo que trazia, deu-lhe marteladas no braço, que partiu em dois sítios. O marido apercebeu-se e veio ter connosco e ele (o arguido) ao chegar o marido deu-lhe com o martelo na testa e entretanto empurrou-me e caí para o chão ao pé do muro. Ele não largou o martelo. A certa altura ouvi um barulho e depois outro barulho, e ouvi cair a pistola. Nessa altura, andávamos todos à porrada, mas não tínhamos por onde fugir.
Como flui da acta respectiva – de dia 12.05.2016 – foram ouvidas as declarações desta testemunha perante o JIC, sendo patentes a diferenças no que disse então, sobre vários aspectos: o que o ofendido tinha na mão, se o marido apontou a arma para o ar, que foram as pancadas no braço desferida pelo ofendido que fizeram com a arma se disparasse, por duas vezes, aqui claramente para secundar a versão que o marido ali apresentou também. Agora já diz que ouviu “uns barulhos”(?!), que não viu a arma. Enfim, a credibilidade deste depoimento é igual a zero. Aliás, o Ministério Público e bem requereu certidão para procedimento criminal, considerando as discrepâncias evidenciadas neste depoimento.
Carlos Martins, militar da GNR que ali acorreu logo apos os factos disse que o posto fica a cerca de 100 metros da casa do arguido (que tinha dito, que o posto fica “perto” de sua casa), facto que, por ter interesse para a decisão foi comunicado ao arguido (pois neste caso pese embora quele tenha dito que o posto fica “perto” de sua casa, o militar foi mais preciso, concretizando a distância em causa. Mais disse que estavam todos feridos (o arguido, a mulher e a vítima). Procedeu à apreensão da arma (e apenas da arma, porque ninguém mais referiu qualquer outro objecto com interesse).
Também HH ali compareceu apos os factos e referiu que quando ali chegou estavam todos no passeio; que o arguido tinha sangue na camisola, na cabeça e nos braços e vi o Sr EE que dizia “ele deu-me dois tiros e matou-me”, nem acreditei porque el caminhava e não vi sangue, ele tinha um berbequim na mão e levou-o para baixo e arrumou-o. Ele não estava nada bem e só dizia “ele matou-me”. Disse não ter visto qualquer martelo ou vassoura. Que quando chegou a GNR ele (o Sr EE) entregou a arma ao agente.
A assistente BB, viúva do falecido EE, num relato naturalmente emocional face à sua perda, disse não ter assistido aos factos. Quando ali chegou o marido já estava na ambulância. Relatou que o relacionamento entre a sua família e a do vizinho era “muito mau. Estávamos a ser cruxificados, ele estava sempre a ameaçar que nos matava, a nós e aos meus netos; fazendo gestos a simular uma arma a apontar para nós e dizendo “fodo-vos a todos”. Explicou que ele “queria ser dono de tudo. A passagem para a garagem era comum, mas eles queriam ser donos de tudo. A mulher estava sempre a chamar nomes. Eu dizia ao meu marido para ter cuidado, mas ele dizia sempre “deixa-os falar”, pois não queriam problemas e eles cada vez “trepavam mais”.
Assim, é incontroverso que foi o arguido quem desferiu os (três) disparos que atingiram EE na região cervical, na zona abdominal e no ombro, em consequência dos quais este sofreu as lesões dadas como provadas, que resultam dos elementos clínicos juntos aos autos e do relatório pericial. Assim, a matéria provada de 1. a 11.
Vejamos, agora, a dinâmica dos factos.
No que respeita à utilização do martelo e pau (usado para vassouras/esfregonas – vide fl.s 287) para perpetrar as agressões - veja-se o exame de fl.s 285 – a conclusão deste exame é que no pau não se detectam vestígios de sangue e no martelo verificou-se uma mistura de vestígios biológicos provenientes de mais de um indivíduo, sendo possível indicar o perfil do maior contribuidor com o qual há identidade de polimorfismos com a zaragatoa bucal recolhida ao arguido (sendo que foram recolhidas amostras também à mulher do arguido). Por outro lado, note-se que os vestígios hemáticos assinalados no dito martelo na fotografia de fl.s 286 são na parte do cabo desse instrumento e não na parte metálica do mesmo.
Além disso, como flui do auto de apreensão de fl.s 77 tais bens (um cabo de vassoura em madeira e um martelo de orelhas) apenas foram apreendidos no dia seguinte aos factos. Esta circunstância, conjugada com o depoimento da testemunha Aquilino (que, recorde-se, a propósito disse que a vitima recorreu tais objectos e colocou-os na garagem) extrai-se que tais objectos foram objecto de manipulação tendo-se quebrado a custódia do Estado sobre esses objectos, sujeitos assim a contaminação, que aliás decorreu também por força da refrega ocorrida entre os três intervenientes. Portanto, objectivamente, pouco pode ser retirado da análise de tais objectos, sendo inconclusiva, restando assim, o depoimento das testemunhas, conjugados com as regras da lógica e da experiência comum. E, da sua conjugação pode retirar-se que a probabilidade – segundo um juízo de normalidade – de ter sido usado um martelo pelo malogrado EE para atingir o arguido e sua mulher é muitíssimo reduzida, pois caso contrário as lesões produzidas teriam sido de gravidade muitíssimo superior às que efectivamente ocorreram, apesar do aparato das mesmas que se retira das fotografias juntas aos autos.
De facto, uma pancada desferida com um martelo (numa utilização normal, ou seja, pegando pelo cabo e desferindo a pancada com a parte metálica) na cabeça do arguido, na zona em foi (na zona frontal da cabeça, isto é, no lado esquerdo da testa) seguramente não lhe teria causado apenas uma cicatriz com 5 cm de comprimento, e pequenas feridas superficiais nos braços e mão, mas lesões muitíssimo mais graves, tal como, por exemplo um traumatismo craniano. Ora a lesão foi superficial, não sendo por isso, compatível com tal instrumento.
Mas foi com um instrumento contundente, isso é claro: tal como o cabo de uma vassoura - que foi o que as testemunham que presenciaram efectivamente viram: EE a desferir pancadas com a vassoura na mulher do arguido, ainda que tivesse na mão o martelo. Por este conjunto de razões, entendemos provado que a agressão foi perpetrada fazendo uso de uma vassoura – a vassoura que a mulher do arguido trazia e com a qual começou a desferir pancadas na obra que realizava EE, com o intuito de a destruir – o que resultou provado, assim se concretizando o objecto que constava da pronúncia como um objecto contundente de características não apuradas.
Do que vem de se dizer impõe concluir-se também que é certo e seguro que o arguido e sua mulher foram agredidos pela vítima. Não só tal conclusão resulta das declarações do arguido (que nesta parte mereceu crédito, porque conjugado com outros elementos de prova) como dos depoimentos das testemunhas inquiridas e acima referidas, conjugados com os exames médico-legais de fl.s 248 (relativos ao arguido) e respectivos elementos clínicos – a fl.s 1920 e ss e fotografias de fl.s 27-30, bem como dos elementos clínicos relativos a FF que fazem fl.s 1863 e ss (episódio de urgência) e exame médico-legal a fl.s 213 e ss, que fundam a prova dos factos elencados de 13. a 17º da matéria provada.
Finalmente, a versão apresentada pelo arguido no sentido da legítima defesa não colhe: desde logo porque ao contrário do que diz o arguido quem iniciou a contenda não foi a vítima, mas ele próprio e sua mulher. E não se diga que quem iniciou foi o vizinho, ao fazer a obra naquele local, pois está por demonstrar que não podia fazer. O arguido não queria que ele a fizesse, o que é bem diferente. Foi a mulher do arguido que se muniu de uma vassoura e começou a destruir o que o EE fazia. Por outro lado, circunstância determinante, é de sublinhar que o arguido, vendo EE realizar tal obra, que lhe desagradou, antes de sobre ela conversar com a vítima, mune-se de uma arma que vai buscar à garagem (que se saiba, não são precisas armas para conversar, a menos que a intenção fosse outra, como foi). Dito de outra forma, mesmo antes de existir qualquer tipo de agressão o arguido já tinha ido buscar a arma, o que afasta o animus defendi, antes abonando a favor do dolo homicida. E mais. Quem quer defender-se não atira para zonas do corpo potencialmente letais, como fez o arguido. E não desfere três tiros, mas utiliza apenas o meio necessário para repelir a agressão. E sendo o instrumento usado para tal agressão uma vassoura (e ainda que fosse um martelo, o que não resultou provado) uma arma sempre seria excessiva e desnecessária. Por outro lado, como resulta de fl.s 1908 e de fl.s 1915, a diferença de alturas entre ambos não é significativa, pois ao contrário do referido pelo arguido que se referiu à vítima como sendo pessoa possante, ao contrário da sua pessoa (o arguido mede 1,60m e a vítima apenas mais 5 cm: mede 1,65. Um nasceu em 1942 e o outro em 1946 (o arguido) que, portanto, era mais novo, com 68 anos sendo que a vítima então tinha 72 anos de idade. Além disso, existia superioridade numérica: de uma parte o arguido e a mulher e de outra a vítima. Finalmente, o posto da GNR fica nas imediações do local. Para significar que, em vez que disparar contra o vizinho, o que se lhe impunha era chamar as autoridades, bem perto da casa de ambos. Mas não. O arguido optou por desferir três tiros contra o vizinho. Ou seja, não logrou demonstra-se que o arguido tivesse agido em legítima defesa, matéria alegada em sede de contestação e que resultou, pelo exposto, não provada.
A matéria de facto atinente ao nexo de causalidade [prova do facto 12.] fundou-se, primacialmente, na perícia médico-legal e respectivo relatório a fl.s 2006 e ss do qual se extraem seguintes conclusões, em resposta aos quesitos formulados pelo tribunal (vide fl.s 1929-1930):
“Que lesões/efeitos/consequências é que os disparos de arma de fogo sofridos por EE produziram no seu corpo/saúde no período compreendido entre a data dos disparos (29 de Agosto de 2014) e a data do óbito (19 de Março de 2015)?
Em 29 de Agosto de 2014 a vítima terá sido alvo de agressão por arma de fogo, tendo sido atingida por 3 projécteis.
a. no ombro esquerdo, onde se identificou orifício de entrada e saída
b. na região cervical direita, não se identificando orifício de saída
c. na transição toraco-abdominal à direita, não se identificando orifício de saída. À chegada da VMER a vítima encontrava-se com Glasgow 14, hipotenso e em choque hipovolémico. Foi sedoanalgesiado, entubado, colocada sonda nasogástrica e estabilizado hemodinamicamente com recurso a fármacos vasoativos e fluidoterapia.
À chegada à Sala de Emergência da instituição hospitalar encontrava-se entubado, sob ventilação mecânica invasiva e saturação de O2 periférica de 95%, lesão cervical sem evidência de hemorragia ativa e com ligeira deformidade, hipotenso e ligeiramente taquicárdico. Hemoglobina à entrada de 9.39 g/dL.
Do estudo radiológico efetuado destaca-se:
a. na região cervical e torácica alta: enfisema subcutâneo e hematoma do músculo esternocleidomastoideu; projétil de arma de fogo alojado na gordura subcutânea da região dorsal direita; fratura do arco posterior da 1ª costela do hemtórax direito.
b. na região tóraco-abdominal: imagem sugestiva de hemopneumoperitoneu; hematoma intercavoaórtico, a sugerir o trajeto do projétil; 
c. região lombar: projétil de arma de fogo alojado no espaço intervertebral L3-L4, sem evidência de compromisso canalar. 
Foi submetido a laparotomia exploradora, onde se evidenciou: hemoperitoneu de cerca de 1L, com existência concomitante de coágulos sanguíneos; 5 lacerações de intestino delgado, 1 do bordo mesentérico do cólon transverso e 1 laceração do mesentérico, que foram rafiadas, sem evidência de lesão vascular major e sem compromisso vascular intestinal. Foi colocado um dreno abdominal à direita e durante o procedimento houve necessidade transfusional de 3 unidades de concentrado eritrocitário.
No pós-operatório foi admitido na UCIP com o diagnóstico de choque hemorrágico com disfunção multiorgânica (cardiovascular, respiratória, renal e hematológica), sedoanalgesiado. com necessidade de suporte com aminas vasoativas, sob ventilação mecânica invasiva, dreno abdominal com conteúdo hemático, sob antibioterapia.
No 1º dia de pós-operatório foi realizada observação por Ortopedia, que foi do parecer que a vítima não apresentava no momento da observação indicação cirúrgica para remoção do projétil alojado na coluna lombar, podendo contudo ser mobilizado em bloco. 
No 2º dia de pós-operatório inicia febre persistente que não cede à terapêutica antipirética. Foram colhidas uro- e hemoculturas (com isolamento de Enterobactereacea cloacae). Mantém diagnóstico de choque grave, com disfunção multiorgânica, más trocas gasosas, com agravamento das necessidades de suporte aminérgico, oligúrico, apesar de hipervolémico, com rabdomiólise (disfunção metabólica) e aumento dos marcadores inflamatórios de fase aguda. É reintervencionado em 01/09/2014 (4º dia pós-operatório), sendo identificada 2 perfurações na 3ª porção do duodeno, não identificadas na primeira abordagem, líquido livre intracelómico sero-biliar e sufusão biliar retroperitoneal exuberante. Foi realizada exclusão da 1ª porção do duodeno, rafia das lacerações duodenais, gastrojejunostomia e colecistectomia. Foram ainda colocados 3 drenos. Houve necessidade de transfusão de 2 unidades de plasma. Mantém-se em choque misto (séptico/distributivo) com disfunção multiorgânica, hemodinamicamente estável com suporte aminérgico, febril, hipervolémico, com hipernatrémia, secreções brônquicas mucopurulentas fluidas, com hiperglicemia mantida e padrão de citólise hepática. Iniciou nutrição parentérica. No 5º dia de internamento, inicia ritmo de Fibrilhação Auricular com Resposta Ventricular Rápida e aumento dos marcadores de isquémia miocárdica. Mantém febre sustentada. Agravamento do padrão de citólise, disfunção hematológica (bicitopénia), com necessidade de transfusão de plasma e pool de plaquetas, insuficiência renal e cardiovascular (má perfusão periférica, com isquémia digital da mão direita e instabilidade elétrica sob terapêutica com amiodarona e digoxina). 
Inicia terapêutica renal de substituição no 6º dia pós-operatório. 
No dia 8 de pós-operatório, inicia melhoria clínica, com melhoria da instabilidade hemodinâmica e dos marcadores de isquémia miocárdica, das funções respiratória e hepática, marcadores inflamatórios em decrescendo, apirexia mantida.
Por anemia multifatorial, necessidade transfusional de 1 Unidade de Glóbulos Rubros no 11º dia pósoperatório.
Mantém melhoria da função renal, com suspensão da terapêutica renal de substituição, função cardiovascular, respiratória (inicia desmame ventilatório progressivo) e metabólica, sem necessidade de sedação nocturna. Mantém necessidade transfusional periódica.
Após suspensão da sedação, realizada avaliação neurológica, com diagnóstico de tetraparésia (polineuromiopatia) do doente crítico, com força muscular grau 1/5 nos membros superiores e grau 2/5 nos membros inferiores e amiotrofia progressiva. É suspendida a nutrição parentérica e inicia progressivamente alimentação entérica, e posteriormente oral, com boa tolerância.
No 13º dia de pós-operatório, inicia quadro clinica-, analítica-, e imagiologicamente compatível com colangite (iatrogénica?), que melhora progressivamente. No 18º dia de pós-operatório inicia ventilação não invasiva, contudo, por insuficiência respiratória é entubado no dia seguinte, e realizada traqueostomia percutânea para ventilação. Inicia quadro febril. Diagnosticada disfunção eutiroideia (euthyroid sick syndrome), bem como derrame pleural esquerdo com atelectasia do parênquima pulmonar (neuromuscular?). É solicitada colaboração por Medicina Física e Reabilitação, contudo, sem indicação para iniciar tratamentos enquanto manter picos febris.
Durante o internamento apresenta múltiplos picos febris, sem evidência de foco infeccioso, mas com isolamento em hemoculturas e culturas de líquido peritoneal e biliar, ao 25º dia pós-operatório, de cocos gram+, bacilo gram- e enterobacteriacea (E. cloacae e. E. faecium), reiniciando antibioterapia. Diagnóstico de úlcera de pressão sacroccocígea. Inicia treinos de ventilação com peça em T, com períodos intermitentes de ventilação invasiva. Inicia quadro de síndrome depressivo.
Ao 29º dia de pós-operatório verifica-se agravamento clinico, com icterícia e diminuição do murmúrio vesicular à auscultação pulmonar, com posterior melhoria progressiva. Manutenção de picos febris.
Ao 34º dia de pós-operatório, com apirexia mantida, são retirados drenos abdominais. 
Ao 38º dia de pós-operatório, a tolerar ventilação espontânea com peça em T. 
Melhoria neuromuscular progressiva e transferência para o Serviço de Cirurgia ao 49º dia pós-operatório (17/10/2014) hemodinamicamente estável, com autonomia respiratória, apirético e a tolerar dieta oral.
Durante o internamento no Serviço de Cirurgia efectuados cuidados gerais de úlceras de pressão e traqueostomia, com observação por Otorrinolaringologia e Pneumologia, seguido e acompanhado por Medicina Física e Reabilitação, em programa de cinesioterapia respiratória. Teve alta a 10/12/2014 com Consulta externa de Ortopedia agendada para 07/01/2015 e com indicação para utilizar lombostato aquando do levante.
Admitido na Unidade de Cuidados Continuados Integrados da Santa Casa da Misericórdia de ... a 10/12/2014, onde manteve cuidados de úlceras de pressão, acompanhamento por Medicina Física e Reabilitação (com melhoria da mobilidade) e programa de cinesioterapia respiratória. A vítima mantém estado de amiotrofia grave (caquexia), apesar de acompanhamento nutricional e apresenta múltiplas intercorrências infeciosas. Não comunica verbalmente ou por escrito.
Recorreu ao Serviço de Urgência a 18/01/2015 por possível aspiração com dessaturação e alta a 19/01/2015 com o diagnóstico de saída de Pneumonia associada aos cuidados de saúde com atelectasia à direita.
Internamento no Serviço de Medicina Interna de 23/01/2015 por isolamento de Klebsiela pneumoniae e Staphilococcus aureus meticilina-resistente, tendo tido alta a 03/02/2015 após resposta favorável a antibioterapia e com os diagnósticos de Pneumonia associada aos cuidados de saúde, Escaras de decúbito e Anemia multifactorial.
Óbito certificado pelo médico assistente no dia 19/03/2015 pelas 18:15 devido a Pneumonia associada aos cuidados de saúde.
Assim, dos disparos de arma de fogo (3 projécteis) terão resultado as lesões traumáticas abdominais, vertebrais lombares, cervicais, dorsais e do ombro esquerdo atrás descritas. Estas lesões traumáticas terão sido complicadas de choque hemorrágico e séptico severos, com disfunção multiorgânica (cardiovascular, respiratória, metabólica, renal e hepática), bem como de polineuropatia do doente crítico e aletuamento prolongado que predispõe ao surgimento de úlceras de pressão e que motivaram as intervenções cirúrgicas, subsequentes internamentos e tratamentos médicos, nomeadamente a realização de traqueostomia, que em conjunto com outras complicações já anteriormente descritas aumentam a susceptibilidade a quadros infecciosos (respiratórios, entre outros).
2. Em que medida é que as mencionadas lesões/efeitos/consequências foram potenciadas/causadas umas pelas outras?
Os peritos médicos são do parecer de que as lesões/efeitos/consequências, tal como descrito anteriormente no Ponto 1., foram potenciadas/causadas umas pelas outras, existindo encadeamento clínico e cronológico entre as lesões iniciais (lesões traumáticas causadas por acção directa da energia cinética dos projécteis de arma de fogo) e as complicações subsequentes.
3. Se a morte sobrevinda de EE teve por causa alguma ou alguma dessas lesões/efeitos/consequências e quais? 
A morte sobrevinda de EE teve por causa uma Infecção Respiratória Associada aos Cuidados de Saúde, complicação expectável de um indivíduo aletuado (tetraplégico), com traqueostomia e anemia multifactorial, consequentes ao choque hemorrágico, internamento prolongado e tratamentos que advieram como consequência das lesões traumáticas por projéctil de arma de fogo.
4. Em que medida é que as mencionadas lesões/efeitos/consequências e/ou a assistência médica realizada com o objectivo de as tratar e/ou o respectivo internamento potenciaram/causaram o surgimento da pneumonia mencionada em a) no item “causa da morte” do certificado de óbito de fl.s 362?
O surgimento da referida pneumonia, como causa de morte, é uma complicação expectável do aletuamento prolongado (por tetraplégia potenciada por internamento prolongado em unidade de cuidados intensivos de doente crítico) e do procedimento de traqueostomia.
5. Se não tivesse ocorrido a assistência médica/tratamentos/internamentos os referidos disparos ter-lhe-iam causado a morte?
Os peritos médico-legais são do parecer de que as lesões traumáticas abdominais resultantes do disparo de projéctil de arma de fogo (tendo em conta a natureza das lesões, a sua localização e gravidade), atendendo a que se complicaram de choque hemorrágico e séptico graves, teriam causado a morte da vítima na ausência de intervenção médica atempada.”
Ora, o relatório – que consta a fl.s 2006-2007 dos autos - fala por si.
Das conclusões ali extraídas resulta cristalinamente que foram os três disparos desferidos pelo arguido no corpo de EE que lhe causaram as lesões descritas as quais foram causa directa e necessária da sua morte, pois inexistiu qualquer quebra no nexo causal entre o evento e a morte, pese embora o lapso temporal decorrido entre um e outro.
A este passo, ponderando os concretos contornos do caso, importa desenvolver esta questão.
Em primeiro lugar, importa sublinhar que o artigo 127° do CPP estabelece 3 tipos de critérios para avaliação da prova, com características e natureza completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra, também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente uma outra, eminentemente subjectiva, que resulta da livre convicção do julgador {citação do Ac. STJ de 18/91/2001, Proc, n° 3105/00-53; SASTJ, n° 47, 88).
Por outro lado, estatui o artigo 163º do mesmo Código que:
1 - O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.
2 - Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência.
A perícia é a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 3ª Edição, Editorial Verbo, 2002, pág. 197), cuja utilização é recomendada sempre que a investigação seja confrontada com obstáculos de apreensão ou de apreciação de factos não removíveis através dos procedimentos e meios de análise de que normalmente dispõe. No fundo, a prova pericial permite ao juiz suprir a sua falta de específicos conhecimentos científicos ou artísticos, auxiliando-o na apreensão realidades não directamente captáveis pelos sentidos.
Porém, como é sabido, a regra do artigo 163.º do CPP é compatível com a livre apreciação probatória, apenas se erigindo como norma que qualifica essa apreciação probatória, na medida em que permite ao juiz divergir com argumentos qualificados na área técnica, científica ou artística em causa, apenas lhe estando vedada uma livre apreciação com apelo a «regras de experiência comum», á sua convicção pessoal ou a qualquer outro critério que não o uso de conhecimentos e argumentos inerentes á área artística, técnica ou científica da perícia.
Ora, no caso decidendo, não só a perícia é clara como a convicção do tribunal vai no preciso sentido daquela: basta a leitura de toda a documentação clínica do falecido (vide vol. 3 dos autos) para ser perceber que desde o dia do seu internamento (29.08.2014, logo após os factos) até ao dia do seu falecimento (19.03.2015) EE nunca deixou de estar internado, tendo o seu estado de saúde degradado desde o evento criminoso até à sua morte.
Como se escreve no acórdão do STJ de 15.12.2011, proferido no processo n.º 549/08.7PVLSB.S1 (disponível no sítio dgsi.pt), que seguimos de perto, por tratar situação idêntica à ora em apreciação “o conceito de nexo causal não é jurídico, mas naturalístico. Determinar o resultado de um facto é operação que escapa ao mundo do direito, que se apoia em múltiplas provas, no seu exame crítico, nas regras da experiência comum, no “ id quod plerumque accidit “ e no raciocínio lógico-dedutivo do julgador, a partir dos factos apurados, para cuja aquisição pode, inclusive, recorrer-se à prova pericial, mas nessa circunstância, face ao teor do art.º 163.º n.º 1, do CPP, ficando comprimida, fortemente, a sua livre convicção, pois o juízo cientifico presume-se subtraído à sua livre apreciação e quando divirja do parecer dos peritos deve fundamentar tal divergência – n.º 2.
O legislador penal ao equiparar a acção adequada para produção de certo resultado à omissão da acção adequada a evitá-lo, no art.º 10.º nº 1, do CP, consagra a vigência da teoria da causalidade adequada, de que se lança mão para estabelecimento daquele nexo causal, que é um elemento referencial entre a conduta e o resultado, que une a conduta ao evento, enquanto modificação do mundo exterior.
A teoria da causalidade adequada, já desenvolvida nos fins do séc. XIX, por Bries, (cfr. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, I, 2.ª ed., pág. 744), comportando o sentido de que, causa é o antecedente potencialmente idóneo à produção de certo efeito jurídico, de interferência decisiva na produção do evento, para o que importa indagar se para um homem médio colocado nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar era previsível que resultasse tal ocorrência ou aquele comportamento em concreto.
É um juízo de prognose póstuma no sentido de previsão no momento em que já ocorreu o resultado. Causa é a circunstância mais próxima ao evento, de acordo com um critério de razoabilidade.
Para impor a alguém um certo resultado não basta que no caso concreto o facto tenha sido condição do dano, é imperativo que o facto seja causa adequada do dano, enquanto consequência normal, típica, provável, dele.
Desta teoria, com origem em Von Buri, 1860, se demarca a teoria da “ conditio sine qua non “ ou equivalência das condições para a qual surge como causa de um resultado toda a circunstância sem a qual se não produziria, teoria que vê militar contra ela o facto de não distinguir entre causas relevantes e irrelevantes, porque todas as circunstâncias são causa do resultado; todas condições se equivalem, e o âmbito naturalístico, não normativo, de que se mostra impregnado conduz a resultados inadmissíveis sobretudo no direito penal.
Roxin, defensor da teoria da imputação objectiva ou do risco ou da potenciação do risco sustenta que só é de imputar a responsabilidade ao agente que criou ou incrementou o risco juridicamente proibido e dele haja derivado resultado danoso.
Não há imputação quando o risco é consentido, permitido ou de escasso significado; sempre que o agente intervém no decurso do processo causal para limitar, minorar ou evitar a produção de um resultado lesivo, diminuindo o risco, não há imputação subjectiva do facto (cfr., no mesmo sentido os Profs. Figueiredo Dias e Costa Andrade, citados in Comentário do Código Penal, de Paulo Pinto de Albuquerque, pág. 80).
A teoria da causalidade adequada é a dominante; na nossa civilística, e apresenta uma dupla formulação: positiva e negativa; naquela o facto será causa adequada sempre que o resultado consista numa consequência normal, típica daquela; isto é sempre que, verificado o facto, se possa prever o dano como consequência natural ou efeito provável; à luz da formulação negativa, a adoptada no art.º 563 .º do CC, mais criteriosa, causa adequada é o facto que actuou como condição do dano, deixando de ser causa adequada sempre que para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excepcionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto – cfr . Acs. do STJ , de 15.1.2002 , CJ , STJ , Ano X, , I , 38 , 1.7.2003 , Rec.º n.º 1902 /03 -6.ª , ac. de 29.6.2004 , P.º O5B294 A. Varela , Obrigações , I , 921 e Pedro Gil , Omissão de Dever de Agir , Direito Civil .
O facto, nessa formulação negativa, desenvolvida por Enneccerus-Lehman, como condição do dano só deixa de ser sua causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para ocorrência do dano, provocado por via de condições excepcionais, anormais, extraordinárias -cfr., ainda, Ac. do STJ, de 23.11.2005, in P.º 1025/04.”
Ora, o arguido entende que o falecimento de EE teve como causa uma pneumonia e que vem mencionada num dos pontos designados como “causa da morte” do certificado de óbito de fl.s 362, sendo a sua conduta alheia àquele facto. E, de facto, tal pneumonia é a causa mais próxima da morte, como resulta daquele certificado de óbito.
Sucede que tal pneumonia não surgiu do nada, antes resultando de uma Infecção Respiratória Associada aos Cuidados de Saúde, os quais na raiz, foram originados pelos três tiros que desferiu na vítima que obrigou a tais tratamentos, o que não pode ser obliterado, como pretende o arguido.
Efectivamente, como se escreve no relatório pericial, a morte sobrevinda de EE teve por causa uma Infecção Respiratória Associada aos Cuidados de Saúde, complicação expectável de um indivíduo aletuado (tetraplégico), com traqueostomia e anemia multifactorial, consequentes ao choque hemorrágico, internamento prolongado e tratamentos que advieram como consequência das lesões traumáticas por projéctil de arma de fogo.
Do certificado de óbito já aludido (no caso, não foi realizada autópsia médico-legal) consta o seguinte no item causa da morte:
a) Pneumonia associada a cuidados de saúde
b) Tetraplagia traumática;
c) Agressão por arma de fogo
Basta olhar para os três itens inscritos no certificado de óbito para estabelecer uma conexão entre as causas apontadas e olhar no prisma inverso ao pretendido pelo arguido – da alínea c) para a a) para compreender os factos no seu conjunto e concluir pelo nexo causal entre eles.
Existe uma sequência de eventos, intimamente relacionados entre si, sequenciais sem quaisquer intercorrências (não podendo a infecção hospitalar ser considerada uma intercorrência, como veremos) e que conduziram ao resultado morte.
Explicando um pouco melhor.
A vítima sofreu agressão com arma de fogo, tendo sido atingida por três projécteis: no ombro esquerdo, na região cervical direita e na transição toraco-abdominal, à direita. No dia da agressão – em 29 de Agosto de 2014 - foi submetido a intervenção cirúrgica, sendo reintervencionado ao 4º dia de internamento. É-lhe diagnosticada tetraparésia do doente crítico. Por insuficiência respiratória é realizada traqueostomia para ventilação. Apresenta picos febris durante todo o internamento. Ao 29º dia de pós-operatório, verifica-se agravamento clínico. Em 10.12.2014 teve alta do serviço de cirurgia – note-se que alta não significa a consolidação das lesões pois consolidação e cura não são conceitos coincidentes – e tanto assim que saído do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes ingressa nesse mesmo dia numa Unidade de Cuidados Continuados, mantendo um estado de amiotrofia grave e apresentando múltiplas intercorrências infecciosas. Não comunica nem verbalmente nem por escrito. Recorreu de novo ao serviço de urgência em 18 de Janeiro de 2015, tendo ficado internado no serviço de Medicina Interna, com diagnóstico de pneumonia associada aos cuidados de saúde, escaras de decúbito e anemia multifactorial. Tem alta daquele serviço em 03.02.2015 após resposta favorável a antibioterapia e regressa à Unidade de Cuidados Continuados, onde falece em 19 de Março de 2015, de pneumonia, como vimos.
Assim, como se escreve no relatório pericial, dos disparos de arma de fogo (3 projécteis) terão resultado as lesões traumáticas abdominais, vertebrais lombares, cervicais, dorsais e do ombro esquerdo atrás descritas. Estas lesões traumáticas terão sido complicadas de choque hemorrágico e séptico severos, com disfunção multiorgânica (cardiovascular, respiratória, metabólica, renal e hepática), bem como de polineuropatia do doente crítico e aletuamento prolongado que predispõe ao surgimento de úlceras de pressão e que motivaram as intervenções cirúrgicas, subsequentes internamentos e tratamentos médicos, nomeadamente a realização de traqueostomia, que em conjunto com outras complicações já anteriormente descritas aumentam a susceptibilidade a quadros infecciosos (respiratórios, entre outros).
E, os peritos médicos são do parecer de que as lesões/efeitos/consequências, tal como descrito anteriormente, foram potenciadas/causadas umas pelas outras, existindo encadeamento clínico e cronológico entre as lesões iniciais (lesões traumáticas causadas por acção directa da energia cinética dos projécteis de arma de fogo) e as complicações subsequentes.
E concluem os senhores peritos que a morte sobrevinda de EE teve por causa uma Infecção Respiratória Associada aos Cuidados de Saúde, complicação expectável de um indivíduo aletuado (tetraplégico), com traqueostomia e anemia multifactorial, consequentes ao choque hemorrágico, internamento prolongado e tratamentos que advieram como consequência das lesões traumáticas por projéctil de arma de fogo, sendo certo que, se não tivesse sido socorrido, tais lesões, considerando a sua natureza, a sua localização e gravidade, ter-lhe-iam causado a morte.
Em síntese, à luz do juízo pericial enunciado as lesões causadas pelos disparos desencadearam a necessidade de traqueostomia e anemia multifactorial, consequentes ao choque hemorrágico, internamento prolongado e tratamentos que advieram como consequência das lesões traumáticas por projéctil de arma de fogo levaram à pneumonia que, por sua vez, conduziu à sua morte, num desencadear de efeitos, uns directos e imediatos outros mediatos, concausas que a prazo considerados em conjunto, causaram a morte, sem que se possa considerar interrompido o nexo causal. Destarte, a morte evidencia-se como efeito directo e necessário da conduta do arguido, como uma sua consequência típica num processo causal sem quaisquer corte de coerência, sendo congruentes o facto e o dano produzido.
Em esquema, ultrapassando a análise de um ponto de vista meramente naturalístico, e no âmbito da teoria da adequação (que é a que acolhida pelo artigo 10º, n.º 1 do CP) dir-se-á que existe uma imputação objectiva quando segundo as regras da experiência comum aquela acção é adequada a produzir aquele resultado. As regras da experiência comum comportam duas vertentes: por um lado, o saber empírico conjugado com as regras de experiência, por outro, a probabilidade, ou seja, uma causa é adequada quando seja provável que aquela acção conduziu aquele resultado. “A previsibilidade da consequência deve ser aferida de acordo com um juízo de prognose póstumo, colocando-se o aplicador no momento histórico da conduta do agente” (Paulo Pinto de Albuquerque, in Código Penal Anotado, p. 69), e revertendo ao caso: três tiros desferidos a menos de 2 metros de distância no ombro, no pescoço e no abdómen, zonas que contêm órgãos vitais, segundo as regras da experiência comum e da probabilidade são adequados a produzir o resultado morte.
Ainda que analisada a situação na perspectiva da já acima falada teoria do risco, a conclusão seria a mesma pois a conduta do agente que cria ou potencia o perigo (o risco proibido) sobre a vítima, vindo esse risco a materializar-se no resultado, deve conduzir à imputação do resultado. De facto, o risco gerado para a vida pela conduta inicial do arguido tinha capacidade per si para um segundo itinerário causal em interrelacionação com o primeiro.
A prova dos factos atinentes ao dolo do arguido plasmados nos pontos 18. a 20. da matéria de facto provada fez-se a partir da análise do conjunto da prova produzida, em confronto com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, em face da actuação desenvolvida pelo arguido e das circunstâncias em que agiu. Com efeito, tratando-se aqueles de elementos de índole subjectiva, que pertencem ao foro íntimo do sujeito, o seu apuramento ter-se-á de apreender do contexto da acção desenvolvida, cabendo ao julgador - socorrendo-se, nomeadamente, das regras da experiência comum da vida, daquilo que constituiu o princípio da normalidade - retirar desse contexto a intenção por ele revelada e a si subjacente. Foi esta operação que o Tribunal realizou, como acima já melhor se concretizou.
Os factos relativos às condições de vida do arguido demais factualidade exarada a propósito das suas condições sócio-económicas, provaram-se a partir do teor do relatório social inserto a fls. 1672 e ss dos autos.
Por último, a ausência de antecedentes criminais do arguido mostra-se certificada a fls. 1539 dos autos.
Já no concerne aos pedidos civis formulados, a prova dos factos dados como provados resultou, desde logo, da análise dos documentos juntos aos autos a fl.s 1414 a 1451 (facturas das despesas do internamento do falecido EE na Unidade de Cuidados Continuados da Santa Casa da Misericórdia, no BV de ..., nas certidões do registo predial dos imóveis registados a favor do arguido, que foram objecto de transmissão, por doação, em 08.05.2015, como flui da respectiva apresentação, na sentença de regulação das responsabilidades parentais.
Não se demonstrou que EE fosse incapaz de agredir quem quer que seja, pois tal asserção resulta excluída da matéria provada, pois no contexto em causa, efectivamente agrediu.
Do mesmo modo, a respeito da intenção do arguido ao doar os imóveis referidos nenhuma prova foi produzida a respeito, pelo que nesta parte a matéria de facto alegada no pedido de indemnização civil resultou não provada. Porém, da factura emitida pelo Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro que comprova as despesas em tratamentos, internamento e exames, no valor de 10 503,77€ resulta, precisamente, que a mesma não está paga (não se trata de recibo de quitação, mas de factura), cujo preciso valor, de resto, vem peticionado pelo Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, juntando, precisamente essa mesma factura.
Portanto, não pode dar-se como provado que tal valor foi liquidado pelos demandantes, mas que está por pagar ao hospital, que o peticiona, havendo neste preciso ponto duplicação de pedidos. [factos não provados de c] a e)].
Ainda, nos depoimentos das testemunhas inquiridas a respeito: o filho da vítima, CC que relatou o relacionamento entre os pais e o arguido, em síntese dizendo que estes eram maltratados pelos vizinhos e o sentimento de medo que têm. Relatou ainda as condições de vida dos pais e que estes tomavam conta dos netos e que, todos sentem a falta de seu pai, pessoa muito querida e respeitada no .... Também as testemunhas JR, CG, MAR, JP, MHG, MTC e AG disseram, em suma, que o falecido era muito boa pessoa, educado, trabalhador e honesto, relatando as grandes dificuldades da família em superar esta situação, de resto, perfeitamente naturais e compreensíveis em face dos contornos da situação e do prolongado internamento de EE, a que assistiram seus familiares, com grande sofrimento, o qual o tempo pode mitigar, mas não ultrapassar.
Finalmente, as testemunhas indicadas na contestação: TP disse que o arguido esteve sempre ligado ao futebol e ao rancho folclórico; ST, AR e JP disseram que o arguido era amigo e trabalhador. Um deles (a testemunha AR) disse que não era pessoa quezilenta, no que não logrou convencer, pois do conjunto da prova produzida resultou o inverso. Ainda, no mesmo sentido, sem convencer, o depoimento de ALP, que conheceu o arguido na tropa, há 45 anos e convive com ele nos almoços dos Ex-combatentes, disse que o arguido não era pessoa agressiva.
Não pode o tribunal pronunciar-se sobre factos conclusivos ou juízo de valor, pelo que se não responde ao alegado, designadamente, no sentido de o arguido ser um “cidadão exemplar”, um “distinto militar”, cumpridor e rigoroso” ou de ter agido “sem dó nem piedade”, tudo adjectivação irrespondível.»
O tribunal recorrido deixou anteposta a seguinte “Questão Prévia” (sic):
O ponto III. da parte dispositiva do acórdão tem a seguinte redacção:
- Condenar o arguido/demandado AA a pagar aos demandantes BB, CC e DD, a quantia de 100.766,26 (cem mil setecentos e sessenta e seis euros e vinte e seis cêntimos) a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos sobre a quantia de € 766,26 (arbitrada por danos patrimoniais), desde a notificação do arguido/demandado, para contestar o pedido cível e de juros de vincendos sobre a totalidade do capital, a partir da presente data, até efectivo e integral pagamento, absolvendo o demais peticionado;
A referência aos juros vincendos sobre a totalidade do capital desde a data do acórdão, enferma de manifesto erro de escrita, já que, de acordo com o que ficou explanado em sede de fundamentação de direito, designadamente na parte que o acórdão recorrido dedicou aos pedidos de indemnização civil, ao montante global de € 100.766,26 acrescem juros de mora, à taxa legal, contados:
1º - Relativamente à parte da indemnização atribuída, a título de danos patrimoniais, no valor de € 766,26, desde a data notificação do arguido/demandado, para contestar o pedido cível;
2º - Sobre o montante arbitrado a título de indemnização por danos não patrimoniais, mostrando-se actualizado o respectivo valor, a partir da presente data (cfr. artº. 566º, nº. 2 do C. Civil e Ac. do STJ, de Uniformização de Jurisprudência, nº. 4/2002, publicado no DR I Série-A, de 27/06/2002, pág. 5057 e segs.), em ambos os casos até integral pagamento (cfr. 3043).
Assim, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, nºs 1, b) e 2 do Código de Processo Penal, importa corrigir o erro verificado pelo que o ponto III. da parte dispositiva do acórdão passará a ter a seguinte redacção:
- Condenar o arguido/demandado AA a pagar aos demandantes BB, CC e DD, a quantia de 100.766,26 (cem mil setecentos e sessenta e seis euros e vinte e seis cêntimos) a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos sobre a quantia de € 766,26 (arbitrada por danos patrimoniais), desde a notificação do arguido/demandado, para contestar o pedido cível e de juros vincendos sobre a quantia de € 100.000,00 (arbitrada por danos não patrimoniais), a partir da presente data, até efectivo e integral pagamento, absolvendo o demais peticionado.
II.B. – DE DIREITO.
II.B.1). – INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA e CONTRADIÇÃO INSANÁVEL NA FUNDAMENTAÇÃO (DA MATÉRIA DE FACTO) – al. a) do nº 2 do artigo 410º do Código Processo Penal.
Na óptica do distinto Magistrado do Ministério junto deste Supremo Tribunal de Justiça, a decisão padece de vício de nulidade por não conter todos os elementos de facto que deveriam ter sido perquiridos pelo tribunal para um adequado e cônscio ajuizamento do caso que lhe coube em apreciação.
Em sinopse apertada a carência de elementos de facto para uma abasta e precípua decisão do caso embasaria em i) o tribunal não ter procedido a uma exaustiva e proficiente enunciação de (sic) “todo o circunstancialismo que precedeu, acompanhou e se seguiu aos factos que levaram à morte da vítima, única forma de conferir a devida consistência à prova obtida nas aludidas condições”; ii) não ter perquirido (sic) “quem efetivamente iniciou a contenda e a agressão, averiguando se o local da realização das obras era em propriedade comum, propriedade do arguido e esposa ou propriedade da vítima”; iii) ter-se aliviado de indagar quem iniciou a querela, pois (sic) “o tribunal diz uma vez que quem iniciou a contenda foi o arguido e a mulher, diz em outra que quem a iniciou foi a mulher. Ou seja, não apenas se demitiu de apurar um facto essencial, afastando-se da procura da verdade material, como faz diferentes interpretações sobre essa parte da matéria de facto, fazendo ainda valer em desfavor do arguido essa indeterminação factual, como se sobre ele incidisse o ónus de fazer prova do facto que importava apurar”; iv) ter esgrimido com razões motivadoras e fundantes da convicção estranhas à factualidade que foi dada como adquirida na matéria de facto provada (“o tribunal [deu] como provado que depois de também ter trocado algumas palavras com o arguido, sobre a mesma obra, FF pegou numa vassoura que se encontrava nas imediações e, munida com tal objecto, começou a desferir várias pancadas num suporte que EE tinha colocado na parede, com a finalidade de o destruir. Porém, na apreciação da prova o colectivo vai para além disso considerando “(…) entendemos provado que a agressão foi perpetrada fazendo uso de uma vassoura – a vassoura que a mulher do arguido trazia e com a qual começou a desferir pancadas na obra que realizava EE (…)”. Deste texto decorre claramente a ideia que foi a mulher do arguido que levou a vassoura para o local da contenda, o que vai para além do que consta da matéria de facto”); v) no mesmo eito o tribunal deu como provado que o EE agrediu a FF com uma vassoura quando do depoiemtno das testemunhas e da prova pericial consta terem sido utilizados na agressão uma vassoura e um martelo (“o colectivo considera incompatível aquilo que os peritos tratam como compatível, afrontando o juízo pericial com apelo àquilo que o próprio coletivo considera serem as consequências de “uma pancada desferida com um martelo (numa utilização normal, ou seja, pegando pelo cabo e desferindo a pancada com a parte metálica)” como se os factos tivessem ocorrido num laboratório e não numa contenda entre vizinhos, retirando conclusões para uma situação real com base numa factualidade hipotética”); vi) nem curou o tribunal (sic) “de saber como é que a vassoura passou das mãos da mulher do arguido para as mãos da vítima nem curou de averiguar se antes disso tinha efetivamente o martelo na sua posse. O martelo pura e simplesmente desapareceu do elenco da matéria de facto.)”; vii) ser de importância para compreensão da dinâmica do enredo activo em que envolveram os protagonistas (sic) (“saber o que concretamente significou municiar a arma, dando resposta clara a essa questão. Acresce que os factos aqui dados como provados ocorreram já quando decorria a agressão e não a discussão.”); viii) ter o tribunal confundido, por carência de profundidade analítica e epistémica “lesões” com “consequências das lesões” sofridas pelo arguido e pela esposa (“A omissão destes elementos da matéria de facto prejudica objetivamente a compreensão do que efetivamente aconteceu. Desde logo permitiria apurar, se necessário com a opinião de peritos, se as agressões com uma vassoura normalmente provocam ferimentos cortantes e feridas incisas mais profundas ou se estas serão mais compatíveis com a utilização de um martelo. 
Situando-se as agressões num contexto complexo que pode apontar para uma situação hipotética de legítima defesa, o aparato das fotografias juntas aos autos, como refere o tribunal coletivo na sua motivação, ajuda a compreender a reação dos envolvidos. Se é certo que meras cicatrizes ou feridas lavadas e suturadas atenuam ou afastam o aparato, numa situação como a dos autos, as pessoas reagem perante aquilo que vêm, perante o aparato. Ora da leitura dos factos provados não se extrai, por exemplo, que a mulher do arguido sofreu uma fratura no braço esquerdo, que lhe provocou imobilização com gesso. A indicação das lesões sofridas poderia certamente ajudar a esclarecer o motivo pelo qual o arguido não abandonou a mulher para se deslocar ao Posto da GNR do ... fica a cerca de 100 metros da morada referida em 1, ou seja, do local onde ocorreram os distúrbios, para depois considerar que “ (…) em vez de disparar contra o vizinho, o que se lhe impunha era chamar as autoridades”. Esta afirmação prende-se com o minimizar das agressões sofridas pelo arguido e pela esposa. Um retrato mais nítido das agressões sofridas poderia ajudar a esclarecer as razões pelas quais o arguido não abandonou o local para chamar as autoridades.”; ix) não terem sido levadas à decisão de facto as condições pessoais, sociais e familiares com que o tribunal se cevou para dar como exigente um quadro de premente “prevenção especial”; x) ter dado como não provado a verificação de um excludente da ilicitude (legitima defesa), descartando de forma dirimente que (sic): “as agressões sofridas pelo arguido e sua esposa tivessem sido totalmente indiferentes para a decisão do arguido de utilizar a arma disparando contra a vítima. Todavia, essa não é a leitura mais óbvia da resposta acima referida, da qual parece resultar que o arguido agiu em defesa da integridade física da sua esposa e da própria, mas não apenas.”); xi) ter o tribunal asseverado na motivação situações factuais e conclusões que deveriam figurar na decisão defacto (“segundo o tribunal, o arguido foi buscar a arma porque a obra lhe desagradou (na matéria de facto terá sido porque considerava que o vizinho a não podia fazer). Por simples desagrado a sua acção torna-se ainda mais censurável. E a forma de resolver definitivamente o problema era… resulta implicitamente do texto, liquidar o vizinho. Ou seja, foi buscar a arma com o propósito firme de matar a vítima.
Devia ser levado à matéria de facto a questão de saber qual o intuito com que o arguido foi buscar a arma, se para fazer a sua limpeza [[15]], se com o intuito de resolver definitivamente o problema, esclarecendo devidamente o significado da expressão sublinhada.
Outros factos resultaram da audiência, como se depreende da leitura do acórdão, que deveriam ser levados á matéria de facto, designadamente:
- Se a vítima teve ou não o martelo na sua posse; - Como se apoderou da vassoura; - Se o arguido foi buscar a arma para a limpar; - Como foi municiada a arma; - O facto de, embora armado, ter sofrido, bem como a mulher agressões por parte da vítima e só depois ter sacado da arma; - A circunstância de ter largado a arma depois dos três disparos; - A circunstância de a vítima mesmo após os disparos não aparentar ter sido mortalmente atingida; - E de continuar a agredir a esposa do arguido.
- O facto de o arguido ter largado a arma que ainda estaria municiada (tribunal declarou perdidas a favor do Estado as munições); - Quantas munições havia ainda no carregador.
Seria ainda de repor a averiguação do uso ou não do martelo nas agressões praticadas pelo arguido, atenta a divergência das respostas entre a posição do tribunal e o juízo pericial.
A partir dos resultados poderia até sugerir uma diferente dinâmica dos factos:
Será que o arguido foi buscar a arma com mero propósito de intimidação, atenta a expectável discussão que iria ter com o vizinho? Que por isso mesmo não levava a arma municiada? Que pela mesma razão só puxou da arma após diversas agressões de que ele próprio e a esposa foram vítimas? Que não continuou a disparar a arma, apesar da continuidade da agressão, porque os disparos que efectuou o ajudaram a recuperar o controlo emocional? Porque se arrependeu? Porque entrou em pânico?
Só o esclarecimento de todas as citadas questões, a serem levadas à matéria de facto, permitirá a nosso ver ultrapassar as tremendas dúvidas e enorme desconforto que a leitura do acórdão recorrido suscita, as quais resultam também de uma investigação manifestamente deficiente, designadamente no que respeita à preservação de elementos de prova existentes no local dos factos, realização tardia de exames das lesões sofridas pelo arguido e esposa, omissão da realização de autópsia, etc., o que exigiria acrescido empenho do tribunal no esclarecimento dos factos.”).
A lei, no capítulo atinente ao modo de tramitação dos recursos, notadamente no que concerne aos fundamentos que podem ser alinhados para a sua cognoscibilidade, inculca o dever de o tribunal de recurso “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição […] a matéria de direito” e “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, tome conhecimento dos vícios plasmados e emergentes do teor decisório i) quando se verifique que ocorre uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; ii) que se ateste uma contradição insanável da, ou na, fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; iii) ou se evidencie um erro notório da, ou na, apreciação da prova – artigo 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) do Código Processo Penal.    
A lei consagra, no artigo 410º, nº 2 do Código Processo Penal, um remédio endosistémico de sanação de incorrecções, quebras, hiatos, desconexões e incongruências de razoamento lógico-argumentativos e de inteireza conviccional interna da decisão judicial que dita um veredicto sobre um caso sujeito à sua apreciação jurisdicional. Trata-se de uma imposição e/ou cogente postura cognoscitiva que o ordenamento jusprocessual comina ao tribunal de recurso como modo de impedir que se forme e constitua um julgado em que a congruência de raciocínio e a constância do proceder razoável do juízo que transparece e emerge da texto da decisão não desborde para o destinatário como uma peça desquiciada e desformatada da realidade e da experiência comum. [[16]]
Não se trata, em nosso juízo, e em rigor e de forma literal, de uma «revista alargada» da decisão da matéria de facto – desde logo porque não se poderá configurar o vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão como uma reanálise da matéria de facto – mas de uma sindicância da congruência endógena do texto decisório, na sua completude lógico-racional e argumentativa e em se atesta e coonesta a validade dos factores aquisitivos e cognoscentes que formaram e substanciaram o percurso conviccional do tribunal. [[17]
Os fundamentos de recurso alinhados no nº 2 do artigo 410º, do Código Processo Penal, perfilam-se, em nosso juízo, como desvios, incongruências ou patologias advenientes de uma estreme e proficiente coesão lógico-racional da versão expressa e glosada do ajuizamento efectuado pelo tribunal. A contextualização interna e a sua estrutura discursiva  aparecem aos olhos dos destinatários como factores de perturbação e e coesão racional pela discrepância formativa do razoar lógico na confrontação com a experiência comum e adquirida do ser histórico-social. [[18]]
Em breve e apertada síntese “A máxima de experiência é uma regra de comportamento que exprime aquilo que acontece na maior parte dos casos (id quod plerumque accidit); mais precisamente, essa é uma regra que é dedutível de casos similares ao facto anotado. A experiência pode permitir formular um juízo de relação entre factos; ocorre essa relação quando se deduz que uma categoria de factos se acompanha de outra determinada categoria de factos. Raciocina-se com base neste princípio: “em casos similares, ocorre um idêntico comportamento”. Este razoamento permite conferir/verificar a existência de um facto histórico obviamente não com certeza, mas com uma probabilidade mais ou menos ampla.
A máxima de experiência é uma regra, e por isso não pertence ao mundo dos factos; daí, por isso, um juízo de probabilidade e não de certeza. Todavia não existe outra possibilidade de verificação/apuramento, quando não seja disponível uma válida prova representativa.
Importa sublinhar que a prova representativa e o indício diferem não pelo objecto a provar, mas sim pela estrutura do procedimento lógico. O objecto a provar pode ser um facto principal (fatto di reato), ou facto secundário (uma outra circunstância indiciante). Esta última, de facto, pode ser provada seja mediante uma prova representativa, seja uma prova crítica.” [[19]]      
Quanto ao que há-de ser entendido como máxima de experiência, seja-nos permitida uma citação do autor italiano Paolo Tonini, in “Prova Penale”, CEDAM, 2000, Verona, p. 35, “La massima di esperianza é una regola di comportamento che esprime quello che avviene nella maggior parte dei casi (id quod plerumque accidit); piú precisamente, essa é una regola che è ricavabile da casi simili”. Ainda segundo este autor, e tendo presente a doutrina da Corte di Cassazione “a diferença entre (tra) máxima de experiência e mera conjectura reside no facto que no primeiro caso o dado é já dado (stato), ou ainda assim vem submetido a verificação empírica e portanto (quindi) a máxima pode ser formulada sobre a provisão (scorta) do id quod plerumque accidit, enquanto que (mentre) no segundo caso tal verificação não está adquirida, nem o poderá ser, e por isso queda afiançada a um cálculo de possibilidade, do passo que (sicchè) a máxima permanece insusceptível de verificação empírica e portanto de demonstração” (tradução nossa).
Na consolidação de um juízo valorativo, «o juiz, em primeiro lugar, apura se aconteceu o facto histórico que foi imputado ao arguido e se este é responsável; em segundo lugar interpreta a norma incriminatória a fim de dela extrair qual o facto típico; finalmente, valora se o facto histórico, que foi apurado (ou verificado) está conforme ao facto típico previsto na lei. Numa síntese extrema, a decisão é definida como um “silogismo”: o facto histórico reconstruído mediante a prova, constitui a premissa menor; a norma penal incriminatória constitui-se como a premissa maior; a conclusão consiste em avaliar se o facto histórico preenche a norma incriminatória».
Para que o “accertamento del fatto storico” […] seja racional, deve ter as seguintes características: 1) deve estar baseado na prova; 2) deve ser objectivo; 3) deve estar baseado sobre os princípios da lógica.
1) “Provare” quer dizer, substancialmente, induzir no juiz o convencimento que o facto aconteceu de um determinado modo. Tal facto deve ser “representado” ao juiz mediante outros factos. A prova é, por isso, aquele procedimento lógico com base no qual de um facto se deduz a existência do facto histórico a provar e o modo como se verificou».
2) A segunda característica é consequência da primeira. A imputação, para que seja ”objectiva”, não deve fundar-se no conhecimento privado do juiz, mas sim em elementos externos, isto é, a prova. O grau máximo da objectividade adquire-se quando o juiz se encontra numa situação de plena “terzietà” (de terceiro), para além do tipo psíquico, com respeito à prova. Isto só acontece quando são as partes a procurar a prova, a pedir a sua admissão, e assumindo-a colocando as perguntas ás testemunhas e aos outro sujeitos processuais que prestam declarações […]. Se fosse atribuído ao juiz o poder de colocar as provas e dispor as perguntas, ele de forma inconsciente tenderia a escolher a tese da acusação ou da defesa.
3) A verificação (ou comprovação) deve ser “lógico”, isto é, baseado em princípios de razoabilidade que regulam o conhecimento. A assumpção das provas deve permitir ao juiz avaliar a credibilidade daqueles que prestam declarações a atendibilidade dos elementos que oferece. O resultado da prova deve ser posto em confronto cm os resultados de outras provas. Se aí existe uma contradição, esta deve ser resolvida. Finalmente. O juiz deve reportar na motivação o percurso lógico que seguiu na reconstrução do facto histórico. Somente através da motivação será possível controlar o operado». [[20]]
Na operação de razoamento lógico em que flui a aquisição do convencimento do juiz de que um facto, ou complexo de factos, histórico que lhe é submetido a apreciação se passou ou ocorreu de uma determinada maneira, deve o juiz socorrer-se de todo o séquito de material probatório que lhe é apresentado pelos sujeitos processuais, desbravando e joeirando as aportações testemunhais ou trazidas por outros elementos de prova por forma a obter um núcleo infrangível donde possa dessumir a existência ou não do proceder ilícito em que se substanciou a acusação. Não deixa o juiz de trazer ao espectro representativo e significante da realidade factual que lhe está submetida a julgamento todo o feixe de experiências modais e vivenciais em que se desenvolve o proceder humano em situações similares, desbordando, naturalmente, de qualquer especulação ou elucubração sacada do seu conhecimento privado ou do seu intimo conhecer e conceber a realidade histórica e social em que lhe é dado viver.
Nesta reconstrução lógico-histórica da realidade factual, o juiz haverá de socorrer-se de todo o tipo de operações que enformam o raciocínio dedutivo, aqui incluídas presunções naturais. […] «As presunções são imprescindíveis para realizar a maior parte dos raciocínios e, desde logo, para valorar a maior parte das provas praticadas em qualquer juízo e extrair delas as consequências probatórias que devam proceder. Pode-se definir presunção «dizendo que é a prova de um facto de índole probatória dificultosa por inexistência de prova ou por não ser convincente, mediante a prova de outro ou de outros factos conectados logicamente com aquele, segundo critérios de experiência, e não contraditados por outras provas, de maneira que a prova deste ou de outros factos implica a prova de aquele outro facto» [[21]].        
Michele Taruffo aporta uma cópia de questões à validade da prova com recurso às máximas de experiência, questionando “que a experiência comum seja apta a construir indutivamente generalizações datadas de uma forma lógica e de um conteúdo cognoscitivo praticamente equiparável, ao menos, ao das leis científicas ou quase gerais.”       
Refere este autor que a resolução adequada das dúvidas que se possam suscitar acerca das máximas de experiência deve tomar em consideração que as máximas de experiência não são mais do que a tradução de leis científicas de carácter geral nos termos do sentido comum e da cultura média. “Nestes casos, com a condição e que a vulgarização da lei científica não haja traído o seu significado originário, pode-se equiparar a máxima de experiência comum à lei científica e utilizá-la como lei de cobertura da inferência causal. Noutros casos, a máxima de experiência comum expressa em linguagem comum frequências estatísticas de um grau muito elevado: assim, a máxima corresponde com generalizações empíricas de um alto grau de probabilidade.” [[22]]      
Para este autor, o juiz encontra-se numa situação diferente das partes e a “narração que o juiz constrói pode entender-se como um conjunto ordenado de enunciados, donde um factor importante de ordem o constitui na distribuição destes anunciados em quatro níveis distintos:
- Num primeiro estão os enunciados que descrevem os factos principais. Trata-se dos enunciados que se referem a cada uma das circunstâncias (quer dizer dos particulares) cuja combinação constitui a narração do facto principal.
- Num segundo nível estão os enunciados que descrevem factos secundários. Este aspecto da narração do juiz é só eventual: não existe, com efeito, quando não há factos secundários dos que podem extrair inferências relativas à verdade ou falsidade de enunciados sobre factos principais;
- Num terceiro nível da narração do juiz compreende os enunciados que resultam de provas praticadas em juízo: trata-se, por exemplo das declarações prestadas pelas testemunhas, ou das afirmações contidas num documento ou num laudo pericial;
- Num quarto nível, cuja presença é em princípio eventual, ainda que de facto frequente, compreende as circunstâncias das que se podem extrair inferências relativas à credibilidade ou à fiabilidade dos enunciados que estão no terceiro nível.” [[23]]     
A infracção ou menoscabo das regras de experiência constituem-se, assim, o referencial de que a entidade competente arranca para aferir e comprovar a congruência e a impérvia da plenitude factual e da razoabilidade do pendor discursivo e explicativo do tribunal relativamente à captação da realidade histórico-factual em que se embasou para formar a sua convicção e a coerência lógica com que cerze a tessitura que dá forma a essa convicção.
Resumidamente os desvios de razoamento assumem a forma de erro notório, ou seja  num desvio interpretativo de uma dada situação de facto que se apresenta à leitura lógico-racional do individuo, aqui consideradas as envolventes sociais, históricas, pessoais, económicas e/ou outras, a decisão que labore em erro notório há-de expressar esse desvio interpretativo, como evidente e detectável a uma análise perfunctória, de feição intuitivo-racional, do caso em que ele se manifesta ou patenteia. O erro notório torna-se, assim, numa calamidade interpretativa à luz dos princípios da razão histórica e do padrão cognoscente prevalente e socialmente instituído, i. é, das máximas da experiência comum.
Já a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão se reconduz a uma ausência de materialidade substancial, isto é, uma omissão factual contextualizada que inviabiliza e impede que o tribunal possa validamente operar uma adequada e correcta subsunção à previsão ilícito-material contido no preceito incriminatório da facticidade adquirida para o teor decisório. O tribunal podia e devia ter apurado factos que lhe permitissem obter uma factualidade consistente donde fosse possível extrair um veredicto de direito ajustado ao caso.
Por seu turno, a contradição entre a fundamentação ou entre esta e a decisão, tanto pode ocorrer entre a fundamentação de facto, em si, como entre esta e a fundamentação de direito ou entre esta mesma fundamentação, ou, ainda, entre todas, e cada uma, destas posições antinómicas e a decisão a que se chegou.
Detendo-nos com mais vagar no segundo dos apontados desvios – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada –, e, para além do que já deixada esquissado, ocorre um estado patológico para a decisão, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando a decisão jurídica-material ditada pelo tribunal não encontra suficiente sustentação e enquadramento lógico-racional na factualidade que o tribunal verteu na decisão. Sendo, ou devendo ser, a sentença a tradução ou versão expressa do que o tribunal, por si e conjugado com a actividade probatória aportada pelas «partes» para o processo, e sendo mister do tribunal, no julgamento de um caso, cevar-se com todos os elementos que lhe permitam ajuizar de forma arrimada a situação histórico-social que lhe foi posta sob resolução, a incapacidade de o tribunal colectar todos os elementos de facto para uma cabal e completa formulação e ajuizamento do caso, há-de traduzir-se numa fractura ou cisão do pressuposto factual necessário exigido para uma plena realização da justiça do caso.
Esta escassez ou desprovimento de elementos de facto para suportar, ou dar fundamento, à solução jurídica alcançada pelo tribunal há-de ressumar do texto decisório, em conjugação com o que é possível um homem médio ter adquirido e interiorizado da sua vivência comum para, ou em, situações idênticas e similares que houvessem de ter sucedido.
Não cabe neste tipo de patologia da decisão (judicial) a alegação, ou verificação, de carência ou incapacidade probatória do tribunal para congraçar a realidade que lhe foi posta para julgamento, vale dizer impossibilidade de lograr alcançar um liquit para sustentação dos enunciados fácticos propostos para enformação da realidade jurídica proposta para julgamento. Neste caso do que se tratará é de uma falência probatória ou uma errada apreciação dos elementos de facto que foram aportados para o processo e que o tribunal equacionou de forma não correspondente a um ajuizamento atinado com razão e com o razoamento lógico-racional que, a verificar-se, deverá determinar a falência histórico-factual dos enunciados fácticos que foram propostos ao tribunal para julgamento e segundo as várias soluções de direito que poderiam ser encaradas para a solução do caso. [[24]
O distinto magistrado do Ministério Público regateia da matéria de facto dada como provada, por o tribunal não ter averiguado de forma cabal, perceptível e inteligível i) quem iniciou a contenda, se a mulher do arguido (sozinha) ou os dois (mulher e arguido); ii) a quem pertence – qual o titular do direito de propriedade – o local onde a vítima estava a realizar as obras; iii) quem levou a vassoura – que durante a contenda serviu para o arguido agredir a mulher do arguido e este mesmo – para o local onde se desenrolou a contenda; iv) não resulta igualmente explicado como passou a vassoura das mãos da mulher do arguido para as da vítima; v) apesar de se poder sacar dos depoimentos prestados por testemunhas que as agressões perpetradas pela vítima nas pessoas da mulher e do arguido, o tribunal afastou a possibilidade de as agressões terem sido perpetradas com o martelo (isto não obstante a prova pericial asseverar serem os ferimentos observados na mulher do arguido e neste compatíveis com a utilização de um objecto com as características de um martelo (objecto contundente); vi) com menor clareza surge a questão de como o arguido municiou a arma com que viria a alvejar a vítima (a matéria de facto apenas diz que a arma foi municiada); vii) ocorre confusão e ausência de explicitação das lesões sofridas pelo arguido e mulher – referindo-se o tribunal tão só às consequências das lesões – sendo que seria interessante que elas constassem da matéria de facto provada para se poder aferir da reacção defensiva do arguido; viii) as considerações pessoais vincadas pelo tribunal, relativamente ao arguido, não parecem corresponder ao que o tribunal viria a concluir no atinente às necessidades de prevenção especial; ix) o que fica não provado na alínea a) não é suficientemente esclarecedora; x) o tribunal desenvolveu argumentação e explicou o modo e forma de agir dos contendores, na motivação, apresentando factos que deveriam ter sido integrados na decisão de facto, notadamente, (sic) (“Se a vítima teve ou não o martelo na sua posse; - Como se apoderou da vassoura; - Se o arguido foi buscar a arma para a limpar; - Como foi municiada a arma; - O facto de, embora armado, ter sofrido, bem como a mulher agressões por parte da vítima e só depois ter sacado da arma; - A circunstância de ter largado a arma depois dos três disparos; - A circunstância de a vítima mesmo após os disparos não aparentar ter sido mortalmente atingida; - E de continuar a agredir a esposa do arguido.
- O facto de o arguido ter largado a arma que ainda estaria municiada (tribunal declarou perdidas a favor do Estado as munições); - Quantas munições havia ainda no carregador.
Seria ainda de repor a averiguação do uso ou não do martelo nas agressões praticadas pelo arguido, atenta a divergência das respostas entre a posição do tribunal e o juízo pericial.”)         
Relevando as deficiências acoimadas – tanto pelo arguido (contradição na fundamentação da matéria de facto) como do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada) – do texto da decisão – este tribunal tem um âmbito de cognoscibilidade recursivo confinada pela sua atinência à interpretação jurídico-normativa das situações sujeitas à sua apreciação – importa-se para a solução o que se considerou factual adquirido.
Em sinopse apertada – para não reproduzir ipsis verbis a matéria de facto – permitimo-nos destacar: i) arguido e vítima mantinham uma situação de contiguidade (vizinhança) predial (nºs ...); ii) o arguido realizava uma «obra» numa zona não concretamente determinada «da parte inferior de uma escada das escadas que dava acesso à casa de habitação do arguido e do ofendido»; iii) arguido e ofendido estavam há muito desavindos «por razões de vizinhança» [[25]]; iv) o arguido dirigiu-se á garagem e muniu-se de uma pistola (cfr. item 2. da matéria de facto provada); v) dirigiu-se ao ofendido e terá contestado a legitimidade deste para realizar, no local (infere-se) sem a autorização dele e da sua esposa; vi) comparecimento da mulher do arguido e intervenção na zanguizarra armada; vii) apossamento, por banda da mulher do arguido, de uma vassoura que «se encontrava nas imediações»; viii) acção de tentativa de derruimento no suporte que o fendido estava a construir «com a finalidade de o destruir»; ix) descida do escadote do ofendido; x) desferimento de pancadas, por parte do ofendido, com a vassoura, no corpo da mulher do arguido, «designadamente na parte superior esquerda da testa, no ombro e nos pulsos”; xi) no mesmo transe o arguido, que terá intervindo na contenda, foi atingido, com a vassoura, «no lado esquerdo da cabeça e no braço direito»; xii) o arguido, em momento que o tribunal não logrou situar, e «quando o ofendido e a FF Anjos se encontravam juntos das garagens», « a uma distância não superior a 2 metros do ofendido, empunhou a arma referida em 2., que tinha no bolso»; xiii) municiou-a; xiv) destravou-a; xv) apontou-a em direcção ao corpo do EE «mais concretamente à zona do corpo superior ao abdómen e desferiu de imediato 3 (três) disparos consecutivos em direcção a zonas do corpo de EE que se situam acima do abdómen, mais concretamente: a) desferiu um disparo que atingiu EE na zona abdominal superior direita, tendo o projéctil ficado alojado na região dorsal; b) desferiu um disparo na zona do ombro esquerdo de EE, tendo o projéctil saído na omoplata direita (trajectória em linha recta); c) desferiu um disparo no lado direito da região cervical baixa (pescoço), onde o projéctil ficou alojado»; xvi) «em consequência directa e necessária dos três disparos desferidos no seu corpo, o ofendido EE, além de cicatrizes no ombro esquerdo, sofreu as seguintes lesões: a) na região cervical, trauma perfurante, com consequente enfisema subcutâneo na região cervical anterolateral direita, com infiltração por hematoma, que envolveu o músculo esternocleidomastoideu ispilateral; b) na zona abdominal, trauma perfurante, com consequente hemoperitoneu, a que se associou pneumoperitoneu, bem como hematoma inter cavo-aortico, fractura do primeiro arco posterior direito e projéctil alojado ao nível inter somático do espaço L3-L4»; xvii) «as lesões acima mencionadas sofridas pelo ofendido EE em consequência dos disparos de que foi vítima, foram causa directa e necessária da sua morte, ocorrida no dia 19 de Março de 2015»; vviii) «em consequência directa e necessária dos golpes que EE desferiu no corpo de AA, este sofreu as seguintes lesões: a) no crânio, cicatriz com cinco centímetros de comprimento, situada na região frontal esquerda; b) no membro superior direito, cicatrizes dispersas pelo antebraço e dedo polegar; no membro superior esquerdo, cicatrizes dispersas pelo primeiro e terceiro dedos da mão»: xix) «Lesões que foram causa directa e necessária de 10 (dez) dias de doença, sem qualquer afectação da capacidade de trabalho geral de AA»; xx) «em consequência directa e necessária dos golpes que EE desferiu no corpo de FF Anjos, esta sofreu as seguintes lesões: a) no crânio, cicatriz com três centímetros na região frontal esquerda;b) no membro superior esquerdo, dificuldades em fazer a flexão total dos dedos, com agravamento durante a noite e de manhã»; xxi) «Tais lesões foram causa directa e necessária de 220 (duzentos e vinte) dias de doença, com 43 (quarenta e três) dias de incapacidade para o trabalho geral»; xxii) «O arguido agiu da forma acima descrita, desferindo 3 (três) disparos sobre várias zonas do corpo do ofendido EE, mais concretamente em zonas do corpo situadas do abdómen para cima, com o propósito de lhe tirar a vida, o que o arguido quis e conseguiu»; xxiii) «O arguido bem sabia que, ao desferir 3 (três) disparos em várias zonas do corpo do ofendido EE, nenhum deles em direcção aos membros inferiores e pelo menos um desses três disparos em direcção a uma zona tão sensível como a zona do pescoço, desferia disparos aptos a tirar a vida ao ofendido»; xxiv) «O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei».
Ao arguido foi imputada a prática, em autoria material de um crime de homicídio, o que vale por dizer que a prova colectada no inquérito, e que o tribunal comprovou, foi considerada idónea e consistente para que, alçando-nos a uma perspectiva de «imputação objectiva» - já adiante se desenvolverá o que se entende por esta categoria jurídico-penal -, num plano de substancialidade, objectiva e subjectiva, a materialidade factual adquirida era suficiente para a subsunção normativa e/ou incriminante que se operava.
A suficiência factual para integração/subsunção de uma conduta/comportamento a um determinado suposto de ilícito-típico deve ater-se i) a verificar se o modo de actuar e agir de um sujeito foi consentâneo e idóneo para atingir determinado resultado (querido e voluntariamente perseguido e actuado pela acção desencadeada e concretamente realizada); ii) se o resultado consequente se adequa e confirma na acção não permitida ou desaprovada (juridicamente) pelo direito.
Não nos sobram dúvidas que, na medida do possível e de forma estrénua e exaustiva, o tribunal deve buscar todas as circunstâncias, essenciais e/ou ambientais e envolventes, que determinaram o desencadeamento de acção desaprovada e contrária à lei. Só desta forma se transmite para o destinatário da decisão uma noção de completude factual e conviccional inconcussa e inconsútil.
O princípio dispositivo e o seu contrário, o princípio da verdade material, representam dois modelos de verdade totalmente opostos:
a. Uma verdade conscientemente assumida como produto contingente do confronto entre provas concorrentes apresentadas pelas partes e apreciadas pelo julgador segundo critérios de probabilidade; ou
b. uma verdade investigada pelo julgador independentemente das contribuições das partes, na expectativa de assim conseguir descobrir a realidade de facto histórico sujeito a julgamento.
Da primeira concepção resultam as seguintes consequências:
a. cabe às partes a apresentação dos meios de prova que servem de base à decisão (ónus de produção);
b. Compete às partes afirmar o respectivo ponto de vista e impugnar os argumentos da parte contrária (ónus da persuasão);
c. Cabe ainda às partes antecipar o sentido da decisão do tribunal e contrariar a eventual vantagem da parte contrária (ónus táctico).”  
A aparente contradição evidenciada mitiga-se numa concepção «moderadamente diferente, a saber:
a. Cabe à acusação a apresentação das provas suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente (ónus da produção);
b. Cabe à acusação sustentar em juízo, designadamente em alegações orais, as conclusões de facto que haja extraído da prova produzida e que permitam motivar a condenação do arguido (ónus da persuasão);
c.  Mas o tribunal ordena oficiosamente a produção de outros meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure ainda necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa;
d. A defesa fica assim desonerada de produzir quaisquer meios de prova favoráveis ao arguido;
e. Nem sequer se o arguido confessar os factos integralmente e sem provas, isso significa que tenha de ser condenado, pois o tribunal pode suspeitar do carácter livre da confissão, nomeadamente por dúvidas sobre a veracidade dos factos confessados (art. 344º, nº 3 alínea b));
f. Finalmente, se o defensor oferecer simplesmente o merecimento dos autos nas alegações orais, isso não implica que o arguido seja condenado;
g. Obviamente, a defesa técnica deve fazer mais do que simplesmente pedir a costumada justiça (ónus táctico).” [[26]]    
Enquanto que o método inquisitório se basta, para Luigi Ferraioli, Derecho Y Razón, p. 605, com decisões potestativas, o princípio acusatório tem de assentar num “juicio que se desarrolle com garantias processales en matéria de prueba y de defensa que hacen posible la verificación e le refutación”. Mais adiante, e ainda na lição deste autor, ao conformar “el rito y el método e formación de las pruebas” que se escora a ideia de que a validade das provas está sujeita ao método legal da sua formação. “Estas impiden, entre otras cosas, que pueda tener relevancia la “ciência privada” del juez a los fines de la convicción de culpabilidad, que debe producirse secundum acta e probata, a difenrencia de la convicción de inocencia que, por la estrutura lógica de la prueba analizada en el apartado 10.7, es posible com independência de cualquier prueba”.
A lei proíbe a valoração de provas que não hajam sido declaradas em tribunal, para aí poderem ser submetidas ao escrutínio dos sujeitos processuais involucrados no juízo oral, mas não proíbe que o julgador, que não é um ser asséptico e indemne a toda a compleição probatória que enforma o processo, procure, depois das provas recolhidas, extrair, ou proceder a inferências, que conchavem os aportes probatórios carreados pelos meios probatórios produzidos em audiência, para compor o quadro factual consistente com a realidade histórica em que o acontecimento sob julgamento ocorreu. Não se trata de “ciência privada”, mas tão só de conhecimentos adquiridos pelo proceder normal de julgar e percepcionar a realidade processual e a verdade histórica que se constituiu no excurso do procedimento que conduziu à formação de um juízo de culpabilidade que se condensa e acama no libelo acusatório.
O ordenamento adjectivo penal consagrou, embora com restrições –“salvo quando a lei dispuser diferentemente” –, o “princípio da livre apreciação da prova”, segundo o qual “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Para Massimo Nobili, o “principio del convencimento del giudice”, assenta em dois pilares axiais, na lógica do juiz e na crítica reflectida (“critica ragionata”).  “A propósito de tal lógica e razoabilidade se realça que o convencimento do juiz é livre somente no sentido em que ele será fruto e meta derradeira de individual razoamento. Em particular se o critério do livre convencimento equivale a uma ausência de prova legal, isso “não dispensa o juiz da observância daqueles critérios que obedecem ás exigências de ordem lógica”, os quais se colocam como um verdadeiro e próprio limite á liberdade do juiz. Assim, com maior precisão, é exactamente numa qualidade razoável extranormativa (ou seja não prefixada legalmente), obtida mediante um processo indutivo-dedutivo que se encontra a verdadeira substância do novo método; “de tal modo se alcançará a prova aquelas circunstâncias que de outro modo não são verificáveis (pelo juiz) e é nesta actividade que se substancia a essência lógica da sua função” (tradução nossa).
As provas que se produzem em audiência de julgamento assumem, para além da inspecção ao local, o formato de provas testemunhais e documentais. A valoração da prova engolfa duas etapas básicas: “a primeira trata de depurar a eficácia probatória de cada meio de prova, até chegar ao convencimento de que um determinado facto é certo, ou não, em vista do que resulta de cada meio probatório; e a segunda centra-se na valoração probatória propriamente dita, comparando cada um dos factos reputados certos com os factos afirmados pelas partes.  Na depuração dos instrumentos probatórios (controle de legalidade e silogismos probatórios) trata-se, afinal de comprovar a credibilidade das provas aportadas pelas partes, e este juízo de credibilidade aparece integrado em vários silogismos probatórios, o primeiro dos quais está referido à fiabilidade ou confiança que gera cada um dos meios probatórios, estando referido o segundo à determinação da significação que deve outorgar-se aos factos expostos ao julgador por cada um de esses meios de prova e referindo-se o terceiro á verosimilhança ou crença de que são verdadeiros ou falsos os factos aportados ao processo. 
Da inabarcável jurisprudência dos nossos tribunais superiores penso que se pode extrair um epítome consubstanciado na sequente asserção: o juiz está vinculado ao séquito probatório que lhe é aportado pelos sujeitos processuais, sem prejuízo do dever de indagar, pela produção de meios de prova não carreados pelos intervenientes processuais, pela verdade histórico-material - cfr. art. 340º do CPP –; essa vinculação impele uma necessidade de razoamento lógico-dedutivo e indutivo que, baseado nas regras ou máximas da experiência comum, permita a compreensão das razões empírico-racionais que conduziram ao resultado probatório adquirido; e o juiz está adstrito a explicitar, na decisão, as razões e os meios de prova em que se fundou para se alcandorar à posição de liquidez probatória que firmou a sua convicção.   
A convicção do julgador, escorado nos vectores das máximas da experiência, no seu conhecimento ciência jurídica, na sua mundividência sociocultural, na capacidade de percepção das reacções das pessoas que perante si depuseram, não abalizam o tribunal de recurso, depois delidas as declarações das testemunhas a formular juízo diverso, ainda que anotando algumas discrepâncias nos depoimentos prestados.
A propósito do princípio da livre apreciação da prova doutrinou-se no douto acórdão do nosso mais Alto Tribunal: «1. A administração e valoração das provas cabe, em primeira linha, ao tribunal perante o qual foram produzidas, que apreciará e decidirá sobre a matéria de facto segundo o princípio estabelecido no artigo 127° do Código de Processo Penal: salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente. 2. A livre convicção não significa, no entanto, apreciação segundo as impressões, nem inexistência de pressupostos valorativos, ou a desconsideração do valor de critérios, ainda objectivos ou objectiváveis, determinados pela experiência comum das coisas e da vida e pelas inferências lógicas do homem comum suposto pela ordem jurídica. 3. A livre convicção não significa liberdade não motivada de valoração, mas constitui antes um modo não estritamente vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada por prescrições formais exteriores. 4. O "erro notório na apreciação da prova" constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. 5. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum. 6. A racionalidade e a não arbitrariedade da convicção sobre os factos devem ser apreciadas, de um lado, pela fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro pela natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de ninada conclusão. 7. As presunções naturais são o produto das regras de experiência que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido, quando um facto é a consequência típica de outro. 8. Na ilação derivada de uma presunção natural tem de existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido; a existência de espaços vazios percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária. 9. O afastamento das regras das presunções naturais integra o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal». [[27]]
A operação de escolha e valoração dos factos que hão-de constituir-se como feixe axial da convicção do julgador encerra vectores de análise crítica que devem, em primeira linha, colimar com a objectividade decorrente da desinteressada e isenta percepção dos meios de prova postos à disposição do tribunal. A objectividade na apreciação da prova significa, a um tempo, valoração critica das provas aferida segundo as regras da razão formada e exercitada na mundividência vivenciada na sociedade em que os actores desenvolvem o seu agir vital, e a um outro, nas inferências lógicas extraídas dos factos historicamente relatados pelos sujeitos envolvidos tendo por substrato o normal acontecer e a causalidade motivada que se sucedem no relacionamento humano e social. A conferência da verosimilhança de um facto histórico, base do julgamento a efectuar, com o juízo conviccional expresso pelo julgador, confere-se na consonância e simetria existente entre o facto objectivado e a percepção intelectualmente apreendida, por forma a que resulte para o observador exterior uma harmonização estrutural e lógico-racional patenteada na evidência (normal) do sucedido. No acto de julgar e à hora de apreender, adquirir, equacionar e valorar o material probatório que lhe é sujeito para apreciação, o tribunal não pode deixar de fazer intervir as regras comummente experenciadas pela actividade humana e que o agir social adoptou como modo assimilado e corrente de se exprimir.
No joeiramento a que procede e na opção que faz por um meio de prova em menoscabo de outro, o tribunal confere, para validar, a convergência lógico-dedutiva e racional de um conjunto de percepções pessoais e evidências probatórias que lhe são aportadas pelos meios de prova colectados e reunidos no processo, de modo a formar um juízo coerente e motivado acerca do facto histórico que lhe é sujeito a julgamento. Na suficiente e motivada valoração critica dos meios de prova que teve oportunidade de escrutinar e sopesar encontra o substrato legitimador e validante do juízo conviccional expresso no acto de julgar.
No caso sob apreciação, mais concretamente na «cena do crime» - para reproduzirmos um cliché abusado – estavam somente o arguido, a mulher e a vítima.
O tribunal condensou em actos singulares e monolíticos – «municiar a arma» e «agredir [a vítima a mulher do arguido e este mesmo] com a vassoura» - sem curar de esquadrinhar e perquirir os momentos, cadenciados e sequenciais, em que se desenrolaram e evoluíram cada um dos actos individualizados que considerou condensados em acções já concluídas. Ou seja sem curar de averiguar como e de que forma o arguido operou para dispor de uma arma pronta a desfechar os tiros com atingiu o corpo da vítima. Se a pistola estava já municiada – isto é com o carregador já introduzido no receptáculo apropriado –, e se não estava, como e de que forma o arguido introduziu o carregador, ou ainda em qualquer dos casos como accionou a culatra para minuciar a câmara com o projéctil com que se dispunha alvejar o corpo do ofendido.
A questão que se coloca, com o devido respeito, é saber se era exigível ao tribunal inteirar-se de todos esses actos singulares e específicos operados pelo arguido para municiamento da arma para concluir que o arguido tinha municiado a arma e com ela municiada tinha apontado a determinadas e objectivas partes do corpo do arguido e o tinha atingido nessas partes como tinha prefixado.
Na análise a que se há-de proceder para aquilatar da suficiente ou ineficiente actividade probatória do tribunal tendente a uma escorreita e inconsútil compreensão do quadro activo e comportamental em que se desenrolou a acção do arguido teremos que ponderar que no local estavam apenas os intervenientes na «cena» e que o tribunal, no seu razoamento lógico-experiencial deduziu uma sequência de actos materiais e concretos a que o arguido teria de ter procedido para lograr ter uma arma disponível e pronta a disparar contra a vítima.
Seja-nos permitida uma curta divagação de índole filosófica. Pode não existir contradição entre a abstracção e concretude, ou a concreção. Afirmar que uma situação existe, isto é, que um estado de coisas foi, depois de sensorial e intelectualmente apercebido, adquirido para o acervo intelectual e cognitivo de quem quer, não colide, ou pode não colidir, com a apreensão e verificação de determinados e factos materiais e naturais, que, pela sua individualidade devam ser objecto de reporte judicial. A noção de facto pertence à mesma família da noção de estado de coisas [[28]], que podem ser definidas como “qualquer combinação de qualquer propriedade, ou relação, com um particular (adequado), ou com uma sequência de particulares (adequados)”. Ainda, segundo alguns autores [[29]] os factos constituem uma variedade do estado de coisas, designadamente aqueles estados de coisas possíveis que se verificam na realidade (os estados de coisas actuais). Talvez por isso, e para a realidade jurídica, seja mais adequado falar em acontecimento, ou seja como “algo que ocorre, toma lugar, ou sucede, numa determinada região do espaço e ao longo de um determinado período de tempo”  
Sem querermos entrar em grandes dissertações acerca dos conceitos estes autores apontam três parâmetros para distinguir objectos concretos de objectos abstractos. São eles a localização espacial, a existência necessária e a interacção causal, sendo interessante para a caracterização que pretendemos os dois últimos parâmetros. Segundo o primeiro destes, “os objectos abstractos, ao contrário dos objectos concretos, são aqueles objectos cuja existência é não contingente, ou seja aqueles objectos que existem em todos os mundos”, e de acordo com o segundo, “os objectos abstractos, ao contrário dos objectos concretos, são aqueles objectos que não são capazes de figurar em cadeias causais, aqueles objectos que nem estão em posição de ter algo como causa nem estão em posição de ter algo como efeito”. [[30]]
Das características que os fenómenos abstractos e os acontecimentos concretos comportam, é possível inferir que um estado de coisas pode estar situado espácio-temporalmen-te sem, ou com ausência, a qualquer referência a uma causalidade ou consequência, enquanto que um acontecimento terá que ser referenciado a uma causa e despoletar um efeito, pelo menos potencialmente.
A compreensão da posição assumida pelo tribunal – tanto de primeira instância como de recurso, mas mais do primeiro, como é natural, pois foi quem, pela imediação dos meios de prova teve possibilidade de percepcionar e joeirar intelectualmente todo o acervo probatório que lhe foi aportado – só poderá ser cabalmente assimilada pela leitura a motivação de recurso apresentado pelo arguido no Tribunal da Relação, notadamente, nos depoimentos que aí vêm transcritos, tanto do arguido como da esposa e das testemunhas GG e mulher, II Gomes. 
Lidos os depoimentos prestados, tanto pelo arguido como pela esposa, FF, como pelas testemunhas, é possível avaliar o esforço de síntese que o tribunal de julgamento teve que realizar para utar, esmiudar e concentrar um feixe de factos que, com coerência, se perfilassem arrimados a uma realidade compatível com as regras de experiência comum e com um razoar escorreito e lhano do que terá sido o proceder e agir de uma pessoa nas circunstâncias em que o acontecer histórico terá sido dado suceder.
Na transcrição que é feita no acórdão recorrido da fundamentação da decisão de facto o tribunal de julgamento (em primeira (1ª) instância) foi exaustivo e convincente da síntese a que procedeu do acontecimento sob julgamento.
Mas ainda assim não deixaremos, até pelo respeito que nos merece o proficiente labor do tribunal de primeira (1ª) instância na compilação enxuta e concisa dos factos que foi possível, com segurança (“beyond a reasonable doubt” ou na versão castelhana “más allá de una duda razonable”) extrair da prova (testemunhal) produzida.   
A ingente questão do municiamento da arma.
A arma estava municiada com quatro (4) – segundo o arguido a provisão seria de cinco (5) mas só tinha quatro (4) para “não forçar a mola”; o arguido foi buscar a arma, à garagem, tendo passado pela vítima que estava num escadote a efectuar uns furos; meteu a arma no bolso dos calções; vinha a sair quando chegou a mulher (vinda das compras); a mulher dirigiu-se ao local onde o arguido estava a fazer os furos e onde já teria argolas (supostamente para fazer passar um cano); tentou tirar as argolas; a vítima desceu do escadote; tirou a vassoura das mãos da FF; agrediu-a em diversas partes do corpo; o arguido – e aqui as versões do arguido vão oscilando conforme o momento de prestação de declarações (municiou-a, destravou-a e tentou disparar para o ar mas a arma estava em segurança – fls. 3376 vº - tendo depois colocada a arma em posição de fogo); em instrução, diz que municiou a arma e disparou para; em julgamento, a arma já estava carregada quando saiu da garagem, quando viu a vítima a bater na mulher, retirou a patilha de segurança e avisou a vítima (fls. 3377 e 3377 vº) – disparou a arma (aqui os disparos também variam conforme a passagem do tempo de prestação de declarações, mas sempre para o ar e pela acção da acção (pancada no braço) por banda da vítima).
Concluir que alguém municiou uma arma antes de com ela desfechar uns tiros noutra pessoa constitui um facto concentrado e resultante de um labor lógico-racional de quem teve a percepção dos depoimentos e depois de congraçadas as díspares aportações activas e momentâneas de quem teve a arma que efectuou os disparos. A arma foi municiada pelo arguido e depois de accionada a patilha de segurança para a colocar em posição de fogo foi disparada.   
A acção de municiar uma arma é um facto concreto, mas não deixa de ser um estado de coisas adquirida, que derivou de um actividade consubstanciada em acções concretas executadas por quem quer que tenha os meios onde o fazer, arma, carregador e munições. O tribunal deu como adquirido que o arguido tinha a arma municiada – se não teria sido possível, mediante a pressão do gatilho, o cano ter conduzido um projéctil desde a câmara até um alvo (escolhido e previamente determinado). A questão que sobressai é se, para o acontecimento que estava em julgamento, era – ou, pela actualidade, é - exigível que fosse explicitado, de forma pormenorizada e individualizada, se o municiamento foi efectuado antes de se ter dirigido para o local onde a vítima se encontrava – o arguido, segundo a matéria de facto provada, “dirigiu-se à garagem e mune-se da sua pistola semiautomática de marca FN/Browning, (…) que coloca no bolso das calças” – ou se em momento – durante a contenta – em que se tinha armada a zanguizarra entre a vítima a mulher do arguido e este.  
Em nosso juízo a questão dos concretos actos operados pelo arguido para o municiamento da arma – com detalhe dos actos concretos e momentaneamente descritos em que a operação se desdobrou – não é essencial e determinante para a solução do “caso”. Basta com que se tenha provado que o arguido possuía uma arma – com que previamente a qualquer contenda interpessoal se muniu – e que com ela tenha disparado os tiros que atingiram a vítima no corpo causando-lhe os ferimentos/lesões que determinaram o seu decesso.
Até porque, em eventual novo julgamento, a única explicação que seria possível recolher seria a do arguido. Forneceria ao tribunal uma versão – mais uma – em que o tribunal acreditaria, ou não – o tribunal já deixou consignado que não acolheu com fiabilidade e credibilidade as versões que lhe forma fornecidas pelo arguido –, mas seria sempre a sua versão quanto ao municiamento e/ou, inclusive, quanto ao momento concreto e exacto do desenrolar da «cena» em que decidiu usar a arma.
O tribunal concluiu, e dessa conclusão não discorda o distinto Magistrado do Ministério Público, que o arguido se armou com uma pistola, que essa pistola estava municiada e que em momento não apurado da contenda decidiu usá-la disparando-a contra o corpo da vítima e atingindo-o nas regiões corporais assinaladas na matéria de facto provada.     
Daí que, não seja insuficiente, no plano da exposição discursiva e lógico-racional de um acontecimento causal, que o tribunal tenha dado com provado que o arguido tenha municiado a arma, sem escandir cada um dos passos e momentos, activos e concretizadores, em que essa operação se consumou, e a suficiência para a compreensão da atitude e comportamento do arguido na sua acção de se munir de uma pistola para com ela – eventualmente já devidamente municiada (não esqueçamos que o arguido havia cumprido o serviço militar o que o coloca numa posição de pessoa adestrada e familiarizado com o manejo de armas) – ferir o corpo da vítima.    
Do mesmo passo, no que concerne com a questão da passagem da vassoura das mãos da FF para o domínio da vítima, não se nos afigura determinante e essencial à  solução do caso em apreço. Ainda assim se lermos as transcrições efectuadas no excerto conclusivo do recurso para a Relação é possível extrair, mais uma vez “beyond a reasonable doubt”, que a vítima tirou a vassoura das mãos da FF (fls. 3359 vª ou 18 do acórdão recorrido) e passou a agredi-la com ela.
Na verdade, o objecto do processo – ainda que não olvidemos aqui e agora a exclusão da ilicitude do arguido esgrimida com a causa de exclusão de legitima defesa – prende-se com a autoria do crime de homicídio perpetrado ou levado a cabo pelo arguido na pessoa da vítima, EE. Daí que, salvo o devido respeito, não se configure como essencial e de ordem cardinal perquirir sobre a forma e o modo como a vassoura passou das mãos da mulher do ofendido para a posse da vítima. Nem, num plano mais pragmático, se nos afigura viável e exequível uma produção de prova suplementar, ou complementar, para averiguar o modo e em que circunstâncias a vassoura deixou de estar nas mãos da FF – que com ela terá procurado desfeitear a obra que estava a ser operada pela vítima – para passar para as mãos da vítima – que com ela viria a agredir tanto a anterior possuidora [desarmada] como o arguido [armado com a pistola mas ainda sem a utilizar].
Não ocorre insuficiência, em nosso juízo, da matéria de facto essencial para a determinação da existência de uma acção da autoria do arguido voluntariamente dirigida para a supressão da vida de outrem (a vítima).
Estimam, quer o arguido quer o distinto Magistrado do Ministério Público, neste Supremo Tribunal, que ocorre uma contradição assinalável entre os factos provados nos (sic) «nos pontos 6, 7, 13 a 17, constantes do douto acórdão e que estão em contradição directa com o facto dado como não provado no ponto a).». [[31]]
Aceita-se que na perspectiva da defesa – invocação de uma causa de exclusão – se pretenda sacar uma contradição entre os factos dados como provados e não provado, pois que nessa perspectiva [existência de causa de exclusão da ilicitude] as agressões são compatíveis com um estado de animus defendendi [legitimo] que despoletou na área de reacção humana e natural do sujeito que foi ou está a ser agredido, bem assim como da sua esposa.
Na perspectiva do tribunal – que afasta a legitima defesa – a não prova da alegação produzida pelo arguido de que as agressões foram a causa determinante da reacção traduzida nos disparos letais do arguido é perfeitamente plausível e compatível.    
Sobra para analisar a derradeira oposição formulada à insuficiência da matéria de facto, a saber a não especificação das lesões sofridas por cada um dos contendores, mais concretamente o arguido e a mulher, e o afastamento pelo tribunal do uso de um martelo na produção das lesões.
Quanto às lesões, ou melhor à descrição pormenorizada e especificada das lesões,  elas encontram-se descritas nos exames médicos e não têm que ser transportadas, de forma inclemente, para a matéria de facto. Estando documentadas, em perícia acessível, elas poderão ser utilizadas pelos sujeitos processuais se pretenderem demonstrar, ou tirar, qualquer efeito jurídico-legal da sua verificação.
Já quanto ao tribunal ter afastado a utilização de um martelo nas agressões perpetradas na pessoa da FF, afigura-se-nos não ser possível a sindicância de tal situação, a menos que o tribunal tivesse infringido regras probatórias e natureza material, nomeadamente se o tribunal tivesse violado procedimentos probatórios ou princípios processuais que importassem uma deriva ou desvio de deveres de observância vinculada cominados por lei.
Isto porque sendo o Supremo Tribunal de Justiça um tribunal de revista é-lhe vedado sindicar a decisão de facto adquirida pelas instâncias a não ser que resulte evidente a violação de regras procedimentares de direito probatório material.
O Supremo Tribunal de Justiça é, organicamente um tribunal de revista – cfr. artigo 26.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro - pelo que a sua competência em mataria de recurso está confinada ao conhecimento de matéria de direito - cfr. artigo 434º do Código Processo Penal.
Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça estão confinados aos casos em que tenha havido “[ofensa] de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova.” - cfr. n.º 3 do artigo 722.º do Código Processo Civil, aplicável por força do artigo 4º do Código Processo Penal
Isto significa que é preciso que o tribunal recorrido tenha ofendido “uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova para que, na revista, o Supremo Tribunal possa corrigir qualquer “erro na apreciação das provas” ou na “fixação dos factos materiais da causa”; ou, ainda, que tenha infringido os limites traçados pelos nºs 1 e 2 do artigo 712º do Código de Processo Civil para o exercício do poder de reapreciação da decisão de facto da 1ª Instância (neste sentido ver, por exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Setembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 374/09.8YFLSB).
Estão assim subtraídos à sua apreciação os meios de prova sem valor tabelado, relativamente aos quais a última palavra pertence à 2ª Instância – cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 2008, 18 de Novembro de 2008, 16 de Abril de 2009 ou 11 de Março de 2010, www.dgsi.pt. procs. nºs 697/1000.S1, 08B2748, 08B2346, 77/07.8CTB.C1.S1).”
No caso, segundo o distinto Magistrado do Ministério Público, ao tribunal estaria vedado concluir que as lesões não terão sido causadas ou provocadas pela acção de um martelo, na medida em que existem elementos periciais no processo que demonstram compatibilidade da utilização desse meio de agressão e o tribunal o excluiu.
Genericamente, a prova pericial impõem-se como meio de desvendar, examinar/perqui-rir, pontuar e identificar características e percepções contidas ou ocorridas em objectos, pessoas ou situações factuais que se constituem como elementos integrantes de casos submetidos à apreciação/juízo do tribunal e que pela sua ontologia e natureza científica, artística ou técnica requestam uma observação e exame especialmente qualificado. Numa definição mais abrangente “a actividade pericial vai caraceterizar.se por aportar em observações e ensaios, ancorados em procedimentos técnicos e científicos, visando a recolha de dados sindicáveis numa análise especializada, dados esses que, por meio de ilações, permitirão retirar juízos conclusivos, devendo plasmar-se todas as observações, ensaios e conclusões no respectivo relatório pericial, este, sim, em bom rigor, o meio de prova.” [[32]/[33]]   
La prueba pericial ha sido definida como aquella que se realiza para aportar al proceso las máximas de experiencia que el juez no posee o puede no poseer y para facilitar la percepcióny la apreciación de hechos concretos objeto del debate.
También há sido definida como el médio deprueba consistente en la declaración de conocimiento que emite una persona que nosea sujeto necesario del proceso acerca de los hechos, circunstancias o condiciones personales ineherentes al hecho punible, conocidos dentro del proceso y dirigida al fin de la prueba, para la que es necesario poseer determinados conocimientos científicos, artísticos ou práticos.” [[34]]    
O acto pericial compreende el reconocimiento ou percepción del objeto a peritar, la realización de las necesarias operaciones técnicas o análisis e la deleiberación y redacción de conclusiones.    
1) O reconhecimento ou percepção do objecto a peritar consiste na descrição da pessoa ou coisa que seja objecto do mesmo, no estado o do modo em que encontre». É de ressaltar que as partes assistentes ao reconhecimento poderão fazer aos peritos as observações que estimem convenientes, as quais se farão constar na diligência que se levante para que conste a realização de tal reconhecimento.
2) As operações técnicas ou a análise a realizar pelo ou pelos peritos são aquelas activi-dades especializadas, próprias da profissão, ciência, arte ou prática do perito ou dos peitos actuantes, qie permitem fazer umas apreciações ou valorações especificas que ajudam o julgador no seu labor «enjuiciadora».
3) A deliberação e a redacção de conclusões é a consequência final de todo o anterior, e supõe uma exposição racional e inteligível dos resultados derivados das análises e operações realizadas pelos peritos conforme os princípios e regras da sua ciência ou arte.” [[35]]       
O autor que vimos citando [[36]] distingue entre informação pericial («informe pericial») “que recolhe a opinião perita ou especializada, emitida por um ou vários peritos e habitualmente recolhida por escrito, que constitui a base sobre a qual se praticará a prova pericial durante o acto de juízo oral («audiência de discussão e julgamento»). Se a informação pericial é processual, produzir-se-á ordinariamente durante a fase «sumarial» (correspondente ao inquérito), ainda que também durante a fase do juízo oral, mas antes de se iniciar o juízo oral. A prova pericial é a actividade processual que se leva a cabo durante o acto de juízo oral. A prova pericial realiza-se em puridade durante o juízo oral, mediante a comparência pessoal do perito ou dos peritos ante a presença do tribunal sentenciador e as partes acusadoras e acusadas, contestando às perguntas que esta lhes dirijam.”    
No acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Julho de 2011, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, escreveu-se a ponto (sic): “No domínio da prova pericial, vigora o princípio da prova livre, o que não significando a assunção da prova arbitrária, não pode, também, ser entendido como prova positiva ou legal, cujo juízo se presumiria, então, subtraído à livre apreciação do julgador, e em que a sua convicção só poderia divergir do juízo pericial, desde que fundamentada [[37]], nos termos do disposto pelo artigo 389º, e até por contraposição ao estatuído pelos artigos 371º, nº 1 e 376º, nº 1, que se referem à prova documental, e 358º, que se reporta à confissão, todos do Código Civil, onde vigora o sistema da prova legal.
Efectivamente, o valor da prova pericial civil, contrariamente ao que acontece com a prova pericial penal, não vincula o critério do julgador, que a pode rejeitar, independentemente de sobre ela fazer incidir uma crítica material da mesma natureza, ou seja, dito de outro modo, os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, e o juízo científico ou parecer, propriamente dito, também, não requer uma crítica material e científica [[38]].
Considerando, porém, a necessidade de evitar que o princípio da livre apreciação da prova não resvale em arbitrariedade, a lei exige que a prova pericial seja apreciada pelo Juiz, segundo a sua experiência, prudência e bom senso, mas com inteira liberdade, sem se encontrar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais [[39]].
E isto porque o juízo técnico, científico ou artístico não tem um valor probatório pleno, e, nem sequer, talvez, um valor de prova legal bastante, um valor, presuntivamente, pleno, ligado a uma presunção natural, que pode ceder perante contraprova [[40]], mas antes e, tão-só, que a valoração diversa dos argumentos invocados pelos peritos e que são o fundamento do juízo pericial é bastante para que o relatório pericial não se imponha ao julgador [[41]].
Efectivamente, não se tratando de um caso de excepção de prova legal, a livre apreciação da prova não é arbitrária, discricionariamente subjectiva ou fundada em mero capricho, devendo, outrossim, observância a regras de experiência comum, utilizando como método de avaliação da aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente, susceptíveis de motivação e controlo [[42]].
Porém, ao contrário do que sucede com o sistema da prova legal, em que a convicção probatória se faz, através de provas, legalmente, pré-fixadas, atribuindo-se a cada uma o significado, abstractamente, prescrito por lei, ao qual o juiz está adstrito e de que não pode divergir [prova vinculada], no sistema de prova livre, o juiz valora, objectivamente, o facto, de acordo com a sua individualidade histórica, tal como foi adquirido no processo, através dos diversos meios de prova, diligências e alegações, sem esquecer aquilo que, comprovados certos factos, pode inferir, porque é normal suceder [id quod plerumque accidit], sem grande margem de erro, ou seja, por força das regras da experiência, que funcionam como “critérios generalizantes e tipificantes de inferência factual”, “…com validade no contexto atípico em que surgem…”, e que mais não são do que “índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância”, orientadores dos caminhos da investigação, oferecendo probabilidades conclusivas, mas nada mais do que isso [[43]]. [[44]]
A propósito de la prueba científica surge de nuevo - com mayor énfasis aún que en el caso de las pruebas periciales técnicas ordinárias la tradicional paradoja del juzgador como peritus peritorum. Por um lado, se presupone que el juez recurre al científico precisamente porque no tiene los conocimientos científicos necesarios para decidir sobre los hechos del caso; pero, por outro lado, se exige que el mismo juez sea capaz de valorar la fiabilidad de los resultados de la prueba científica y de atribuirles el peso probatório que, sobre la base em su convicción discrecional, considere adecuado. Se excluye, em efecto, y por buenas razones, que los resultados de la prueba pericial sejam vinculantes para el juez y se admite, em cambio, que es este quien debe resolver si acepta tales resultados o discrepa de ellos.                 
[…] Sin embargo, la paradoja es solo aparente. Em realidad, cuando se afirma que el juez debe realizar una valoración autónoma acerca de la fiabilidad de la prueba científica no se pretende que deba transformarse em un científico - lo que evidentemente seria imposible - y mucho menos que repita los análisis y experimentos que conforman la propia prueba científica. Lo que se exige, em cambio, es que el juez- sea capaz de valorar si está en eI âmbito de una forma de conocimiento dotada de dignidad y validez científica, y si los métodos de investigación y controI típicos de esa ciência han sido correctamente aplicados en el caso particular que debe juzgar. Esto es, se trata fundamentalmente de confirmar la existência de las condiciones de cientificidad de la prueba, como las establecidas em la decisión del caso Daubert y en la versión reformada de la regla 702 de las Federal Rules of Evidence, a las que se ha hecho referencia anteriormente. Estas valoraciones pueden ser exigentes y complejas, pero es lícito presumir que están al alcance del juez que debe formular la decisión final sobre los hechos. Mediante valoraciones de este tipo, el juez debe controlar, sustancialmente, el carácter científico y la validez de los métodos con los que se ha realizado la prueba. Si este control tiene resultado positivo, el juez puede fundamentar, con buenas razones, su decisión em la prueba científica, explicando las razones por las que ha considerado que la prueba es cientificamente válida y fiabIe. SóIo com esta motivación eI juez puede evitar la sospecha de que no haya ejercido su función de peritus peritorum, es decir, que se le considere como mero receptor pasivo de la opinión del decir, que se le considere com mero receptor pasivo de la opinión del experto.” [[45]]
O artigo 163º do Código Processo Penal estabelece uma presunção iuris tantum, quando confere ao juízo técnico formulado por pessoas a quem se atribuem e reconhecem especiais conhecimentos técnicos sobre determinada matéria ou estado de coisas. Na verdade a lei não estabelece para um juízo pericial o mesmo rango probatório que confere, por exemplo, a um documento autêntico. O juízo extraído do exame realizado a uma coisa ou a uma pessoa tem o valor de ciência, ou melhor dito da ciência do momento. Não é um juízo definitivo, impérvio e inabalável. Daí que a lei permita uma divergência fundamentada do juízo de ciência contido no exame pericial a quem se encontra no papel de ajuizador definitivo de uma situação.
Daí que ao afirmamos que a prova pericial adquire uma presunção juris tantum, [[46]] queiramos inculcar que o seu valor é tão só relativo. Embora o ordenamento jusprocessual penal estabeleça um valor significativo e gradativo superior aquele que o ordenamento civil – cfr. artigo 389º do Código Civil – estabelece o facto é que o juízo de ciência que os peritos formulam acerca do objecto da perícia não possui um valor absoluto e insindicável.
(Soe distinguirem-se nas presunções legais as presunções absolutas e as presunções relativas. Deixando de lado as primeiras, por não trem atinência ao caso, “as presunções relativas admitem prova em contrário apresentadas pela parte à qual se tenha traslado o ónus (carga) de prova. Portanto, só oferecem ao tribunal um tipo de “verdad provisional” que pode ser cancelada por prova em contrário. […] Costumam ser consideradas como mecanismos processuais cujo objectivo é distribuir o ónus (a carga de) da prova entre as partes e brindar ao tribunal critérios a aplicar na decisão final”. [[47]] Mais comummente se distingue no sistema de prova legal, em contraposição com o sistema de livre apreciação da prova, e especificamente no capítulo das presunções entre presunções iuris et de iure e iuris tantum. Enquanto no primeiro o facto base, por exemplo a outorga num documento de uma certa data faz com que se tenha essa data por adquirida ocorrendo “um elemento de juízo suficiente e concludente a favor do facto presumido”, no segundo caso “a regra de prova legal atribui um resultado probatório parcial ao meio de prova e presume-o iuris tantum com resultado conjunto da actividade probatória, admitindo em consequência, a incidência dos eventuais meios de prova adicionais desvirtuem o resultado”. [[48]])          
Tendo o tribunal de 1ª instância fundamentado – cfr. fls. 3381 e 3381 vº -a sua divergência quanto ao juízo pericial contida no auto de perícia e não se mostrando violado qualquer princípio ou regra procedimentar material está vedado a este Supremo, como tribunal de revista – ou seja que conhece de direito – sindicar a factualidade que as instâncias confirmaram tendo por base a prova pericial efectuada.  
II.B.2). – LEGÍTIMA DEFESA e/ou EXCESSO DE LEGÍTIMA DEFESA.
II.B.2.a) – DA CAUSA DE JUSTIFICAÇÃO POR MEIO DE LEGÍTIMA DEFESA.
A decisão recorrida afasta a defesa legítima invocada pelo arguido, com a sequente exposição de motivos.
O recorrente pretende que a sua conduta teve lugar com intenção defensiva face às agressões que a sua esposa e o próprio estavam a ser alvo ou que se conclua, pelo menos, no sentido da existência de excesso de legítima defesa.
A verificação da legítima defesa pressupõe o preenchimento cumulativo das seguintes condições, de harmonia com o preceituado no artigo 32.º do Código Penal:
1ª - actualidade e ilicitude da agressão;
2ª - animus defendendi;
3ª - necessidade do meio empregado.
No caso dos autos, como decorre da factualidade dada como provada, verifica-se uma agressão actual e ilícita por parte do ofendido quer ao arguido, quer à sua esposa, mas não se verificam os demais pressupostos enunciados, designadamente não resulta dos factos provados que a conduta do arguido tenha sido motivada pela intenção – animus – de defesa.
O que se retira dos factos provados é que a conduta do arguido foi levada a cabo num quadro caracterizado por uma conflitualidade recíproca derivada de más relações de vizinhança com o ofendido EE e sempre com o propósito de atentar contra a sua vida.
Com efeito, ainda antes de se dirigir à vítima e depois de verificar que esta se encontrava a realizar uma obra numa zona não concretamente determinada da parte inferior de uma das escadas que davam acesso à casa de habitação de ambos, o arguido dirigiu-se à garagem e muniu-se da sua pistola semi-automática que colocou no bolso dos calções, após o que saiu da garagem e trocou algumas palavras de teor não concretamente apurado com a vítima relacionadas com o facto de o arguido considerar que EE não podia realizar a obra naquele local sem a autorização do arguido e da sua mulher.
Como salienta a decisão recorrida, este facto, por si só, inculca a ideia de dolo de homicídio e não o intuito de defesa, pois neste momento não existia qualquer agressão iminente, a que acresce a circunstância de o arguido não ter desferido qualquer tiro de aviso, como podia e sabia fazer, ao invés, em plena contenda, a uma distância não superior a 2 metros do ofendido, empunhou a arma, municiou-a, destravou-a e apontou-a em direcção ao corpo de EE, mais concretamente à zona do corpo superior ao abdómen, e desferiu de imediato 3 (três) disparos consecutivos que o atingiram na zona abdominal superior direita, na zona do ombro esquerdo e no lado direito da região cervical baixa (pescoço), com o propósito de o atingir em órgãos vitais e causar-lhe a morte, como efectivamente veio a acontecer.
Assim, não ocorre, desde logo, o intuito de defesa por parte do recorrente, sem o concurso do qual não se pode falar na verificação de uma situação de legítima defesa, tornando-se desnecessária a análise do outro pressuposto, assim como não se pode falar em excesso de legítima defesa porque este pressupõe necessariamente uma situação de legítima defesa.”
Para o Professor Figueiredo Dias, em lição que vem já desde 1974, inserta nos sumários à 2ª turma do 2º ano, das lições de Direito Penal (aditamentos de 1977), “considera-se exercício do direito de legítima defesa, e consequentemente causa justificativa, o facto praticado como meio necessário à defesa contra a agressão actual e ilícita de interesses jurídicos do agente ou de terceiros ”. “Pensamento fundamental da legítima defesa é o de que o direito não pode nunca ceder perante o ilícito”.
Especificando e detalhando os requisitos que inerem ao instituto de legítima defesa, ensinava este Professor, que: “a) Quanto à agressão, exige-se que ela seja “actual” e “ilícita”.
Por agressão entende-se todo e qualquer comportamento humano que represente uma ameaça para interesses juridicamente protegidos. 
Exigir a actualidade da agressão significa que a legítima defesa deve ter lugar depois de ela se ter iniciado e antes de ter terminado, quando, por conseguinte, a defesa ainda pode ter êxito; se a agressão for um crime exigir-se-á, pois, que este já tenha tido inicio mas ainda se não tenha consumado (o caso do furto não ê excepção).
Exigir a ilicitude da agressão significa que a esta liga a ordem jurídica um sentido de desvalor jurídico; mas, porque se pensou que poderia haver agressões lícitas para quem as pratica, mas que todavia o atingido não teria obrigação de suportar (casos de obediência devida a ordens ilegais), já se disse que a ilicitude teria de ser aferida pelo lado de quem sofre a agressão. 
b) Quanto ã defesa, exige-se que ela seja “necessária”.
Que a defesa tem de ser necessária resulta já do pensamento fundamental da legítima defesa como colisão de interesses e resulta legalmente do n.º 3 do art. 46º do Código Penal (de (1886). Significa este requisito que a defesa só será legítima se ela se apresentar como indispensável para a salvação de um interesse jurídico do agredido e, portanto, como o meio menos gravoso para o agressor (daí o nº 2 do artigo citado […].
Depois de enumerar duas situações que podem suscitar alguma controvérsia, quais sejam o da provocação e a eventual desproporção dos meios de defesa utilizados para repelir uma agressão, o Professor que vimos citando reputa necessário que: “d) Também na legítima defesa devem considerar-se necessários, em geral, elementos subjectivos da justificação: só quem age com conhecimento da situação e com a vontade de se defender (animus defendendi) pode justificar-se – ainda que outros fins concorram com a vontade de se defender”.
Hodiernamente [[49]] escreveu o Professor coimbrão que «[…] o fundamento da figura em estudo seja visto, predominante ou exclusivamente, [como] a defesa necessária – e consequente preservação – do bem jurídico (para mais ilicitamente) agredido, deste modo considerando esta causa justificativa um instrumento (relativo) socialmente imprescindível de prevenção e por aí, de novo, de defesa da ordem jurídica».
«O conceito de agressão deve compreender-se como ameaça derivada de um comportamento humano a um bem juridicamente protegido», sendo que o bem ameaçado deve ser juridicamente – não necessariamente jurídico-penalmente – protegido. Por exemplo a vida, a integridade física, a liberdade, a autodeterminação sexual. A propriedade, a posse, o bom nome, o crédito, etc. constituem interesses juridicamente protegidos para efeito de legítima defesa».
São requisitos da acção de defesa «[…] a teleologia da norma e aos fundamentos da justificação: (…) têm a ver com a necessidade do meio empregado, decerto, mas também (e, num certo sentido, ainda mais) com a necessidade da defesa como tal na situação, face à exigência de prevalência do Direito sobre o ilícito na pessoa do agredido: não há defesa legítima se ela for desnecessária. Até – ainda porque, analisando-se também a legítima defesa – já o vimos – numa colisão de bens, esta só existirá verdadeiramente se, de acordo com os critérios de valor da ordem jurídica, for necessário salvar um deles à custa do outro. Esta é uma questão – e essencial -, questão diferente – e subordinada – a  de saber, assente a necessidade da defesa como tal e existindo vários meios possíveis de defesa, do qual ou dos quais é lícito lançar mão».
À idoneidade do meio «[…] para deter a agressão», acrescerá sempre a necessidade de defesa.”
Ainda na doutrina indígena “o nome “legitima defesa” é atribuído no Código Penal de 1982/95 ao facto praticado “como meio necessário para repelir a agressão actual e ilicita de quaisquer interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro. Na linguagem do Direito, a expressão significa a defesa contra agressões ilícitas, que é permitida aos particulares sem recurso aos tribunais. A sua origem linguística é a expressão francesa «légitime defense»” [[50]]  
Discreteando sobre as consequências “de uma legitima defesa concebida como defesa da Ordem Jurídica”, defende a Autora que “apesar das diferentes de perspectiva [modelos de moderação fundado na doutrina dos limites ético-sociais e na concepção hierarquizada de interesses ou bens jurídicos na Ordem Jurídica do estado de direito democrático, construída a partir dos valores da pessoa (ordem de bens jurídicos de valor diferenciado)] é reconhecido hoje, em qualquer dos modelos moderadores que a legítima defesa não consubstancia um poder ilimitado de defesa, por razões político-criminais ou por uma lógica de delimitação de direitos ou de ponderação de interesses de que não é excluída a valoração dos bens da pessoa do agressor. Assim, é rejeitada a “moral homicida” que certos autores imputavam, criticamente, à teoria da legitima defesa vigente, no século passado, no pensamento germânico.
A opção por um dos modelos moderadores depende de perspectivas diferentes na formulação dos fins e funções do Direito e do Estado, admitindo-se uma certa relativização dos valres da pessoa, no primeiro modelo – limitações ético-sociais. Para a putra perspectiva – ordem de bens jurídicos de valor diferenciado – o que prevalece são valores da pessoa constitutivos da sua dignidade, admitindo-se, porém, o risco de enfraquecimento da afirmatividade do Direito.
É, pois, essa perspectiva que melhor se compatibiliza com os princípios e os valores constitucionais.” [[51]]    
Na doutrina estrangeira [[52]] “o direito à legítima defesa actualmente vigente baseia-se em dois princípios: a protecção individual e o prevalecimento do direito. Quer dizer, em primeiro lugar a justificação da legítima defesa pressupõe sempre que a acção típica seja necessária para impedir ou repelir uma agressão a um bem jurídico individual; a legítima defesa é para o “particular um direito protector duro e enraizado na convicção jurídica do povo”.
[…] Portanto, o legislador, ao permitir toda a defesa para a protecção do particular, persegue simultaneamente um fim de prevenção geral; pois considera desejável que a ordem legal se afirme frente a agressões a bens jurídicos individuais ainda que não estejam presentes os órgãos estatais que estariam em condições de realizar a defesa. […] Pois toda a agressão repelida em legitima defesa “pone de manifesto” que não se vulnera sem risco o ordenamento jurídico e estabiliza a ordem jurídica. A essa intenção preventivo-geral é a que se alude quando se fala do “prevalecimento do direito” ou da “afirmação do direito” como ideia rectora do direito de legítima defesa. Também se deve ao princípio do prevalecimento do direito que se conceda a protecção individual não só dentro dos limites (“del marco”) da proporcionalidade, mas também em princípio com independência dele, de tal maneira que o dano causado pode ser consideravelmente maior do que aquele que se impede: “por último, as agressões contra bens jurídicos menos valiosos também constituem simultaneamente agressões contra o ordenamento jurídico como tal, de maneira que aquele que actua em legitima defesa co-defende simultaneamente”. […] Assim pois em toda a justificação da legítima defesa devem operar conjuntamente os princípios da protecção individual e do prevalecimento do direito a cujo efeito as diversas necessidades do prevalecimento do direito influem de modo distinto na configuração das faculdades de protecção”.       
Definindo o conceito de agressão, este autor, considera que “uma agressão é uma ameaça de um bem jurídico por uma conduta humana”. […] Uma agressão não é, desde logo, antijurídica quando ameace um desvalor do resultado, tendo, outrossim, um desvalor da acção. Em consequência, em primeiro lugar faltará a antijuridicidade da agressão quando o agressor esteja amparado por uma causa de justificação, pois então a agressão não supõe nem desvalor de acção nem desvalor de resultado. Portanto, nunca é possível legítima defesa contra legitima defesa, estado de necessidade justificante ou outra actuação amparada por direitos de intromissão”.        
Uma agressão é actual quando “é imediatamente iminente ou precisamente está tendo lugar e todavia prossegue”. […] A delimitação correcta (de quando está iminente a agressão) deve situar-se entre ambos os extremos. Na agressão actual só se poderá incluir junto à tentativa a estreita fase final dos actos preparatórios que é imediatamente prévia à fase final dos actos preparatórios que é imediatamente prévia à fase da tentativa. Nesse âmbito dos actos preparatórios próximos à tentativa que haverá de fundamentar, legítima defesa é onde encaixa o “dispor-se imediatamente à agressão” (por contraposição à agressão só em preparação, que todavia não é actual. E ao dispor-se imediatamente a realizar o tipo que já constitui uma tentativa)”.    
Em princípio são legitimamente passíveis de poder ser defendidos todos os bens jurídicos individuais, ou seja, a vida, a saúde, a liberdade, a propriedade, a custódia, a honra, o direito de arrendamento, etc..
Necessária é toda a defesa idónea, que se acha mais benigna de várias classes de defesa exigíveis e que não esteja aliada ao risco imediato de sofrer um dano. […] O defensor deve eleger, entre as várias classes de defesa possíveis aquela que cause o mínimo de dano ao agressor. No entanto, para isso não tem não tem que aceitar a possibilidade de danos na sua propriedade ou de lesões no seu próprio corpo, estando, outrossim, legitimado a empregar como meios defensivos os meios objectivamente eficazes que permitam esperar com segurança a eliminação do perigo. Portanto, em primeiro, lugar a defesa há-de ser idónea: se alguém que me agride fisicamente eu, em repulsão, lhe rasgo os pneus do automóvel, isso não está amparado pela legítima defesa. Em segundo lugar deve ser o meio mais benigno possível. Quem possa repelir o agressor com os seus punhos à bofetada, não pode deitar mão a uma faca ou a um revólver; e quem possa intimidar o agressor ameaçando-o com uma arma contundente ou de fogo mediante um disparo de advertência não pode disparar sem mais”.        
No entanto, nem toda a defesa necessária é também “requerida ou indicada” ou seja permitida. Assim não é admissível á luz do direito que para se repelir um furto de maçãs, por uma criança, se lhe utilize uma arma de fogo, atirando sobre o infante. Incluir-se-iam neste caso as agressões culpáveis ou de culpabilidade substancialmente diminuída, as agressões provocadas antijuridicamente pelo agredido; as agressões irrelevantes; as agressões balizadas dentro das relações de garantia; e as agressões mediante ameaças constitutivas de chantagem.
 Na mesma linha doutrina Günther Jakobs [[53]] que reputa indispensável para que a acção ilícita do agente possa integrar uma causa de justificação excludente da ilicitude que se verifique a existência de um agressão antijurídica; que se esteja perante um ataque actual, exista uma necessidade de defesa, isto é, quando o agressor elege, de entre os meios apropriados de defesa, aquele que comporta uma menos perda para o agressor.    
Tecendo considerações sobre esta temática, escreveu-se em “Casos e Materiais de Direito Penal”, Almedina, 2002, coordenado por Fernanda Palma, pág. 165, que os requisitos legais da legítima defesa se constituem como “[…] exigências de uma agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de um terceiro (pressuposto da legítima defesa) e da necessidade de uma conduta lesiva de direitos para repelir tal agressão (requisito de legítima defesa) revelam que a legítima defesa se distingue de qualquer conduta de vingança ou de pena privada. Nela se espelha a protecção estritamente necessária de direitos e interesses do agente.
a) A ilicitude da agressão corresponde à verificação de uma acção ou de uma omissão contrárias ao Direito, podendo abranger direitos ou interesses de terceiros (legítima defesa alheia), incluindo interesses comunitários e do Estado.
A ilicitude da agressão não pressupõe, necessariamente, uma natureza penal do ilícito (do facto contrário ao Direito), não se excluindo que factos penalmente relevantes sejam justificados por legítima defesa, apesar de repelirem agressões que não correspondem a factos legalmente incriminados (o que será óbvio no caso de condutas agressoras negligentes, só incriminadas quando realizadas com dolo, como acontecerá no o do dano relativamente a bens do defendente).
A justificação por legítima defesa no Direito Penal pressupõe, essencialmente, que a conduta do defendente seja necessária para impedir uma agressão que ele não deva suportar, requisito que não depende da natureza do ilícito perpetrado contra o agente. É essa concentração na ausência de desvalor para o Direito Penal da conduta praticada em legítima defesa que explica que a culpa do agressor não seja pressuposto da figura (a questão da exigência de culpa do agressor é, todavia, controversa na doutrina – cf. TAIPA DE CARVALHO, legítima defesa, 1994, p. 435-442). Também a ilicitude da agressão não implicará, para a doutrina tradicional, uma contrariedade subjectiva ao dever emanado da norma jurídica. Não será necessário que exista dolo ou uma violação subjectiva do dever de cuidado pelo agressor, bastando uma objectiva contrariedade aos deveres jurídicos derivados da norma. Só os comportamentos ainda lesivos de direitos e interesses mas em que não haja uma conduta voluntária do agressor, uma qualquer acção humana (agressões de animais), ou os comportamentos compreendidos no risco permitido não preencherão o pressuposto da ilicitude da agressão.
b) Outra das exigências legais relacionadas com o pressuposto de legítima defesa é a actualidade da agressão. Entende-se que a defesa só deve pretender evitar a lesão dos bens jurídicos postos efectivamente em perigo pela agressão, numa fase em que já seja justificada a intervenção do poder público (nomeadamente da força policial) para impedir a agressão. A actualidade da agressão pressupõe, deste modo, um perigo concreto para os bens jurídicos do defendente, o qual se pode equiparar, essencialmente, ao conceito de actos de execução constitutivos da tentativa crime (artigo 22.º do Código Penal).
c) A necessidade de defesa é já um requisito do exercício da legítima defesa, no sentido apontado de uma função preventiva da lesão de bem jurídicos do defendente. A jurisprudência e a doutrina têm concordado que só é meio necessário o meio adequado menos gravoso para o agressor.
[…] A única dimensão que pode justificar a permissão de maior intensidade da defesa dos particulares, relativamente à realizável pelos agentes do Estado, é a existência de diferentes possibilidades, para estas entidades, assegurar a preservação de bens jurídicos. Mas um tal aspecto apenas e relaciona com os modos de comportamento permitidos aos particulares na gestão dos seus meios de defesa. O âmbito dos bens que podem ser sacrificados pela defesa sem restrições, a fim de preservar quaisquer outros, ainda que de valor diminuto, não depende da maior ou menor disponibilidade de meios de defesa ou das diferentes possibilidades de organização a defesa. 
d) A legítima defesa exige uma efectiva consciência pelo defendente da situação defensiva. Não se configura como defesa nem uma protecção inconsciente e causal do agente relativamente a uma agressão nem a provocação pré-ordenada pelo defendente de uma situação de legítima defesa. Não será exigível, propriamente, um animus defendendi, no sentido de a defesa ser a exclusiva motivação do defendente, mas é necessário que a conduta que se opõe à agressão ilícita seja explicável como defesa na linguagem social - o que impõe uma acção conscientemente dirigida à defesa, em que a agressão seja motivo determinante do agir. A ausência desta consciência impede a justificação por legítima defesa, mas não exclui, para parte da doutrina penal, uma atenuação de responsabilidade penal nos temos da pena de tentativa, em razão de se ter verificado, embora objectivamente, a protecção de bens da vítima da agressão cuja protecção era permitida pela Ordem Jurídica. Estará então em causa a aplicação analógica do artigo 38.º, n.º 4, do C6digo Penal, que expressamente comina a pena de tentativa para o agente que actue com consentimento do ofendido, mas sem consciência da existência do consentimento». [[54]]
A legítima defesa constitui-se na sua modelação dogmática como uma causa de justificação idónea [[55]] a suprimir a antijuridicidade.
Para que uma acção, ou conduta, assuma o patamar de animus defendendi e possa ser considerada como legítima haverá que referi-la, na sua configuração antinómica activa e material a uma acção desvaliosa ou injusta e como tal qualificada pela lei penal – princípio da tipicidade. Só uma reacção defensiva que se posicione em enfrentamento a uma acção qualificada como desvaliosa e antijurídica pode ser qualificada e conformada como legítima, no plano do enquadramento jurídico-penal. 
Queda por analisar a relevância do elemento subjectivo na composição ontológica da categoria da legitima defesa.
No estudo a que procede deste elemento (volitivo) definidor do agir pessoal, a Professora Fernanda Palma, “A Justificação por Legítima Defesa como Problema de Delimitação de Direitos”, Vol. II, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1990, págs. 611 a 658, assevera que “é a consciência do exercício da defesa, a partir do conhecimento da situação defensiva e do efeito defensivo, associada a uma determinação de agir não desvinculada dessa configuração (pressuposta sempre que não haja uma orientação final contrária ou a certeza de que a consciência não se expressou na acção e a defesa é uma pura consequência “patológica”) que caracteriza a conduta subjectiva requerida pelo fundamento da legítima defesa.
O fundamento da legítima defesa não exige uma motivação emocional ou espiritual. O exercício de um direito à dignidade ou à autonomia deve ser encarado, de acordo com a natureza de valores jurídicos em geral, como comportamento final (objectivamente), adequado à preservação daqueles bens e dotado de um mínimo de conduta voluntária.” [[56]]    
A jurisprudência tem vindo a pautar a sua análise pela batuta da doutrina, como o atestam os arestos que a seguir se citam.
A legítima defesa, como causa exclusória da ilicitude, constitui o exercício de um direito: o direito de legítima defesa que tem, entre nós, assento na Constituição [[57]], no Código Civil [[58]] e está previsto para efeitos penais no art. 32.º do C. Penal.
«O reconhecimento desse direito parte do princípio de que a lei não tem que recuar ou ceder, nunca, perante a ilicitude, já que a agressão, sendo ilícita, não lesa apenas um interesse jurídico singular, mas viola também a própria ordem jurídica, o interesse comunitário.
Assim, sempre que alguém seja vítima de uma agressão que não é obrigado a suportar, pode defender-se dessa agressão, repelindo-a, com a certeza de que, defendendo-se, não comete qualquer acto ilícito.
Diz-se então que a resposta a tal agressão ilícita está justificada porque na circunstância o agente se limitou a exercer o direito de legítima defesa» [[59]].
A sua capacidade exclusória da ilicitude depende da verificação dos seguintes requisitos: - agressão [[60]] actual e ilícita [[61]]; - defesa [[62]] necessária [[63]] e com intenção defensiva [[64]].
«Não se refere a lei à proporcionalidade entre a agressão e a defesa (ao contrário do que acontecia com o Código de 1886 - n.º 3 do art. 46.º), isto porque se considerou que não haverá tempo para que o defendente faça uma cuidada valoração dos bens em jogo. Mas se houver uma clara e grande desproporcionalidade entre a agressão e a defesa, só através do instituto do abuso de direito se poderá resolver a situação» [[65]].
Já o excesso de legítima defesa se situa entre as causas de exclusão da culpabilidade [[66]]: circunstâncias que impedem que determinado acto considerado ilícito pela lei, seja atribuível de forma culposa ao seu autor, motivos que anulam, pois, o conhecimento ou a vontade do agente.
O excesso de legítima defesa, quando o excesso (dos meios empregados em legítima defesa) resultar de perturbação, medo ou susto não censuráveis (art. 33.º, n.º 2 do C. Penal) cabe na inexigibilidade de conduta diversa, actuando no domínio da culpa.
Com efeito, ainda que verificados os pressupostos objectivos da legítima defesa, pode-se, porém, exceder - no grau em que são utilizados ou na sua espécie [[67]/[68]/[69]] - os meios necessários para a defesa.
O «excesso nos meios» de que fala a lei, porque é em regra esse tipo de excesso que ocorre, resultante da perturbação profunda que a agressão provoca no agente deve imputar-se a uma culpa mitigada (ao menos em princípio), susceptível de permitir ao juiz que atenue a pena (art. 33.º, n.º 1 do C. Penal), ou não sendo censurável conduzirá à não punição do agente (art. 33.º, n.º 2 do C. Penal).
O que nos reconduz à consideração da necessidade de defesa e da impossibilidade de recurso à força pública, devendo ter-se em atenção que se, v.g., a ofensa corporal basta para que o ofendido faça suspender a agressão, não deve utilizar-se o homicídio; se se pode suspendê-la recorrendo à força pública não deve utilizar-se a defesa própria.
Mas não pode esquecer-se que «muitas vezes só depois de utilizado um meio é que se ficará a saber se ele bastaria, e não haverá tempo para uma comprovação mental de todos os meios disponíveis». [[70]]
Como resulta do n.º 2 do art. 33.º do Código, não é qualquer perturbação, medo ou susto que é susceptível de afastar a punição em caso de excesso de legítima defesa. Só assim sucederá quando os mesmos não forem censuráveis. Há, pois, que relacioná-los sempre com a falta de culpa no excesso, que torna o facto não censurável pela via da não exigibilidade, já que sem culpa não há punição criminal [[71]].
Decidiu este Tribunal «a necessidade da defesa há-de apurar-se segundo a totalidade das circunstâncias em que ocorre a agressão e, em particular, com base na intensidade daquela, da perigosidade do agressor e da sua forma de agir. Deve ajuizar-se objectivamente e «ex ante», na perspectiva de um terceiro prudente colocado na situação do agredido.» [[72].
E que «provando-se que o arguido, autor de dois crimes de homicídio, foi agredido pelo seus opositores, e, não obstante ter feito dois disparos para o ar a fim de os intimidar, continuou a ser perseguido por eles a curta distância e em atitude agressiva quando sucessivamente sobre ele disparou e os atingiu, e provando-se ainda que actuou pela forma descrita no intuito de afastar os seus perseguidores e impedir que eles continuassem a agredi-lo, e que não ficou ao arguido outra alternativa para obstar à iminência de nova agressão senão  atirar sobre eles, é manifesto que se verificam todos os requisitos da  legítima defesa, ou seja, a «actualidade e ilicitude da agressão», o animus deffendendi e a «necessidade do meio empregado» [[73]].
Nesse mesmo aresto entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que «ao reagir porém a tiro de pistola, e visando imediatamente zonas vitais das vítimas, o que desde logo se mostra desproporcionado, quando podia fazer cessar a agressão e perseguição por meios mais próximos dos que contra ele estavam a ser usados, o que teria a virtualidade de tornar menos perigosa a  sua reacção, há que concluir que, tendo o arguido actuado embora em legítima defesa, fê-lo contudo com excesso do meio empregado».
Importa aproximar desta hipótese o caso dos autos que com ele tem pontos de contacto, mas que se distingue em sede de matéria de facto apurada.” [[74]]
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Outubro de 2010, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, em cuj sumário se escreveu (sic): “IX - Diz-se em legítima defesa – art. 32.º do CP – o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro; a legítima defesa afasta a ilicitude do facto. A ideia básica subjacente à legítima defesa está contida na afirmação de que o direito não tem de retroceder face ao injusto, entendida a afirmação e as suas consequências num certo sentido de adequação social. A aceitação pelo direito da auto-defesa pode compreender-se numa perspectiva jurídico-individual como o direito de auto-afirmação do indivíduo através da defesa da sua própria pessoa perante um ataque antijurídico de outrem, mas também numa perspectiva ou ponto de vista jurídico-social, de acordo com o princípio de que o direito não deve ceder perante o injusto. X - Segundo a definição clássica de legítima defesa – acção necessária para repelir por si mesmo um ataque actual e antijurídico, que essencialmente vem aceite no art. 32.º do CP – a situação de defesa pressupõe e tem de ser desencadeada por uma agressão actual e ilícita contra o agente ou terceiro, afectando bem jurídico susceptível de ser protegido através de defesa. Deve, pois, existir uma agressão, que significa toda a lesão ou a iminência de lesão (perigo imediato) de um interesse juridicamente protegido do agente ou de terceiro, desde que o comportamento do agressor se apresente com um mínimo de causalidade de acção. XI - Mas, para efeito de integração do pressupostos da situação de legítima defesa, a agressão é actual quando está em execução ou quando está iminente, porque o bem jurídico se encontra já imediatamente ameaçado; a agressão está iminente quando, embora ainda não iniciada numa aproximação analógica aos elementos da tentativa, se deva seguir imediatamente segundo a leitura objectiva da situação de um terceiro exterior e não pela representação subjectiva do agente. A iminência da agressão estará presente nas situações em que se saiba antecipadamente, com certeza ou com elevado grau de probabilidade, que terá lugar. XII - A situação de legítima defesa começa logo que exista um perigo de agressão, com carácter imediato, que ameace um interesse protegido. Mas, para determinar a iminência ou a actualidade é decisivo o prognóstico objectivo de um espectador experimentado colocado na situação do agente e não a representação subjectiva deste. A mera intenção, sem ser exteriormente accionada, não constitui iminência de agressão. XIII - A iminência da agressão, com alguma analogia com o começo da tentativa, ocorrerá quando a ameaça de ofensa é mais do que uma intenção, mas se pode transformar imediatamente numa lesão; e estrita fase final e exteriorizada de um acto preparatório, imediatamente prévia ao começo da tentativa, pode ser o início de uma conduta que dentro de um processo histórico único dará lugar à agressão; pôr em prática ou manifestar externamente a vontade de lesão de um bem jurídico: v.g., um movimento agressivo com a mão ou um gesto com significado e interpretação factual semelhante. XIV - Por outro lado, é susceptível de legítima defesa qualquer interesse juridicamente protegido; a agressão deve ser antijurídica (todo o ataque que objectivamente infrinja o ordenamento jurídico), e actual, no sentido em que a agressão está iminente, a acontecer, a ter lugar no próprio momento ou persista em sequência. Na consideração da actualidade da agressão, o que releva e será decisivo é o prognóstico objectivo de uma pessoa experimentada colocada na situação do agredido e não a representação subjectiva deste; a intenção de agredir que se não revele externamente não constitui agressão susceptível de integrar os pressupostos da legítima defesa. XV - Perante uma agressão actual e antijurídica pode ter lugar a defesa necessária. A legítima defesa, como defesa necessária, supõe, porém, uma vontade de defesa, mas não no sentido de exclusão: desde que exista vontade de defesa, podem concorrer, para além desta, outros motivos (v.g., ódio, indignação, vingança), mas com tratamento específico quando, perante o animus deffendendi, sobrelevem a necessidade de defesa. XVI - A necessidade (art. 32.º do CP: “meio necessário”) da acção defensiva para repelir o ataque constitui, assim, um pressuposto da situação de legítima defesa. Mas necessidade da acção defensiva, e não, porque o plano de consideração já é logicamente posterior, adequação estrita do meio concretamente empregue na acção defensiva. A exigência da necessidade que qualifica os meios de defesa admissíveis traduz-se na escolha do meio menos gravoso para o agressor, de acordo com o juízo do momento, mas com natureza ex ante, avaliando objectivamente toda a dinâmica do acontecimento. A acção defensiva necessária é a que é idónea para a defesa, e constitua o meio menos prejudicial para o agressor. A avaliação da necessidade depende do conjunto de circunstâncias nas quais ocorre a agressão e a reacção, especialmente a intensidade do concreto meio ofensivo e da ofensa, as características pessoais do agressor em contraposição com as características pessoais do defendente (idade, compleição, experiência em situações de confronto, perigosidade e o modo de actuação) bem como dos meios disponíveis para a defesa, e deve valorar-se sob uma perspectiva objectiva, isto é, tal como um homem médio colocado na posição do agredido teria valorado as circunstâncias da agressão. XVII - A necessidade da acção defensiva supõe que esta não deve passar além do que seja adequado para afastar e repelir eficazmente a agressão – princípio da menor lesão para o agressor, avaliada segundo critérios objectivos; por isso, quem defende deve escolher de entre os meios eficazes de defesa que estejam, em concreto, à sua disposição, aquele que resulte menos perigoso e que cause menor dano. A ponderação da necessidade (menor lesividade) tem, porém, de ser compreendida nas circunstâncias do caso: a defesa pode ser intensa para fazer terminar rápida e completamente a agressão ou a eliminação do perigo, não sendo exigível que o agredido apenas utilize tímidos intentos de defesa que podem fazer correr o risco de continuação ou de intensificação da agressão. XVIII - A interpretação da exigência de “necessidade” deve conduzir ao resultado político-criminalmente desejável de que os erros objectivamente insuperáveis sobre a necessidade do meio defensivo sejam tomados em prejuízo do agressor. Na ponderação sobre a necessidade dos meios não deve, porém, entrar-se em linha de conta com a possibilidade de fuga; escapar não é repelir a agressão. A necessidade e o exame sobre a necessidade surgem, porém, como se referiu, ex ante, e não supõem uma ponderação de proporcionalidade dos bens jurídicos implicados. XIX - O uso de um meio não necessário constitui excesso de meios ou excesso intensivo que não exclui a ilicitude do facto defensivo – art. 33.º do CP. A proporcionalidade, não de bens, como fundamento objectivo de justificação da legítima defesa, mas como critério e medida dos limites da necessidade e da intensidade da defesa, que não afaste a ilicitude e a culpa nos casos de excesso (intensivo ou extensivo), respeita ainda a relação que o art. 2.º, n.º 2, al. a), da CEDH parece estabelecer nos (aparentes) limites da licitude da defesa que cause a lesão do bem vida – se não estiver em causa a defesa relativa a «violência ilegal» «contra uma pessoa». XX - Perante a reconstituição descrita na matéria de facto dos autos, no que é directamente mais relevante, a interpretação mais plausível de acordo com o id quod como regra da experiência, essencial na compreensão das interacções pessoais dinâmicas no contexto da situação, e o sentido da apreensão das acções humanas, ex ante, segundo a perspectiva de um observador externo, aponta para não afastar tão directamente, como fez a decisão recorrida, uma interpretação menos restritiva sobre o bem jurídico em causa, em avaliação no âmbito da complexidade dos pressupostos e consequências de uma situação de legítima defesa. A interpretação dos factos provados de acordo com as regras da experiência não pode objectivamente excluir este sentido – que é, aliás, o mais plausível contextualmente, numa perspectiva contemporânea ex ante e exterior ao agente. XXI - Com efeito, a existência de uma agressão por parte da vítima é imediatamente apreensível. A vítima entrou, furtivamente, a hora tardia da noite, em propriedade vedada, munida de um instrumento visível que poderia servir como meio de agressão – um pau (para além de armada com uma arma de fogo, com carregador e com bala na câmara, pronta a disparo imediato), não obstante a presença e a reacção de alerta de um cão que se encontrava preso. A ameaça e o início da agressão eram, assim, efectivas, considerando pelo menos um bem jurídico – propriedade – cuja possibilidade de defesa não está afastada pela ordem jurídica. Houve, pois, nas circunstâncias, agressão efectiva a um bem susceptível de defesa e apenas o arguido poderia, nas circunstâncias (local isolado, sem luz, de noite), eliminar ou suster a agressão. XXII - E também se não pode dizer, como na decisão recorrida, que não está demonstrado o animus defendendi. Mesmo se não estivesse demonstrado, também não estaria demonstrado que se não verificava ou concorria também uma vontade de defesa. Porém, esta afirmação da decisão não constitui a declaração da prova de um facto, mas apenas uma conclusão retirada de um conjunto de factos. E factos que, na sua complexidade ambiental e contextual do conjunto, não permitem uma conclusão tão definitiva. A interpretação do foro íntimo através das manifestações factuais e comportamentais externas, que revelam uma situação objectiva de defesa, não pode excluir a vontade e a actuação de defesa, nem está provado qualquer facto que inequivocamente afaste e seja contrário ou contraditório com a vontade de defesa. XXIII - É certo que se provou que o arguido «actuou livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de disparar com a arma de fogo em causa, sobre uma pessoa humana, […] e de, assim, tirar-lhe a vida, bem sabendo que, à distância a que o fez, e face à zona para que disparou, quer o chumbo quer o zagalote eram meios idóneos a causar a morte». Mas, como é indiscutido, a vontade de defesa não é incompatível com outras conjugações de vontade. A vontade de defesa concorrerá, necessariamente, quando objectivamente se verifiquem os pressupostos de actuação e quando o agente actue no quadro desses pressupostos. A confluência ou a agregação de elementos de vontade e de outras finalidades não exclui a vontade de defesa. Não pode, pois, perante as circunstâncias objectivas provadas, ser afastado o animus defendendi. Mas a actuação com vontade de defesa depende dos bens jurídicos ameaçados pela agressão. Existindo o conhecimento de uma situação objectiva de legítima defesa, não tem sentido a exigência adicional, como se fosse autónoma, de uma co-motivação de defesa. XXIV - Mas, para ser legítima, a defesa tem de ser necessária. A necessidade liga-se ao próprio fundamento teleológico da causa de exclusão da ilicitude – não ceder perante o ilícito; não será necessária quando, por exemplo, se verifica uma «crassa desproporção» entre a natureza, qualidade ou intensidade da agressão e a gravidade das consequências da reacção. Agressões irrelevantes não poderão ser repelidas causando a morte; não pode existir, analisada caso a caso, uma desproporção intolerável entre a natureza da agressão e a gravidade das consequências da reacção. Mesmo sendo necessária, a defesa legítima exige que se verifique uma adequação dos meios usados para repelir a agressão ou afastar a iminência da agressão. O art. 33.º, n.º 1, do CP determina directamente que o excesso intensivo dos meios de reacção não afasta a ilicitude. XXV - Voltando às circunstâncias do caso, pode dizer-se que, verificado o pressuposto de «agressão» (ou, melhor, a actualidade da agressão), os factos provados revelam uma desproporção entre a leitura objectiva do comportamento da vítima e a natureza e a intensidade da reacção do recorrente. Existe, nesta relação, em termos objectivos de verificação ex post, afectação do critério e do pressuposto da necessidade do meio pelo excesso intensivo da reacção, que produziu as mais gravosas consequências para a vítima, quando, certamente, outros modos de reacção menos intensos seriam objectivamente adequados à finalidade de suster ou eliminar a agressão, que nas circunstâncias estava preliminarmente limitada a bens patrimoniais. Por isso, a ilicitude da actuação do recorrente permanece, integrando os factos um crime de homicídio por excesso de legítima defesa. XXVI - Interpretando e conjugando congruentemente os factos na “imagem global”, o que emerge é uma situação em que, objectivamente, concorre (ou não pode ser excluído) um dos pressupostos da legítima defesa (o primeiro na ordem de construção do conceito – uma agressão), sem todavia concorrerem outros pressupostos, como seja a necessidade do meio. Isto é, uma situação que não pode ser considerada como excludente da ilicitude com base na legítima defesa por desproporção entre a agressão e a intensidade e as consequências da reacção. A desproporção (excesso extensivo) ou o excesso de meios (excesso intensivo) não retiram a ilicitude do facto do recorrente, que tem, por isso, em consequência, de ser integrado como crime de homicídio. XXVII - O excesso de legítima defesa tem um regime de punição específico no art. 33.º, n.ºs 1 e 2, do CP: se houver excesso dos meios empregados em legitima defesa, o facto é ilícito mas a pena pode ser especialmente atenuada, não sendo o agente punido se o excesso resultar de perturbação, medo ou susto, não censuráveis. As circunstâncias do caso, especialmente pelos factos não provados – embora alguns dos factos não provados relativamente ao estado de espírito do arguido, aparentem em alguma medida, uma contraditoriedade com as regras da experiência – não são de modo a apontar para a hipótese de demonstração de perturbação ou medo não censuráveis. O arguido, com efeito, mesmo na situação objectiva de defesa, tinha por si a vantagem resultante da prioridade do avistamento, com melhor possibilidade de domínio da situação. A perturbação ou medo que sentisse não poderia nunca determinar uma reacção desproporcionada e, por isso, o excesso intensivo é censurável. XXVIII - Mas, como dispõe o n.º 1 do art. 33.º, a pena pode ser especialmente atenuada, desde que, obviamente, haja uma fundamentação consistente da situação objectiva de defesa, e a reacção, embora em excesso e desproporção, não seja manifestamente afastada de toda a carga própria das interacções de acção-reacção entre o ataque a um bem e as circunstâncias em que decorre. Os factos provados, a especificidade do lugar e do espaço, os antecedentes, a reacção e a verificação ex post das intenções da vítima, que dão consistência às formulações subjectivas do arguido no contexto, são bastantes para considerar adequada a atenuação especial com fundamento no disposto no art. 33.º, n.º 1, do CP. E, por este fundamento, considera-se justa e adequada a pena de 7 anos e 6 meses de prisão aplicada pelo tribunal do júri ao arguido, pela prática do crime de homicídio.” [[75]]
Do mesmo passo no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Novembro de 2013, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, onde se escreveu (sic): “Na verdade, o elemento ou requisito essencial da legítima defesa é a ocorrência de animus deffendendi, ou seja, a vontade ou intenção de defesa, muito embora com essa vontade possam convergir outras razões. O elemento subjectivo da acção de legítima defesa refere-se à consciência da «situação de legítima defesa», isto é, ao conhecimento e querer dos pressupostos objectivos daquela concreta situação, o que se justifica e fundamenta no facto de a legítima defesa ser a consagração de um direito e na circunstância do sentido e a função das causas de justificação residirem na afirmação do interesse jurídico (em conflito) considerado objectivamente como o mais valioso, a significar que em face de uma agressão actual e ilícita se deve ter por excluída a ilicitude da conduta daquele que, independentemente da sua motivação, pratica os actos que, objectivamente, se mostrem necessários para a sua defesa.”[[76]/[77]]
Ou ainda no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Maio de 2009, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, onde se escreveu (sic): “(…) [a] causa de exclusão de ilicitude, prevista no art.º 32.º, do CP, não abdica de um especial circunstancialismo factual e um elenco de pressupostos ao nível do direito, não sindicando o STJ aquele (circunstancialismo), enquanto tribunal de revista, reponderando, no entanto, o pertinente direito aplicável.
A legítima defesa não se propõe, apenas, a defesa dos bens jurídicos do ofendido, mas também a ordem jurídica e pressupõe que o facto é praticado como meio necessário para repelir a agressão ilícita ou antijurídica, enquanto ameaça de lesão de interesses ou valores, não préordenada, ou seja com o fito de, sob o manto da tutela do direito, obter a exclusão da ilicitude de facto integrante de crime, actual, no sentido de tendo-se iniciado a execução, não se verificou, ainda, a consumação, e necessária ou seja quando o agente, nas circunstâncias do caso, se limite a usar o meio de defesa adequado, menos gravoso, prejudicial, por a todo o direito corresponderem “limites imanentes”, a sustar o resultado iminente –Cfr. EE Correia, Direito Criminal, II, págs. 45 e 59. 
Mesmo quando é enormíssima, mediante o recurso a um só meio, a desproporção entre o dano causado por esse meio e o interesse por ele defendido, tem de entender-se que a agressão é legítima, suportando aquela causa de exclusão de ilicitude. 
Taipa de Carvalho, alargando o conceito de actualidade, recondu-la, também, àqueles casos em que ela não seja, em si mesmo, ainda, idónea a lesar o bem jurídico e nem sequer constitua um começo de lesão, mas, contudo, é de esperar, segundo a experiência normal, que tal conduta se sucederá – cfr. A Legítima Defesa , Coimbra Ed., pág., 272. 
Estaremos, então, em face de uma legítima defesa preventiva, reputada inadmissível por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, pág. 146. 
Sem previsão na lei, a legítima defesa não dispensa, ainda, a verificação do pressuposto de impossibilidade de recurso à autoridade pública, atenta a natureza subsidiária da defesa face à defesa actuada pelos órgãos do Estado, requisito não enunciado no CP de 82, em contrário da versão de 1886, mas de que a jurisprudência destaca.
Essencial, pressuposto estrutural à legítima defesa, é, mesmo, o “ animus defendendi”, a in-tenção de, pelo contra-ataque a uma agressão, se suspender uma agressão ilegítima; o facto típico levado a cabo pelo defendente há-de destinar-se a prevenir uma agressão ilícita actual. 
A intenção de defesa correspondendo a um estádio de espírito, inapreensível sensorialmente , que há-de ser a resultante de factos objectivos que a indiciem .
O agente, segundo a jurisprudência deste STJ, há-de ter consciência da legítima defesa, enquanto elemento subjectivo da acção de legítima defesa, de afirmação de um seu direito, de realização, no conflito de valores e interesses jurídicos, de um interesse mais valioso, pese embora com aquela vontade ou intenção de defesa legítima possam concorrer outros motivos como o ódio, vingança ou indignação.” [[78]]
Feito este excurso enquadrador e definidor dos momentos em que desdobra o instituto da legítima defesa, recenseemos os factos, considerados aptos pelo tribunal a quo para justificar a condenação operada na decisão sob impugnação.
Em passos rápidos e sincopados o quadro enformador em que se protagonizou e desenrolou a acção dos intervenientes poderá resumir-se em i) a vítima estava num espaço supostamente de titularidade comum a realizar uns trabalhos; ii) o arguido passou por ele sem dizer nada; iii) dirigiu-se à garagem e aí muniu-se de uma pistola; iv) quando saiu interpelou a vítima dizendo-lhe que não podia fazer o que estava a fazer; v) afastava-se quando chega a esposa; vi) a esposa dirige-se para o local onde a vítima estava a realizar os trabalhos; vii) a esposa tenta derruir a obra estava a ser efectuada, com uma vassoura; viii) a vítima tira a vassoura das mãos da ofendida FF e agride-a na cabeça e nos braços; ix) o arguido é igualmente agredido com a vassoura; x) o arguido municia a pistola e dispara três tiros com que atinge a vítima. Ainda mais sintetizado, o arguido não reage, numa primeira passagem, à acção da vítima; a esposa, acabada de chegar, reage tentando descompor o trabalho que a vítima estava a efectuar, este reage, tirando a vassoura – instrumento utilizado pela esposa do arguido para desmantelar a obra da vítima –, agredindo-a; com a vassoura terá agredido igualmente o arguido; este arma (municia) a arma que tinha embolsada e dispara três tiros atingindo a vítima em partes do corpo que se revelaram letais.
A agressão, ainda que a bens patrimoniais da vítima, é iniciada pela esposa do arguido. A vítima, certamente, reage a essa agressão, tirando a vassoura das mãos da esposa do arguido e passando a agressor de bens pessoais da esposa do arguido, bem como dele próprio. O arguido reage, municiando a pistola e desfechando três tiros no corpo da vítima.
Na origem do dissidio estariam acendradas e rezingadas questões de vizinhança, concernentes com a propriedade do local onde a vítima se propunha realizar (realizava) obras.
A questão reconduz-se a saber se a acção “de defesa” desencadeada pelo arguido pode ser perspectivada, objectivamente, como meio de acção ajustado e adequado para afastar, reagindo, a acção desvaliosa que a vítima estava a perpetrar na pessoa da sua esposa e em si próprio. 
Arrendando de uma abordagem analítica inicial a questão da emotividade e dos sentimentos negativos – ódios, rancores, sentimentos de vingança acumulados – o que fica é uma agressão com uma vassoura – instrumento contundente mas, a menos que aplicado de forma percuciente e iterada em pontos do corpo sensíveis, não letal –, por parte do agressor (vítima), contra uma agressão “defensiva” com uma arma de fogo, que o arguido já tinha em seu poder e de que se munira antes de que qualquer dissensão agressiva se tivesse estabelecido.      
Sem conceder em juízos preordenados a um fim – poder-se-iam efabular e conjecturar as intenções com que o arguido foi aprovisionar-se da pistola tendo visto a vítima a efectuar uma obra que era contra o que supunha ser o seu direito –, a reacção do arguido, ainda que efectuada para rechaçar uma agressão à integridade física da sua esposa – e que ele próprio já tinha sofrido – excede, do nosso ponto de vista, um modo de reacção ajustado e compatível com a legítima defesa. Em nosso juízo não é compatível com uma acção defensiva conformada com uma adequada ponderação de valores a conduta de alguém que tendo sido confrontado com uma agressão consumada com uma vassoura não procura numa reacção “defensiva” retirar a vassoura das mãos do agressor e parar a agressão, ou reagir, depois dessa acção, se o agressor mantivesse a acção agressiva, de se defender agredindo-o com a vassoura. Notar-se-á que o arguido tinha uma nível etário mais baixo do que o agressor – o agressor teria 71/72 anos o arguido tinha 68 – e numa rinha de pessoas, primacialmente e a menos que exista uma flagrante e desmesurada desvantagem de algum dos contendores, por ex. por defeito físico incapacitante de uma defesa compatível, a defesa se processa usando as mesmas armas com que a agressão é perpetrada. Não é compatível uma reacção a uma agressão de mãos livres, ou com um meio não especialmente vigoroso e perigoso, como é o caso de uma vassoura, com uma pistola, meio especialmente letal e perigoso. Objectivamente uma acção defensiva desta natureza e com os contornos com que a perspectivamos, não configura, em nosso juízo, uma acção susceptível de afastar o desvalor objectivo da acção típica consubstanciada no tipo de ilícito de homicídio.
Ainda que concordemos com a conclusão 14. contida na obra da Professora Fernanda Palma, notadamente que “a defesa evitável contra uma agressão ilícita não se pode considerar necessária, não satisfazendo o requisito objectivo previsto no artigo 32º do Código Penal, que refere e necessidade ao próprio facto defensivo e não, estritamente ao meio de defesa, Por outro lado, a necessidade do meio e a necessidade de defesa exprimem um mesmo princípio de subsistência do valor relativo dos bens do agressor, sendo recusável, até por um argumento a fortiore, o reconhecimento do primeiro e negação da segunda” não podemos deixar de ponderar que a necessidade de defesa que no momento se prefigurava compatível com a agressão se realizava ou era exequível mediante o uso da força física e não do uso de uma arma de fogo. A necessidade de defesa que se configura passível de poder ocorrer no caso era compaginável com um desforço físico, traduzido num desarme da vítima – arrancamento da vassoura da posse da vítima – e, admite-se posterior agressão para frenar o eventual ímpeto agressor da vítima.  
Na verdade, como afirma Javier Wilenmann, “una acción es necessária si se trata del más benigno de los medios defensivos igualmente idóneos que el agente en legitima defensa tiene a sua disposición, esto es si se trata del médio defensivo de cuya execución, en el modo elegido , se sigue el menos dano al agressor.”
Para mais adiante afirmar que “o juízo de necessidade é, deste modo, um juízo comparativo: a afirmação da necessidade da acção requer o estabelecimento de modos de defesa alternativos disponíveis e, por comparação, a determinação da menor lesividade do meio que se julga.” [[79]]
Asseverando que deve ser usado, na acção repulsiva, ou de rechaço da agressão actual, o meio que no momento se mostre mais eficaz e com maiores probabilidades de êxito, por exemplo seria legítimo usar uma arma de fogo para repulsar uma agressão ilícita em vez de uma arma branca, se aquela se revelasse, em face das circunstâncias concretas de como a agressão estava a ser perpetrada, idónea a realizar com êxito a acção defensiva, o autor não deixa de afirmar que deve existir uma proporcionalidade e «igual idoneidade» dos meios utilizados pelo agente para afastar e rechaçar a agressão. A idêntica idoneidade dos meios utilizados, na acção agressora e na acção defensiva, constitui-se como factor determinante para aquilatar da justeza e adequação da necessidade de defesa. 
No caso, como pretendemos demonstrar, o uso de arma de fogo para afastar e repulsar uma agressão mediante um meio relativamente inidóneo para concretizar uma agressão intensa e de efeitos letais, ou pelo menos, de lesividade extensa, afigura-se-nos excessivo e desproporcionado, trinando a acção defensiva inidónea e susceptível de justificar a conduta ilícita do arguido. [[80]]           
Concluímos, assim, pela desnecessidade e inidoneidade da defesa nos termos e com os meios utilizados pelo arguido, o que deixa injustificada a atitude do arguido e o faz incorrer na autoria material de um crime de homicídio.        
II.B.2.b). – EXCESSO DE LEGÍTIMA DEFESA.
Adverte o artigo 33º do Código Penal que verificando os pressupostos da causa excludente de legítima defesa mas os meios empregues tiverem ultrapassado aquilo que for tido como proporcionada e ajustado para repelir a agressão ilícita, “o facto é ilícito mas a pena pode ser especialmente atenuada” – nº 1 do citado preceito. Ocorre uma isenção de punição se “o excesso resultar de perturbação, medo ou susto não censuráveis” – nº 2 do preceito em análise.    
Em termos singelos explica Jescheck que “se aquele que se defende sobrepasa este limite – “la legitima defensa sólo justifica aquellas acciones defensivas que resultan necesarias para aapartar una agressión antijurídica actual de la forma menos lesiva posible para el agressor” – actúa antihjurídicamente (exceso intensivo en la defensa), También actúa antijuridicamente el defensor cuando se defiende pese a la agressión no es todavia, o ya no es, actual (exceso extensivo en la defensa. En el primer caso, el autor se excede el la medida; en el segundo, en los limites temporales de la legitima defensa.” [[81]]      
Para que a figura jurídico-penal de excesso de legítima defesa possa ser equacionada no conspecto da acção antijurídica do agente defendente é inarredável que tenha pressuposta uma prévia verificação dos requisitos da legítima defesa. Dito de outra forma para que o excesso possa ser mensurado é inafastável que o denominador mínimo, vale dizer a legítima defesa, esteja definida e estabilizada. A legítima defesa é a categoria depositária do valor jurídico de que deve partir-se para aferir o excesso da sua medida. Sem legítima defesa, isto é, sem comprovação de um estado jurídico idóneo e apto para realizar um fim permitido pelo, a sua própria defesa ou de terceiros, não é possível mensurar o que vai, ou a pode, sobrepassar, ou seja ir além do que haja de ser considerado necessário.   
 Isto mesmo é possível extrair do que vem afirmado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20.06.202, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, quando refere que; “1 - A legítima defesa, como causa exclusória da ilicitude, constitui o exercício de um direito: o direito de legítima defesa que tem, entre nós, assento na Constituição, no Código Civil e está previsto para efeitos penais no art. 32.º do C. Penal, estando dependente a sua capacidade exclusória da ilicitude da verificação dos seguintes requisitos: - agressão actual e ilícita; - defesa  necessária  e com intenção defensiva. 2 - Já o excesso de legítima defesa se situa entre as causas de exclusão da culpabilidade: circunstâncias que impedem que determinado acto considerado ilícito pela lei, seja atribuível de forma culposa ao seu autor, motivos que anulam, pois, o conhecimento ou a vontade do agente. 3 - O excesso de legítima defesa, quando o excesso (no grau em que são utilizados ou na sua espécie  os meios necessários para a defesa) resultar de perturbação, medo ou susto não censuráveis (art. 33.º, n.º 2 do C. Penal) cabe na inexigibilidade de conduta diversa, actuando no domínio da culpa. 4 - O «excesso nos meios» de que fala a lei, porque é em regra esse tipo de excesso que ocorre, resultante da perturbação profunda que a agressão provoca no agente deve imputar-se a uma culpa mitigada (ao menos em princípio), susceptível de permitir ao juiz que atenue a pena (art. 33.º, n.º 1 do C. Penal), ou não sendo censurável conduzirá à não punição do agente (art. 33.º, n.º 2 do C. Penal). 5 - Mas não é qualquer perturbação, medo ou susto que é susceptível de afastar a punição em caso de excesso de legítima defesa, o que só sucederá quando os mesmos não forem censuráveis.
6 - A necessidade da defesa há-de apurar-se segundo a totalidade das circunstâncias em que ocorre a agressão e, em particular, com base na intensidade daquela, da perigosidade do agressor e da sua forma de agir.” [[82]]          
No apartado anterior estimou-se que a acção desenvolvida pelo arguido para afastar a acção agressora da vítima não quadraria com uma arrimada concepção de legítima defesa, pelo que se consideraram inverificados os pressupostos de que dependia a sua estrénua qualificação jurídica.
Não tendo sido aferida a tábua de razão que exalçava a possibilidade de mensurar o que a poderia ter excedido torna-se inviável a avaliação de um valor activo que não tem com ponto de aferidor um elemento de referência de mensuração. Não se pode mensurar sem uma pauta de referência devidamente estabilizada e institucionalizada que permita estabelecer os elementos de comparação e equivalência.
Desatende-se este fundamento da impugnação do arguido.
II.B.2). – CAUSALIDADE. IIMPUTAÇÃO DO RESULTADO AO AGENTE.
O tribunal recorrido deu assento à verificação de um nexo de causalidade entre a acção perpetrada pelo arguido e o evento danoso e letal produzido na esfera vital da vítima com a sequente argumentação (sic): “Sobre o nexo de causalidade entre a conduta do recorrente e o resultado morte de EE formou o tribunal colectivo a sua convicção, primacialmente, na perícia médico-legal e respectivo relatório, constante de fls. 2006 a 2007 verso, em resposta aos quesitos formulados pelo tribunal (fls. 1929/1930).
O legislador penal ao equiparar a acção adequada para produção de certo resultado à omissão da acção adequada a evitá-lo, no artigo 10.º, n.º 1, do Código Penal, consagra a vigência da teoria da causalidade adequada, de que se lança mão para estabelecimento do nexo causal, que é um elemento referencial entre a conduta e o resultado, que une a conduta ao evento, enquanto modificação do mundo exterior.
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário que o ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz, adequada desse efeito ([1]). 
Neste juízo de probabilidade ou adequação abstracta devem ser consideradas não só as circunstâncias cognoscíveis, na data do facto, pelo bonus pater familiae, como também as circunstâncias efectivamente conhecidas do agente.
Assim, uma condição deixará de ser causa adequada, tornando-se pois juridicamente indiferente, desde que seja irrelevante para a produção do dano segundo as regras da experiência, dada a sua natureza e atentas as circunstâncias conhecidas do agente, ou susceptíveis de ser conhecidas por uma pessoa normal, no momento da prática da acção ([2]), considerando-se irrelevante quando a acção não é susceptível de agravar o risco de verificação do dano.          
Por outro lado, o nexo de causalidade entre o dano e o facto não tem que ser, necessariamente, directo ou imediato. Com efeito, existe ainda nexo de causalidade adequada quando o facto, em si mesmo, não provoque o dano, mas desencadeie um outro facto que directamente o produza ([3]).
Como salienta o tribunal colectivo, «o arguido entende que o falecimento de EE teve como causa uma pneumonia e que vem mencionada num dos pontos designados como “causa da morte” do certificado de óbito de fl.s 362, sendo a sua conduta alheia àquele facto. E, de facto, tal pneumonia é a causa mais próxima da morte, como resulta daquele certificado de óbito.
Sucede que tal pneumonia não surgiu do nada, antes resultando de uma Infecção Respiratória Associada aos Cuidados de Saúde, os quais na raiz, foram originados pelos três tiros que desferiu na vítima que obrigou a tais tratamentos, o que não pode ser obliterado, como pretende o arguido.
Efectivamente, como se escreve no relatório pericial, a morte sobrevinda de EE teve por causa uma Infecção Respiratória Associada aos Cuidados de Saúde, complicação expectável de um indivíduo aletuado (tetraplégico), com traqueostomia e anemia multifactorial, consequentes ao choque hemorrágico, internamento prolongado e tratamentos que advieram como consequência das lesões traumáticas por projéctil de arma de fogo.
Do certificado de óbito já aludido (no caso, não foi realizada autópsia médico-legal) consta o seguinte no item causa da morte:
a) Pneumonia associada a cuidados de saúde
b)Tetraplagia traumática;
c) Agressão por arma de fogo
Basta olhar para os três itens inscritos no certificado de óbito para estabelecer uma conexão entre as causas apontadas e olhar no prisma inverso ao pretendido pelo arguido – da alínea c) para a a) para compreender os factos no seu conjunto e concluir pelo nexo causal entre eles.
Existe uma sequência de eventos, intimamente relacionados entre si, sequenciais sem quaisquer intercorrências (não podendo a infecção hospitalar ser considerada uma intercorrência, como veremos) e que conduziram ao resultado morte.
Explicando um pouco melhor.
A vítima sofreu agressão com arma de fogo, tendo sido atingida por três projécteis: no ombro esquerdo, na região cervical direita e na transição torácico-abdominal, à direita. No dia da agressão – em 29 de Agosto de 2014 - foi submetido a intervenção cirúrgica, sendo reintervencionado ao 4º dia de internamento. É-lhe diagnosticada tetraparésia do doente crítico. Por insuficiência respiratória é realizada traqueostomia para ventilação. Apresenta picos febris durante todo o internamento. Ao 29º dia de pós-operatório, verifica-se agravamento clínico. Em 10.12.2014 teve alta do serviço de cirurgia – note-se que alta não significa a consolidação das lesões pois consolidação e cura não são conceitos coincidentes – e tanto assim que saído do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes ingressa nesse mesmo dia numa Unidade de Cuidados Continuados, mantendo um estado de amiotrofia grave e apresentando múltiplas intercorrências infecciosas. Não comunica nem verbalmente nem por escrito. Recorreu de novo ao serviço de urgência em 18 de Janeiro de 2015, tendo ficado internado no serviço de Medicina Interna, com diagnóstico de pneumonia associada aos cuidados de saúde, escaras de decúbito e anemia multifactorial. Tem alta daquele serviço em 03.02.2015 após resposta favorável a antibioterapia e regressa à Unidade de Cuidados Continuados, onde falece em 19 de Março de 2015, de pneumonia, como vimos.
Assim, como se escreve no relatório pericial, dos disparos de arma de fogo (3 projécteis) terão resultado as lesões traumáticas abdominais, vertebrais lombares, cervicais, dorsais e do ombro esquerdo atrás descritas. Estas lesões traumáticas terão sido complicadas de choque hemorrágico e séptico severos, com disfunção multiorgânica (cardiovascular, respiratória, metabólica, renal e hepática), bem como de polineuropatia do doente crítico e aletuamento prolongado que predispõe ao surgimento de úlceras de pressão e que motivaram as intervenções cirúrgicas, subsequentes internamentos e tratamentos médicos, nomeadamente a realização de traqueostomia, que em conjunto com outras complicações já anteriormente descritas aumentam a susceptibilidade a quadros infecciosos (respiratórios, entre outros).
E, os peritos médicos são do parecer de que as lesões/efeitos/consequências, tal como descrito anteriormente, foram potenciadas/causadas umas pelas outras, existindo encadeamento clínico e cronológico entre as lesões iniciais (lesões traumáticas causadas por acção directa da energia cinética dos projécteis de arma de fogo) e as complicações subsequentes.
E concluem os senhores peritos que a morte sobrevinda de EE teve por causa uma Infecção Respiratória Associada aos Cuidados de Saúde, complicação expectável de um indivíduo aletuado (tetraplégico), com traqueostomia e anemia multifactorial, consequentes ao choque hemorrágico, internamento prolongado e tratamentos que advieram como consequência das lesões traumáticas por projéctil de arma de fogo, sendo certo que, se não tivesse sido socorrido, tais lesões, considerando a sua natureza, a sua localização e gravidade, ter-lhe-iam causado a morte.
Em síntese, à luz do juízo pericial enunciado as lesões causadas pelos disparos desencadearam a necessidade de traqueostomia e anemia multifactorial, consequentes ao choque hemorrágico, internamento prolongado e tratamentos que advieram como consequência das lesões traumáticas por projéctil de arma de fogo levaram à pneumonia que, por sua vez, conduziu à sua morte, num desencadear de efeitos, uns directos e imediatos outros mediatos, concausas que a prazo considerados em conjunto, causaram a morte, sem que se possa considerar interrompido o nexo causal. Destarte, a morte evidencia-se como efeito directo e necessário da conduta do arguido, como uma sua consequência típica num processo causal sem quaisquer corte de coerência, sendo congruentes o facto e o dano produzido.»
Em suma, existe nexo de causalidade adequada, indirecto, entre a conduta do arguido que desferiu três disparos no corpo de EE, com o propósito de lhe tirar a vida, e a pneumonia por este sofrida que conduziu à sua morte.”
Para que um resultado possa, jurídico-penalmente, ser imputado a um agente e lhe possa ser imposta uma sanção penal [[83]] exige-se que se possa estabelecer, objectivamente, um nexo causal [[84]] entre a conduta e o resultado (típico) previsto na norma validante da acção contrafáctica do Direito. (Na acepção Kantiana “«imputação» [imputatio] moral é o juízo em virtude do qual alguém é considerado como autor (causa libera) de uma conduta, que desde esse momento se denomina facto (factum) e se acha sb a lei (scil. da liberdade)» [[85]]    
Para Michael Köhler, “deve definir-se delito [crime] como a negação fundamental do Direito através, em especial, da validez geral negativa que se contém na decisão subjectiva. Assim, o delito é ruptura, ao mesmo tempo objectiva e subjectiva, da relação jurídica , ou melhor das relações jurídicas do reconhecimento.” Para este autor a autonomia da imputação subjectiva foi expressivamente definida por Hegel ao vincar que “O Direito da vontade consiste em que no seu facto só se reconheça como a sua própria acção aquilo que de pressuposto que conhece como finalidade, e só seja culpável disso … o facto só pode ser imputado como culpabilidade da vontade; - como o Direito do saber”. [[86]]
O sujeito do facto e os seus pressupostos subjectivos de imputação só pode ser o mesmo sujeito humano que é o reflexo da validez e da norma. Desta forma, tal sujeito se identifica ao mesmo tempo com aquilo que é o delito e o que é a pena (concorrendo então também objectivo-subjectivamente com os outros.” [[87]]
Para que possamos dizer que X é causa de Y deve de haver entre ambos (objectos, sucessos…) uma relação de contiguidade e sucessão. Mas isso não basta: é preciso, para além disso, que a contiguidade e a sucessão ocorram por virtude de uma «conexão necessária» entre ambos.” [[88]]
Nas palavras de Pufendorf: “A IMPUTAÇÃO de direito consiste em aqueles que têm interesse em que uma coisa se faça ou não faça se faça declararem que o Agente é o verdadeiro autor disso e que os efeitos ligados a essa acção devem pesar sobre ele. […] [Q]uem cometer uma Acção proibida deverá contar com a sujeição à pena cominada pela lei, caso seja considerado como autor.” [[89]
Se um crime for visto como imputação de facto punível, e não como uma nera acção humana ocorrida no mundo, então vem ao caso lembrar a categoria das proposições ascriptivas ou atributivas (Ing. ascriptive sentences) de responsabilidade (de direitos) usada por Herbert Lionel Adolphus Hart (1907-1992) para caracterizar as frases cuja função principal não é descrever objectos, eventos ou estados de coisas, mas sim fazer imputações de factos axiologicamente relevantes.” [[90]/[91]
“(…) no tocante ao ilícito doloso, importa desde logo sublinhar que, num contexto de um direito penal do «facto» centrado na protecção de bens jurídicos, para a sua verificação não basta o mero anumus delinquendi, nem a realização intencional de um simples contributo causal da ocorrência do crime, exigindo-se que o comportamento integre o efectivo elemento desencadeador (=causa efficiens, causa sufficiens) da infracção. Só quando o agente pratique, de modo voluntário, uma conduta que (à luz do padrão do homem médio), i.e., sem interferência de considerações de culpa individual) lhe confira comando sobre o «se» e o «como» da situação descrita no tipo, esta se converte num dolo-em-acto, deparando-se com a unidade subjectiva-objectiva em que s analisa o conteúdo de antinormatividade específico do ilícito doloso.” [[92]]   
Na veste de critério de imputação objectiva – i.e, enquanto expressão da estrutura interna da antinormativdade dolosa (=«dolo-em-acto») e, assim, do vínculo entre a vontade e o acontecimento exterior necessário para que o último se considere uma «realização» ou «obra» do agente –, também aquele domínio-do-facto se converte no simples controlo, pelo sujeito, de criação de uma situação que deixe antever, com «não-impossível», a ocorrência do delito. Entendimento que se condensa na assunção de uma «domínio-da-não-impossibilidade-do-facto» como princípio geral da imputação objectiva dolosa.” [[93]]  
A moderna doutrina da imputação objectiva escalona-se em dois graus, constituído o primeiro pela causalidade – determinada pela teoria da condição – e integrado o segundo por uma série de critérios valorativos da imputação.” Colocadas as pertinentes objecções a esta dúplice formulação, o autor aponta a formulação de Frish para quem “não resulta correcto unificar o conceito de imputação o juízo mediante o qual se atribui um resultado a uma acção do autor e o juízo mediante o qual se decide se essa acção é ou não típica: no primeiro caso, segundo Frish, poderíamos falar de imputação, enquanto no segundo estamos ante um problema distinto: o da valoração típica.
Paredes Castañon desenvolveu a especificação de Frish: para este autor há juízos descritivos (v. g. a causação), juízos atributivos ou de imputação (a autoria ou o dolo) e juízos de valoração (como, v. g. o relativo ao risco permitido).” [[94]]   
Incidente às situações em que de uma acção humana resulta a morte, refere Javier Boix Reig [[95]] que “entre a acção de matar do sujeito activo e o resultado de morte deve mediar uma relação de causalidade. Em muitos casos de homicídio, a imputação objectiva do resultado à conduta do autor planteia problemas (por exemplo, A dispara em B no abdómen e este morre devido às feridas causadas pelo disparo. Sem embargo, em ocasiões, têm lugar cursos causais complexos que planteiam sérios problemas na hora de determinar se a conduta do autor foi ou não a causa do resultado. Isto ocorre, por exemplo, naqueles casos em que se dá uma concorrência de factores que incidem no resultado (luta em que morre uma pessoa como consequência de um somatório das lesões causados por vários participantes na mesma); em hipóteses de causas sobrevindas (morte por infecção de uma ferida, em principio não mortal, causada por arma branca); casos nos quais concorrem condições preexistentes no próprio sujeito passivo que influem na causação da morte (enfermidade preexistente como cardiopatia, hemofilia, etc.); nos supostos de intervenções de terceiros no curso causal da morte (imprudência médica ou da própria vítima), etc.
Para resolver estes casos problemáticos a doutrina que podemos considerar dominante e a jurisprudência do Tribunal Supremo estabelecem a distinção entre dois aspectos distintos: a causalidade e a imputação objectiva do resultado. São dois, pois, os passos a dar. Em primeiro lugar, trata-se de verificar a relação de causalidade, isto é, o nexo causal entre a conduta e o resultado da morte, mediante a aplicação da teoria da equivalência das condições (é causa do resultado aquela condição que se a suprimíssemos mentalmente o resultado não se teria produzido). Em segundo lugar, deverá comprovar-se que esse resultado é imputável objectivamente à conduta do sujeito e isto se leva a cabo através de critérios normativos que permitem extrair de todas as condições ou causas que contribuem para o resultado as que se consideram penalmente relevantes como pressuposto para poder imputar responsabilidade penal. Assim, o resultado será imputável objectivamente quando: a) o sujeito com a sua conduta tenha criado um risco juridicamente desaprovado ou tenha incrementado o risco de que esse resultado se pudesse produzir – se o resultado tivesse tido lugar igualmente, ainda que o sujeito tivesse actuado correctamente, não cabe a imputação do resultado; b) o resultado seja a realização do risco criado pelo sujeito e não a realização de um risco distinto ao criado por ele; e c) o resultado caiba dentro do âmbito de protecção que se previu para ditar a norma.” [[96]]       
Não basta, pois, que se avalie e abalize objectivamente, o proceder e agir do agente e se reconduza e precipite, acriticamente e desprovido de qualquer valoração normativa, esse nexo causal. Antes passou a tornar-se necessário, a partir da formulação da teoria da imputação [[97]] objectiva, por Karl Larenz, que a imputação fosse analisada não só como um suceder (naturalístico) de uma acção de causa e efeito, mas que essa acção fosse mediatizada ou perspectivada por uma avaliação racional e configurada como uma totalidade do agir e realizar humano. [[98]] Segundo Larenz “no plano da causalidade é válido o princípio de equivalência – toda causa é equivalente enquanto elo de uma cadeia causal ilimitada – essa contingência não pode superar-se buscando uma causa suficiente objectivamente diferenciada, como fazem as teorias individualizadoras da causalidade. Para melhor haverá que inquirir o que é que pode ser consequência de uma activação da vontade [Willensbetätigung], quer dizer, para Larenz o ponto de partida tem que ser a causalidade da vontade na sua peculiaridade teleológica. “Só a vontade domina o curso causal, assim que só ela tem a possibilidade de transformar a sucessão «azaII» em facto próprio. Imputação ao fato é relação de um sucesso com a vontade. Só ao possuidor de vontade, a pessoa, pode imputar-se algo. (…) Só a pessoa pode converter-se em originador [Urheber], em autor. Na medida em que não pode conceber-se uma vontade autoconsciente sem liberdade, o conceito de pessoa como sujeito livre e autodeterminante é para Larenz um requisito, não só da imputação à culpabilidade, mas também já da imputação objectiva. (…) São dois os factores que possibilitam a «causalidade da vontade». Por um lado, a capacidade do sujeito de prever o curso causal e de reconhecer o efeito de determinadas causas: o elemento de saber e de prever. Por outro, a capacidade de, com esse conhecimento, intervir por si mesmo no curso causal, de converter-se a si mesmo em causa, para dar assim ao curso causal a direcção desejada; o elemento da capacidade causal [Unsächlichkeit] da vontade. Ambos os factores juntos dão como resultado o conceito de autor (…)”. [[99]]           
Já para Honig, a “função da categoria da imputação objectiva é examinar a questão axiológica de se a relação de causalidade tem relevância jurídica para o ordenamento – com arrimo aos critérios dados pelo próprio ordenamento jurídico. Significativamente, Honig reprova à teoria da causalidade adequada o haver ignorado que toda a valoração dentro do âmbito das condições que provocam o resultado cai fora da dimensão exclusivamente ontológica do conceito de causalidade. Poi isso, Honig, não mantém, diversamente de Larenz, que a imputação objectiva possa fixar-se independentemente do valor da conduta, antes se limita a advertir que a imputação objectiva ainda não expressa juízo de valor algum sobre o autor, quer dizer, sobre a sua responsabilidade pelo seu comportamento. Esta postura acarreta como resultado um rechaço ao conceito pré-jurídico da acção. Isso corresponde com a afirmação de Honig de que a tipicidade não limita a responsabilidade, mas sim que constitui o objecto do juízo e com isso fundamento da responsabilidade. “[A tipicidade] é o fundamento, mas não o correctivo do conceito de acção. Se a activação da vontade não é típica, não estamos ante uma conduta interessante desde o ponto de vista penal. Consequentemente, para Honig é já a este nível – sem ter que esperar aos posteriores da antijuridicidade objectiva e da culpabilidade – donde o enfoque normativo e não o naturalista tem a palavra.” [[100]/[101]]
Segundo o autor que vimos seguindo, para Roxin, na esteira de Honig, “a verdadeira questão jurídica fundamental radica, não na determinação de certas circunstâncias fácticas, mas sim na fixação das tabelas [«baremos»] conforme aos quais pretendemos imputar a uma pessoa determinados resultados. (…) Que possa ou não imputar-se-lhe um resultado a um homem como sua obra é, conforme a isso, desde o princípio uma questão dos critérios de valoração a que submetemos os dados empíricos.” (…)
A fórmula básica da todavia hoje absolutamente dominante doutrina da imputação objectiva estabelece que um resultado de injusto que, no sentido da teoria da equivalência (doutrina da conditio sine que non e da condição ajustada às leis da natureza [gesetzmässige Bedingung], haja sido causado por um comportamento humano, é objectivamente imputável quando o autor mediante o seu comportamento tenha criado um risco não permitido e o dito risco se tenha realizado no resultado.” (…)  
Entre os partidários da doutrina normativa da imputação praticamente não se discute a necessidade de que no prognóstico do risco se tome uma perspectiva ex ante. O motivo é que, segundo eles, desde um ponto de vista ex post toda a conduta que provocasse uma lesão deveria desaprovar-se, isso ainda que do ponto do autor aparecesse como absolutamente inidónea para causar a lesão. Deste parecer é também Jakobs…”[a questão] não pode depender do ponto de vista ex post; pois se se conhece o processo exacto, sempre poderá ser dominado; junto ao conhecimento da concreta causalidade não sobra já espaço para o exame da «dominabilidade». Se do que se trata não é de uma determinada causalidade ex post, mas sim de uma «dominabilidade» cuja concorrência possa constatar-se já no tipo objectivo (…), então o exame da «dominabilidade» há-de realizar-se com base no «baremo» [«tabela»] da pessoa objectivamente equipada [objektiv ausgestattete Massstabsperson], quer dizer, há-de configurar-se como imputação objectiva” (…)
Em particular, o juízo de imputação objectivo, cujos requisitos hão de examinar-se no tipo objectivo, subdivide-se segundo a doutrina dominante nas seguintes subcategorias: em primeiro lugar, conforme os seus partidários requer a criação ou incremento de um risco juridicamente desvalorado. É por isso que em casos en que o autor reduz ou minimiza o risco típico não se lhe poderá imputar o resultado pese a existência de uma relação de causalidade. O mesmo há-de valer para supostos nos quais o risco introduzido pelo autor seja socialmente adequado. Se pelo contrário o autor criou um risco não permitido, conforme a doutrina da imputação objectiva o dito risco deverá ter-se realizado no dano ao bem jurídico. No marco desta chamada relação de risco realiza-se a confrontação entre a criação de um risco definida ex ante e o curso causal ex post. Para além disso, a doutrina dominante requer que, com uma probabilidade raiana na certeza, o resultado não se tivesse produzido com um comportamento do autor alternativo conforme ao Direito, enquanto que a não poucas vezes defendida doutrina do incremento do risco se contenta com que o autor haja elevado o risco não só desde a perspectiva ex ante mas também desde uma perspectiva ex post.” [[102]]   
Após uma digressão pelo que se torna necessário, em seu juízo, empreender para superar os escolhos jurídico-dogmáticos da teoria da imputação objectiva (dominante), o autor conclui que “é essencial reter que as fricções da doutrina da imputação objectiva só se logram evitar se se substituem as normas monistas que lhe serve de base por uma teoria das normas dualistas que diferencie entre direitos privados subjectivos e normas de comportamento jurídico-publicas, assim como a dominante teoria da equivalência por um conceito de causalidade baseada no «afectar», cuja tarefa seria definir o alcance da cada uma das posições jurídicas individuais.” [[103]]        
A teoria da imputação objectiva, segundo Volker Haas, não cumpre o seu papel, dado que
se torna necessário distinguir entre deveres de comportamento jurídico-públicos e direitos privados subjectivos.
Na monografia “Comportamiento Típico e Imputación del Resultado”, Wolgang Frish, desenvolve o tema da proporcional, necessária e adequada imputação da conduta ao resultado típico suposto na norma incriminadora, em duas vertentes “a criação de um risco desaprovado” e “fim da protecção de norma”. Para este Autor, os critérios básicos “para «enjuizar» o problema da criação do risco tipicamente desaprovada” deve ser perspectivada numa espécie de processo em duas fases, “em primeiro lugar, se a desaprovação de certas condutas com risco inerente, em vista da liberdade de acção, parece um meio idóneo, necessário e adequado para conservar determinados bens, e, em segundo lugar, se para manter a validez e inquebrantabilidade da norma parece necessário e adequado reaccionar às criações de risco assim desaprovada cok a pena e recorrendo aos delitos de resultado.” [[104]]      
Existem, para este Autor, três grupos fundamentais de condutas que põem em perigo bens jurídicos: “as condutas e uma pessoa que ameaçam com levar a menoscabo os bens jurídicos directamente, isto é, sem intermediação, da vítima ou terceiros, que incremente o perigo ou favoreça positivamente; as condutas que só podem «desplegar» esse efeito de menoscabar bens jurídicos mediando a actuação da vítima e são perigosas devido à possibilidade mais ou menos próxima das respectivas condutas (de «autopuesto» em perigo ou autolesão) da vítima; e as condutas que comportam o perigo de menoscabo de bens jurídicos porque existe o risco maior ou menor que terceiros conectando com tais acções, levem a cabo condutas de ameaça ou menoscabo a bens jurídicos.” [[105]]    
Em jeito de remate, refere este autor que “a chave para a doutrina da imputação do resultado só pode vir a ser dada, no fundo, pela razão específica da exigência de resultado, isto é, pelo fundamento material de que a lei, para a punição (ou punição qualificada) de determinadas condutas, postula o requisito de que se tenha produzido um resultado, junto ao da correspondente infracção de norma de conduta.” [[106]]  
No acrisolamento da teorização desta forma de convalidar e apreciar uma acção causal tipicamente relevante e de a imputar (objectivamente) a um agente [imputação objectiva], Claus Roxin, assevera que um resultado só poderá, válida e seguramente, imputado a um gente se a “sua conduta tiver criado um perigo para um bem jurídico não coberto pelo risco permitido, e esse perigo se realizar em um resultado concreto que esteja dentro do âmbito da norma” [[107]]   
Na formulação pragmático-estrutural da doutrina da imputação objectiva de Roxin poder-se-iam escandir uma pauta de sequências e pautas de comportamento traduzidas numa obrigação de i) diminuição do risco; ii) numa necessidade de obviar à criação de um risco juridicamente relevante; iii) de se manter dentro ou numa esfera de cuidado e prevenção de risco que ainda que possa ser considerado elevado não ultrapasse aquele limite que o legislador estima dever normativamente sancionado; e, finalmente, como corolário da asserção antecedente, iv) que o risco empreendido não vulnere a positivação normativa que o legislador estimou constituir o limite a partir do qual a comunidade quedaria desprotegida.
Nas palavras de Paulo Sousa Mendes, o pensamento recente de Roxin terá sofrido uma evolução “em ordem a imprimir organização a esses critérios, designadamente, fazendo-os derivar de duas ideias estruturantes, uma com valor de regra geral, outra com valor de excepção:
- um resultado lesivo causado pelo agente só deve ser subsumido no tipo objectivo quando a conduta criou um perigo (=risco) não permitido para o objecto da acção e esse perigo se concretizou efectivamente;
- excepcionalmente deve ser excluída a imputação objectiva quando o alcance do tipo (Reicheteweite Tabestandes) não abranger o género de perigo criado pelo sujeito agente nem as consequências dele derivadas.” [[108]]  
(Este Professor [Paulo Sousa Mendes] propõe o que chama de «reconstrução de uma teoria processual da infracção criminal» mediante um “sistema tripartido de imputação-acusação, responsabilidade-resposta e imputação-decisão (ou responsabilidade-sujei-ção). Este sistema tripartido opera como modelo de aplicação do direito penal global, recuperando a unidade intrínseca dos direitos material, processual e probatório.”) [[109]
Numa monografia sobre a teoria da imputação objectiva, o Professor Luís Greco, refere criticando a teoria finalista (da acção) [[110]] que o que a teoria da imputação objectiva faz “é relegar o tipo subjetivo e a finalidade a uma posição secundária e recolocar o tipo objetivo no centro das atenções. Este tipo objectivo não pode, porém, esgotar-se na mera causação de um resultado – é necessário algo mais para fazer desta causação uma causação objectivamente típica. Este algo mais compõe-se, fundamentalmente, de duas ideias: a criação de um risco juridicamente desaprovado e a realização deste risco no resultado.” [[111]]             
Na sequência da explicitação da teoria da imputação objectiva refere que se pode dizer que um risco foi criado, ou que se está perante uma acção perigosa “se o juiz, levando em conta os factos conhecidos por um homem prudente no momento da prática da acção, diria que esta gera a possibilidade real de lesão a determinado bem jurídico.” O juiz apelando a um juízo e avaliação de prognose póstuma objectiva, aferiria segundo critérios objectivos, de um homem prudente e cuidadoso, se determinada forma de agir de um sujeito é compatível com um agir de acordo com regras de normalidade e evitabilidade de uma colocação em perigo de bens jurídicos protegidos pelo direito. [[112]]       
O fundamento da necessidade de uma desaprovação jurídica do risco criado, estabelece-se para o Professor Luís Greco, entre “uma ponderação do interesse de protecção de bens jurídicos, que tende a proibir toda a acção perigosa, e o interesse geral da liberdade, que se opõe a tais proibições”, afinal “fundamentar o risco permitido numa ponderação de interesses significa que se permite ao autor praticar certas acções, enquanto isso for de interesse para os outros; e quando esse interesse desaparecer, desaparece também completamente a liberdade de praticar as referidas acções.” [[113]]       
Ocorre, assim, na doutrina do citado Autor, uma ponderação entre o interesse de protecção de bens e o interesse geral da liberdade, balizando como principais critérios de um risco juridicamente desaprovado: “a existência de normas de segurança, a violação do princípio da confiança e o comportamento contrário ao standard geral dos homens prudentes.” [[114]
No estudo citado na nota 110, Armin Kaufmann, estima que a questão da atribuição objectiva, pertencem, à parte geral [do direito penal] “dois dos problemas abarcados pela doutrina da imputação objectiva; a causalidade e o desvio irrelevante do processo causal representado.
1. Como reconheceu Jescheck, o «nexus» causal permanece sem modificar; há-de se concebido no sentido da teoria da condição, rectamente entendida. A atribuição objectiva (aumento do risco) não pode substitui-la.
2. A polémica sobre a inclusão dos casos de desvio na atribuição objectiva tem o mérito de se ter voltado a destacar o antigo parecer de Engish: Quem – como a chamada «solução da consumação» - inclui processos causais desviados do plano do autor no âmbito da consumação dolosa, pode fazê-lo mediante o complemento «añadido» de uma condição objectiva de punibilidade; isto é, irreprovável (caso de que não resulte contraditório, imanentemente ao sistema). Como isso, não se decidiu todavia sobre a adequação medida da extensão.
Esta inclusão do desvio adequado não pode resultar ordenada no tipo objectivo, nem sequer como condição objectiva de punibilidade, devendo, ao invés – com até agira – permanecer junta ao dolo.
2. Os demais problemas pertencem à parte especial. (…)” [[115]]             
Uma derradeira menção à formulação da teoria da imputação objectiva em  Jakobs. [[116]] A teoria da imputação, assume outra formulação, dado que ela serve, ou deve ser utilizada, não só para avaliar e aferir o comportamento do sujeito como também para aquilatar e valorar o resultado realizado ou concretizado. Mantendo como paradigma a teoria do risco (permitido), Jakobs estrutura a sua teoria da imputação como uma necessidade de conformação do sujeito com a configuração normativa socialmente estabelecida e padronizada. Na sua perspectiva teórica o sujeito deve manter a sua fidelidade cognitiva ao referente normativo em que desenvolve e realiza a sua actividade pessoal. A relação de confiança e de adesão cognitiva que o sujeito deve estabelecer com a normatividade estabelecida previne a possibilidade de uma reacção contrafáctica e propicia a criação de um factor de risco permitido e conforme ao juízo normativo director.    
(Em jeito de posicionamento doutrinal de Jakobs talvez não seja despiciendo deixar expressas as linhas orientadoras da sua acepção de comportamento do individuo perante o Direito e mais genericamente perante o sistema normativo que conforma a sociedade. Segundo a síntese de Bernd Schünemann “este autor afirma que o significado de uma conduta – como «quebrantamiento» da norma ou, pelo contrário, como algo inócuo – deve determinar-se objectivamente; que deve encontrar-se o competente do evento danoso entre os actores definidos pelo Direito, quer dizer entre as pessoas; que a missão do Direito penal consiste em garantir que se contradiga a expressão de sentido com a qual se declara que a norma não rege; e que, em consequência, o Direito penal não se desenvolve na consciência do individuo, senão em comunicação, em cujo seio a constituição individual do sujeito só se tem em conta quando o conflito pode resolver-se por vias distintas da imputação.” [[117]/[118]]    
A teoria da conexão do risco – na formulação de Taipa de Carvalho [[119]] – não resolve, num plano dogmático, de forma conveniente as questões a que pretende dar solução, tanto na perspectiva da diminuição do risco como da chamada categoria do «comportamento alternativo ilícito». Para este Professor, diferentemente do que argumenta Figueiredo Dias, a teoria da adequação resolve de forma satisfatória as questões que a teoria da conexão do risco se propor e alçaprema a resolver, porque “os casos que são de verdadeira imputação, ou não, do resultado à conduta e que são resolvidos adequadamente, pela teoria do risco, também são resolvidos correctamente pela teoria da adequação; por outro lado, vários dos casos que a teoria da conexão do risco subsume a problemas de imputação são já ates problemas da própria conduta, isto é, da tipicidade (desvalor da acção) ou da exclusão da tipicidade (acção não desvaliosa) e, portanto, é logo nesta sede da acção que devem ser resolvidos, como são as hipóteses do risco permitido; em terceiro lugar, discordo de várias das fundamentações de exclusão de imputação, com é o caso da fundamentação relativa aos chamados comportamentos alternativos ilícitos.”
Este Autor propõe em alternativa à teoria da conexão do risco a teoria da conexão normativo-típica, cuja ideia fundamental se poderá condensar na seguinte formulação conceptual “só deve imputar-se um resultado típico a uma conduta típica, quando entre ambos existir uma conexão típica. Isto é, só se afirma a imputação do resultado à conduta (acção ou omissão), quando a acção desvaliosa aparece, no tipo legal, em conexão com o resultado produzido, resultado que precisamente o tipo legal visa impedir. Logo é indispensável uma interpretação teleológica do tipo legal em causa.” [[120]]        
O arguido acha que não ocorreu um nexo causal entre a sua conduta e o resultado advindo para a vítima, dado que a sua acção teria sido inidónea para a causação do resultado típico que lhe é imputado
Ainda que não seja nosso propósito enfrentar a questão numa perspectiva civilista – abordando do mesmo passo o elemento nexo de causalidade e da causa virtual, que o arguido convoca para criar um hiato de acção que o exculparia e desautoraria do resultado atingido – não será despiciendo para uma compreensão eidética da problemática em questão respigar o que a propósito foi escrito no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Setembro de 2014, relatado pela Conselheira Clara Sottomayor.
Escreveu-se a propósito do pressuposto da responsabilidade aquiliana no citado aresto (sic): “O nexo de causalidade é o requisito da responsabilidade civil mais obscuro e difícil, porque se situa no mundo das conexões naturalísticas, as quais são, por vezes, inacessíveis ou não demonstráveis de forma cabal, embora a existência de nexo de causalidade entre facto e dano seja perceptível por regras de experiência e de senso comum.
Não raro assiste-se a casos em que o lesado não obtém indemnização por falta de prova do nexo de causalidade, cuja demonstração lhe compete de acordo com as regras de distribuição do ónus da prova.
A doutrina tem-se esforçado por proceder a construções dogmáticas, para que o nexo de causalidade não se converta numa prova diabólica ou quase impossível para o lesado.
Segundo a doutrina e a jurisprudência maioritárias, a norma do art. 563.º consagrou a doutrina da causalidade adequada, nos termos da qual o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada quando, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo.
Por nexo de causalidade, entende-se, de acordo com esta, que determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que uma pessoa média poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar.
O problema não é de ordem física, tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deva ser tida como causa do resultado, a ponto de ser ele obrigado a indemnizar. O conceito jurídico de causa não deve coincidir com o conceito matemático ou físico da causalidade, nem se trata de causa e efeito no sentido das ciências naturais, mas apenas da questão de saber se uma determinada conduta deve ser reconhecida como fundamento jurídico suficiente para a atribuição de consequências jurídicas. Opera-se, portanto, através de um cálculo de probabilidades e só se reconhece como causa aquela condição que se acha em conexão adequada com um resultado semelhante.
A orientação dominante é a que considera causa de certo efeito a condição que se mostra, em abstracto, adequada a produzi-lo. «Essa adequação traduz-se em termos de probabilidade, fundada nos conhecimentos médios: se, segundo os ensinamentos da experiência comum, é lícito dizer que, posto o antecedente x se dá provavelmente o consequente y, haverá relação causal entre ele. Deste modo, o dano considerar-se-á efeito do facto lesivo se, à luz das regras práticas da experiência e a partir das circunstâncias do caso, era provável que o primeiro decorresse do segundo, de harmonia com a evolução normal (e, portanto, previsível) dos acontecimentos».
Embora a probabilidade se refira a factos futuros, nada impede que o juízo de probabilidade se faça posteriormente; terá então o sentido de apreciar se o processo causal se deu de forma normal e previsível.
A fórmula usada no art. 563.º, “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, deve interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido, naturalística ou mecanicamente, certo efeito para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele: para tanto é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável desse efeito, pelo qual é razoável responsabilizar o agente, do ponto de vista da ordem jurídica e dos valores que esta quer promover.
A teoria da causalidade parte da situação real posterior ao facto e, normalmente, ao dano e afirma a conexão entre um e outro, desde que seja razoável admitir que o segundo decorreria do primeiro, pela evolução normal das coisas.
De acordo com a jurisprudência: «I - O facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação. II - A causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano» (13-01-2009, Revista n.º 3747/08 - 1.ª Secção).
«Tal doutrina (da causalidade adequada) também não pressupõe exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado e admite ainda a causalidade indirecta de tal sorte que basta que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano» (26-11-2009, Revista n.º 3178/03.8JVNF.P1.S1 - 2.ª Secção).
«O conceito de causalidade adequada, tendo ínsita, embora, uma ideia de probabilidade ou normalidade causal, pode bastar-se com um pequeno grau de probabilidade, não se identifica com causa típica ou normal (R. ALARCÃO, “Obrigações”, Lic. Policop., 1983, 283)» (11-07-2013, processo n.º 95/08.9TBAMM.P1.S1).
A causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano (acórdão deste Supremo Tribunal, de 13-01-2009, Revista n.º 3747/08 - 1.ª Secção). É este processo concreto que há-de caber na aptidão geral e abstracta do facto para produzir o dano, em termos tais que se possa dizer que o prejuízo deve recair, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano.
De acordo com a formulação negativa da causalidade adequada de Enneccerus-Lehman e que, segundo Antunes Varela, foi adoptada no art. 563.º, o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo, quando, dada a sua natureza geral, se mostrar indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação.  
Para além da teoria da causalidade adequada - a dominante na doutrina - surgiram outras teses, todas elas visando facilitar ao lesado a prova do nexo de causalidade.
A doutrina do escopo da norma jurídica violada, defendida por Menezes Cordeiro e Menezes Leitão e a doutrina das esferas de risco, proposta por Ana Mafalda Miranda Barbosa, na sua dissertação de doutoramento.
Menezes Cordeiro entende que o art. 563.º não impõe a teoria da causalidade adequada, sendo compatível com um entendimento normativo da causalidade.
Para o autor o art. 563.º tem duas finalidades: afasta a causa virtual como fonte de imputação e não exige, em regra, a necessidade da absoluta confirmação do decurso causal: não há que provar tal decurso mas, apenas, a probabilidade razoável da sua existência. A lei tutela o lesado, facultando a indemnização perante meras probabilidades fácticas. A questão da determinação do nexo de causalidade reconduz-se a um problema de interpretação do conteúdo e do fim específico da norma que serviu de base à imputação dos danos.
Ana Mafalda Miranda Barbosa defende a tese do nexo de causalidade como nexo de imputação ou nexo de ilicitude, através da comparação das esferas de risco do lesante, do lesado e da vida em geral, tendo por base uma noção não atomista nem individualista de pessoalidade e partindo, na sua construção dogmática, da dependência intersubjectiva e dos deveres de cuidado entre as pessoas. Para a autora, a causalidade tem de deixar de ser vista como uma categoria do mundo físico, mesmo que normativizada, para ser entendida em termos de imputação objectiva, num sistema que coloca no seu quadro axiológico a pessoa humana e que reclama para a valoração do seu comportamento um sentido imputacional: «Assim, será com base na assunção de uma esfera de risco e no cotejo dela com outras esferas de risco (tituladas pelo lesado, por um terceiro ou pela própria realidade natural e social) que conseguiremos dizer quando deve haver imputação objectiva do dano-lesão ao comportamento do agente». [[121]]
 Já quanto ao problema da causa virtual ela releva, segundo a dogmática, para efeitos da obrigação indemnizatória [[122]] ou na conferência da extensão indemnizatória numa perspectiva da teoria da diferença. [[123]]    
Operado este excurso pela problemática do nexo de causalidade e da causa virtual, numa perspectiva civilista, mas que permite entreolhar a questão sob um ângulo dogmático não absolutamente desviado ou alheio da questão criminal – afinal o nexo causal atina com a acção ilícita idónea à causação de um resultado lesivo e a causa virtual, vale dizer a intervenção de outros factores alheios e estranhos ao normal iter actuante do proceder activo, caso dos factores endógenos atinentes com a saúde da vítima que, segundo o autor, terão intervindo activamente no desfecho fatal – não será despiciendo rememorar o que supra se escandiu acerca do proceder e agir do arguido.
Ao arguido foi imputado resultado, morte, de uma pessoa contra quem disparou três tiros que atingiram o corpo da pessoa visada e contra quis disparar e lesar em partes do corpo que sabia serem letais. Em resultado dos tiros que atingiram órgãos vitais da pessoa visada e atingida ocorreram intervenções cirúrgicas e acções médicas que foram consideradas necessárias e adequadas para remover os efeitos patológicos provocados pelas lesões orgânicas detectadas no corpo do lesado. Como efeito dessas lesões e das intervenções médicas que houve necessidade de efectuar para remover o efeito das lesões ocasionadas pela acção do arguido, vieram a ser desencadeados efeitos patológicos que promoveram a morte do lesado.     
Segundo Javier Boix Reig [[124]] “entre a acção de matar do sujeito activo e o resultado de morte deve mediar uma relação de causalidade. Em muitos casos de homicídio, a imputação objectiva do resultado à conduta do autor planteia problemas (por exemplo, A dispara em B no abdómen e este morre devido às feridas causadas pelo disparo. Sem embargo, em ocasiões, têm lugar cursos causais complexos que planteiam sérios problemas na hora de determinar se a conduta do autor foi ou não a causa do resultado. Isto ocorre, por exemplo, naqueles casos em que se dá uma concorrência de factores que incidem no resultado (luta em que morre uma pessoa como consequência de um somatório das lesões causados por vários participantes na mesma); em hipóteses de causas sobrevindas (morte por infecção de uma ferida, em principio não mortal, causada por arma branca); casos nos quais concorrem condições preexistentes no próprio sujeito passivo que influem na causação da morte (enfermidade preexistente como cardiopatia, hemofilia, etc.); nos supostos de intervenções de terceiros no curso causal da morte (imprudência médica ou da própria vítima), etc.
Para resolver estes casos problemáticos a doutrina que podemos considerar dominante e a jurisprudência do Tribunal Supremo estabelecem a distinção entre dois aspectos distintos: a causalidade e a imputação objectiva do resultado. São dois, pois, os passos a dar. Em primeiro lugar, trata-se de verificar a relação de causalidade, isto é, o nexo causal entre a conduta e o resultado da morte, mediante a aplicação da teoria da equivalência das condições (é causa do resultado aquela condição que se a suprimíssemos mentalmente o resultado não se teria produzido). Em segundo lugar, deverá comprovar-se que esse resultado é imputável objectivamente à conduta do sujeito e isto se leva a cabo através de critérios normativos que permitem extrair de todas as condições ou causas que contribuem para o resultado as que se consideram penalmente relevantes como pressuposto para poder imputar responsabilidade penal. Assim, o resultado será imputável objectivamente quando: a) o sujeito com a sua conduta tenha criado um risco juridicamente desaprovado ou tenha incrementado o risco de que esse resultado se pudesse produzir – se o resultado tivesse tido lugar igualmente, ainda que o sujeito tivesse actuado correctamente, não cabe a imputação do resultado; b) o resultado seja a realização do risco criado pelo sujeito e não a realização de um risco distinto ao criado por ele; e c) o resultado caiba dentro do âmbito de protecção que se previu para ditar a norma.” [[125]]       
No caso a questão que se poderia colocar seria o que na teoria da imputação objectiva se convoca como comportamento de terceiro. Vale dizer, quando por virtude de uma acção típica o lesado para remoção dos efeitos dessa acção desvaliosa teve que ser objecto de uma intervenção de terceiros. É o caso de alguém que tendo sido alvo de uma acção desvaliosa teve que, para remover os efeitos lesivos, que ser submetido a uma intervenção cirúrgica. 
Segundo a teoria da imputação objectiva a acção de terceiro só se mostrará relevante para a imputação do resultado, ou respectiva exclusão, no caso de ocorrer uma intervenção desadequada ou erroneamente grosseira, ou seja no caso de se apurar uma culpa grave do terceiro que intervém no processo, no curso de causação a que a acção, idoneamente, daria resultado. A intervenção de terceiro, no caso de um médico, reputada e tido como normal, ajustada e operada segundo as leges artis nunca poderia ser excludente da responsabilidade autoral do agente. [[126]]  
A matéria dada como adquirida, pelas instâncias, dá conta, em sinopse apertada, que a vítima foi atingida pelos disparos desfechados pelo arguido, no dia 29 de Agosto de 2014; foi sujeito a tratamentos médico-cirúrgicos; esteve internado em unidade hospitalar desde Agosto até 10 de Dezembro desse ano; faleceu no dia 19 de Março de 2015, em consequência das lesões descritas no item 11 da matéria de facto provada.
A decisão de primeira instância na resposta que forneceu a esta questão refere a dado passo que (sic): “Sucede que tal pneumonia não surgiu do nada, antes resultando de uma Infecção Respiratória Associada aos Cuidados de Saúde, os quais na raiz, foram originados pelos três tiros que desferiu na vítima que obrigou a tais tratamentos, o que não pode ser obliterado, como pretende o arguido.
Efectivamente, como se escreve no relatório pericial, a morte sobrevinda de EE teve por causa uma Infecção Respiratória Associada aos Cuidados de Saúde, complicação expectável de um indivíduo aletuado (tetraplégico), com traqueostomia e anemia multifactorial, consequentes ao choque hemorrágico, internamento prolongado e tratamentos que advieram como consequência das lesões traumáticas por projéctil de arma de fogo.
Do certificado de óbito já aludido (no caso, não foi realizada autópsia médico-legal) consta o seguinte no item causa da morte:
a) Pneumonia associada a cuidados de saúde
b) Tetraplagia traumática;
c) Agressão por arma de fogo
Basta olhar para os três itens inscritos no certificado de óbito para estabelecer uma conexão entre as causas apontadas e olhar no prisma inverso ao pretendido pelo arguido – da alínea c) para a a) para compreender os factos no seu conjunto e concluir pelo nexo causal entre eles.
Existe uma sequência de eventos, intimamente relacionados entre si, sequenciais sem quaisquer intercorrências (não podendo a infecção hospitalar ser considerada uma intercorrência, como veremos) e que conduziram ao resultado morte.
Explicando um pouco melhor.
A vítima sofreu agressão com arma de fogo, tendo sido atingida por três projécteis: no ombro esquerdo, na região cervical direita e na transição toraco-abdominal, à direita. No dia da agressão – em 29 de Agosto de 2014 - foi submetido a intervenção cirúrgica, sendo reintervencionado ao 4º dia de internamento. É-lhe diagnosticada tetraparésia do doente crítico. Por insuficiência respiratória é realizada traqueostomia para ventilação. Apresenta picos febris durante todo o internamento. Ao 29º dia de pós-operatório, verifica-se agravamento clínico. Em 10.12.2014 teve alta do serviço de cirurgia – note-se que alta não significa a consolidação das lesões pois consolidação e cura não são conceitos coincidentes – e tanto assim que saído do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes ingressa nesse mesmo dia numa Unidade de Cuidados Continuados, mantendo um estado de amiotrofia grave e apresentando múltiplas intercorrências infecciosas. Não comunica nem verbalmente nem por escrito. Recorreu de novo ao serviço de urgência em 18 de Janeiro de 2015, tendo ficado internado no serviço de Medicina Interna, com diagnóstico de pneumonia associada aos cuidados de saúde, escaras de decúbito e anemia multifactorial. Tem alta daquele serviço em 03.02.2015 após resposta favorável a antibioterapia e regressa à Unidade de Cuidados Continuados, onde falece em 19 de Março de 2015, de pneumonia, como vimos.
Assim, como se escreve no relatório pericial, dos disparos de arma de fogo (3 projécteis) terão resultado as lesões traumáticas abdominais, vertebrais lombares, cervicais, dorsais e do ombro esquerdo atrás descritas. Estas lesões traumáticas terão sido complicadas de choque hemorrágico e séptico severos, com disfunção multiorgânica (cardiovascular, respiratória, metabólica, renal e hepática), bem como de polineuropatia do doente crítico e aletuamento prolongado que predispõe ao surgimento de úlceras de pressão e que motivaram as intervenções cirúrgicas, subsequentes internamentos e tratamentos médicos, nomeadamente a realização de traqueostomia, que em conjunto com outras complicações já anteriormente descritas aumentam a susceptibilidade a quadros infecciosos (respiratórios, entre outros).
E, os peritos médicos são do parecer de que as lesões/efeitos/consequências, tal como descrito anteriormente, foram potenciadas/causadas umas pelas outras, existindo encadeamento clínico e cronológico entre as lesões iniciais (lesões traumáticas causadas por acção directa da energia cinética dos projécteis de arma de fogo) e as complicações subsequentes.
E concluem os senhores peritos que a morte sobrevinda de EE teve por causa uma Infecção Respiratória Associada aos Cuidados de Saúde, complicação expectável de um indivíduo aletuado (tetraplégico), com traqueostomia e anemia multifactorial, consequentes ao choque hemorrágico, internamento prolongado e tratamentos que advieram como consequência das lesões traumáticas por projéctil de arma de fogo, sendo certo que, se não tivesse sido socorrido, tais lesões, considerando a sua natureza, a sua localização e gravidade, ter-lhe-iam causado a morte.
Em síntese, à luz do juízo pericial enunciado as lesões causadas pelos disparos desencadearam a necessidade de traqueostomia e anemia multifactorial, consequentes ao choque hemorrágico, internamento prolongado e tratamentos que advieram como consequência das lesões traumáticas por projéctil de arma de fogo levaram à pneumonia que, por sua vez, conduziu à sua morte, num desencadear de efeitos, uns directos e imediatos outros mediatos, concausas que a prazo considerados em conjunto, causaram a morte, sem que se possa considerar interrompido o nexo causal. Destarte, a morte evidencia-se como efeito directo e necessário da conduta do arguido, como uma sua consequência típica num processo causal sem quaisquer cortes de coerência, sendo congruentes o facto e o dano produzido
Não resulta da matéria de facto provada, nem da demais prova a considerar para a avaliação de um quebrantamento ou ruptura do processo, ou curso causal, iniciado com a acção desvaliosa e rematada com a produção do resultado típico, que tenha ocorrido qualquer intervenção contrária ao que deveria ter sido efectuado, no plano da arte médica e clinica, para tentar remover e/ou curar a vítima das lesões que lhe haviam sido provocadas pelo arguido. Não ocorreu no curso de causal nenhuma circunstâncias que possa dirimir e/ou afastar a responsabilidade da directa do arguido na causação do resultado típico que adveio para a vítima. O processo originado, iniciado e consumado pela acção desvaliosa perpetrada pelo arguido não sofreu uma intervenção de terceiro que possa ser considerada como excludente da responsabilidade típica do agente. A conduta típica praticada pelo arguido, com vontade e sentido de realização ilícito descrito no tipo incriminador é, ou deve ser, considerada idónea para a consecução e obtenção do resultado querido pelo agente para preencher o legalmente normativizado.          
Verifica-se, em conclusão, o nexo de imputação da acção desvaliosa ao resultado típico o que concede ao arguido a autoria do crime que lhe foi imputado.
II.B.3). – QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DA CONDUTA IMPUTADO AO AGENTE.
Ao arguido foi imputada a prática, em autoria material e um crime de homicídio previsto e punido pelo artigo 131º do Código Penal, agravado pelo nº 3 do artigo 86º da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro (Regime Jurídico das Armas e Munições).
Estima o arguido que i) “não agiu livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de causar a morte a EE, não atuando com intenção de matar, nunca pretendeu tal conclusão, nem nunca tomou como séria a probabilidade da sua morte”; ii) não “foi feita prova do propósito deliberado de matar, o que implica uma negação da existência do elemento subjetivo do crime de homicídio em qualquer uma das suas modalidades: dolo direto, necessário e eventual, não se conjugando a falta de demonstração de tal elemento com a afirmação de que o Arguido previu a possibilidade de poder causar a morte”; iii) “O resultado morte nunca foi previsto pelo Arguido nem resultou dos disparos efetuados pela arma, mas foi consequência de uma infeção não traumática, isto é, uma pneumonia, resultante do internamento de EE, vindo a falecer na Unidade de Cuidados Continuados da Santa Casa da Misericórdia de ... apenas em 19/03/2015, ou seja, cerca de seis meses após os factos (29/08/2014), e após ter tido melhorias clínicas, já não sendo expectável o resultado morte, tanto mais assim foi que o mesmo foi transferido para a dita Unidade, pois, esse desfecho, deveu-se a uma pneumonia associada a cuidados de saúde, cfr. relatório de perícia Médico-Legal de fls. 2006 e 2007”; iv) “Tribunal “a quo” não poderia concluir, como o fez, quando defende que existe nexo de causalidade entre a causa da morte, «Pneumonia associada aos cuidados de saúde», e a agressão por arma de fogo”; v) “Ao elaborar-se um juízo de prognose póstuma, fica claro que não existiu nexo de causalidade entre a atuação do Arguido e a morte de EE pois a causa da morte, ou seja, a mais próxima do evento, cfr. fls.2006 e 2007, foi uma causa exógena às lesões provocadas pelos disparos, das quais teve melhoria clínica, tendo vindo a falecer 202 dias após os factos, em virtude de uma pneumonia não traumática, mas sim infecciosa, associada aos cuidados de saúde, ou seja, perante um dano ulterior, não bastando que no caso concreto o facto tenha sido condição do dano”; vi) “O arguido considera não se encontrarem preenchidos os pressupostos da prática do crime que ele é imputado, pelo qual foi condenado à pena de 15 anos de prisão, pela prática material de um crime de homicídio agravado pela utilização de arma p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º do Código Penal e do artigo 86º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação da Lei n.º 17/2009, de 6 de maio”; vii) “Não foi feita prova do propósito deliberado de matar por parte do Arguido, o que implica uma negação da existência do elemento subjetivo do crime de homicídio em qualquer uma das suas modalidades: dolo direto, necessário e eventual”.
Da imputação, ou atribuição, causal e objectiva da acção do arguido ao resultado já cuidamos no apartado antecedente, pelo que sairemos a terreiro para justificar a acertada qualificação jurídica que o julgado confere.
O tribunal deu como provado que (sic): a) “O arguido agiu da forma acima descrita, desferindo 3 (três) disparos sobre várias zonas do corpo do ofendido EE, mais concretamente em zonas do corpo situadas do abdómen para cima, com o propósito de lhe tirar a vida, o que o arguido quis e conseguiu”; b) “O arguido bem sabia que, ao desferir 3 (três) disparos em várias zonas do corpo do ofendido EE, nenhum deles em direcção aos membros inferiores e pelo menos um desses três disparos em direcção a uma zona tão sensível como a zona do pescoço, desferia disparos aptos a tirar a vida ao ofendido”; c) “O arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei.”
Preceitua o artigo 131º do Código Penal que “quem matar outra pessoa é punido com pena de 8 a 16 anos”.
O objecto material em que recai directamente a acção e o sujeito passivo no delito de homicídio (…) é a pessoa viva fisicamente considerada, enquanto que o bem jurídico é a via humana independente como valor ideal. (…)
A conduta típica consiste em matar a outra pessoa” [[127]], sendo o resultado a morte de quem quer.     
O direito à vida constitui, nas palavras de Ferrando Mantovani, o “bene-fine primário”. O direito à vida encontra guarida na Constituição como “beni-pressuposto”, e é reconhecido “em toda a sua centralidade e plenitude de significado, à luz de um tríplice dado. 1) o o nosso ordenamento personalístico-solidário põe, no centro, a pessoa humana, na sua unidade físico-psíquica e na sua dimensão individual-social, reconhecendo-a como direito inviolável e favorecendo-lhe um pleno desenvolvimento mediante a imposição, pela República, da remoção de obstáculos, limitações de ordem económico e social e, aos particulares, o cumprimento de deveres inderrogáveis de solidariedade politica, económica e social; 2) que o reconhecimento e a tutela do direito à vida são pressuposto e suporte fa manifestação e do desenvolvimento  da personalidade humana na medida em que sem ainda esse reconhecimento, a tutela e o exercício de todos os outros direitos individuais e sociais, «de» e «para», da personalidade humana , e a imposição da remoção dos ditos obstáculos e do cumprimento dos ditos deveres restariam abstractas enunciações privadas e de efectividade: a começar dos próprios direitos de liberdade, porque para poder ser libre ocorre de ser antes de tudo sujeito «vivi»; 3) que a própria hierarquização entre bens-fim e bens-meio tem sentido em função, antes de mais, da postulada tutela da vida como bem-fim supremo.” [[128]]  
O dolo genérico consiste na consciência e vontade de tirar a vida a uma pessoa. “O homicídio incriminado na norma [artigo 575 do Codice Penale italiano] é aquele que é doloso enquanto requer que o evento «morte» deva ser previsto e querido pelo sujeito como consequência da própria acção ou omissão. (…) Não basta, pois, que a previsão do evento e a vontade, sendo necessário que o sujeito preveja a agressão ao bem tutelado e a intencionalmente a realize como consequência do próprio comportamento. O sujeito, por isso, deve perspectivar o resultado lesivo da sua acção e realizá-la intencionalmente como consequência da conduta.” [[129]]   
Para que alguém aja com dolo torna-se necessário que interiorize um propósito dirigido à realização de um resultado típica e objectivamente previsto numa norma legal. “Só podem ser objecto do dolo típico as circunstâncias que pertencem ao tipo objectivo, e não ademais as circunstâncias subjectivas do facto. Para cometer um delito doloso de dano, torna-se necessário que o sujeito saba que “danifica ou destrói” e queira “danificar ou destruir uma coisa alheia.”  [[130]]
A matéria de facto que se recenseou supra inculca e investe de forma indelével e impressiva a ideia de que o arguido quando disparou – e para os locais do corpo para onde dirigiu os projecteis – teve como propósito atingir o corpo da vítima e com o atingimento das partes do corpo visadas lesar órgãos vitais para a vida da vítima. Foi propósito do arguido tirar a vida da vítima e logro-o.
O arguido dirigiu a sua vontade para a consecução de um resultado tipicamente previsto e realizou esse resultado mediante uma acção intencionalmente dirigida ao resultado – morte – que previu e quis.
O arguido realizou o resultado previsto na norma incriminadora constante do artigo 131º do Código Penal.         
II.B.4). – MEDIDA DA PENA.
O tribunal recorrido justificou a pena imposta ao arguido com a argumentação que a seguir queda transcrita (sic).
O arguido AA foi condenado pela prática, como autor material, de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, com a agravação decorrente do disposto no artigo 86.º, n.º 3 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio [Regime Jurídico das Armas e Munições], na pena de 15 (quinze) anos de prisão.
A determinação definitiva da pena é alcançada através de três fases distintas: na primeira, o juiz investiga e determina a moldura penal aplicável ao caso; na segunda, o juiz investiga e determina, dentro daquela moldura legal, a medida concreta da pena a aplicar; na terceira, o juiz escolhe a espécie de pena que efectivamente deve ser cumprida (note-se que esta fase não tem necessariamente que ser a última).
A moldura legal aplicável resulta imediatamente do tipo legal de crime no qual se enquadra a conduta do agente.
Assim, sabido que o arguido se constituiu autor material de um crime de homicídio simples, agravado pela utilização de arma, o que decorre do factualismo apurado em sede de audiência de julgamento, importa apreciar se a pena que lhe foi concretamente aplicada se mostra, ou não, ajustada quanto à sua medida.
No que respeita à determinação da medida concreta da pena importa ter em consideração o preceituado nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, os quais estabelecem critérios gerais, mais ou menos seguros e normativamente estabilizados, para efeito de medida da reacção criminal, sendo que o disposto no n.º 2 do artigo 40.º constitui inegavelmente um afloramento do princípio geral e fundamental de que o direito penal é estruturado com base na culpa do agente, constituindo a medida da culpa uma condicionante da medida da pena de forma a que esta não deve ultrapassar aquela.
A pena serve finalidades de prevenção geral e especial, sendo delimitada no seu máximo inultrapassável pela medida em que se dimensione a culpa.
Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção).
Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais.
Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.
É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente ([4]).
Ao crime de homicídio simples, agravado pela utilização de arma, corresponde a pena de prisão de 10 anos e 8 meses a 21 anos e 4 meses.
Dentro da moldura legal abstracta, há que atender à culpa do arguido e às exigências de prevenção, bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele – n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.
O tribunal colectivo fundamentou a pena aplicada da seguinte forma: «A propósito das finalidades da pena, escreveu o Prof. Figueiredo Dias (in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor EE Correia, pág. 815): A «prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida». 
Posto isto, importa determinar a medida concreta da pena a aplicar ao arguido, pena essa que é limitada pela sua culpa revelada nos factos (cfr. art. 40º, n.º 2 do C.P.), e terá de se mostrar adequada a assegurar exigências de prevenção geral e especial, nos termos do disposto nos artºs. 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1, ambos do C.P., havendo que ponderar na determinação daquela medida, todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as enumeradas no citado artº. 71º, nº 2.
Assim: O grau de ilicitude dos factos afigura-se-nos elevado, tendo em conta, designadamente que o arguido, num contexto de desentendimento com a vítima e desagradado com a obra que esta efectuava, antes de ir falar com ela mune-se da arma e das munições só depois vai falar e travar-se se razões e desfere-lhe três tiros, depois de em plena contenda desarmar e municiar a arma.
O dolo do arguido, que reveste a modalidade de dolo directo, cuja intensidade se revela medianamente acentuada tendo o arguido actuado na sequência da vítima ter agredido tanto a sua pessoa como sua mulher, com a inerente carga de nervosismo e de tensão psicológica e emocional que situações dessa natureza normalmente envolvem. Contudo, importa não esquecer que quem iniciou a contenda foi a mulher do arguido, tentando destruir a obra que a vítima realizava, o que motivou a agressão levada a cabo pela vítima. Porém, nesta altura o arguido já se tinha munido da arma sendo certo que tais agressões nunca justificariam a supressão de uma vida, agindo o arguido de forma violenta e desproporcionada.
Por outro lado, importa sublinhar o sofrimento da vítima desde a data em que sofreu os disparos até à data do seu decesso, ocorrido ao fim de longos e penosos 7 meses, sempre internado, num estado de saúde cada vez mais degradado, sem poder comunicar com os familiares, que assistiram e viveram também este sofrimento. E, neste conspecto, cumpre sublinhar que o arguido nunca demonstrou qualquer réstia sequer de solidariedade para com este sofrimento, bem ao contrário. Não demonstrou arrependimento nem sequer qualquer tipo de ressonância na sua consciência, tendo ao longo de todo o julgamento uma atitude de desprezo e de indiferença para com a vítima e sua família, apresentando um discurso claramente auto-centrado e egoísta. A título meramente exemplificativo, refira-se que quando lhe foi perguntada a razão da conduta, se tinha sido “por causa de um parafuso que a vítima tinha colocado” ainda consegue ter a arrogância de responder que “não foi um parafuso, foram dois”… esta resposta revela bem a personalidade, mal formada, do arguido. E quando questionado sobre como se sente com esta situação, a resposta foi bem elucidativa: “com muita tristeza, estou privado da minha liberdade, sempre fui como um passarinho…”. Portanto, é um homem que só se vê a si próprio, incapaz de se colocar no lugar do outro, tentando colocar o odioso na vítima, como se fosse ela a culpada da sua própria morte. Claramente, não interiorizou o desvalor da sua (grave) conduta, sendo, por isso, intensíssimas e prementes as exigências de prevenção especial.
É incontornável salientar, ainda, as razões que motivaram o crime, insignificantes, mas que o arguido apesar de reconhecer que não lhe causavam qualquer prejuízo, rematou dizendo que aquela obra lhe causou “prejuízo moral”.
Milita a favor do arguido que está inserido familiar e socialmente, a ausência de antecedentes criminais e a sua idade.
Há, ainda, que ponderar, as exigências de prevenção geral que são prementes, pois, como se escreve no acórdão do STJ, já acima citado de 15.12.2001, “a prática do crime de homicídio cresce, exponencialmente, em todo o país, denotando a banalização do respeito pela vida humana, tornando a necessidade de pena, actualizada e adequada ao valor do supremo bem jurídico suprimido, irrepetível, e o mais valioso na pirâmide dos direitos fundamentais.
Ponderando todos estes elementos julgamos adequada a aplicar ao arguido a pena de 15 (quinze) anos de prisão, pela prática do crime de homicídio.»
Aqui chegados, diga-se que não merece reservas a elencagem de factores de medida da pena a que procedeu a decisão recorrida posto que teve em atenção todos os elementos disponíveis no processo que interessavam em sede de graduação da pena, sendo avaliada a conduta do arguido de acordo com os parâmetros legais, que foram respeitados, nada havendo a acrescentar em relação aos argumentos já aduzidos na fundamentação utilizada para a determinação da medida da pena, posto que a mesma se mostra criteriosa, adequada e proporcional.
No caso em apreço, se é possível referenciar, em favor do arguido, a sua inserção social e familiar e a sua idade, sendo certo, todavia, que o arguido negou os factos relacionados com a intenção de matar, apresentando uma versão desculpabilizante dos factos, o que revela falta de atitude crítica e ausência de arrependimento, em desfavor do arguido avultam o elevado grau de ilicitude do facto, causador de grande sofrimento à vítima desde a data em que foi atingida pelos disparos até à data da sua morte, ocorrida ao fim de 7 longos e penosos meses, as prementes necessidades de prevenção geral positiva ou de integração relacionadas com os crimes desta natureza, a elevada intensidade do dolo na forma de dolo directo e persistente, revelador de grande energia criminosa, os fins ou motivos que determinaram a prática do crime e as exigências de prevenção especial que, não se fazendo sentir até então, em face da ausência de antecedentes criminais, subiram com o cometimento deste crime.
Ao contrário do que parece entender o arguido, a anterior aplicação de medidas coactivas, sejam elas quais forem, não constitui elemento ou circunstância a atender na determinação da medida da pena (cfr. n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal).
Assim, o tribunal colectivo não tinha de ter em consideração, na fixação da pena, o período em que o arguido esteve sujeito à obrigação de permanência na habitação, nos termos do artigo 201.º do Cód. de Processo Penal [e não do artigo 44.º do CP, como certamente por lapso se refere no recurso] – o qual será descontado na pena que eventualmente venha a cumprir, nos termos do artigo 80.º do CP –, assim como não tinha de ter em consideração a circunstância de o arguido se encontrar sujeito à obrigação de apresentação periódica, nos termos do artigo 198.º do Cód. de Processo Penal, não se vislumbrando, pois, qualquer violação da lei ou qualquer interpretação desconforme aos ditames constitucionais, designadamente aos que foram invocados pelo arguido.
Destarte, na consideração global de todas as referidas circunstâncias, não se vê qualquer fundamento para alterar a medida da pena que bem reflecte o desvalor da acção, o qual se reflecte na culpa, e as necessidades de prevenção, geral e especial, que o presente caso encerra.
Assim, a pena de 15 anos de prisão, decretada pela 1ª instância, é de manter, pois limita-se a assegurar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e é plenamente suportada pela medida da culpa do arguido.”
A pena constitui-se como a inflicção de um mal imposto a alguém que com uma acção ilícita e antijurídica violou um comando de comportamento estabelecido numa noma legal.
A expectativa contrafáctica no viger de uma norma jurídico-penal (nas suas vertentes de norma de comportamento e norma sanção), enquanto regra orientadora e consubstanciadora de uma determinada realidade jurídico-social, deve ser efectuada à custa do agente que mediante uma conduta violadora do comando normativo se colocou em posição, momentânea, de afrontamento da regra de conduta consagrada no ordenamento jurídico. A possibilidade de o comando contido na norma poder vir a ser tornado erróneo e, consequentemente, infirmado e desrespeitado pelos demais membros do tecido social impele o Estado à punição da infracção praticada e de acordo com o grau de culpabilidade do agente.
A pena constitui-se como um instrumento para resolver defraudações de expectativas que não podem ser estabilizadas de outra maneira. Trata-se de um expediente jurídico-social que consiste em demonstrar à custa do defraudante que se mantém a expectativa comunitária que reverbera no ordenamento jurídico. «O autor determinou-se e executou a sua conduta sem consideração pela vigência do Direito. Na medida em que isso implica a afirmação que a norma o não vincula, haverá que contraditá-lo através da pena (este é o significado da pena)». Com a aplicação de uma pena pretende-se alcançar a manutenção da norma como esquema de orientação, prevenção «porque se persegue um fim, precisamente, a manutenção da fidelidade á norma, e isso, concretamente, com respeito á sociedade no seu conjunto, por isso, geral».
A pena terá que, ao assumir-se como função de manutenção da vigência da norma, ter como medida o peso da norma violada e a medida da sua vulneração; a situação de asseguramento cognitivo dessa norma; e a responsabilidade do autor pela sua motivação do cometer o crime.
A corrente preventivista em que encampam as ordenações jurídico-penais da maioria dos países de direito continental, de que Claus Roxin se pode considerar o epígono, faz recair a necessidade/legitimação pela inflicção de um pena na, ou pela, existência de uma tripla função: “a) função sociopedagógica de aprendizagem; através do funcionamento da justiça penal “pratica-se a fidelidade ao direito” junto à população; b) a função da confiança: os cidadãos podem ver que o direito se impõe; c) função de “satisfação” ou “alívio” (Befriedigung): a consciência jurídica geral tranquiliza-se e o conflito com o infractor é visto como resolvido.” [[131]]  
A questão – verdadeiro punctum pruriens judicii  – que tem preocupado os penalistas é a determinação adequada e proporcional da pena cominada numa norma penal (concretamente, na vertente de norma sanção).  A pena deve corresponder à gravidade manifestada no desvalor da acção e do resultado não atendendo a outros factores – digamos exógenos à acção ilícita, antijurídica e à culpabilidade do agente – como são as razões de ordem preventiva, por exteriores ao facto punível (ou injusto culpável) praticado e levado a cabo pelo agente.
As teorias, ou correntes, de feição preventiva, de que se constituem asseclas a maioria das ordens jurídicas da civil law, têm sofrido criticas por colocarem a função das penas num factor externo e incontrolável pelo aplicador da pena no cerne da legitimação e finalidade da pena. Ao passo que as teorias retributivas têm sofrido de criticas por não terem em consideração factores de segurança e afirmação da ordem jurídico-penal.
Não sendo este o lugar para terçar armas por uma ou outra das correntes com maior difusão na teoria dos fins das penas, importa atestar a opção do legislador indígena.
O artigo 40º do Código Penal consagra inexoravelmente uma opção pela teoria da prevenção positiva, ou de integração, ao asseverar que a aplicação de uma pena colima uma necessidade de protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
(O artigo 46º do Código Penal Alemão (StGB) no capítulo segundo estipula quanto aos fundamentos da medição da pena que “A culpabilidade do autor será o fundamento da medição da pena. Dever-se-ão considerar os efeitos derivados da pena para a vida futura do autor na sociedade.” [[132]]
O ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, ficou consagrada uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite da pena”. [[133]]
Para este Professor [Taipa de Carvalho], as penas devem visar, em primeira linha privilegiar a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. [[134]]
Na escolha e determinação da medida, ou para medição, da pena “reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” [[135]] é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. No entanto, adverte o autor, que temos vindo a citar,” que este critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral”. “Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à “medida” da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo-especiais” e “condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima”.
Para Winfried Hassemer, in op. loc. cit.,pag.127,  (para) “a decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o se comportamento posterior ao delito”, do mesmo passo que para Jakobs o conteúdo tradicional da culpabilidade, constitui-se numa culpabilidade fundada em si mesma, sendo preenchido pela prevenção geral, Para este autor, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. [[136]] “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” [[137]]
A questão da individualização judicial da pena, ainda que não se confunda com o conceito de “determinação legal da pena”, atina com problemas da dogmática jurídico-penal como sejam o fundamento, legitimação, limitação, função e fins das penas. Ainda que com divertidas matizes e, sem curarmos de sermos exaustivos quanto às teorias, que desde o século passado se vêm debruçando sobre esta problemática, desde as teorias retributivas, radicadas na filosofia kantiana, de Hegel ou a retribuição divina que vão desde S. Tomas a Sthal, passando pelas teorias da prevenção especial, de Fuerbach, até às mais actuais, e actuantes, teorias da prevenção geral, nas suas vertentes negativa e positiva, e nesta, ainda nos diversos modelos em que se vem enformando esta corrente da dogmática jurídico-penal, que têm como epígonos Hellmuth Mayer com a denominada “força configuradora dos costumes”, Claus Roxin com a denominada “prevenção da integração” até chegar ao entendimento sociológico-jurídico-normativo de Gunther Jakobs, para só falar dos mais significativos, poder-se-ia definir a pena “como uma privação ou restrição de bens jurídicos, prevista na lei, e imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao autor do facto delitivo” [[138]/[139]].
Esta função da pena, todavia (“empero”), e ao contrário da concepção habitual, de nenhum modo se refere somente á prevenção, quer dizer à evitacão de delitos futuros, mas, de modo muito mais geral, à ampla descarga que para cada um significa o asseguramento da ordem jurídica”. “Naturalmente, uno de los cometidos que deben cumplir la amenaza de pena y la pena también es el de evitar delitos que un autor determinado o terceros indeterminados posiblemente habrian cometido de no haberlas. Pero la imposición de la vigência de normas elementales, en caso necesario, mediante la coacción, parece ser un factor francamente esencial del derecho, y el hacerlo en absoluto es un asunto exclusivo del Derecho penal” [[140]/[141]
Consignada a pena nos preditos moldes, e arredada, por não interessar ao caso em apreço, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. [[142]]
No ordenamento jurídico-penal português a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas».
Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues, bem como Taipa de Carvalho, ao defenderem que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral, devendo eleger, em cada caso, aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto. Tutela dos bens jurídicos não, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada. Neste sentido, constitui indicador razoável afirmar-se que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra. [[143]]
Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. 
Nos termos do art. 71 nº 1 do C.P. "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente comunitária da punição) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Fornecendo o critério, o legislador não fornece ao juiz conceitos fechados e aptos à subsunção que permita a matematização do iter formativo da pena concreta. Se a pena há-de ser individualizada afigura-se que o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha, também aqui, urna insubstituível tarefa mediadora e constitutiva.
Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente;
– A intensidade do dolo ou negligência;
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
– A conduta anterior ao facto e posterior a este;
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Na observância dos pressupostos que informam a determinação concreta da pena e na sua reversão para o caso concreto haverá que ponderar as circunstâncias em que o arguido levou a cabo a conduta censurável, notadamente i) o arguido agiu sob tensão psicológica e emotiva adveniente de uma relação de má vizinhança; ii) não interveio quando a mulher estava a tentar desfazer a obra que a vítima estava a realizar (quando podia e devia ter intervindo, até porque a questão era objecto de dissidio antigo e qualquer reacção de retaliação imediata e actual era deslocada, dado que a permanência e persistência na situação só poderia – ou já deveria ter tido – solução em sede própria (vale dizer no tribunal) com a definição/estabelecimento do direito de cada um); iii) não usou da força pessoal para dirimir a agressão de que foi alvo e de que a esposa estava a ser, sendo que o poderia ter feito por não ser necessária uma força anormal para ilaquear uma ataque com uma vassoura; iv) dirigiu os disparos para zona vital do corpo da vítima (quem usa uma arma de fogo deve estar adestrado para o fazer e não se pode deixar de anotar, como a sentença faz, que o arguido tinha sido militar); v) a intenção do arguido foi tirar a vida á vítima e fê-lo usando meios que devem estar resguardados para defesa em circunstâncias distintas das que forma configuradas na matéria de facto.      
A pena a impor tem como limites mínimo 10 anos  e 8 meses e máximo de 20 anos e 4 meses. (Agravação da pena cominada para o crime de homicídio previsto e punido no artigo 131º do Código Penal de um terço – artigo 86º, nº 3 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro).
As instâncias confirmaram uma pena de 15 anos de prisão, pelas razões e com os fundamentos que acima ficaram expostos.
Afigura-se-nos não terem sido equacionados todos os elementos e/ou vectores de ponderação que deveriam ter intervindo para a calibração de uma pena proporcionada e que deva ter em conta a gravidade do injusto culpável (“na sua importância para a ordem jurídica violada”) e o grau de culpabilidade (pessoal) do agente. [[144]]
Se quisermos perspectivar o facto injusto e punível levado a cabo pelo agente – dar a morte a alguém – no plano da ordem jurídica teremos de o levar à conta da violação mais extrema da valoração dos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídico-penal. Tirar voluntariamente a vida de uma outra pessoa, com a consciência da acção que leva a cabo, constitui um desvalor final denotador de alguém que não preza o “outro”, sendo que esse “outro” se constitui como um semelhante e merecedor de manter a vida como o autor do acto lesivo e letal.  
O arguido, como se procurou evidenciar supra, tinha possibilidade, e devia ter agido de acordo com essa possibilidade, de reagir à agressão de forma que não tivesse conduzido à acção injusta que perpetrou.
O modo de agir tornou-o culpado de um resultado que previu e quis realizar.
Na avaliação que fazemos do facto teremos, no entanto, que fazer intervir factores de mitigação na culpabilidade do agente.    
Na avaliação, para determinação da pena, a que se há-de proceder da conduta do agente haverá que que atender à gravidade do delito, isto é, aferir do desvalor da acção, do desvalor do resultado e à culpabilidade (em sentido estrito) do agente. (“A medida da culpabilidade em sentido estrito, [é] entendida por Hörnle apenas como imputação pessoal ao fato ou como atribuição de capacidade de atuar conforme o direito, seria graduável apenas unilateralmente para baixo, na hipótese da existência de factores redutores da culpabilidade.” [[145]/[146]]        
Se o desvalor da acção e do resultado, como já adiantamos, configuram uma violação extrema e preeminente dos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica, já a culpabilidade do agente se nos mostra, em face das circunstâncias envolventes à acção desvalorativa, bastante mitigada.
Como supra colocamos em realce toda a acção desvalorativa do agente teve motivações pendentes, tensões acumuladas e sentimentos emotivos recalcados e de desforço pessoal. Por ouro lado, se bem que, como procuramos deixar explicito, a acção do agente não possa ser qualificada como causa justificativa, ou como legitima defesa, o facto é que não se pode descartar toda a emotividade ambiental e a agressão de que a esposa e ele próprio estavam, ou tinham sido, alvo.
Preceitua o artigo 72º do Código Penal que: “o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
Para efeitos do número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
b) ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria ou por provocação injusta ou ofensa imerecida.”
Da colecta de elementos factuais, aptos e vigentes à data em que a acção desvalorativa foi perpetrada e que deixamos elencados supra, verifica-se que não sendo viável a qualificação da acção do agente como legitima defesa, o facto é que alguns dos elementos que são exigidos para que essa causa de justificação se verifique, não deixam de dever ser considerados para efeitos de dosimetria da pena e ponderação da culpabilidade do agente. “O facto de que, no caso concreto, apesar de não se reunirem todos os pressupostos de uma causa de justificação, quase todos eles estarem presentes, pode ser considerado uma razão para atenuar a pena”. [[147]]  
Elementos estruturantes da causa de justificação de legitima defesa encontram-se presentes na acção desvalorativa do agente e que não sendo suficientes para preencher todos os requisitos exigidos por lei devem intervir na determinação da pena concreta e atenuar de forma significativa a pena a impor ao arguido.
Assim, ponderados todas as circunstâncias já vincadas supra entendemos que  pena deve ser especialmente atenuada e para valores abaixo da pena mínima do crime base.
Os factores de forte emotividade, sentimento de desforço perante a agressão de que a esposa estava a ser vítima concitam uma necessidade de reduzir a culpabilidade do agente conformando a pena num patamar de oito (8) anos.
A pena a impor ao agente fixar-se-á, pelas razões expressas em oito (8) anos de prisão.  
II.B.5). – INDEMNIZAÇÃO CÍVEL.
A decisão recorrida justificou o quantum indemnizatório atribuído aos demandantes, com o sequente razoamento fáctico-jurídico.
“O tribunal colectivo condenou o arguido a pagar aos demandantes BB, CC e DD, a quantia de € 100.766,26 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos sobre a quantia de € 766,26 (arbitrada por danos patrimoniais), desde a notificação do arguido/demandado, para contestar o pedido cível e de juros vincendos sobre a quantia de € 100.000,00 (arbitrada a título de danos não patrimoniais), a partir da data do acórdão, até efectivo e integral pagamento.
Sendo incontroverso que os factos provados inte­gram os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos previstos no artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil, dúvidas não restam que o arguido se constituiu na obrigação de indemnizar os demandantes pelos danos resultantes dos factos que integram o crime consumado de homicídio.
Em resultado da conduta do arguido resultaram para o ofendido EE lesões físicas que determinaram e foram causa adequada da sua morte.
No caso de morte há três danos a considerar: a) o dano pela perda do direito à vida; b) o dano sofrido pelos familiares com a sua morte e; c) o dano sofrido pela vítima antes de morrer.
No presente recurso estão em causa unicamente os dois primeiros danos, por não ter sido arbitrada qualquer quantia a título de indemnização pelo dano sofrido pela vítima antes de morrer e com isso os demandantes se terem conformado.
O EE sofreu dores e sentiu a morte, provocada intencionalmente pelo arguido, quando dispara três tiros sobre o lesado, tendo previsto a morte do mesmo, teve a percepção da morte, tendo entrado em sofrimento desde o dia dos factos até ocorrência da morte.
O arguido sabia que a família de EE, pessoa acarinhada e de grande respeito, iria sofrer com a perda da vida do seu ente querido, e, mesmo assim, procedeu aos seus intentos, tirando a vida a EE.
O arguido actuou de forma dolosa, tendo cumprido o seu objectivo de tirar a vida ao EE, pessoa querida da família e respeitada pela sociedade local.
O EE, pessoa de bom trato, apaziguador, calmo e bom pai de família.
A família com a perda da vida de EE, encontra-se em grande sofrimento, em que a perda precoce decorrente do ato doloso do arguido, provocou uma grande tristeza e desgosto, que nem o tempo vai ajudar a ultrapassar.
A perda da vida de EE, causou à assistente/lesada, filhos e neta, em que esta, estava sob a responsabilidade parental do avô, danos, que serão irreparáveis, em que a perda da vida não é reposta, em que o sofrimento é uma dor imensa, que o tempo nunca vai apagar
O arguido sabia que a família iria sofrer muito com a sua conduta e mesmo assim, quis a morte de EE, tendo os familiares medo do arguido.
O EE tinha filhos adultos, os quais tinham uma relação da proximidade com o lesado, sofreram com a perda do pai, e não só, o lesado tinha a cargo a responsabilidade paternal reconhecida pelo tribunal de sua neta, desde tenra idade, actualmente com 18 anos e estudante.
Estes os factos que consubstanciam danos de natureza não patrimonial.
O dano da morte é não patrimonial seja qual for a noção que se adopte de entre as correntes na doutrina e na jurisprudência.
Segundo a formulação negativa estão incluídos nesta categoria todos aqueles que não atingem os bens materiais do sujeito passivo ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação patrimonial.
O dano da morte resultando da ofensa a um direito de personalidade não só incide sobre um bem imaterial, como não altera a situação patrimonial da vítima que se “ipso facto” deixa de ter capacidade de produzir, também não tem mais necessidades.
Numa formulação positiva o dano não patrimonial ou dano moral tem por objecto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insusceptível, em rigor, de avaliação pecuniária.
A indemnização não visa então propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido.
Assim, a indemnização do dano não patrimonial tem de ser concebida em termos completamente diversos da indemnização do dano patrimonial na medida em que nada se reintegra, nada se restitui, como sucede no dano patrimonial, eliminável “in natura” ou por equivalente.
Nos danos não patrimoniais não há uma indemnização verdadeira e própria, mas, antes, uma reparação, a atribuição de uma soma em dinheiro que se julga adequada para compensar e reparar dores ou sofrimentos, através do proporcionar de certo número de alegrias e satisfações que as minorem ou façam esquecer.
A vida é algo que tem um conteúdo social, um conteúdo humano, que tem uma tradução concreta na relação com os outros e que, por isso, se torna tanto mais valiosa quanto mais forte e mais sentida for essa relação.
“Esse sentimento que une as pessoas umas às outras e valoriza a vida de cada qual pode estruturar-se, ao longo da existência, nos mais variados liames que podem ir desde a esperança não cumprida de quem nasce e morre cedo, até à afectividade sedimentada de quem teve uma vida longa e se foi tornando uma presença constante e desejada, passando pela imprescindibilidade de quem se encontra, em dado momento, no centro de responsabilidades sociais (e familiares) e afectivas, difíceis ou impossíveis de assumir por outrem”.
Como vem sendo entendido predominantemente pela jurisprudência e pela doutrina, a violação do direito à vida é passível de reparação, cabendo toda a indemni­zação correspondente aos danos não patrimoniais (quer os sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos - artigo 496.º, n.º 3 do Código Civil), não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares, por direito próprio, nos termos e segundo a ordem do disposto no n.º 2 do artigo 496.º([5]).
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoni­ais deve ser calculado, em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante), segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização – artigo 494.º “ex-vi” artigo 496.º n.º 3, ambos do Código Civil –, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurispru­dência, às flutuações do valor da moeda, etc.
A jurisprudência dos Tribunais Superiores tem evoluído no sentido de considerar que a indemniza­ção ou compensação por danos não patrimoniais para responder actualizadamente ao comando do artigo 496.º do Código Civil tem que ter um alcance significativo e não meramente simbólico de forma a assegurar uma efectiva possibilidade compensatória, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.
Atendendo aos padrões ultimamente adoptados na jurisprudência, dir-se-á quanto à privação do direito à vida de EE, sendo certo que se trata seguramente do mais importante de todos os direitos de personalidade, ser adequada à sua indem­nização a quantia de 50.000 euros fixada pelo tribunal a quo.
A morte de EE causou e causará no futuro desgosto aos demandantes.
A dor pela perda de um ente querido com quem se mantém uma ligação permanente de afecto é uma dor insuportável, quiçá das mais difíceis de fixação em termos de compensação pecuniária, pois encerra a angústia, a tristeza, falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofrida por cada um dos familiares a quem a vítima faltou.
Em todo o caso, o valor da indemnização individualmente fixada a este título não deve ser superior ao correspondente à perda da vida, o que facilmente se compreende em face deste bem supremo.
Na fixação desta indemnização deve ponderar-se, além do mais, o grau de parentesco mais próximo ou afastado, o relacionamento (e respectivo grau) da vítima com esses seus familiares de modo a aquilatar-se se a perda da vítima foi realmente sentida e se o foi com que intensidade, devendo ainda considerar-se que quanto mais intempestiva e contrária às regras normais da natureza se configurar a situação mais doloII é a experiência vivida.
Em juízo de equidade, tendo presentes os apontados padrões, afigura-se-nos ser adequada a compensação de 50.000 euros arbitrada pelo tribunal a quo, em conjunto, aos três demandantes.
Para além dos danos não patrimoniais sofridos com a morte do marido e pai, os demandantes sofreram prejuízos de natureza patrimonial decorrentes do pagamento de despesas necessárias aos cuidados de saúde do falecido.
No que respeita aos danos patrimoniais rege o princípio da reposição natural, previsto no artigo 562.º do Código Civil, sendo a indemnização fixada em dinheiro, com recurso à teoria da diferença (artigo 566.º, nºs 1 e 2 do Código Civil), quando não for possível a reconstituição natural.
Em relação aos danos patrimoniais, estando provado que, na sequência da conduta do arguido, os familiares de EE suportaram despesas necessárias aos cuidados de saúde do falecido no valor de € 766,26 (ponto 45 dos factos provados), deve o arguido ser condenado no pagamento aos demandantes desta quantia.
Em suma, dir-se-á que os demandantes BB, CC e DD têm direito a receber o montante global de 100.726,26 euros, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescido de juros de mora, à taxa legal, vencidos sobre a quantia de € 766,26 desde a notificação do pedido e sobre a quantia de € 100.000,00 desde a data do acórdão, até efectivo e integral pagamento [artigos 566.º, n.º 2, 805.º, n.º 3 e 806.º, n.º 1 do Código Civil e Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 4/2002 (DR, I-A, de 27 de Junho de 2002)].”
II.B.5.a).  – PRESSUPOSTOS DA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR.
A obrigação de indemnizar constitui-se como um modo de reparação de prejuízos ou danos que uma acção externa à esfera individual de um sujeito provoca no ambiente existente no momento em que a acção foi desencadeada.
Na génese da obrigação de indemnizar induzida, ou fundada, na produção de um evento que altere/modifique ou transforme a realidade existente na esfera (patrimonial ou imaterial) de uma pessoa [[148]] está a ideia de procurar restabelecer o bem jurídico violado no estado em que se encontrava antes da consumação do evento danoso, e, caso o restabelecimento não seja possível in natura, deverá a reparação ser realizada economicamente, na medida da diferença entre o estado anterior aquele em que o bem jurídico violado ou lesado se encontrava se não tivesse ocorrido a produção do resultado danoso – teoria da diferença (artigo 562.º e 566.º do Código Civil).
A vulneração de um direito ou de uma disposição legal protectora de interesses alheios, exige um conjunto de pressupostos de que a lei faz depender a obrigação de indemnizar - cfr. Artigo 483.º do Código Civil.
A doutrina, como dá nota o Professor Pessoa Jorge [[149]], não se mostra unânime quanto à elencagem dos pressupostos de que a lei faz depender a ocorrência ou a verificação da responsabilidade civil por factos ou actos ilícitos. Pensamos, no entanto, colher melhor sufrágio a solução adoptada por Antunes Varela [[150]], de que para que se mostrem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil se torna necessário: a) a ocorrência de um facto; b) que esse facto deve ser considerado ilícito; c) que o facto ilícito possa ser imputado a um determinado sujeito; d) que por virtude desse facto ilícito praticado por uma pessoa ocorra um dano, patrimonial ou não patrimonial, na esfera jurídica de outrem; e) e que exista um nexo de causalidade entre o facto e o dano. [[151]]
Em visualização expandida e explicitada poder-se-ia dizer que os pressupostos da responsabilidade aquiliana, se reconduzem nos sequentes elementos lógico-materiais e de verificação ou produção natural e físico-psicológicos: i) – o facto voluntário, consubstanciado numa conduta comissiva ou omissiva de um agente traduzido, naturalisticamente, numa alteração ou modificação da realidade existente ante; ii) – a ilicitude, traduzida na violação de normas legais ou de direitos (absolutos) consolidados na esfera individual ou colectiva e infractores dessas normas ou direitos; iii) – a culpa, como nexo de imputação ético-jurídico, de feição e natureza censurável ou reprovável, à luz dos valores eticamente prevalentes numa sociedade historicamente situada; iv) – o dano, lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros; v) – e o nexo de causalidade entre o facto e o dano
Supõe e importa, portanto, a responsabilidade civil, a imposição de medidas reparadoras destinadas a compensar um dano, moral ou patrimonial, ocasionados pela prática por parte de alguém de um uma conduta, ilícita e culposa, susceptível de violar direitos alheios ou disposição legal destinada a proteger interesses de terceiros. A perfeição da instituto da responsabilidade pressupõe a prática de um facto humano e material – comissão por via de acção ou omissão -; que esse facto se revele e planteie como contrário à ordem jurídica; que se exponha como reprovável e censurável, no plano imputação subjectiva a um determinado sujeito; que esse facto seja imputável ao um sujeito determinado; que o resultado produzido por esse facto produza uma modificação, material-objectiva ou moral-subjectiva, na esfera jurídica do sujeito que sofre os efeitos da acção ou da omissão, e que seja possível imputar o facto ao resultado danoso ocasionado. Para que se configure o dever de indemnizar, com base na responsabilidade civil, deverá, portanto, ser possível conexionar a conduta do agente ao dano provocado por essa conduta, ou seja, deve existir um nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a conduta do agente.
Em regra a responsabilidade civil e a obrigação de reparar o dano surge da conduta ilícita do agente que lhe deu causa, ou seja de uma conduta violadora de normas gerais e de direitos de outrem. [[152]]
O primeiro dos pressupostos de que a lei faz derivar a obrigação de indemnizar, com base na responsabilidade civil, é a realização de um facto - acção ou conduta humana, que se traduz na modificação de um estado de coisas existente antes da acção – por alguém que está adstrito, por imposição legal ou convencional, a observar determinadas regras de comportamento, e a fazê-lo utilizando cuidados e regras técnicas e de perícia correspondentes á tarefa a realizar. Trata-se, assim, de um acto humano, comissivo ou omissivo - a comissão vem a ser a prática de um acto que se deveria efectivar, e a omissão, a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo acto que deveria realizar-se -, de natureza voluntária e que deve, ou pode ser, objectivamente imputável, a uma determinada pessoa. Esse facto, pela sua feição ilícita, ou lícita [[153]], deve ter actuado e agido por forma a causar na esfera do lesado um prejuízo. Esta lesão de um direito de outrem ou de um interesse particular protegido por disposição legal, quando resultante da acção de um agente lesante, desencadeia a obrigação de indemnizar, a cargo do autor da lesão. 
O facto do agente, consubstanciado num comportamento ou numa conduta humana, deve assumir um carácter voluntário e poder ser dominável e controlável pela vontade. Revestindo o facto do agente uma atitude positiva denomina-se acção, sendo que revestindo uma atitude negativa se constitui numa omissão. Neste caso, a não prática do facto ou acto que o agente, por imposição de um dever jurídico, estava compelido a praticar, desencadeia a obrigação e indemnizar com base na responsabilidade civil.
A culpa pode revestir as modalidades de dolo, ou mera culpa, ou negligência, que são, nas situações de responsabilidade civil, as mais frequentes. A par da negligência, consubstanciada na omissão de um dever de cuidado, que uma atenta consideração da situação poderia e deveria ter prevenido, ocorrem a imprudência ou imperícia, sendo que a primeira ocorrerá quando o agente age por precipitação, por falta de previdência, de atenção no cumprimento de determinado acto, e a imperícia quando o agente acredita estar apto e possuir conhecimentos suficientes pratica acto para o qual não está preparado por falta de conhecimento aptidão capacidade e competência. [[154]]
A culpa (subjectiva, também designada “culpa penal”) revela-se e traduz-se numa imputação psicológica feita a uma pessoa e conleva um juízo de censura ético-jurídica dirigida a uma conduta humana portadora, ou a que se agrega, uma vontade livremente determinada e liberta de condicionalismos perturbadores da assumpção de um sentido querido e orientado da vontade individual.    
O juízo de culpabilidade geradora de responsabilidade civil assume uma feição objectiva, por referida a um padrão normativo eleito pela ordem jurídica, como mediador ou referência de imputação valorativa ético-normativa. A censura opera-se, para este fim, pela referência prudencial ou avisada que todo o individuo deve assumir, na gestão da sua vivência societária, onde o feixe de riscos e de situações passiveis de gerar perigos é constrangedor da assumpção de uma atitude de cautela, ponderação e razoabilidade. A previsão ou prognose de situações potenciadoras de um risco ou de factores exógenos que se perfilam como geradores de perigo devem ser cautelarmente avaliados e prefigurados, intelectivamente, de modo a que o agente assuma perante essa situação concreta um comportamento conducente a evitar a violação de direitos pessoais ou patrimoniais ou regras legais impostas para evitar a consumação de danos na esfera de outrem. [[155]]
À míngua de o juiz poder, numa reconstrução/avaliação a posteriori dos actos submetidos à sua decisão, colocar-se na representação das coisas que sucederam durante o desenvolvimento do próprio comportamento “enjuiciado” na posição do agente, deverá, na avaliação do comportamento, eventualmente culposo ou violador de uma norma legal utilizar um critério comparativo abstracto, qual seja o comportamento de um “homem recto e seguro dos seus actos”, do “homem razoável e prudente”, em definitivo do “bom pai de família” (“sem que isso impeça a atenção às circunstâncias de cada caso enjuizado, que em muito casos incidem podeIImente na valoração da conduta”). [[156]]   
Na avaliação de um comportamento violador de regras ou comandos legais deverá ter-se como padrão aferidor um nível de diligência, prudência ou cautela que um indivíduo razoável, ponderado e prevenido colocado numa situação similar assumiria. [[157]]
Para além da culpa, torna-se necessário que o facto possa/deva ser imputável ao agente e que possa/deva ser estabelecido um nexo causal, ou a relação de causalidade (adequada), entre o facto e o dano ocorrido. A relação de causalidade constitui-se, assim, como o elo de ligação entre o acto lesivo do agente e o dano ou prejuízo sofrido pela vítima. O conceito de nexo causal, ou relação de causalidade decorre de leis naturais. Apura-se pela conexão objectiva e subjectiva que é possível estabelecer entre a conduta do agente e o dano.
O nexo de causalidade é um pressuposto da responsabilidade civil que consiste na interacção causa/efeito, de ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão (art. 563º do Código Civil).
De acordo com o preceituado no art. 563º do Código Civil a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, com que se consagra a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, proposta por Ennecerus-Lehman, segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que ela seja de todo indiferente para a produção do mesmo, e só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias, sendo pois inadequada à sua produção.
À luz desta teoria, não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto causador do resultado danoso, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, ou seja, aqueles cuja ocorrência com ele esteja numa relação de adequação causal.
Por outras palavras, dir-se-á que o juízo de adequação causal tem que assentar numa relação intrínseca entre o facto e o dano, de modo que este decorra como consequência normal e típica daquele, ou seja, que corresponda a uma decorrência adequada do mesmo.
Preceitua o art. 563.º do Código Civil que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
A formulação normativa prefigura algum grau de equivocidade, na medida em que parece fazer ressaltar, uma assumpção da teoria da equivalência das condições, ou teoria da conditio sine qua non, segundo a qual seriam indemnizáveis todos os prejuízos que não se teriam verificado se não fosse o acto ilícito – a indemnização existiria em relação a todos os danos causalmente provocados pelo facto gerador da obrigação de indemnizar –, ainda que inculcando a ideia, ou impressivamente se conduza no sentido, de que só serão indemnizáveis aqueles danos que, numa relação de probabilidade entre o facto ilícito e o resultado danoso, não teriam ocorrido se o facto lesivo não tivesse ocorrido. A interpretação histórica, v. g. os trabalhos preparatórios do Código Civil, inculcam, ou asseveram a convicção lógico-racional, de o legislador quis e adoptou a teoria da causalidade adequada. [[158]]
Neste eito interpretativo e teleológico, tanto a doutrina, como a jurisprudência, tem vindo entender que este art. 563.º pretendeu consagrar a teoria da causalidade adequada. [[159]]
Com este perfil teleológico e lógico-dedutivo, um condicionalismo abstracto, desarreigado e despegado da realidade e substrato material actuante, não poderá tornar-se ou devir causa de um resultado danoso, quando, «segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano». [[160]]
À luz desta assumpção da teoria do facto ou acção causante, o nexo de causalidade entre o facto e o dano pode assumir uma feição indirecta, isto é, tornar possível a subsistência de um nexo de causalidade quando o facto ilícito não produz ele mesmo o dano, mas é causa adequada de outro facto que o produz, na medida em que este facto posterior tiver sido especialmente favorecido por aquele primeiro facto ou seja provável segundo o curso normal dos acontecimentos. [[161]]
A verificação da existência de nexo de causalidade é matéria que escapa à sindicância deste Supremo Tribunal de Justiça, [[162]/[163]] se perspectivada na sua feição naturalística. [[164]/[165]] Na verdade, se abordada no plano meramente naturalístico, o nexo de causalidade inclui matéria de direito probatório cuja sindicância escapa a este Supremo Tribunal, na afirmação do que vem disposto nos artigos 774.º e 682.º, n.º 2, ambos do Código Processo Civil. A ausência de prova quanto a este pressuposto e não a indagação de se “(…) o facto concreto apurado seja, em abstracto e em geral, apropriado para provar o dano”, como se  escreveu no douto acórdão de 01-07-2003, não cabe dentro dos poderes de reapreciação deste Supremo Tribunal, pelo ao repristiná-lo neste sede importa o seu desmerecimento.   
Numa inovadora e aliciante perspectiva da categoria jurídica do nexo de causalidade – crismado de nexo de imputação ou nexo de ilicitude – Ana Mafalda Castanheira Neves, refere que o lesado tem de provar “a existência de uma tessitura que, uma vez desenhada, justifique a assimilação do seu âmbito de relevância pelo âmbito de relevância do sistema. Isto é, tem de provar a edificação de uma esfera de risco e a existência de um evento lesivo. O juízo acerca da pertença deste aquela esfera traduzir-se-á numa dimensão normativa da realização judicativo-decisória do direito que convocará o sentido último da pessoalidade e um ideia de risco lido à luz daquela. Pelo que, em última instância, ficamos libertos das dificuldades que tradicionalmente agrilhoam o decidente e o levam a procurar soluções que vão desde as presunções de causalidade, o alívio do ónus da prova dos caos de dolo e situações especialmente perigosas, as presunções prima facie, a regra id quo plerumque accidit, a regra res ipsa loquitur, o alívio das exigências em termos de probabilidades, o recurso a categorias como a perda de chance.” [[166]]           
Seja numa perspectiva de assimilação/assumpção do nexo de causalidade como imputação objectiva [[167]], defendida pela autora citada, seja numa perspectiva de nexo de causalidade assumida como dimensão normativa-positiva, de causalidade adequada, [[168]/[169]] o estabelecimento do nexo de causalidade fundamentadora da responsabilidade, por banda do responsável de uma conduta que, por ser ético-axiologicamente censurável e reprovável, radica na imputação, objectiva e subjectiva, da acção viária do sujeito obrigado ao pagamento de uma indemnização. Vale dizer, que, neste caso, o nexo que tem de ser averiguado, determinado e estabelecido é entre uma conduta que está legalmente vedada ao sujeito que assume a responsabilidade de conduzir um veículo na via pública e a concreta produção de um evento lesivo, que não fora a desatenção e o sentido violador das normas de cuidado, prudência e sentido de diligência, não teria acaecido. [[170]]
Numa perspectiva jurídico-processual, como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Fevereiro de 2009, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino, “(…) tem sido entendido pela jurisprudência que o estabelecimento do nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o dano consubstancia matéria de facto da competência das instâncias e, portanto, insindicável pelo STJ. Como se decidiu em recente acórdão deste Tribunal, “o nexo de causalidade apenas pode ser apreciado pelo Supremo na sua vertente jurídica – a questão da adequação, ou normalidade, desse nexo –”, logo se acrescentando que “o nexo material de causalidade, como questão respeitante aos factos que ainda é, escapa à sindicância do STJ. Por isso, afirmando as instâncias a falta de prova do nexo material, nada poderá este STJ fazer para modificar tal asserção” - Ac. de 15.11.2007, desta 2.ª Secção, no Proc. 07B2998, disponível em www.dgsi.pt. Cfr. ainda os Acs. de 23.01.2007, no Proc. 06A4417, também disponível em www.dgsi.pt, e de 20.06.2000, na revista n.º 1703/00, da 6ª Secção.
(…) Na verdade, não estando provado, numa perspectiva naturalística ou fáctica, o nexo de causalidade, não há sequer suporte factual para avançar para a apreciação no plano jurídico, isto é, para a apreciação da adequação causal (entre o facto e o dano). Dizendo de outro modo: não estando provada, no plano fáctico, a existência do nexo de causalidade, não pode obviamente afirmar-se, no plano jurídico, que o facto é causa adequada do dano.
“Em sentido amplo, é a causalidade que justifica a responsabilidade de outrem por um dano ocorrido na esfera jurídica de alguém.” [[171]]    
Não basta que ocorra um dano, é preciso que esta lesão passe a existir a partir do acto ou acção de um agente que tenha tido a intenção de lesar um direito ou interesse, pessoal ou real/patrimonial de outrem, para que surja o dever de reparação. É imprescindível o estabelecimento da entre o acto omissivo ou comissivo do agente e o dano de tal forma que o acto do agente seja considerado como causa do dano.
Para que alguém fique constituído na obrigação de indemnizar é, pois, mister que tenha preenchido o condicionalismo, objectivo e subjectivo, que se deixou apontado.
A jurisprudência dominante vai no sentido de que a imputação de um facto a um agente deve conter-se num plano de objectividade e, em nosso juízo, é a que deve ser assumida e acatada, por ser a que melhor se adequa, em nosso juízo, à doutrina da imputação (objectiva) [[172]/[173]] de uma conduta a um agente. [[174]]
Para os casos em que a causa de um evento danoso se apresente como único, “o problema causal consistirá, fundamentalmente, em dilucidar se a conduta ou actividade do sujeito, eventualmente, responsável teve a suficiente entidade (idoneidade) para que o resultado danoso tivesse sido provocado, assim como decidir se todos os danos que foram consequência desse facto poderiam ser-lhe imputados. (…) Quer dizer, se de um determinado facto causal se seguem consequências lesivas, que por circunstâncias extraordinárias alcançam uma intensidade desproporcionada em relação com as que normalmente derivariam de factos idênticos ou análogos.” [[175]
Por fim o dano representa qualquer detrimento, prejuízo, menoscabo, dor ou moléstia. O dano indemnizável (“actionable or recoverable damage”) é um conceito normativo “que refere aquelas lesões causadas por condutas que reúnem os requisitos dos dois sistemas básicos da responsabilidade civil, por culpa e objectiva”. [[176]
Soe fazer-se distinção entre danos materiais e danos pessoais, ou sejam aqueles que afectam a natureza física ou psíquica da pessoa lesada, cabendo nestes os danos corporais, os morais e os prejuízos económicos que derivam dos danos corporais.
No prejuízo patrimonial, as grandes distinções cabem entre as categorias do dano emergente e do lucro cessante.
Os danos morais indemnizáveis adquirem uma extensão e um leque de situações tão diverso como: i) o prejuízo estético; ii) os prejuízos morais pela perda de qualidade de vida [[177]], que engloba “que engloba: a) a perda de autonomia pessoal que afecta as actividades essenciais da vida ordinária; b) a perda que afecta as actividades específicas de desenvolvimento pessoal; e c) o prejuízo moral vinculado aos danos pelo desempenho de um trabalho ou profissão”; iv) o prejuízo moral vinculado ao desempenho de um trabalho ou profissão [[178]]; v) o prejuízo moral pela perda de qualidade de vida familiar de grandes lesados. [[179]]
A indemnização peticionada pelos familiares da vítima cinge-se aos danos não patrimoniais sofridos pela perda de um ente que viveu durante um longo período de tempo, ligado por laços familiares, com as pessoas que agra se sentem mermadas na sua relação comunitária e conjugal. [[180]]
A dor e/ou o sentimento de perda de alguém que convive com um grupo constituído, formado e ligado por laços familiares apresenta-se como uma das vertentes indemnizáveis a título de dano não patrimonial.
Provada a ligação familiar dos peticionantes de indemnização por danos não patrimoniais para com a vítima, resulta verificado pressuposto material-substantivo que induz o direito de exigir do lesante o pagamento de um correspectivo monetário correspondente à reparação, avaliável equitativamente, pela perda do familiar.
Tratando-se de danos não quantificáveis ou mensuráveis por avaliação material decorrente da perda ou depreciação por estragos efectuados em coisa, a avaliação e mensuração quantitativa dos danos não patrimoniais não poderá deixar de ser atribuída por recurso a regras de valor inscritas na consciência comunitária e geridas pela experiência comum e prevalentemente aceite pela interiorização ascriptiva do sistema viger.
“(…) Como temos sustentado (veja-se, por exemplo, o Ac. de 22/2/17, proferido por este STJ no P. 5808/12.1TBALM.L1.S1), [[181]] o juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.
Considera-se que os valores arbitrados a este título pelo acórdão recorrido – compensando o sofrimento da lesada no período que precedeu o óbito, a lesão do direito à vida e o desgosto e sofrimento pessoal do A./marido – se revelam proporcionais e adequados, não merecendo censura.
Saliente-se que – no respeitante à indemnização pela lesão do direito à vida e pelos desgostos pessoalmente sofridos pelo A.- os valores pretendidos por este não se afastam sequer sensivelmente dos montantes arbitrados pelo acórdão recorrido (€ 70.000,00/75.000,00 ; €25.000,00/35.000,00), compreendendo-se tal diferença de valores no âmbito da discricionariedade consentida às instâncias na ponderação das circunstâncias peculiares do caso concreto – e revelando-se, isso sim, perfeitamente desproporcionais e inadequados os valores sustentados pela seguradora na sua alegação de recurso subordinado.
Quanto ao montante do valor compensatório pelo dano sofrido pela lesada no período que precedeu o óbito, apontam as partes valores abissalmente opostos, pretendendo o A. o reconhecimento do direito ao montante de € 425.000,00 e a seguradora ver tal montante reduzido para € 20.000,00!
Nenhuma destas visões extremadas acerca da quantificação deste relevante dano não patrimonial se justifica materialmente, importando ponderar que a lesada acabou por sobreviver -em condições efectivamente muito penosas e de grande sofrimento - durante um ano e 4 meses, sobrevindo-lhe entretanto a morte em consequências das sequelas das lesões iniciais. Implica isto que a indemnização global pelo dano não patrimonial sofrido – ponderados os sofrimentos, a penosidade e o limitado padrão de vida suportado pela lesada durante mais de 1 ano e o dano decorrente da ulterior e consequente privação do direito à vida- se aproxima dos valores indemnizatórios que este STJ vem reconhecendo em situações de equiparável gravidade (em que o lesado acaba por sobreviver ao longo de anos, durante períodos prolongados, em situações de vida praticamente vegetativa ou de profundíssima incapacidade) – vejam-se, por exemplo os casos retratados nos Acs. do STJ de 28/2/08, P. 08B388 e de 16/2/12, proferido no P. 1043/03.8TBMCN.P1.S1.” – (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2017, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego)
Em síntese ficou adquirido para o processo que i) a família, com a perda da vida de EE, encontra-se em grande sofrimento; iii) a perda precoce provocou uma grande tristeza e desgosto, que nem o tempo vai ajudar a ultrapassar; iii) a perda da vida de EE, causou à Assistente/Lesada, filhos e neta, em que esta, estava sob a responsabilidade parental do avô, danos, que pelo sofrimento e dor imensa, que o tempo nunca vai apagar; iv) os filhos adultos da vítima mantinham com este uma relação da proximidade com o Lesado; v) sofreram com a perda do pai; vi) o lesado tinha a cargo a responsabilidade paternal reconhecida pelo tribunal de sua neta, desde tenra idade, actualmente com 18 anos e estudante.
O montante atribuído aos familiares peca, quanto a nós, por exíguo. Uma indemnização adequada, atendendo ao grau de proximidade dos filhos e da relação conjugal com a demandante dever-se-ia fixar em montante acercado aos € 70.000,00, assim distribuído € 40.000,00 para o cônjuge mulher e €15.000,00 para cada um dos filhos.
Estando vedado ao tribunal modificar in pejus a decisão das instâncias o quantitativo atribuído é de manter.  
II.B.5.b). – Dano de Morte. Quantum Indemnizatório.
A lei consagra um direito de indemnização, autónomo, pela supressão (biológica) do bem jurídico constitucionalmente reconhecido que é vida de uma pessoa, mais concretamente, quando essa ablação (da vida) surge, não por razões da própria natureza humana, da ordem natural da vida, mas por uma acção, natural ou humana, que ocorre de forma inopinada no curso normal da vida de um individuo. [[182]]
O assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Março de 1971, [[183]] resolveu de forma definitiva a questão que se debatia até aí sobre que tipo de dano a atribuir em caso de morte. (“I. A perda do direito à vida, por morte ocorrida em acidente de viação, é, em si mesma, passível de reparação pecuniária, sendo a obrigação pela acção ou omissão e que a morte é consequência. II. – O direito a essa reparação integra-se no património da vítima e, coma morte desta, mantêm-se e transmite-se.” – BMJ nº 205, pág. 150. [[184]]
Após essa definição jurisprudencial, mostra-se unanimemente aceite que o dano de morte se constitui como um dano autonomamente indemnizável. [[185]]
Ainda que não seja objecto de dissidio argumentativo no recurso em apreciação, por razões didácticas abordar-se-á a questão do direito ao dano de morte enquanto dano que surge na esfera pessoal do decesso, transmitindo-se aos herdeiros, ou se é atribuído iure proprio aos herdeiros.
Esta questão foi, de há muito, e nem sempre do forma unânime, objecto de muito e aprofundado tratamento por parte da doutrina e da jurisprudência (v. Antunes Varela “Das Obrigações em Geral – 10ª edição – páginas 608 a 616) sendo interessante, dentro deste processo de tomada de decisão, referir que o reconhecimento da perda da vida como direito não patrimonial autónomo – indemnização pela supressão do bem vida - foi pela primeira vez efectuado na jurisprudência deste STJ pelo acórdão de 17/3/1971 (tomado em Plenário de Secções, nos termos do artigo 728º nº 3 CPC, na redacção então vigente, uma vez que por anterior acórdão – de 12/2/1969 – se perfilhou a tese de que a supressão do bem da vida não constitui dano cuja reparação se transmita aos herdeiros da vitima), defendendo-se ali que a perda do direito à vida é, em si mesma passível do indemnização e que o direito à reparação pecuniária se integra no património da vitima transmitindo-se mortis causa aos seus sucessores.
A doutrina subjacente ao acórdão reconhece o direito à vida como um direito inato que respeita ao indivíduo pelo simples facto de ter personalidade e centrando o momento da violação do direito no inicio da acção vitimante (à semelhança do que ocorre no domínio do direito penal) faz incorporar o direito à indemnização pelo dano na esfera jurídica da própria vitima.
Numa ligeira análise, que aqui afloramos por meras razões de curiosidade intelectual, a tese do acórdão parece, no quadro específico de protecção, pelo direito privado, do direito à vida aproximar-se das teses relativas à determinação dogmática da função de imperativo de tutela e da proibição da insuficiência do direito privado na tutela dos direitos fundamentais.
Na tese dos recorrentes a garantia de protecção do Fundo abrangerá (também) a indemnização pelo dano morte da vítima, seu filho, uma vez que para efeitos indemnizatórios esse dano se traduz ou tem a natureza de um direito próprio (que radica na sua esfera jurídica por força do disposto no artigo 496º nº 2 CC) e não a natureza de um direito que lhes tenha advindo por serem herdeiros da vítima segundo a lei sucessória.
A posição defendida pelos recorrentes encontra, numa primeira leitura e análise e conforme a apresentam, sustentação nos acórdãos deste STJ de 7/10/2003 (relator Conselheiro Afonso Correia – www.dgsi.pt) e de 10/2/1998 (CJ/STJ, 1998, 1º - 65) e de 18/9/2012 (relator Conselheiro Azevedo Ramos – www.dgsi.pt), nos quais se refere, acompanhando-se, entre outras, a posição defendida pelo Professor Antunes Varela, que a reparação do dano morte (ou supressão da vida) é tratada na nossa lei civil como um caso especial de indemnização atribuindo, nesta situação, os artigos 495º e 496º nº 2 CC um direito próprio à indemnização, abstraindo-se, assim (acrescenta) do recurso às regras sucessórias.
Com todo o respeito por todas as opiniões em contrário, entendemos que as teses que na doutrina e na jurisprudência lêem o disposto no artigo 496º nº 2 no sentido de se consagrar, às pessoas ali indicadas, o direito à indemnização por supressão do direito à vida como um direito próprio e originário dessas mesmas pessoas se baseiam (reforçamos que no que exclusivamente respeita à indemnização por supressão do direito à vida e fundamentalmente na parte em que qualificam esse direito à indemnização como um direito originário das pessoas indicadas nessa disposição legal) numa interpretação demasiado restritiva do que ali se estatui com um fundamento que admitimos esteja suportado numa injustificada sobrevalorização do argumento literal, esquecendo possivelmente que ao tempo da entrada em vigor do Código ainda se não colocava (pelo menos na nossa jurisprudência) a questão da indemnização pela supressão do bem vida como dano não patrimonial autónomo, sendo desta realidade eloquente exemplo as posições contraditórias reflectidas nos acórdãos deste STJ, de 12 de Fevereiro de 1969 e de 17 de Março de 1971, e a discussão doutrinária gerada a partir das anotações do Professor Vaz Serra a esses dois acórdãos, publicadas nas RLJ nºs 103 e 105º.
Não havendo hoje dúvidas que a violação por acto ilícito do direito à vida, entendida como privação desse direito gera um dano não patrimonial autónomo indemnizável, entendemos porém que tal direito nasce na esfera jurídica da própria vitima no preciso momento em que é praticado o acto ou verificada a omissão que tem como resultado a morte, venha esta a ocorrer imediatamente ou em momento cronologicamente posterior, não nos merecendo, neste preciso aspecto acordo a posição que já acima referimos, manifestada no voto de vencido do Conselheiro Arala Chaves (a cuja memória prestamos homenagem) ao acórdão deste STJ, de Março de 1971; com efeito ocorrendo a morte sempre e necessariamente num momento temporal distinto e posterior ao acto ou omissão causal (tal como ocorre no domínio do direito penal a sanção civil (indemnização por facto ilícito) castiga o acto causal servindo o resultado/consequência como elemento decisivo para a fixação do quantum indemnizatório) existe sempre um momento temporal – por ínfimo que seja – em que o direito à indemnização por violação do (seu) direito à vida incorporou a sua esfera jurídica.
Sendo o direito à vida um direito inato na medida em que respeita ao individuo pelo simples facto de ele ter personalidade tal direito permanece sempre na esfera do próprio, razão esta que reforça a nossa posição no sentido que a violação desse direito fundamental, a supressão do direito à vida, ocorre na esfera jurídica do lesado transmitindo-se mortis causa o direito à indemnização. Como refere Galvão Telles, Direito das Sucessões, Lisboa, 1973, páginas 86/87, se um direito surge no momento da morte, no primeiro momento da inexistência de personalidade também nasce no ultimo momento de existência dessa personalidade, podendo portanto ser adquirido por quem falece.
Acrescenta aquele ilustre Professor que para alguém adquirir um direito inter vivos não é necessário que sobreviva ao facto determinante da aquisição, bastando que exista quando este se dá.
Diferente da tese de Galvão Telles, que acompanhamos na linha do que fica acima referido, mas conduzindo ao mesmo resultado prático, é a tese defendida por Diogo Leite de Campos (A Indemnização do Dano Morte – Coimbra, 1980) que, parecendo em nossa opinião ignorar a existência de momentos temporais distintos, defende a construção de uma teoria de aquisição do direito post mortem como ainda uma manifestação da personalidade jurídica do de cujus.
Conduz tudo o que deixamos referido a que concluamos, na linha aliás da jurisprudência que fez vencimento no acórdão deste STJ de 17 de Março de 1971, que produzindo-se o dano na esfera jurídica da vitima (na esfera inata e intransmissível do seu direito à vida), o direito à indemnização pela supressão do direito à vida enquanto dano não patrimonial autónomo radica originariamente na esfera jurídica dessa mesma vitima.
Colocado, assim, este primeiro aspecto da questão e concluindo em conformidade que o dano resultante ou consequente da supressão do direito à vitima e o consequente direito à indemnização (artigo 483º CC) integram originariamente a esfera jurídica do lesado, perguntar-se-á como se compatibiliza esta mesma conclusão com o disposto no artigo 496º nº 2.
Com todo o respeito, reforçamos, pelas posições que vêm sendo assumidas em contrário na doutrina e na jurisprudência, entendemos que não existe qualquer espécie de incompatibilidade entre a posição subjacente à conclusão a que chegamos e o conteúdo daquele mencionado normativo.
Sem entrarmos na questão controversa de saber se a transmissão (mortis causa) do direito ali prevista se opera por via sucessória ou por aquisição directa e originária das pessoas indicadas naquele nº 2 (esta questão e a sua solução não cabe no âmbito do recurso) consideramos claro que a razão de ser a justificação do ponto de vista teleológico do disposto naquela norma se limita ao estabelecimento de um regime de transmissão do direito à compensação por danos não patrimoniais e respectivo exercício, não encontrando qualquer suporte uma interpretação no sentido de que às pessoas ali mencionadas é ali conferido um direito passível de ser considerado originário (no sentido de ter nascido originariamente na sua esfera jurídica), sendo mesmo e em contrário de se sublinhar que se situa ali o momento da aquisição do direito (morte da vitima) e se refere que tal direito cabe em conjunto ás pessoas ali mencionadas e na falta destas às pessoas que ali seguidamente se mencionam, mostrando clara esta formulação que não há nessas pessoas um direito originário mas sim um direito adquirido por morte da vitima, ou seja mortis causa.
Tendo por certo, na linha do que deixamos referido, que os AA enquanto pais da vitima, que era simultaneamente proprietário da viatura interveniente no acidente e incumpridor da obrigação legal de segurar, apenas poderiam obter a condenação do Fundo no pagamento da indemnização correspondente aos danos, no caso não patrimoniais, pessoalmente sofridos com a morte do filho (só relativamente a estes danos têm real e efectiva qualidade de terceiros) e assim necessariamente terá que ser afastada a possibilidade de reclamarem indemnização pelos danos sofridos na esfera jurídica da vitima como é o caso da indemnização pelo dano não patrimonial autónomo supressão da vida.
No caso presente estamos perante uma situação em que apenas é possível o que no direito francês se designa por action personnele des victimes par ricochet na qual as vitimas, que o são em razão de uma proximidade familiar com o de cujus, exigem os seus prejuízos pessoais resultantes da morte (préjudices personneles induits par le décès).” [[186]/[187]]
O dano de morte constitui-se, pois, como um direito autónomo que se transmite por via sucessória aos herdeiros da vítima. Ainda que se nos afigurem com pertinência algumas das objecções que se mostram levantadas numa tese de mestrado [[188]] a propósito da tese de que o dano de morte não pode ser configurado como um dano autónomo e não seja descartável e desprezível a argumentação aí adiantada para conferir o dano de morte de iure proprio aos familiares da vítima, o facto é que, por razões que não caberão numa decisão judicial, mantemos a posição de que o dano de morte se constitui como um dano indemnizável autonomamente e que se radica na esfera do de cujus transmitindo-se por via sucessória aos herdeiros referidos no nº 2 do artigo 496º do Código Civil. [[189]]   
Na aferição do quantum a atribuir pelo dano de morte deve atender-se, na esteira do sumariado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Dezembro de 2009, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, que (sic): “II - A indemnização deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arts. 562.º a 564.º e 569.º do CC). III - A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente oneII para o devedor – art. 566.º, n.ºs 1 e 2, do CC. IV - Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. V - A Portaria 377/2008, de 26-05, contém «critérios para os procedimentos de proposta razoável, em particular quanto à valorização do dano corporal» (cf. o respectivo preâmbulo). Tem um âmbito institucional específico de aplicação, extrajudicial, e, por outro lado, pela sua natureza, não revoga nem derroga lei ou decreto-lei, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido pelo CC. VI - Na indemnização pelo dano não patrimonial o pretium doloris deve ser fixado por recurso a critérios de equidade, de modo a proporcionar ao lesado momentos de prazer que, de algum modo, contribuam para atenuar a dor sofrida – Ac. deste STJ de 07-11-2006, Proc. n.º 3349/06 - 1.ª. VII - Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto. VIII - Para que o dano não patrimonial mereça a tutela do direito tem de ser grave, devendo essa gravidade avaliar-se por critérios objectivos e não de harmonia com percepções subjectivas ou da sensibilidade danosa particularmente sentida pelo lesado, de forma a concluir-se que a gravidade do dano justifica, de harmonia com o direito, a concessão de indemnização compensatória.IX - Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» – cf. Ac. do STJ de 17-06-2004, Proc. n.º 2364/04 - 5.ª. X - À míngua de outro critério legal, na determinação do quantum compensatório pela perda do direito à vida importa ter em linha de conta, por um lado, a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais. E, por outro, conforme os casos, a vontade e a alegria de viver da vítima, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, designadamente a sua situação profissional e socioeconómica. XI - A indemnização devida pelo dano morte é transmissível, bem como, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais, que cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem – art. 496.º, n.º 2, do CC –, sendo ainda indemnizáveis, por direito próprio, os danos não patrimoniais sofridos pelas pessoas referidas no preceito, familiares da vítima, decorrentes do sofrimento e desgosto que essa morte lhes causou (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª ed., pág. 604 e ss.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., pág. 500; Pereira Coelho, Direito das Sucessões, e Ac. do STJ de 17-03-1971, BMJ 205.º/150; Leite de Campos, A Indemnização do Dano da Morte, Boletim da Faculdade de Direito, vol. 50, pág. 247; e Galvão Telles, Direito das Sucessões, pág. 88 e ss.).” [[190]]
A morte que sobreveio à acção ilícita e antijurídica perpetrada pelo arguido torna-se passível de ocasionar um direito a indemnização a crédito daqueles que demonstraram ter sido afectadas, na sua esfera jurídica, pela supressão da vida da vítima. 
Não tendo a vítima falecido instantaneamente, ocorre o caso referido no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Junho de 2010, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, que exprimia a ideia de que (sic). “Tais danos surgem e radica-se ainda na titularidade da própria vítima, pressupondo sempre a morte não instantânea.
Ora, crê-se que, também quanto a este ponto, não sendo o direito exercido pelo próprio lesado antes da morte, haverá de ser no n.º 2 do art. 496º que terá de se encontrar a determinação do sujeito da titularidade da indemnização devida, nomeadamente no tocante à ordem por que se opera a transferência do direito originariamente da vítima.
Efectivamente, por um lado, o n.º 2 do art. 496º alude ao direito à indemnização «por danos não patrimoniais”, sem quaisquer limitações ou restrições, em abrangência de todos os danos originados «por morte da vítima», enquanto, por outro lado, o n.º 3 refere que «no caso de morte» podem ser atendidos os danos «sofridos pela vítima» e também os sofridos pela pessoas referidas no n.º 2.
Parece, pois, que se quis englobar num mesmo regime, auto-suficiente, todos os danos não patrimoniais inerentes a um acto lesivo que tenha conduzido à morte do lesado.
Assim, como nota CAPELO DE SOUSA (ob. cit., pg. 298 e nota (433)), foi alterado o Projecto VAZ SERRA, “estendendo aos familiares ora referidos no art. 496º-2 do Código Civil o direito à indemnização pelos danos morais sofridos pela própria vítima (n.º 2 e 3 do art. 498º da 2ª Ver. Min.), para além do direito de indemnização por danos morais que eles mesmos tenham sofrido pela morte do de cujus (o que já constava do n.º 2 do art. 759º do art. de VAZ SERRA e do n.º 3 do art. 476º da 1ª Rev. Min.)”.
Consequentemente, também neste caso, o direito compensatório cabe às pessoas eleitas pelo legislador de entre as ligadas por certas relações familiares ao falecido, mediante uma transmissão de direitos da personalidade extinta, transmissão que não corresponde a um chamamento à titularidade desses direito segundo as regras do direito sucessório.
Numa palavra, o direito à indemnização pelos danos não patrimoniais que a vítima tenha sofrido antes do seu decesso transfere-se para as pessoas indigitadas no n.º 2 do art. 496º e pela ordem aí indicada.”
A indemnização fixada pelo tribunal recorrido não se afasta da pauta indemnizatória que este Supremo Tribunal tem vindo a fixar no caso de morte. Como vem sendo jurisprudência mais ou menos constante a indemnização pela perda da vida, ou dano pela morte, não se pode afastar de padrões condignos de uma sociedade em que o valor da vida sobrepuja e avulta sobre todos os demais bens imanentes à pessoa humana. Temos vindo a advogar que a ablação violenta da vida constitui um choque inenarrável na esfera sentimental das pessoas que formam o circulo vivencial e afectivo da pessoas subtraída ao seu convívio familiar e social. Daí que defendamos que a indemnização pelo direito à vida – já que a lei a predita – deve valer pela sua essencialidade vital e ser valorada de acordo com critérios de afirmação da existência do ser em sociedade.
Os valores atribuídos na decisão sob recurso situam-se abaixo dos valores que em outras sedes fixamos e que se situavam entre € 60.000,00 e €80.000,00.
O valor da vida não deve, ao contrário do que temos visto defender, ser aferido por critérios atinentes com a idade ou outros factores inerentes á pessoa do decesso. A vida vale enquanto valor intrínseco e imensurável e a sua supressão exsurge da afirmação vital em que a vida se expressa e reverbera.
Daí que não mereça reparo o quantitativo atribuído pelas instâncias.
O mesmo ocorre dizer quanto aos danos não patrimoniais que foram fixados, que em nosso juízo só pecam por reduzidos. 
Mantém-se a decisão quanto à indemnização cível arbitrada pelo tribunal recorrido.
II.B.6). – Inconstitucionalidade (por suposta/eventual (sic) “violação das normas legais aplicáveis, nomeadamente os artigos 18º, 20º, 25º e 26º da CRP, artigos 31º, 32º, 33º e 144º, alíneas a) e d) do C. Penal, 483º, 489º e 496º do C. Civil.
Alinha, por fim, o recorrente uma eventual, ou suposta, violação dos artigos 18º, 20º 25º e 26º da Constituição da República Portuguesa por errada interpretação dos artigos 31º, 32º, 33º e 144º, alíneas a) e d) do C. Penal, 483º, 489º e 496º do C. Civil.
Faz o recorrente caso omisso da indicação interpretativa que deveria ter sido adoptada pelo tribunal para aplicação correcta dos preceitos relacionados. Não o rendo feito a alegação sofre de carência de impostação material-objectiva o que inviabiliza o tribunal de recurso expressar um juízo de valoração quanto ao pendor interpretativo que as instâncias fizeram nos preceitos citados. A falta de enunciação dos vícios e da errónea interpretação ilaqueia a possibilidade de sindicância por parte do tribunal de recurso do sentido ajustado e arrimado ao sentido constitucionalmente consagrado nas normas.
Daí que não seja possível conhecer deste concreto pedido formulado pelo recorrente na sua petição de recurso.
Sobra asseverar que na contagem da pena que venha a ser efectuada serão, de certo, descontados os períodos de tempo que o arguido esteve privado de liberdade, pois só estes são computáveis no desconto do cumprimento da pena de prisão – cfr. artigo 80º do Código Penal.  
 
III. – DECISÃO.
Na defluência do argumentado acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:
- Conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, condenar o arguido pela prática de um crime de homicídio previsto e punido pelo artigo 131º do Código Penal, agravado nos termos do nº 4 do artigo 86º da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as alterações sofridas pelas Leis nºs 59/2007, de 4 de Setembro; 17/2009, de 6 de Maio; de 26/2010, de 30 de Agosto; 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, na pena de oito (8) anos de prisão.
- Confirmar no mais o acórdão recorrido, notadamente quanto à fixação do quantitativo relativos ao dano de morte e aos danos patrimoniais. 
- Sem custas.


                                                                       Lisboa, 18 de Abril de 2018


                                                         
                                                                       Gabriel Catarino ( Relator)

                                                        
                                                                       Manuel Matos      
    
 

---------------------------------


[1] Ter-se-á pretendido dizer “o arguido agiu apenas…”.
[2] Para quem não seja versado em matéria de armas é importante esclarecer que uma arma, para se manter em boas condições de funcionamento, deve ser limpa depois de ser usada e, não sendo usada, deve a limpeza ser feita de seis em seis meses, independentemente do estado em que se encontre. Tratando-se de uma arma de precisão deve até ser limpa todos os três meses.
[3] Manuel Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português, Parte Geral I, Verbo, 1981, pag. 345.
[4] J. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral I, CE, 2004, pag. 409.
[5] Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General, I, Civitas, 1997, pag. 597.
[6] Gonzalo Quintero Olivares, Derecho Penal, Parte General, Marcial Pons, 1989, pag. 461. No mesmo sentido Mir Puig, Derecho Penal, Parte General,PPU, 3.ª edição, pa. 470.
[7] E. Mezger, Tratado de Derecho Penal, I, Editorial Revista de Derecho Privado, Madrid, 1955, pag. 458.
[8] EE Correia, Direito Criminal II, (Reimpressão), Almedina, 1971, pag. 45.
[9] Quintero Olivares, Obra citada, pag. 461.
[10] J. Figueiredo Dias, Obra citada, pag. 304 e ss.
[11] G. Jakobs, Derecho Penal Parte General, Marcial Pons, pag. 237 e ss.
[12] F. Antolisei, Manuale di Diritto Penale, Parte Generale, Giuffrè Editore, 9.ª edição, pag. 206.
[13] Ferrando Mantovani, Principi di Diritto Penale, Cedam, 2002, pag. 62.
[14] Santiago Mir Puig, Derecho Penal Parte General, PPU, Barcelona, 3.ª edição, pag. 244 e ss.
[15] Para quem não seja versado em matéria de armas é importante esclarecer que uma arma, para se manter em boas condições de funcionamento, deve ser limpa depois de ser usada e, não sendo usada, deve a limpeza ser feita de seis em seis meses, independentemente do estado em que se encontre. Tratando-se de uma arma de precisão deve até ser limpa todos os três meses.
[16] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Setembro de 2016, in www.dgsi.pt (relatado pelo Conselheiro Santos Cabral), “IV - O recurso para o STJ visa exclusivamente o reexame das questões de direito, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios referidos no art. 410.º, n.º 2 do CPP. V - Sendo o recurso para o STJ um recurso de revista ampliada, configura-se, a possibilidade que é dada ao tribunal de recurso de conhecer a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a decisão de direito não encontre na mesma matéria uma base tal que suporte um raciocínio lógico subsuntivo que permita a conclusão; de verificar uma contradição insanável da fundamentação sempre que através de um raciocínio lógico conclua que da fundamentação resulta contrária ou que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a contradição entre os fundamentos aduzidos; de concluir por um erro notório na aprecia o da prova sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente uma conclusão contrária, ou pelo menos diferente, da exposta pelo tribunal. VI - Carece de fundamento a invocação de tais vícios se não se vislumbra na análise da decisão recorrida, e só ela releva para o fim em vista, onde é que exista uma insuficiência dos factos para a decisão de direito ou se descortine um erro notório ou de desconformidade entre a fundamentação e a decisão.” 
[17]Nestes casos, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do nº 2 do artº 410º), como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (al. a) e b) do nº 2 do artº 410º). Importa repetir mais uma vez, aquilo que tem sido a jurisprudência constante deste S.T.J., quanto à invocação de tais vícios.
O conhecimento de recurso em matéria de facto, interposto de decisão final do tribunal colectivo, é só da competência do Tribunal da Relação, mesmo tratando-se da mera invocação dos vícios do artº 410º do C.P.P.. Quando o artº 434º do C.P.P. nos diz que o recurso para o S.T.J. visa exclusivamente matéria de direito, “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artº 410º”, não pretende, sem mais, com esta afirmação, que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça possa visar sempre a invocação dos vícios previstos neste artigo. Pretende simplesmente admitir o conhecimento dos vícios mencionados pelo S.T.J., oficiosamente, mesmo não se tratando de matéria de direito. O âmbito dos poderes de cognição do S.T.J. é-nos revelado pela al. c), hoje al. d) do nº 1 do artº 432º, que restringe o conhecimento do S.T.J. a matéria de direito. E refira-se que as alterações do C.P.P., operadas pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto, não modificaram os preceitos em causa (al. c), depois d), do artº 432º e artº 434º), de modo a justificar-se uma inflexão da orientação seguida neste S.T.J..
Isto dito, acrescentaremos porém que, ao pronunciar-se de direito, nos recursos que para si se interponham, o S.T.J. tem que dispor de uma base factual escorreita, no sentido de se apresentar expurgada de eventuais insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos. Por isso conhece dos vícios aludidos por sua iniciativa. Aliás, tem mesmo de os conhecer, nos termos do acórdão para fixação de jurisprudência de 19/10/1995, do Pleno das Secções Criminais deste S.T.J. (Pº 46580-3ª, in D.R. Iª série – A, de 28/12/2005).” – Acórdão do STJ, de 29 de Outubro de 2008 (relatado pelo Conselheiro Souto Moura).
No mesmo sentido, o acórdão do STJ de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 2010, in www.dgsi.pt (relatado pelo Conselheiro Fernando Fróis), em cujo sumário se inscreveu a sequente doutrina. “I - Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no art. 410.º, n.º 2, do CPP – Ac. do Plenário da Secção Criminal n.º 7/95, de 19-10-95, Proc. n.º 46580, publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de 28-12-95, que fixou jurisprudência então obrigatória (É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito) e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos arts. 379.º, n.º 2, e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.
(…) XI -O erro de julgamento da matéria de facto não é sindicável pelo STJ, pois esse erro não se confunde com o vício decisão. O erro de julgamento da matéria de facto existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então, o inverso e tem a ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova, constante do art. 127.º do CPP. XII - Os vícios do nº 2 do art. 410.º do CPP são de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Os vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no citado normativo – art. 127.º do CPP. XIII - Não incidindo o recurso sobre prova documentada nem se estando perante prova legal ou tarifada, não se pode sindicar a boa ou má valoração daquela, e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida é afinal querer impugnar a convicção do tribunal, esquecendo a citada regra. Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é a convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos. XIV - O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Embora em ambos se esteja no domínio da sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, verifica-se em momento anterior à elaboração do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício não se estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto. XV - Só com o âmbito restrito consentido pelo art. 410.º, n.º 2, do CPP, com o incontornável pressuposto de que o vício há-de derivar do texto da decisão recorrida, o STJ poderá avaliar, nos casos em que considere imperioso o reexame, da subsistência dos vícios da matéria de facto.” (Ambos disponíveis em www.dgsi.pt)
[18] É avonde a jurisprudência do nosso mais alto tribunal (Supremo Tribunal de Justiça) quanto a esta matéria – vícios da decisão, por erro notório na apreciação da prova, insuficiência da matéria de facto para a decisão e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. Por todos: Acórdãos do STJ de 1.10.1997; 22.10.1997;27.11.1997; 4.12.1997; 14.6.1998;20.1.1998;28.10.1998; 2.12.1999;14.3.2002; e 3.7.2002; proferidos nos processos nºs28/97; 612/97; 1127/96; 1018/97; 725/98; 690/97; 1098/98; 1046/98; 3261/01; 1748/02.                  
[19] Paolo Tonini, “Manuale di Procedura Penale”, Giuffrè Editore, Milano, 2008, pág. 208.
[20] Vide a propósito Paolo Tonini, in “La Prova Penale”, Quarta edizione, 2000,CEDAM, pags. 29 e 30.
[21] Para mais desenvolvimentos vide “La Prueba Penal”, Carlos Climent Durán, Tirnat lo Blanch, 2ª edición, Tomo I, pags. 859 e segs., maxime pags. 865 e 869.
[22] Michele Taruffo, “La Prueba”, Marcial Pons, Madrid, 2008, pág. 268 e 269.
[23] Michele Taruffo, “Simplemente la Verdad. El Juez y la construción de los hechos”, Marcial Pons, Madrid, Madrid, 2010, 232-234.
[24] “(…) Este vício não pode ser confundido, como frequentemente sucede e sucedeu no caso vertente, com erro de julgamento, que resultaria de errada apreciação da prova produzida ou insuficiência desta para fundamentar a decisão recorrida.
Na verdade é um dado adquirido em termos dogmáticos que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena (entre outros, cf. o Acórdão de 3/7/2002, Proc. n.º 1748/02 da 3ª Secção, Sumários dos Acórdãos das Secções Criminais, edição anual 2002, p. 242).” – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Outubro de 2006 (relatado peo Conselheiro Santos Cabral);
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Setembro de 2007, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes, “(…) VIII - Constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal a orientação segundo a qual está vedada a arguição dos vícios da sentença no recurso para o STJ das decisões finais do tribunal colectivo já apreciadas pelo Tribunal da Relação, posto que se trata de questão de facto, bem como a de que o STJ, em recurso da decisão da Relação, não pode conhecer de questões que, embora resolvidas ou surgidas na sequência da decisão do tribunal de 1.ª instância, não hajam sido submetidas à apreciação e julgamento do tribunal de 2.ª instância e, por isso, não tenham sido por este tribunal apreciadas. Certo é, porém, que o STJ pode conhecer oficiosamente dos vícios da matéria de facto previstos nas als. a) a c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP. IX - O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada resulta da circunstância de o tribunal não ter esgotado os seus poderes de indagação relativamente ao apuramento da matéria de facto essencial, ou seja, quando o tribunal, podendo e devendo investigar certos factos, omite esse seu dever, conduzindo a que, no limite, se não possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. Trata-se, pois, de vício que resulta do incumprimento por parte do tribunal do dever que sobre si impende de produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa – art. 340.º, n.º 1, do CPP.” –
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Novembro de 2007, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes. “(…) IV - Se do exame da decisão proferida, concretamente dos factos provados e não provados, resulta que o tribunal de 1.ª instância nada averiguou e apurou relativamente à personalidade e às condições pessoais do arguido, sendo certo que podia e devia ter ordenado a produção de prova necessária à indagação de matéria de facto atinente a tais matérias, bem como sobre o seu comportamento do arguido anterior e posterior aos factos, sua inserção social e grau de cultura e formação profissional, elementos essenciais à
determinação da espécie e da medida da pena a aplicar, é patente o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício que, obviamente, inviabiliza a correcta decisão da causa e impõe que o processo seja reenviado para novo julgamento que incidirá somente sobre tal questão.”
 
[25] Numa lógica estreme, como parece decorrer do escrutamento estrenue que perpassa pela alegação do parecer do Distinto Magistrado do Ministério Público, também o tribunal deveria ter aprofundado e escrutinado quais as “razões de vizinhança” que determinaram o desencadeamento dos sucessos vindouros.  
[26] Paulo Sousa Mendes, “Lições de Processo Penal”, Almedina, Coimbra, 2017, pág. 216-217.
[27] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.02.2005; proferido no processo nº 4721/04 e ainda Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.05.2006; in Col. Juris. (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça), Ano XIV. Tomo II/2006, pag. 197 

[28] Cfr. João Branquinho e Desidério Murcho, in “Enciclopédia de termos Lógico-filosóficos”, Gradiva, 2001.
[29] Cfr. op.loc. cit. pag. 22.
[30] Cfr. Op. loc. cit. ,pag. 21.
[31] Rememorando, são do seguinte teor os factos indicados. 6. EE reagiu, desceu do escadote e inicia uma troca de palavras ainda mais exaltada e de teor não concretamente apurado com FF , desferindo-lhe um número não concretamente apurado de pancadas com a referida vassoura, designadamente na parte superior esquerda da testa, no ombro e nos pulsos.
7. O arguido passou também intervir na contenda, tendo sido atingido pelo mesmo objecto no lado esquerdo da cabeça e no braço direito.
(…) 13. Por seu turno, em consequência directa e necessária dos golpes que EE desferiu no corpo de AA, este sofreu as seguintes lesões: a) no crânio, cicatriz com cinco centímetros de comprimento, situada na região frontal esquerda; no membro superior direito, cicatrizes dispersas pelo antebraço e dedo polegar; no membro superior esquerdo, cicatrizes dispersas pelo primeiro e terceiro dedos da mão.
14. Lesões que foram causa directa e necessária de 10 (dez) dias de doença, sem qualquer afectação da capacidade de trabalho geral de AA.
15. Em consequência directa e necessária dos golpes que EE desferiu no corpo de FF , esta sofreu as seguintes lesões: a) no crânio, cicatriz com três centímetros na região frontal esquerda; b) no membro superior esquerdo, dificuldades em fazer a flexão total dos dedos, com agravamento durante a noite e de manhã.
16. Tais lesões foram causa directa e necessária de 220 (duzentos e vinte) dias de doença, com 43 (quarenta e três) dias de incapacidade para o trabalho geral.
17. As lesões referidas em 15.º são permanentes e, sob o ponto de vista médico-legal, traduzem-se em dismorfia residual a nível do terço distal do bordo cubital e limitação discreta da força e flexão da mão esquerda.
 (…)
Os factos não provados:
«a. O arguido apenas em legítima defesa da integridade física da sua esposa e da sua própria pessoa faces às graves agressões de que estavam a ser vítimas e que foram cometidas por EE, tendo os tiros disparados ocorrido por motivos alheios à sua vontade
 
[32] José Carlos de Oliveira, “Exames e Perícias: (Des)construir Conceitos”: in https://www.oa.pt/upl.
[33] “Em largos traços («rasgos»), é possível definir a prova pericial como aquela opinião emitida por um “perito”, num juízo, relativa a um facto do processo que requere conhecimentos especiais para ser compreendido na sua cabalidade e que é relevante na hora de decidir pelo tribunal.
Prova pericial a constitui o informe das pessoas nomeadas pelo tribunal ou pelas partes, e que possuem conhecimentos especiais sobre a matéria debatida.
Discute-se se deve assimilar-se a uma prova documental, é uma prova pessoal, o perito é um colaborador do Juiz, a prova pericial não introduz factos novos no debate processu-al, antes que só interpreta factos desde a perspectiva da ciência e a técnica especializada.
Trata-se de uma prova de natureza, de carácter pessoal, consistente na emissão de informações sobre questões técnicas, de mayor ou menor calado, complexidade, elabo-radas por pessoas com especiais conhecimentos na matéria. Constitui uma actividade processual encaminhada a formar a convicção do Juiz ou Tribunal acerca dos factos discutidos no processo.
O perito é um terceiro alheio ao juízo, o que implica que não teve nenhum tipo de participação nos factos que estão em discussão, nem uma relação directa com nenhuma das partes.”
[34] Carlos Climent Durán, La Prueba Penal”, Vol. I, 2ª edición, Tirant lo Blanch, Valencia, 2005, p. 735. “Dice la sentencia del Tribunal Supremo 1/1997, de 28 de Octubre (Sr. De Veja Ruiz), que la prueba pericial es «una prueba de auxilio judicial para suplir la ausencia de conocimientos científicos o culturales de los Jueces, porque en definitiva, y como medio probatório, ayuda a constatar la realidad no captable directamente por los sentidos, en manifesto contraste con la prueba testical o la de inspección ocular (o reconocimiento judicial)” – p. 735.
[35] Carlos Climent Durán, op. loc. cit. pág. 737
[36] Carlos Climent Durán, op. loc. cit. pág. 763.
[37] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, 1987, 340.
[38] STJ, de 16-10-2010, Pº nº 819/06.9TBFLG.P1.S1, www.dgsi.pt
[39] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV, 1981, 566 a 571; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, 1987, 340, citado; STJ, de 30-12-77, BMJ nº 271, 185.
[40] Leal Henriques e Simas Santos, Código de Processo Penal Anotado, 1996, 1º, 642.
[41] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 4ª edição, revista e actualizada, FDUL, 2008, 217 e 218.
[42] TC, de 19-11-1996, Pº nº 1165/96, BMJ nº 491, 93.
[43] Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 1967/68, 48.
[44] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Julho de 2011, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, in www.dgsi.pt.
[45] Cfr. Taruffo, MIchele,  in “La Prueba”, colecção Filosofia e Direito, Marcial Pons, Madrid, 2004, pág. 293 e 294.
[46] Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Julho de 2007 (3ª secção), em cujo sumário se escreveu: “XIX - O art. 163.º do CPP fixa o valor da prova pericial, estabelecendo uma presunção juris tantum de validade do parecer técnico do perito, que obriga o julgador, ou seja, a conclusão a que chegar o perito só pode ser desprezada se o julgador, para poder rebatê-la, dispuser também de argumentos científicos (n.º 2 do art. 163.º do CPP). XX - A prova pericial é valorada pelo julgador a três níveis: quanto à sua validade (respeitante à sua regularidade formal), quanto à matéria de facto em que se baseia a conclusão e quanto à própria conclusão. XXI - No que concerne à validade, deve aferir-se se a prova foi produzida de acordo com a lei ou se não foi produzida contra proibições legais – v.g., se as partes foram notificadas do despacho que ordenou a prova (n.º 2 do art. 154.º) ou se os peritos prestaram o devido compromisso (n.º 1 do art. 156.º). Também fica a cargo do julgador examinar se o procedimento da perícia está de acordo com normas da técnica ou da prática corrente. XXII - No que respeita à matéria de facto em que se baseia a conclusão pericial, é lícito ao julgador divergir dela, sem que haja necessidade de fundamentação científica, dado que não foi posto em causa o juízo de carácter técnico-científico expendido pelos peritos, aos quais escapa o poder de fixação daquela matéria.
[47] Cfr. Taruffo, Michelle, in “La Prueba”, edições Marcial Pons, Filosofia e Direito, Barcelona, 2008, pág. 152/153.   
[48] Cfr. Ferrer Beltrán, Jordi, in “Prueba y Verdad en el Derecho”, Marcial Pons, Filosofia y Derecho, Barcelona, 2005, pags. 46 e 47. Este autor, citando Fuller, refere que nas presunções iuris tantum a inferência que permitiria passar da afirmação do facto base para o facto presumido admitiria excepções, dado que estaria baseada unicamente na regularidade da ocorrência do facto presumido nos casos em que se dá (ou ocorre) o facto base. Embora numa perspectiva mais discursivo-filosófica poder-se-á ver M. Gascón Abellán, “Los Hechos en lo Direito”, Marcial Pons, Madrid, 2004, págs. 83 e segs.      
[49] Cfr. Figueiredo Dias, Jorge, “Direito Penal. Parte Geral. Tomo I, Questões Fundamentais. A Doutrina do Crime”, Coimbra Editora, 2004, pags. 381 e segs.
[50] Maria Fernanda Palma, Direito Penal. Parte Geral. A Teoria geral da infracção como teoria da decisão penal, AAFDL, 2018, pág. 279.
[51] Ibidem, pág. 286
[52] Cfr. Claus Roxin, “Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Fundamentos. La Estrutura de la Teoria del Delito”, Civitas, Madrid, 1997, 608 e segs.
[53] Cfr. “Derecho Penal. Parte General. Fundamentos y Teoria de la Imputación”, marcial Pons, Madrid, 1997, pags. 459 e segs,
[54] Lição que mantém em “Direito Penal. Parte Geral. A teoria geral da infracção como teoria da decisão penal”, AAFDL, 2018, 3ª edição, 288 a 293.
[55]a jurisprudência desta sala entende que a legítima defesa é uma causa de justificação, fundada na autopotecção (…) para impedir que o imjusto prevaleça sobre o direito” – Sentença do Tribunal Supremo (espanhol), citada por Noémie Orihuela, in “Análisis del Elemento Subjetivo en la Legitima Defensa”; Universidad Autonoma de Barcelona, Maio de 2017.
[56] Maria Fernanda Palma, op. loc. cit. pág. 642. “(…) a ausência de um elemento subjectivo, numa conduta de justificação, não constitui o desvalor da acção. Ela apenas fornece um motivo para não afastar o desvalor de acção revelado no tipo. Esta perspectiva demonstra, pelo menos no seu esquematismo lógico, que as causas de justificação não têm que ser construídas como contra-valor (ou valor positivo) que anule o desvalor da acção – nem de forma a que a sua própria exclusão seja um novo fundamento da ilicitude.
Se o agente não actua em legítima defesa, por falta do pressuposto ou de um requisito objectivo, não é essa falta que torna a acção de matar ilícita, mas sim o desvalor, perante a ordem jurídica, da própria acção de matar. Também a falta de animus defendendi não representa um desvalor diferente do da acção homicida. A ausência da vontade de se defender, eventualmente sugerida pela persistência ou primado da vontade de atacar, não representa mais do que a vontade exigida pelo tipo. O poder excludente da ilicitude não é, necessariamente, baseado na inversão lógica da afirmação da ilicitude, podendo bastar-se com a sua não confirmação. Os próprios pressuposto e requisitos objectivos da causa de justificação não correspondem à inversão dos elementos objectivos em que se baseia a ilicitude: a agressão ilícita e actual e a necessidade do meio não são o contrário da acção de matar e do seu resultado (numa perspectiva objectiva), apenas lhe conferem uma diferente complexidade. De igual modo, a direcção dolosa da conduta homicida não é substituída por uma direcção inversa da conduta defensiva nem a ausência de vontade defensiva corresponde á afirmação do dolo de homicídio.” – pág. 616-617.                        
[57] Art. 21.º.
[58] Arts. 337.º e 338.º.
[59] Simas Santos e Leal-Henriques, Noções Elementares de Direito Penal, pág. 66.
[60] Agressão - antes de mais o exercício do direito de legítima defesa só é justificável se houver uma agressão por parte de alguém, entendendo-se por agressão todo e qualquer comportamento humano (acção ou omissão) que represente uma ameaça para interesses do defendente ou de terceiro protegidos pela ordem jurídica na sua totalidade (e não só da ordem jurídico-penal).
A agressão tem que ser: - actual - isto é, tem que estar em curso, pois a legítima defesa só pode legitimar-se depois de ter começado e antes de ter terminado a agressão, ou seja, enquanto há possibilidade de se repelir a ofensa; - ilícita - a agressão pode não constituir crime, basta que contrarie uma norma geral e abstracta e viole um interesse geral protegido (já não, por exemplo, deveres contratualmente estabelecidos, onde será eventualmente admissível a acção directa ou a legítima defesa, próprias do direito civil - art.os 336.º e 337.º do Código Civil).
[61] Não se exige que o agressor actue com dolo ou mera culpa, ou que seja criminalmente responsável. Por isso se pode configurar a legítima defesa contra agressões provindas de ébrios, de inimputáveis (v.g. crianças), de pessoas que tenham actuado com base em erro, imprudentemente, etc.
[62] Defesa - O exercício do direito de legítima defesa tem que limitar-se a um acto de pura defesa (não se pode aproveitá-la para agredir) e ao defender-se, o defensor só pode reagir a ofensas do próprio agressor e não de terceiros (se o defendente quebra, na defesa, um objecto de terceiro, o dano não está coberto pela legítima defesa, embora o possa estar, eventualmente, pelo estado de necessidade).
[63] Necessidade - a defesa só é legítima se surgir como indispensável para a salvaguarda de um interesse jurídico do agredido ou de terceiro - o meio menos gravoso para o agressor.  
A  necessidade de defesa tem de ser vista em confronto com as circunstâncias em que se verifica a agressão, e, em particular, consoante a intensidade desta, a perigosidade do agressor, a sua forma de actuar e os meios de que se dispõe para a defesa. Assim, a necessidade deve aferir-se objectivamente, ou seja, segundo o exame das circunstâncias feito por um homem médio colocado na situação do agredido.
[64] Vontade de defesa (animus deffendendi) - a defesa tem que restringir-se a uma mera defesa, que, de resto, está claramente expressa na lei, quando o legislador se refere a «... facto praticado como meio necessário para repelir a agressão».
[65] Simas Santos e Leal-Henriques, Noções Elementares de Direito Penal, pág. 67.
[66] Matéria em que a lei penal portuguesa não seguiu uma enumeração sistemática das causas de exclusão da culpa, como o fez em relação às causas de exclusão da ilicitude.
[67] Como referem Simas Santos e Leal-Henriques, Noções Elementares de Direito Penal, pág. 67.
[68] «Verifica-se o excesso de legítima defesa quando o arguido actuando embora em sua legitima defesa, fê-lo, contudo, com excesso do meio empregado. Nesta situação não se verifica proporcionalidade do meio usado». (Ac. do STJ de 16-01-1990, Proc. n.º 40258).
[69] «O excesso de legítima defesa só pode existir no "excesso nos meios empregados", mas sempre "em legítima defesa", o que quer dizer que se há-de verificar o condicionalismo da legítima defesa». (Ac. do STJ de 19-06-1991, Proc. n.º 41647). «Para que ocorra uma situação de excesso de legítima defesa, impõe-se que se verifique uma situação de legítima defesa: é que o excesso apenas poderá ocorrer relativamente aos meios empregados». (Ac. do STJ de 31-01-2001, Proc. n.º 2817/00-3).
[70] Figueiredo Dias, Aditamentos, 31.
[71] Cfr. EE Correia, Direito Criminal, II, 49.
[72] Ac. do STJ de 04-11-1993, Proc. n.º 44610 que decidiu ainda que Ac. do STJ de 04-11-1993, Proc. n.º 44610 que decidiu ainda que «(2) - Sendo uma hora da madrugada, o local «relativamente isolado», a vítima empunhava uma faca e estava a cerca de um metro quando ao arguido disparou é legítimo admitir que a vida dele corria perigo. (3) - O arguido não visou uma zona vital da vítima, quando o podia fazer, pelo que é razoável aceitar que não procurou tirar desforço, não indo a sua acção defensiva mais além do que necessário para repelir com eficácia a agressão, sendo respeitado  princípio da mínima lesão do agressor.
[73] Ac. do STJ de 16-01-1990, BMJ 393-219.
[74] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Abril de 2002, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, acessível em www.dgsi.pt.
[75] Acessível em www.dgsi.pt.
[76] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-07-2006. Pelo interessante que representa a doutrina expressa neste aresto transcreve-se a parte a ponto.
Como é sabido, conquanto parte da nossa jurisprudência e certo sector da doutrina continuem a exigir, como elemento ou requisito essencial da legítima defesa, a ocorrência de animus defendendi, isto é, a vontade ou intenção de defesa, muito embora com essa vontade possam concorrer outros motivos, tais como indignação, vingança e ódio, a verdade é que a doutrina mais representativa (Taipa de Carvalho, ibidem, 375/387, Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal (1992), 189/191, Fernanda Palma, A Justificação por Legítima Defesa como Problema de Delimitação de Direitos (1990), 611-58 e 693, Figueiredo Dias, Direito Penal, I, 408 e Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, II, 97.)  defende que o elemento subjectivo da acção de legítima defesa se restringe à consciência da «situação de legítima defesa», isto é, ao conhecimento e querer dos pressupostos objectivos daquela concreta situação, o que se justifica e fundamenta no facto de a legítima defesa ser a afirmação de um direito e na circunstância do sentido e a função das causas de justificação residirem na afirmação do interesse jurídico (em conflito) considerado objectivamente como o mais valioso, a significar que em face de uma agressão actual e ilícita se deve ter por excluída a ilicitude da conduta daquele que, independentemente da sua motivação, pratica os actos que, objectivamente, se mostrem necessários para a sua defesa.
Deste modo, certo é que o tribunal a quo, tendo em vista as diversas soluções plausíveis da questão de direito, devia ter investigado, pronunciando-se em concreto, sobre se o recorrente teve consciência da situação de legítima defesa, tanto mais que, como resulta dos factos provados, o mesmo foi objecto de uma agressão, actual e ilícita, dirigida contra a sua integridade física (artigo 32º, do Código Penal).
Por outro lado, sendo certo que a lei exclui a legítima defesa perante excesso dos meios empregados (artigo 33º, n.º1, do Código Penal), dispensando porém o agente de punição quando o excesso resultar de perturbação, medo ou susto, não censuráveis (artigo 33º, n.º 2, do Código Penal), o tribunal a quo deveria ter investigado, se aquando dos factos, o recorrente dispunha ou não de outros meios de defesa, para além do utilizado, bem como se o uso da faca apreendida terá resultado de perturbação, medo ou susto.
Aliás, tendo vista que o juízo sobre o excesso dos meios empregados depende da utilização por parte do defendente dos meios adequados (menos gravosos) para impedir ou repelir a agressão, sendo que por meio utilizado deve entender-se, não só o instrumento ou arma, mas também o tipo de defesa (- Santiago Mir Puig, Derecho Penal Parte General (4ª edição), 435.7), o que depende das circunstâncias concretas de cada caso: o bem ou interesse agredidos, o tipo e a intensidade da agressão, a perigosidade do agressor e o seu modo de actuar, a capacidade físico-atlética do agressor e do agredido e as demais circunstâncias relevantes ocorrentes (Cf. Taipa de Carvalho, ibidem, 318 e H. Jescheck, Tratado de Derecho Penal - Parte General, 308.), certo é que o tribunal a quo devia ter indagado, pronunciando-se em concreto sobre tais circunstâncias.”
(…) o Direito não exige a quem quer que seja que recorra à fuga para evitar uma agressão.
A inevitabilidade da defesa afirma-se sempre que a não defesa acarrete a lesão de bens jurídicos do defendente, sendo certo que fugir ou correr, perante situação análoga à descrita nos autos consubstanciaria, indubitavelmente, conduta desonII, para além de que, atenta a idade da vítima e do recorrente (cerca de 30 anos de diferença - 44 e 73 anos, respectivamente), poderia não produzir qualquer resultado útil, sendo susceptível até de precludir a capacidade de defesa.
Como refere EE Correia, citando Jagusch, não se pode pretender sob pena de desonra, que alguém seja forçado, para evitar uma agressão, a recorrer à fuga, ou mesmo a recorrer à força pública, abandonado entrementes a defesa do direito (Direito Criminal, II, 46.) , sendo pois inadmissível a exigência de que o agredido deve procurar salvar-se pela fuga (Henrique Ferri, Princípios de Direito Criminal (1931), 454/455.)” (Relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes).
[77] Repristinando o teor da Acórdão de 19 de Setembro de 2008 para ser legítima a defesa tem de ser necessária. A necessidade liga-se ao próprio fundamento teleológico da causa de exclusão da ilicitude – não ceder perante o ilícito; não será necessária quando, por exemplo, se verifique uma «crassa desproporção» entre a natureza, qualidade ou intensidade da agressão e a gravidade das consequências da reacção. Agressões irrelevantes não poderão ser repelidas causando a morte; não pode existir, analisada caso a caso, uma desproporção intolerável entre a natureza da agressão e a gravidade das consequências da reacção (cfr. FIGUEIREDO DIAS, “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2ª edição, p. 430; CLAUS ROXIN “Derecho Penal, Parte General”, Tomo I, “Fundamentos. La Estructura de la Teoria del Delito”, cit., p. 663).
Mas, mesmo sendo necessária, a defesa legítima exige que se verifique uma adequação dos meios usados para repelir a agressão ou afastar a iminência da agressão. O artigo 33º, nº 1 do Código Penal determina directamente que o excesso intensivo dos meios de reacção não afasta a ilicitude.

E também uma vontade de defesa. Mas a actuação com vontade de defesa depende dos bens jurídicos ameaçados pela agressão. Existindo o conhecimento de uma situação objectiva de legítima defesa, não tem sentido a exigência adicional, como se fosse autónoma, de uma co-motivação de defesa (cfr. FIGUEIREDO DIAS, cit. p. 438 e ROXIN, cit. p. 667).
A vontade de defesa concorrerá, necessariamente, quando objectivamente se verifiquem os pressupostos de actuação e quando o agente actue no quadro desses pressupostos. A confluência ou a agregação de elementos de vontade e de finalidades não exclui a vontade de defesa.

[78] Disponível em www.dgsi.pt.
[79] Javier Wilenmann, “La Justificación de un Delito en Situaciones de Necessidad” – Depreco Penal e Criminologia, Marcial Pons, Madrid, 2017, págs. 304-313. 
[80]V. -A legitima defesa toma como fronteira o excesso de legitima defesa, importando distinguir o excesso extensivo, que se verifica quando a defesa se prolonga por tempo para alem daquele que dura a actualidade da agressão, ou seja, ainda quando a acção ou ameaça agressiva tenha cessado e não se verifique o perigo da sua continuação; do excesso intensivo, que supõe a actualidade da agressão, mas em que há um excesso na intensidade lesiva.  VI - A necessidade do meio para repelir a agressão iminente atende não só ao instrumento utilizado, como a modalidade de emprego, devendo ter-se por afastada quando a utilização se faça com excesso na intensidade; mas também deve atender-se ao receio ou medo que venha a tomar justificadamente um defendente, por modo a impedir uma avaliação ponderada da necessidade dos meios usados.” – Ac. STJ de 13.01.1989, in www.dgsi.pt
[81] Hans –Heinrich Jscheck, “Tratado de Derecho Penal. Parte Geral”; Vol. I, Bosch, Barcelona, 3ª edição, 1981, pág. 671.
[82] Disponível em www.dgsi.pt.
[83]O facto e o sujeito são dois termos da alternativa que divide o discurso da imputação da pena.
O sujeito é quem sofre a pena, mas resta saber se a pena he é imposta por causa da injustiça objectiva do facto cometido ou da imposição subjectiva injusta revelada” – Paulo Sousa Mendes, in “O Torto Intrinsecamente Culposo como Condição Necessária da Imputação da Pena”, Coimbra Editora, 2007, pág. 21.
[84] Nexo causal: “é o vínculo entre a conduta do agente e o resultado por ele gerado, com relevância suficiente para formar o fato típico.” – Guilherme de Souza Nucci, Manual de Direito Penal, 6ª edição, Parte Geral e Parte Especial, S. Paulo, RT, 2010. 
[85] Citado por Micahel Köhler, “Imputación Subjetiva: Estado de la Questión”,  en “Sobre el Estado e la Teoria del Delito” – Seminário en la Universitat Pompeu Fabra, Claus Roxin; Günther Jakobs; Bernd Schünemann; Wolfgang Frisch; Michael Köhler, Cuadernos Civitas, Madrid, 2000, pág. 74.
[86] Michael Köhler, ibidem, pág. 75. Para este autor a doutrina finalista com a sua concepção teleológica-valorativa do delito “se encontra estreitamente ligada a uma teleologia objectiva dos valores (…). A vontade do autor é um mero objecto de valoração; e o injusto converte-se em desvalor ético-social. Nesta medida, desenvolve-se, sobretudo na escola de Armin Kaufmann, uma teoria eticizante do injusto subjectivo que reproduz uma vez mais a «teoria normativa da culpabilidade»”.  Ibidem , pág. 78      
[87] Michael Köhler, ibidem, pág. 84. 
[88] Cfr. Tomás S. Vives Antón, “Fundamentos del Sistema Penal”, 2ª edición, Teorema, Tirant lo Blanch, Valencia, 2011, 295, icoando a explicação da teoria da causalidade em Hume. Para Hume “as ideias de causa e efeito nascem das nossas experiências de conjunção constante entre uns acontecimentos e outros; e podem extrapolar-se, de modo meramente provável, a supostos que guardem com os observados certa semelhança. Sacá-las de qualquer contexto e declará-las aplicáveis, por consequinte, a tudo, conduz a dois paradoxos: um, a do regresso infinito (pois a causa haveria de ter por seu turno uma causa), e outra, a de que o mesmo princípio, que nos permite efectuar inferências prováveis, não pode nascer da probabilidade de essas inferências pois, de contrário, seria, por sua vez, causa e efeito da probabilidade.”
Stuart Mill, citado ibidem, pág. 298, define lei da causalidade como não sendo senão “essa lei familiar, estabelecida pela observação, da inviolabilidade de sucessão entre um facto natural e algum outro que o precede, com independência do modo intimo de produção dos fenómenos e de qualquer outra questão concernente com a natureza das «coisas em si mesmo».” – Cfr. mais adiante a definição de causalidade em Hume e a logicidade emprestada por Stuart Mill ao conceber a “causalidade como uma relação lógica entre factos do mundo e, consequentemente, a causa em termos condicionais.” –ibidem pá. 313.                
[89] Citado por Paulo de Sousa Mendes, in “Causalidade Complexa e Prova Penal”, Almedina, 2018, pág. 75.
O mesmo autor [Pufendorf] refere que “a principal propriedade das acções humanas produzidas e dirigidas pelo entendimento e pela vontade é a susceptibilidade de IMPUTAÇÃO; quer dizer o agente pode ser legitimamente visto como sendo o seu autor [lat. Imputatio facti], deve prestar contas por causa delas [responsabilidade-resposta] e os efeitos que provêm da mesma reaem sobre ele [lat. Imputatio júris]. E a razão mais forte e mais próxma por que um homem não se pode queixar de se ter tornado responsável de certa acção é o facto de a ter produzido com conhecimento e vontade de maneira mediata ou imediata. Assim sendo, é necessário assumir como principio constante e fundamental nas ciências morais, ao menos relativas ao tribunal Humano, QUE SOMOS RESPONSÁVEIS POR TODA E QUALQUER ACÇÃO CUJA EXISTÊNCIA ESTEVE NO NOSSO PODER: ou para dizer a mesma coisa noutros termos, que toda e qualquer acção sujeita à direcção dos homens pode ser posta na conta daquele que garantiu que ela se fizesse ou não fizesse; e que, pelo contrário, ninguém pode ser considerado como autor de uma acção que não tenha dependido dele, nem pela mesma, nem por sua causa.” – ibidem, pág. 61. Igualmente citado em “O Torto Intrinsecamente Culposo como Condição Necessária da Imputação da Pena”, de Paulo de Sousa Mendes, Coimbra Editora, 2007, pág. 36-37.     
[90] Paulo Sousa Mendes, ibidem, p. 23.
[91]A causa eficiente das acções morais era precisamente a determinação voluntária do agente.
Essa voluntariedade consistia em a acção depender só do agente, com a condição de ele saber, ou poder facilmente saber, aquilo que faz.
A acção dependia do agente sempre que ele tivesse dentro de si o princípio da acção, que era composto de duas faculdades: uma era a faculdade de agir espontaneamente (sponte sua) e outra era a de agir livremente (libere)” – cfr. “O Torto Intrinsecamente Culposo como Condição Necessária da Imputação da Pena”, de Paulo de Sousa Mendes, Coimbra Editora, 2007, pág. 49.      
[92] Cfr. António Manuel Almeida Costa, “Ilícito Penal, Imputação objectiva e Comparticipação em Direito Penal”, Almedina, 2014, pá. 659.
[93] António Manuel Almeida Costa, ibidem, pág. 663.
[94] Tomás S. Vives Antón, ibidem, págs. 317-318. Para o autor que se mostra crítico das formulações em voga da imputação objectiva, estima que no que ao resultado se refere “A adscrição da acção concreta ao tipo de acção nos delitos de resultado – pelo em princípio – um processo distinto e mais dificultoso que nos demais, posto que o resultado e a conexão do resultado com o movimento – ou a ausência de movimento – corporal não são senão momentos interns da acção típica.” – ibidem, pág. 320.
[95] Javier Boix Reig, “Derecho Penal. Parte Especial. Volume I. La Protección penal de los interesses Jurídicos Personales”, Iustel, 2016, págs. 19.  
[96] Javier Boix Reig, “Derecho Penal. Parte Especial. Volume I. La Protección penal de los interesses Jurídicos Personales”, Iustel, 2016, págs. 20-21.  
[97]La imputación es la actividad del operador jurídico a través de la cual se hace responsable a un determinado sujeto jurídico por un determinado suceso.” - cfr. Volker Haas, “la Doctrina Penal de la Imputación Objetiva”, InDret, Revista para el Análisis de Derecho, Barcelona, Enero 2016, pgs. 3-5
[98] Cfr. Volker Haas, “la Doctrina Penal de la Imputación Objetiva”, InDret, Revista para el Análisis de Derecho, Barcelona, Enero 2016, pgs. 3-5. “Enlaçando conscientemente tanto com a distinção comum até ao século XVIII entre imputatio facti e imputatio juris como com a doutrina de Hegel, aquele autor [Larenz] denomina imputação objectiva ao juízo sobre se um sucesso pode considerar-se o facto de uma pessoa. «Se eu assinalo a lguém como o autor de um sucesso, estou querendo dizer com isso que esse sucesso é o seu próprio facto, que para ele não é obra do azar mas sim da sua própria vontade. O facto [Tat], que que haverá que distinguir de um acontecimento [Ereignis] meramente fortuito, não pode segundo Larenz equiparar-se a um juízo sobre uma relação de causalidade. E na sua opinião, ainda que a sucessão de causas reja uma necessidade estrita, desde o ponto de vista de cada uma delas a sua confluência está impregnada precisamente por aquele azar que a imputação objectiva tem a obrigação de eliminar.” – cfr. Volker Haas, op. loc. cit. pág. 3.          
[99] “Desde o ponto de vista jurídico, sempre segundo este autor, o juízo de antijuridicidade objectiva requer a susceptibilidade objectiva ser tomada como fim [objective Zweckhaftigkeit] do comportamento em relação com o resultado.” - cfr. Volker Haas, op. loc. cit. pág. 4
[100] Cfr. Volker Haas, op. loc. cit. pág. 6.
[101] Na introdução a que procede à teoria da imputação objectiva, Wolfgang Frisch, in Claus Roxin, Günther Jakobs, Bernd Schünemann, Wolfgang Frisch e Michael Köhler, “Sobre el Estado de la Teoria del Delito” (Seminário en la Universitat Pompeu Fabra), Cuadernos Civitas, 2000, Madrid, refere que Honig “desde su punto de vista y teniendo en cuenta las consideraciones generales realizadas por Larenz, sobre la imputación, lo realmente importante para el Depreco y los tipos penales es algo completamente distinto, a saber: se el resultado puede verse como la obra de una persona (y por conseguiente puede serle imputado. En este sentido lo que caracteriza a las personas es que pueden configurar el mundo exterior según su voluntad, de manera que sólo puede considerarse «configurado» un resultado si es la consecuencia de una manifestación de la voluntad que controla el curso normal, y que, por consiguiente, «puede ser entendido como dispuesto finalmente». Solo en este sentido un resultado puede ser objectivamente imputado y no, em cambio, cuando es fruto del mero acontecer normal.” – pág. 23.
(…) “Para Honig se tratava de si el resultado en sentido pré-jurídico puede verse como obra del sujeto, si bien cuando ello sucedia consideraciones jurídicas adicionales podían excluir la calificación del resultado como injusto.”
Ahora son critérios genuinamente jurídicos: el sujeto al que se le ha de imputar el resultado producido (como injusto) debe haber criado el peligro desaprobado de su producción(lo que compreende la idea de que el fin pueda ser perseguido objectivamente pero aún más allá), peligro que además debe haberse realizado en el resultado”. (...) “Para Honig la cuestión residia exclusivamente en delimitar los cursos normales que non desempeñan ningún papel para el Derecho. Por el contrario ahora se trata de precisar, dentro de esos cursos causales delimitados, cuáles son injustos y cuales no, com independencia de eventuales causas de justificación. Brevemente: la teoria de la imputación objectiva se há convertido en una teoria que se pronuncia sobre el caracter injusto de los resultados producidos.” – págs. 25 e 26. 
[102] Cfr. Volker Haas, op. loc. cit. pág. 7-8.
[103] Cfr. Volker Haas, op. loc. cit. págs. 23 a 29.
[104] Wolfgang Frish, “Comportamiento Típico e Imputación del Resultado”, Marcial Pons, 2004, pág. 94.
[105] Wolfgang Frish, op. loc. cit. pág. 101.
[106] Wolfgang Frish, op. loc. cit. pág. 541.
[107] Claus Roxin, “Derecho Penal. Fundamentos e Estructura de la Teoria del Delito”, Tomo I, Civitas, Madrid, 1997, pág. 363.
[108] Paulo Sousa Mendes, “Sobre a Capacidade de Rendimento da Ideia de Diminuição do Risco. Contributo para uma Critica à Moderna Teoria da Imputação Objectiva em Direito Penal”, AAFDL, Lisboa, 2007, 34-35.
[109] Paulo Sousa Mendes, “Causalidade Complexa e Prova Penal”, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 120. Veja-se com proveito a cuidada síntese das modernas teorias da causação,, nomeadamente no direito da common law de que elege epígonos Herbert Hart e Tony Honoré, notadamente a INUS condition, “enquanto acrónimo de Insuficiente mas Não-redundante parte de uma Desnecessária mas Suficiente condição (Insufficient but Non-redundant part of na Unnecessary but Sufficient condition)” – ibidem pá. 144 e segs.        
[110] Para uma perspectiva da posição de sequazes da teoria finalista da acção, veja-se o estudo de Armin Kaufmann, “«Atribuición objectiva» en el Delito Doloso?”, Anuário de Derecho Penal y Ciencias Penales, Tomo 38, 1985, 808-827. Para este autor “a ideia fundamental [«imputatio objectiva»] foi recentemente formulada por Jescheck: “Sob a atribuição objectiva (responsabilidade) deve entender-se o juízo sobre a questão acerca de se um resultado deve ser tido como “facto” de uma pessoa determinada…». «A solução do pensamento da adequação reside em que só a criação de um risco juridicamente desvalorado pode corresponder-se com o sentido da norma de proibição, não se devendo atribuir senão resultados nos quais se realizou este risco. Daqui o desenvolvimento da fórmula: «Objectivamente atribuível só pode ser o resultado causado mediante uma acção humana (no sentido da teoria da equivalência), quando a acção criou um perigo desvalorado juridicamente e este perigo se realizou no resultado típico»”.        
[111] Luís Greco, “Um Panorama da Teoria da Imputação Objectiva”, AAFDL, 2005, pág. 17. Formulando a questão não numa perspectiva naturalista entre objectivo e subjectivo, este Professor propõe uma distinção normativa entre desvalor da acção e desvalor do resultado. “Estes dois conceitos se referem às dimensões de desvalor do injusto penal, isto é, aquilo que o direito valora negativamente na realização antijurídica de um tipo penal. O primeiro analisa-se segundo uma perspectiva ex ante, ou seja, levando-se em conta os dados conhecidos e cognoscíveis ao momento da prática da acção; o segundo, segundo uma perspectiva ex post, levando-se em conta os dados realmente existentes, mesmo aqueles de que só ganha conhecimento após a ocorrência do resultado.” – ibidem pág. 18. Para o Autor que vimos seguindo “há uma relatividade do desvalor do resultado: o desvalor do resultado só existe em relação a um determinado desvalor da acção, porque a protecção de bens jurídicos que o direito penal almeja é uma protecção contra acções. Com isso, o desvalor do resultado passa a ser informado não só pela ideia de protecção de bens jurídicos, mas pelas duas outras que fundamentam a proibição da conduta: o núcleo imponderável de liberdade e a ponderação de interesses.”- cfr. pág. 81.               
[112] Luís Greco, ibidem pág. 28.
[113] Luís Greco, ibidem pág. 39.
[114] Luís Greco, ibidem pág. 44-45.
[115] Armin Kaufmann, ibidem, pág. 824. 
[116] Günther Jakobs, “Derecho Penal – Parte General. Fundamentos y Teoria de la Imputación”, Marcial Pons, Madrid, 1997, págs. 356 e segs (Sob o apartado “La causalidade como Objeto do dolo. La realización del riesgo percebido”). “Pelo que, em principio, mantendo constante o resultado, se refere ao desvio do curso causal objectivo relativamente ao que o sujeito se representou, esta de acordo em que toda a diferença de detalhe entre a situação subjectiva e objectiva descarta a imputação do resultado a título doloso. Em arrimo à formulação comum, só um desvio essencial impedirá a consumação dolosa, determinando-se o carácter essencial segundo que o desvio continue sendo ou não adequado a partir do que o autor representou.”
Veja-se ainda com proveito a comunicação de Günther Jakobs “La Omissión: Estado de la Questión”, in “Sobre el estado de la Teoria del Delito”; Claus Roxin, Günther Jakobs, Bernd Schünemann, Wolfgang Frisch e Michael Köhler, Cuadernos Civitas, 2000, Madrid, págs. 131 a 153  
[117] Bernd Schünemann, in “La Culpabilidad: Estado de la Questión”. In “Sobre el estado de la Teoria del Delito”; Claus Roxin, Günther Jakobs, Bernd Schünemann, Wolfgang Frisch e Michael Köhler, Cuadernos Civitas, 2000, Madrid, pág.99. 
[118] Num acendrado da posição/concepção do sistema regulador da vida societária [«ordenamento regulador da existência de Pessoas, isto é, da ordem social», nas palavras de Günther Jakobs] em que se reverte o Direito penal, Bernd Schünemann refere que um do epígonos de Jakobs, Kindhäuser define a culpabilidade material como um deficit de lealdade comunicativa. “Este autor concebe o Direito como um produto da autonomia comunicativa dos cidadãos numa democracia e a sua infracção como a lesão da autonomia dos restantes cidadãos. (…) Como no caso de Jakobs, entende Kindhäuser que ao autor não se reprova propriamente um sucesso real, quer dizer, que o fundamento da culpabilidade não é este sucesso, mas sim o acto comunicativo de negação da norma proibitiva que se supõe num acontecimento real como, por exemplo, no homicídio de uma pessoa. Do mesmo modo o mesmo que fica da pena e da sua realidade como afectação mais séria dos bens jurídicos do autor é só o acto comunicativo de expressão da decepção ocasionada pela infracção da norma.” – ibidem, pág. 101.      
[119] Américo Taipa de Carvalho, “Direito Penal. Parte Geral. Questões Fundamentais. Teoria Geral do Crime”, Coimbra Editora, 2ª edição, 2008, pág. 309 e segs. Na formulação expressa para que se produza uma imputação do resultado à acção é invadeável que se verifique cumulativamente um «duplo factor»: “primeiro, que o agente, com a sua acção, tenha criado um risco não permitido ou tenha aumentado um risco já existente; e, depois, que esse risco tenha conduzido à produção do resultado concreto.”      
[120] Américo Taipa de Carvalho, ibidem, pág. 315-316. Para um desenvolvimento dos pressupostos da teoria proposta págs. 316-318.
[121] Acessível em www.dgsi.pt.
[122] Cfr. Acórdão do STJ de 28.06.2004, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos e de 13 de Fevereiro de 2003, relatado pelo Conselheiro Oliveira Barros. Acessíveis em www.dgsi.pt.
[123] Cfr. ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Setembro de 2014, relatado pela Conselheira Clara Sottomayor.
Contudo, a lei admite a relevância negativa da causa virtual, isto é, que possa existir no caso concreto uma concorrência de processos ou de séries causais, tendo um dos processos atingido o seu termo e produzido realmente o efeito de que se trata, enquanto o outro, tê-lo-ia justamente produzido se por hipótese (hipótese que não se verificou) o primeiro não tivesse tido lugar.
A causa virtual ou hipotética, segundo os ensinamentos de Pereira Coelho, é aquela cuja eficácia causal não chegou a desenvolver-se efectivamente em relação ao dano de que se trata. O facto hipotético teria produzido o dano se não fosse o outro facto, mas realmente nada fez, não acrescentou nada. A causa virtual pode também ser um facto real, só que não produziu o dano pelo qual o lesado pede a indemnização. Em qualquer caso a causa hipotética é um facto que não provocou o dano, mas que o teria provocado se não fosse a causa real.
A causa virtual, tanto pode ser um caso fortuito, um comportamento do próprio lesado ou um facto de terceiro.”
[124] Javier Boix Reig, “Derecho Penal. Parte Especial. Volume I. La Protección penal de los interesses Jurídicos Personales”, Iustel, 2016, págs. 19.  
[125] Javier Boix Reig, “Derecho Penal. Parte Especial. Volume I. La Protección penal de los interesses Jurídicos Personales”, Iustel, 2016, págs. 20-21.  
[126] Cfr. Luís Greco, op. loc. cit. pág. 102 e segs.
[127] Francisco Muñoz Conde, Derecho Penal. Parte Especial, Tirant lo Bçanch, Valência, 2017, 21ª edição, pág. 30. No mesmo sentido Ferrando Mantovani, , “Diritto Penale. Parte Speciale I. Delitti Contro la Persona”, Cedam, Milão, 2005, 93-99.
[128] Ferrando Mantovani, “Diritto Penale. Parte Speciale I. Delitti Contro la Persona”, Cedam, Milão, 2005, 89-90.
[129] Vicenzo Patalano, “I Delitti Contro la Vita”, CEDAM, Milão,1984, págs. 25-26.
[130] Para um maior desenvolvimento veja-se Claus Roxin, “Derecho Penal. Parte General. Tomo I. Fundamentos. La Estructura de la Teoria del Delito.” Civitas, Madrid, 1997, págs. 412 a 478.
[131] Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato”, Marcial Pons, 2015, pág. 87.
[132] Código Penal Alemán (StGB) e Código Procesal Penal Alemán (StPO), Emilio Eiranova Encinas, Marcial Pons, 2000.
[133] Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.
[134] Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327
[135]A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07)
[136] cfr. EE Crespo, op. loc.cit., pag. 121.
[137] Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.
[138] Cfr. EE Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, p.54
[139] “A prestação que realiza o Direito Penal consiste em contradizer por sua vez a contradição das normas determinantes da identidade da sociedade” (…) nesta concepção a pena não é tão somente um meio para manter a identidade social, mas já constitui essa própria manutenção” - Günther Jakobs, “Sociedade, Norma e Pessoa”, Editora Manole, 2003.
[140] Günter Strantenwerth, op. loc. cit., p.37.
[141] Vide Günter Strantenwerth, in “Derecho Penal, Parte General I, El Hecho Punible”, Thomson, Civitas, 2005, p. 37.
[142] Na procura de directivas e vectores de orientação que ajudem na determinação concreta da pena seguem-se de perto os ensinamentos colhidos em EE Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, bem como dos ensinamentos recolhidos na obra já citada supra de Gunther Jakobs, de Winfried Hassemer, in “Fundamentos del Derecho Penal”, de Claus Roxin, in “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal” e Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Pena Privativa de Liberdade” e Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato”, Marcial Pons, 2015.
[143]O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça.
[Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007).

[144] Adriano Teixeira, ibidem, pág. 119.
[145] Adriano Teixeira, ibidem, pág. 67.
[146] “O princípio da culpabilidade responde pela dosimetria da pena e estabelece a relação entre a gravidade do delito e a culpabilidade do autor (“Principio da culpabilidade e determinação das consequências jurídicas [legalidade] situam-se numa relação de tensão que deve ser equalizada constitucionalmente de modo sustentável”) - Sentença do Tribunal Constitucional alemão, citado por Adriano Teixeira, ibidem, pág. 106.
[147] Adriano Teixeira, ibidem, pág. 125. (Citando em apoio desta afirmação Mezger, Lehrbuch, p. 499 e outros) 
[148] “La sanción jurídica de la conduta lesiva responde a una elemental exigência ética y constituye una verdadera constante histórica: el autor del daño responde de él, esto es, se halla sujeto a responsabilidad. Este vocábulo sugiere, incluso antes de cualquier reflexión jurídica, la idea de que la persona está sometida a la necesidad de soportar las consequências de sus actos. Y la expressión más cabal de esa «necesidad» es la obligación de indemnizar o reparar los perjuicios causados a la vitima.” – Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo 1, Bosch, 2ª edición, 2008, 14.      
[149] Cfr. Pessoa Jorge, Fernando, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, pág. 53 a 57. Para este autor os pressupostos da responsabilidade civil reduzem-se a dois: acto ilícito e prejuízo reparável. 
[150] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 495.
[151] “Estos pressupuestos son: em primer lugar, una conduta, bien sea positiva (acción), bien sea de inactividad (omisso). En segundo término, esa conduta, según el criterio de imputación de responsabilidad del Código Civil (distinto es el de alguno de los «regímenes especiales», debe ser subjetivamente atribuible o reprochabale al agente, esto es, ha de ser una actuación caracterizada por la culpabilidad. En tercer lugar, el comportamiento en cuestión tiene que revestir caracteres de antijuridicidad o ilicitud o, dicho de otro modo, injusticia. Además ha de existir un resultado lesivo, esto es, un daño debe mediar una relación de causalidad bastante para que ese daño pueda ser atribuible al autor de la conduta sobre cuya responsabilidad se trata.” - Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo 1, Bosch, 2ª edición, 2008, 219-220.        
[152] Sinde Monteiro, Jorge, in “Responsabilidade Civil”, Revista de Direito e Economia, Ano IV, n.º 2, Julho/Dezembro, 1978, doutrina que “[estamos] em presença de responsabilidade civil por factos ilícitos quando a ordem jurídica coloca como pressuposto da obrigação de reparar um dano causado a outrem a exigência da verificação de um facto ilícito e a possibilidade de afirmação de um nexo de imputação subjectivo do facto ao agente, i. é, que tenha procedido com culpa. Fundamento da responsabilidade é aqui a culpa, ou, se preferirmos, o juízo de reprovação que a conduta do agente suscita, verificando-se uma aproximação entre os juízos de censura moral e do direito”. - pág. 317.      
[153] Para o autor citado na nota anterior, a responsabilidade por factos lícitos, ocorre “[nas]hipóteses em que a lei, atendendo ao interesse preponderante de um particular ou da colectividade, permite uma intervenção na esfera jurídica alheia em detrimento de um direito que em principio goza de uma protecção absoluta (impondo correspondentemente ao titular deste um dever de tolerar essa intervenção negando-lhe o direito de defesa que de outro modo lhe é concedido) estabelecendo, todavia, a cargo do titular do direito ou do interesse supra-ordenado a obrigação de reparar os danos sofridos pelo «sacrificado» (exemplo: art. 339.º).”       
[154] Para um esclarecedor e detalhado desenvolvimento sobre os aspectos jurídico-ontológicos que a culpa pode assumir no conspecto da responsabilidade civil: – colpa civile e colpa penale; la colpa per violazione di norme giuridiche; la colpa per violazione di norme di comune prudenza; la diligenza come parametro di determinazione della condotta dovuta e come criterio di responsabiltà.I contenuti della diligenza; la prevedibilità; la colpa comissiva e colpa omissiva; la colpa lieve e la colpa grave – veja-se Laura Mancini, “Responsabilità Civile. La Colpa nella Responsabilità Civile”, Giuffrè Editore, 2015, ps. 25 a 55.  
[155] “Para determinar se a acção ou omissão não dolosa, mas realizada com infracção de um dever objectivo de cuidado, que possa ser reprovado ao sujeito, a título de culpa ou negligência, como exige o artigo 1.902, o decisivo não é a previsão objectiva do juiz, mas sim, unicamente, o juízo prévio de que o agente, no uso das suas faculdades, se tivesse podido formar à vista das circunstâncias que configuravam concretamente o caso, de ter observado o cuidado pessoalmente possível para ele …” – Cfr. Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, in Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo I, Bosch, 2008, Barcelona, p. 222.        
[156] Cfr. Ignacio de la Cuesta, op. loc. cit., p. 223. 
[157] “(…) de manera que el canon de diligencia debe venir representado por la que guarda el hombre médio, sin deber ser exgible una diligencia extraordinária. En el âmbito de la actividad empresarial o profissional esto se traduciria en la aplicación de un principio de rpoporcionalidad, según el qual el deber de diligencia tiene su limite allí doonde exista uuna desproporción apreciable entre el coste de adopción de determinadas medidas de prevención y probabilidad de que se produzca un daño de alcance relevante. Sin embargo, lo cierto es que en este âmbito, la jurisprudencia  sólo reconoce el canon clásico de la «diligencia exactíssima». - cfr. Reglero Campos, Fernando, “Tratado de Responsabilidad Civil, Aranzadi, Thomson, 2002,
[158] Cfr. Vaz Serra, em Boletim do Ministério da Justiça n.º 84, página 284, e n.º 100, página 127.
[159] Cfr. – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, páginas 870-871; Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 3.ª edição, página 369; Rui Alarcão, Direito das Obrigações, 1983, página 281; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª edição, páginas 521-522; e Jorge Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, volume I, página 505.
[160] Cfr. – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, páginas 861, nota 2.
[161] cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de28-11-94, proferido no recurso n.º 87187, publicado na Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano III, tomo III, página 74, e no Boletim do Ministério da Justiça n.º 450, página 403.
A doutrina nacional também se tem pronunciado neste sentido, como pode ver-se em – Vaz Serra, em Boletim do Ministério da Justiça n.º 84, página 41; – Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, páginas 352, 353 e 357; – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 503; – Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, página 868; – Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª edição, página 520; – Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, 1983, página 286; e Jorge Ribeiro Faria, Direito das Obrigações, volume I, página 507.
[162] cfr. a este propósito o douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 11-01-2011, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, em que se escreveu: “O juízo de causalidade numa perspectiva meramente naturalística de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 729.º, n.º 1 e 722.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. 10) Assente esse nexo naturalístico, pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade, que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil. 11) O artigo 563.º do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias. 12) De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis.
[163] Cf. a este propósito o aresto deste Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Janeiro de 2016, relatado ela Conselheira Maria da Graça Trigo, em que se escreveu: “O juízo de causalidade é tanto um juízo de facto como de direito. Não cabe a este Supremo Tribunal sindicar o juízo de facto feito pela Relação, mas apenas pronunciar-se acerca do respeito pelo critério normativo da causalidade (cfr., a respeito da responsabilidade por actos médicos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Maio de 2013, proc. 6297/06.5TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt; em geral, ver, por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Julho de 2010, proc. nº 2164/06.OTVPRT.P1, de 6 de Maio de 2010, proc. nº 11/2002.P1.S1, e de 15 de Novembro de 2007, proc. nº 07B2998, todos em www.dgsi.pt).
(…) Reafirme-se que o juízo positivo de relação causal no plano fáctico não pode ser reapreciado pelo Supremo. Dá-se como assente que, durante a cirurgia, foi causada a lesão na medula da A., ainda que não esteja dado como provado qual foi a conduta concreta que a causou e, portanto, quem foi o autor da mesma lesão. Mas, por definição, sabe-se que foi um ou mais dos agentes que intervieram na cirurgia.
No plano do juízo normativo de causalidade, que compete a este Supremo Tribunal, há que ter em conta que os RR. alegam não ter sido feita prova do nexo causal entre a cirurgia e os danos sofridos pela A., designadamente por não bastar, para o efeito, utilizar o critério da causalidade adequada na sua formulação negativa.
Recorrendo-se à teoria da causalidade adequada, aceite pela jurisprudência deste Tribunal (cfr., por exemplo, os acórdãos de 25 de Novembro de 2010, proc. nº 896/06.2TBPVR.P1.S1, de 15 de Novembro de 2007, cit., e de 1 de Julho de 2010, cit., todos em www.dgsi.pt) na interpretação do art. 563º do CC, “É necessário, portanto, não só que o facto tenha sido, em concreto, condição ‘sina qua non’ do dano, mas também que constitua, em abstracto, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção” (Almeida Costa. Direito das Obrigações. 2009, pág. 763).
[164] Cfr. a este propósito o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 01-07-2003, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos. “(…)“Nexo de causalidade: A teoria da causalidade adequada, recebida no art. 563.º do C.C., comporta dois momentos. Num primeiro momento, um nexo naturalístico, consistente na existência de um facto condicionante de um dano, para que haja reparação desse dano sofrido. Ultrapassado aquele primeiro momento, pela positiva, impõe-se um segundo momento, um nexo de adequação, isto é, que o facto concreto apurado seja, em abstracto e em geral, apropriado para provar o dano. Enquanto o nexo naturalístico constitui matéria de facto, cujo apuramento incumbe às instâncias, já o nexo de adequação envolve matéria de direito, de que é lícito ao Supremo conhecer.”
[165] No mesmo sentido da jurisprudência portuguesa segue a jurisprudência do mais alto Tribunal espanhol, como o atesta a sentença do Tribunal Supremo, de 24 de Maio de 2004, citada por Fernando Reglero Campos, pág 727-728, onde se faz a destrinça entre o aspecto puramente fáctico e a dimensão jurídica que engolfa a questão do nexo de causalidade. Refere esta sentença que: “o juízo de causalidade “jurídica” se visualiza em duas sequências, a primeira das quais faz referência à causalidade material ou física, que se apresenta no processo como um problema eminentemente fáctico, e, por ende, como thema probandi, alheia aos preceitos substantivos como os artigos 1902 y 1903 do CC que servem de fundamento de cassação “casacional” motivado, pelo que somente mediante denúncia de erro na valoração probatória na forma adequada cabe uma verificação deste recurso. A segunda sequência – esta sim controlável em sede de cassação – faz referência ao juízo sobre a adequação ou eficiência da causa física ou material para gerar o nexo com o resultado danoso, cuja indemnização se pretende na demanda.” Para mais desenvolvimentos sobre as diversas teorias que informam esta problemática veja-se o Autor citado, na obra que vimos citando, a páginas           
[166] Cfr. Miranda Barbosa, Ana Mafalda, in “Responsabilidade Civil Extracontratual – Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade” Princípia Editora, Cascais, 2014, pgs. 196.
[167] Cfr. Miranda Barbosa, Ana Mafalda, in op. loc. cit., pgs. 33 e sgs.
[168] Constitui jurisprudência e doutrina assente que a lei – cfr. artigo 563.º do Código Civil – consagrou a teoria da causalidade adequada, segundo a qual, “para que um dano possa ser imputado, causalmente ao agente, o único que se exige é que o nexo causal não haja sido interrompido pela interferência de outra serie causal alheia à anterior.” – cfr. Fernando Reglero Campos, in op. loc. cit. pág. 733. 
[169] Na formulação de Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, in “Tratado de Responsabilidad Civil”, Tomo I, Bosch, Barcelona, 2008, pag. 415, “(…) nem todos os acontecimentos que precedem um dano (sendo, por assim dizer, as causas da sua produção) têm a mesma relevância. O dano tem de se associar aquele antecedente que, segundo o curso normal dos acontecimentos, tenha sido a sua causa directa e imediata. Todos os demais são periféricos e, portanto, irrelevantes para efeitos de atribuição da responsabilidade. Por isso, uma pessoa responde pelo dano produzido só no caso de que a sua conduta culposa tenha tido esse carácter de causa adequada ou causa normalmente geradora do resultado.” Segundo este tratadista ocorre uma tendência doutrinal de matizar esta doutrina, privilegiando uma imputação subjectiva ou uma imputação objectiva. De acordo com esta última doutrina, constituem-se critérios excludentes da imputação objectiva: 1.º - o risco geral da vida; 2.º - a proibição de regresso (segundo o qual não deve imputar-se objectivamente a quem pôs em marcha um curso normal que conduz a um resultado danoso, quando neste intervém, supervenientemente, a conduta dolosa ou gravemente imprudente de um terceiro; 3.º - o critério da provocação; 4.º - o fim da protecção da norma (não podem ser objectivamente imputados à conduta do autor aqueles resultados danosos que caiam fora do âmbito da finalidade da protecção da norma sobre a qual pretenda fundamentar-se a responsabilidade do demandado; 5.º - o critério denominado do incremento do risco ou da conduta alternativa (não pode imputar-se uma determinada conduta um concreto evento danoso, se, suprimida idealmente aquela conduta, o evento danoso na sua configuração totalmente concreta se tivesse produzido também, com segurança ou probabilidade razoável em certeza, e se a conduta não incrementou o risco de que se haja produzido o evento danoso); 6.º - as supostas competências da vitima (se na configuração concreta de um contacto social, o controle da situação corresponde à vitima, é a ela a quem devam imputar-se as consequências lesivas e não ao comportamento do autor imediato).          
[170] “Assim, no nexo de causalidade entre o facto e o dano, a ligação é feita, em último termo, mediante um nexo de adequação do resultado danoso à conduta, nexo de que este Supremo pode conhecer, por ser questão de direito. (Ac. S.T.J. de 11-5-2000, Bol. 497-350; Ac. S.T.J. de 30-11-2000, Col. Ac. S.T.J., VIII, 3º, 150; Ac. S.T.J. de 21-6-2001, Col. Ac. S.T.J., IX, 2º, 127; Ac. S.T.J. de 15-1-2002, Col. Ac. S.T.J., X, 1º, 36)” – Cfr. Ac. do STJ de 01-07-2003, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos.
Escreveu-se, a propósito da formulação negativa da teoria da causalidade adequada, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 15-03-2012, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, que: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado, provavelmente, não teria sofrido se não fosse a lesão, de acordo com a doutrina da causalidade adequada, na sua vertente negativa, consagrada pelo artigo 563º, do CC, segundo a qual um facto é causal de um dano quando é um de entre as várias condições sem as quais aquele se não teria produzido.
É que nem todos os danos sobrevindos ao facto ilícito estão incluídos na responsabilidade do agente, mas apenas os que resultam do facto constitutivo da responsabilidade, na medida em que se exige entre o facto e o dano indemnizável um nexo mais apertado do que a simples sucessão cronológica - cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, 429 e 641.
Para que possa reclamar-se o ressarcimento de certo dano, é necessário, mas não suficiente, que o acto seja condição dele, porquanto se exige, igualmente, que o mesmo, provavelmente, não teria acontecido se não fosse a lesão, o que reconduz a questão da causalidade a uma questão de probabilidade, sendo, então, causa adequada aquela que, agravando o risco de produção do prejuízo, o torna mais provável – cfr. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, 409 -, e não aquela que, de acordo com a natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para o produzir, mas que só aconteceu devido a uma circunstância extraordinária – cfr. Vaz Serra, Obrigação de Indemnização, BMJ nº 84, nº 5, 29.     
[171] Cfr. Manuel Carneiro Frada, Direito Civil. Responsabilidade Civil. O Método do Caso. Almedina, 2010, (Reimpressão), p. 100.
[172] cfr. Miranda Barbosa, Ana Mafalda, in “Responsabilidade Civil Extracontratual – Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade” Princípia Editora, Cascais, 2014, pgs. 23 a 26.    
[173] Quanto à necessidade de distinção entre imputação objectiva e relação causal (numa perspectiva jurídico-penal), veja-se Fernando Reglero Campos, in “Tratado de Responsabilidad Civil”, Tomo I, Parte General, Thomson-Arandazi, 2008, Cizur Menor (Navarra), pags. 730 e 731.
[174] Numa perspectiva mais actualista, Fernando Reglero Santos, in op. loc. cit. pags. 721 a 780, refere que para que uma conduta se possa imputar, ou ser causal de um evento danoso, “é suficiente que o prejuízo se haja produzido dentro de um determinado âmbito, o da aplicação da norma especial, para que seja imputável ao sujeito por ela designado, ou ainda que o tenha sido no seio de uma determinada actividade para que a imputação possa ser dirigida contra quem resulte ser o seu titular.” “A determinação de se uma conduta ou actividade se integra na etiologia do facto danoso não constitui tanto um fenómeno que possa ser ubicado dentro de certos critérios axiomáticos ou jurídico-dogmáticos, enquanto uma questão de direito que deva ser resolvida pelo juiz atendendo mais do que a elementos empíricos a critérios puramente subjectivos dirigidos, no caso concreto, à consecução de um resultado justo e equitativo.” (tradução nossa).     
[175] cfr. Fernando Reglero Santos, op. loc. cit. pág. 726.
[176] “El remédio indemnizatório en el derecho español de daños”, Pablo Salvador Coderch; Carlos Gómez Ligüerre; Sonia Ramos Gonzalez; Antoni Rubi Puig; e Alvaro Luna Yerga.
[177] “Os prejuízos de perda de qualidade de vida podem produzir.se, em primeiro lugar, pela perda de autonomia pessoal que afecta as actividades essenciais da vida ordinária, que se definem como "comer, beber, assear-se, vestir-se, sentar-se, levantar-se e deitar-se, controlar os esfínteres, deslocar-se, realizar tarefas domésticas, manejar dispositivos, tomar decisões e realizar outras actividades análogas relativas à autosuficiencia física ou psíquica".
Verificam-se naqueles supostos de lesões psicofísicas mais graves, tais como tetraparalisias, estados de coma vigil o vegetativo extremo, sequelas neurológicas ou neuropsiquiátricas, nos quais as sequelas impidem a vítima e realizar actividades que afectam o aspecto mais básico do desempenho aa pesooa. Não obstante também poderão produzir-se em caso de prejuízos psicofísicos menos graves, tais como paraplesias, amputações bilaterales de ambas extremidades superiores ou inferiores, oo sequelas neurológicas ou neuropsiquiátricas que produzem graves alterações físicas ou psíquicas. Em todo caso, o que aqui é relevante não é o grau de perda psicofísica ou a pontuação a que esta dê lugar, mas sim como tal perda incide negativamente na qualidade de vida, aspecto que se gradua em atenção a se o prejudicado perde a sua autonomia pessoal para realizar a quase totalidade de actividades essenciais da vida ordinária (grau muito grave) ou só algumas de elas (grau grave).” – Cfr. Miquel Martin-Casals, “Por una puesta al dia del sistema de valoración del daño corporal (“baremo””, in InDret, 4/2012, pág. 25.
[178] “A impossibilidade de continuar levando a cabo actividades específicas de desenvolvimento pessoal que a vítima vinha realizando, tais como praticar actividades desportivas, de ócio ou de vida de relação, repercute também na perda de qualidade de vida da vítima, no seu desenvolvimento pessoal, e na sua realização como individuo e como membro da sociedade.” – cfr. Miquel Martin-Casals, “Por una puesta al dia del sistema de valoración del daño corporal (“baremo””, in InDret, 4/2012, pág. 30.
[179] “O prejuízo moral pela perda de qualidade de vida de familiares de grandes lesados compensa a substancial alteração que se produz nas vidas dos familiares pelos cuidados e pela atenção continuada que prestam às vítimas que hajam perdido a autonomia pessoal para realizar a quase totalidade das actividades essenciais da vida ordinária.” – Cfr. Miquel Martin-Casals, “Por una puesta al dia del sistema de valoración del daño corporal (“baremo””, in InDret, 4/2012, pág. 31.
[180] Quanto aos titulares do direito à indemnização por dano de morte veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Março de 2017, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, em que se escreveu: “poderá considerar-se absolutamente imperativa a enunciação dos familiares que têm direito de indemnização pelos referidos dano morte e pelos sofrimentos do lesado que a precederam (independentemente da via jurídica, sucessória ou originária, que está na base de tal aquisição pelas pessoas mencionadas no art. 1496º), excluindo o regime normativo vigente a possibilidade de um herdeiro testamentário, genericamente instituído pelo de cujus, poder aceder a tal indemnização, decorrente da lesão de bens eminentemente pessoais?
Pensamos que a resposta a esta questão deve ser afirmativa, cabendo a indemnização por todos os danos não patrimoniais associados ao falecimento da vítima necessariamente aos seus familiares, enumerados no art. 496º, nºs 2 e 3, do CC, por ser esta a solução normativa que melhor se adequa à formulação do preceito e retrata a intenção legislativa (cfr. nomeadamente as observações formuladas por Antunes Varela), - consistente em, por um lado, unificar e agrupar toda a indemnização pelas várias categorias de danos não patrimoniais associados à morte da vítima, incluindo a decorrente dos sofrimentos que precederam o óbito (ao menos nos casos em que esta não foi já liquidada e paga pelo lesante, em termos de constituir um efectivo activo patrimonial na esfera do falecido, já no momento da sua morte), evitando um tratamento autonomizado e atomístico de cada uma dessas categorias de dano não patrimonial, facilitando o cálculo de uma indemnização global, decisivamente assente em juízos de equidade; e, por outro lado, obviando decididamente às conhecidas dúvidas e controvérsias de natureza dogmática acerca da possibilidade jurídica de se constituir ainda na património do falecido uma indemnização decorrente da lesão do seu próprio direito à vida.”
[181] Para melhor esclarecimento queda transcrita a parte adrede do acórdão referido. “Ora – como temos entendido reiteradamente (cfr. por ex. o Ac. de 20/5/10, proferido no P. 103/2002.L1.S1) – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.
Deste modo, mais do que discutir e reconstruir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, plasmada nas particularidades singulares da matéria de facto fixada, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – em situação em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afectam, de forma sensível e irremediável, o padrão e a qualidade de vida de lesados.” (os acórdãos citados estão disponíveis em www.dgsi.pt)
[182]O dano da morte é não patrimonial (…). Segundo a formulação negativa (…) estão incluídas nesta categoria todos aqueles que não atingem bens materiais do sujeito passivo ou que, de qualquer modo, não alteram a sua natureza patrimonial. De entre os danos não patrimoniais são de destacar os resultantes de ofensas aos direitos de personalidade, das quais resultam normalmente sofrimentos físicos e morais (dor, emoção, vergonha, perturbação psíquica, etc.)” – Diogo Leite Campos, A Indemnização pelo Dano de Morte, Boletim da Faculdade de Coimbra, Vol. I, Coimbra 1974, 251 
[183] A partir do mencionado assento ficou estabelecido que os danos (não patrimoniais) indemnizáveis eram: o dano da perda de vida; o dano sofrido pelos familiares da vítima; e o dano sofrido pelo lesado antes de morrer.   
[184] O acórdão dá nota de que ocorria uma oposição entre o decidido no assento citado e o acórdão de 12 de Fevereiro de 1969, que havia merecido anotação desfavorável do Professor Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 103º, pág. 172,  
[185] Cfr. Diogo Leite Campos, A indemnização do Dano da Morte, Almedina, Coimbra, 1980, pág. 24; A Indemnização pelo Dano de Morte, Boletim da Faculdade de Coimbra, Vol. I, Coimbra 1974, maxime págs. 261 a 297. “A defesa da personalidade jurídica exige uma apertada tutela do direito à vida. Esta tutela acarreta a obrigação de indemnizar pela sua lesão. O respectivo direito deverá ser, na ordem natural das coisas, adquirido pelo próprio lesado. E porque não mesmo depois da morte? É mais um caso em que a protecção a um direito de personalidade se prolonga para depois da morte, sem o que aquela perderia parte da sua consistência prática.
Ficamos, pois, com dois instrumentos técnico-jurídicos de compreensão do fenómeno de aquisição pelo «de cujus» do direito à indemnização pela própria morte e respectiva transmissão «mortis causa».” – cfr. págs. 296-297.      
[186] Cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Setembro de 2013, relatado pelo Conselheiro Mário Mendes e disponível em www.dgsi.pt.
[187] Cfr. ainda Acórdão do STJ nº 585/05. 0TASTR.E1.S1, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges.
[188] Cfr. Andreia Marisa Rodrigues, Análise jurisprudencial da Reparação do Dano de Morte – Impacto do Regime da Proposta Razoável de Indemnização, Abril de 2014 (Sob a orientação da ora Juíza Conselheira Maria da Graça Trigo).
[189] Cfr. no sentido de que se trata de um direito iure proprio, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Acórdão de 16-06-2005, proferido no Processo nº 1612/05, relatado pelo Conselheiro Neves Ribeiro “o direito à indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela vítima, antes de falecer, e o dano decorrente da sua perda do direito à vida, ambos em consequência de acidente de viação, cabe, em conjunto, e pela precedência indicada no art. 496,2 do CC, às pessoas que, também nesta disposição, se mencionam. Mas não se trata de um direito sucessório relativo a danos provocados por lesão da personalidade do falecido, não revestindo um chamamento à titularidade das suas relações jurídicas patrimoniais, e consequente devolução dos bens que lhe pertenciam, segundo o art. 2024º do CC, não havendo assim, por conseguinte, lugar à repartição da indemnização, como se uma herança se tratasse”; e o acórdão deste mesmo Tribunal de 24-05-2007, Processo nº 1359/07, relatado pelo Conselheiro Alberto Sobrinho, em que se doutrina que: “a indemnização pela perda do direito à vida cabe, não aos herdeiros da vítima por via sucessória, mas aos familiares referidos e segundo a ordem estabelecida no n.º 2 do art. 496º do CC, por direito próprio. Ao lado do dano morte e dele diferente, há o dano sofrido pela própria vítima no período que mediou entre o momento do acidente e a sua morte; o dano vivido pela vítima antes da sua morte é passível de indemnização, estando englobado nos danos não patrimoniais sofridos pela vítima a que se refere o n.º 3 do mencionado art. 496º; estes danos nascem ainda na titularidade da vítima; mas, como expressivamente refere a lei, também o direito compensatório por estes danos cabe a certas pessoas ligadas por relações familiares ao falecido; há aqui uma transmissão de direitos daquela personalidade falecida, mas não um chamamento à titularidade dos bens patrimoniais que lhe pertenciam, segundo as regras da sucessão; quis-se chamar essas pessoas, por direito próprio, a receberem a indemnização pelos danos não patrimoniais causados à vítima de lesão mortal e que a ela seria devida se viva fosse. Do teor literal do n.º 2 do art. 496º do CC, decorre que esse direito de indemnização cabe, em simultaneidade, ao cônjuge e aos filhos e, representativamente, a outros descendentes que hajam sucedido a algum filho pré-falecido ().”
[190] Disponível em www.dgsi.pt.