Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5037/14.0TDLSB-P.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: HABEAS CORPUS
FRAUDE FISCAL
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
PENA DE PRISÃO
CUMPRIMENTO DE PENA
PRISÃO ILEGAL
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 10/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Sumário :
I - O Habeas corpus é um remédio contra situações de imediata e evidente ilegalidade da privação da liberdade e não, um recurso sobre os recursos (acórdão do STJ, de 29-09-2010, processo nº 139/10.4YFLSB.S1, in www.dgsi.pt).
II - Tendo o acórdão condenatório da 1.ª instância de 14-05-2021 sido confirmado pelo acórdão da Relação de 23-02-2022, e tendo o TC, por acórdão de 07-07-2023, confirmado a decisão sumária do relator, não conhecendo do recurso de constitucionalidade interposto do acórdão da Relação, deixou o requerente do Habeas corpus de ter à sua disposição, reclamação ou recurso impeditivos do trânsito em julgado do acórdão da 1.ª instância, ocorrido 08-08-2023.
III - O requerimento apresentado pelo requerente do Habeas corpus em 31-08-2023, invocando, além do mais, a prescrição do procedimento criminal relativo a um dos crimes por cuja prática foi condenado no acórdão da 1.ª instância, não é um recurso nem uma reclamação e por isso, não interfere no processo de formação do trânsito em julgado do acórdão da 1.ª instância.
IV - Embora o despacho de 28-09-2023, que indeferiu o requerimento de 31-08-2023 não tenha transitado em julgado, pois dele foi interposto recurso, certo é que a situação do requerente do Habeas corpus, em cumprimento da pena única em que foi condenado, não foi causada pelo que se decidiu naquele despacho, mas pelo trânsito do acórdão condenatório da 1.ª instância.
V - O acerto ou desacerto do decidido no despacho de 28-09-2023 será conhecido pelo tribunal de recurso, quando a ele subir o recurso interposto pelo requerente do Habeas corpus, tribunal a quem competirá igualmente manter ou não o efeito que lhe foi atribuído, não tendo cabimento pronúncia sobre tais questões nesta providência extraordinária.
Decisão Texto Integral:


Processo nº 5037/14.0TDLSB-P.S1


Habeas Corpus


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Acordam, em audiência, na 5ª secção do Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório


1. AA, em cumprimento de pena de prisão à ordem do processo nº 5037/14.0TDLSB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., veio requerer ao Exmo. Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, através de Ilustre Advogada constituída, a providência de habeas corpus, ao abrigo do disposto no art. 222º, nºs 1 e 2, b) do C. Processo Penal, nos termos que, seguidamente, se transcrevem:


“(…).


1- Em 31 de Agosto de 2023, (ref. CITIUS ......13 – traslado H) o arguido apresentou, nos autos supra referenciados, requerimento invocando a prescrição do procedimento criminal, quanto ao Crime de Fraude Fiscal qualificada, p. e p., pelos artigos 103, nº 1, al. a) b) e c) e artigo 104º, nº 2 do RGIT.


2- Em síntese, invocou o arguido que:


- a consumação de tal crime imputado ao aqui arguido, consumou-se em Julho de 2005, quando foi nomeado administrador, e alegadamente, aderiu ao plano de não declarar os rendimentos que lhe seriam pagos a títulos de prêmios.


- O crime de Fraude Fiscal qualificada é punível com prisão de 1 a 5 anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas (artº 104º nº1 do RGIT).


- Estando em causa pena de prisão cujo limite máximo é igual a 5 anos, verifica-se que nos termos do disposto no nº 1, al. b) do artigo 118º do Código Penal se “extingue o procedimento criminal, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido 10 anos”.


- Por sua vez estabelece o artigo 121º nº 3, “a prescrição do procedimento do criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade…”. (na redação anterior à Lei 59/2007 de 4 de Setembro)


- É certo que ocorreram factos que originaram a interrupção da prescrição, nomeadamente, a constituição de arguido em 16/04/2010, a notificação da acusação em 27/01/2016, a notificação da Pronúncia em 13/03/2017, a notificação do despacho que designa a data de julgamento em 28/04/2017 e por fim a leitura do acórdão em 14 de Maio de 2021;


- Por sua vez, verificaram-se igualmente factos determinantes de suspensão da prescrição do procedimento criminal, designadamente os constantes da al. b) do artigo 120º do Código Penal.


- Não obstante, e de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 120º do Código penal, na redação anterior à Lei 19/2013, de 21 de Fevereiro, por ser essa que estava em vigor à data em que há consumação do crime, tal suspensão não pode ultrapassar os 3 anos.


- Ora, sobre a data em que o crime se consumou, 13 de Julho de 2005, e até 1 de Setembro de 2023, já decorreram 18 (Dezoito) anos, 1 (Um) mês e 19 (Dezanove) dias.


- Encontrando-se assim ultrapassado o prazo previsto no art. 121º nº 3do Código Penal, que no caso é de 18 anos.


- Se atentarmos ao disposto nos artigos 118º, al. b) e nº 3 do artº 121º do Código Penal, a prescrição do procedimento criminal quanto ao Crime de Fraude qualificada imputado ao arguido, tem sempre lugar logo que decorrido o prazo normal de prescrição, 10 anos, acrescido de metade, 5 anos, ressalvado o tempo de suspensão, 3 anos prazo máximo. O que determina o prazo de 18 anos sobre a data em que o mesmo se consumou, no caso concreto 13 de Julho de 2005, para que prescreva.


- Assim e considerando que sobre o momento em que o procedimento criminal imputado ao arguido quanto ao Crime de Fraude Fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103, nº 1, al. a) b) e c) e artigo 104º, nº 2 do RGIT, se consumou, já decorreram Dezoito anos Um Mês e dezanove dias, verifica-se que o mesmo já se encontra prescrito. Prescrição que desde já se invoca, com todas as legais consequências.


- Desde já se adianta, caso assim venha a ser invocado, que se considera a não aplicação do regime excepcional da suspensão do prazo de prescrição no âmbito da “Legislação COVID-19”.


- Tal regime de excepção foi inicialmente introduzido pelos nº 3 e 4 do artigo 7º da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, vigorando entre o dia 9 de Março de 2020 até ao dia 3 de Junho de 2020, num total de 87 dias (cfr. Artº 5 da Lei 4-A/2020, de 6 de Abril, e arts. 8º e 10º da Lei 16/2020 de 29 de Maio).


- Posteriormente, no decorrer da evolução da pandemia decorrente do vírus SARS-CoV-2 e doença COVID-19, voltou a vigorar um regime de suspensão dos prazos de prescrição dos procedimentos criminais e contraordenacionais introduzido pelo nº 3 do art. 6º-B da Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, vigorando entre 22 de Fevereiro de 2021 até ao dia 5 de Abril de 2021, num total de 74 dias (cfr. Artigo 4º da Lei 4-B/2021 de 1 de Fevereiro e art. 7º da Lei 13-B/2021 de 5 de abril).


-Acontece, porém, que a suspensão dos prazos prescricionais relativos a processos penais e contraordenacionais que tenham por referência factos praticados (por acção ou omissão) em data anterior à vigência da Lei 1-A/2020 de 19 de Março e da Lei nº 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, é violadora do princípio constitucional da não aplicação retroativa da lei penal e contraordenacional e, como tal, inadmissível do ponto de vista constitucional.


- A favor da não aplicação do regime excepcional da suspensão do prazo de prescrição, vária é a jurisprudência, designadamente o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo nº 76/15.6SRL.SB.L1-5, datado de 21/07/2020; Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito do processo nº 207/09.5PAAMD-A.L1-5, datado de 09/03/2021, Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do processo nº 201/10.3GBVRS-E1, datado de 23/02/2021, Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, no âmbito do processo nº 28.06.71DFAR-A-E1, datado de 26/10/2021, Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo 300/19.6Y9PRT-B.P1, datado de 14/04/2021, Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo nº 200/09.8TASRE.C3, datado de 07/12/2021, Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do processo nº 179/15.9FAF.G2, datado de 25/01/2021.


- É assim entendimento generalizado da jurisprudência, e mesmo da doutrina, alicerçado no artº 2º e 29º da Constituição da República Portuguesa, e concretizado no artº 2º do Código Penal e 3º o R.G.C.O. que, considerando a prescrição ser um prazo de natureza substantiva e processual (mista), e face da proibição da aplicação de normas que agravem a situação processual do arguido com efeitos retroativos (e sendo o alargamento do prazo de prescrição um agravamento da responsabilidade penal dos arguidos), estamos perante uma situação expressamente proibida pelos referidos normativos.


- Não sendo a circunstância de a Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março e a Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro, terem iniciado a sua vigência durante a situação de estado de emergência, que altera tal posição. Pois que, sem prejuízo de outros, não é o facto de tais diplomas legais encontrarem respaldo constitucional na situação de estado de emergência que afastam o princípio consagrado, igualmente, pela Constituição no seu artº 19º, nº 6, da não aplicação retroativa da lei penal como um direito intangível, e por tal não é nem pode ser afectado pela declaração de estado de emergência.


- Aliás tal situação, resultou expressamente do artigo 5º, nº 1 do Decreto do Presidente da República nº 14-A/2020, de 18 de Março: “os efeitos da presente declaração não afetam, em caso algum, os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, à não retroatividade da lei criminal, à defesa dos arguidos e à liberdade de consciência e religião.


2- Em 08-09-2023 foi declarado o transito em julgado do Acórdão condenatório.


3- Em 29 de Setembro de 2023, informa os autos, que irá recorrer do despacho.


4- Importa aqui apreciar, não o mérito do recurso a apresentar do despacho ref.ª CITIUS .......45, junto do Tribunal da Relação de Lisboa;


5- Mas sim saber se o despacho ref.ª CITIUS .......45 admite ou não recurso, e quais os efeitos do mesmo?


6- Não sendo o despacho, em causa, de mero expediente, naturalmente que admite recurso.


7- Nos termos conjugados dos artigos 407º n.º 2 b), o recurso a apresentar deve subir imediatamente e com efeito suspensivo de decisão recorrida. Tem sido uniformemente entendido na jurisprudência que o recurso só se torna absolutamente inútil, por via da subida diferida, nos casos em que, a ser provido, o recorrente não possa aproveitar-se da decisão, produzindo a retenção um resultado irreversivelmente oposto ao que se quis alcançar, sendo que aquela inutilidade respeita ao próprio recurso e não à lide em si.


8- Não tendo o despacho ref.ª CITIUS .......45 transitado em julgado, e sendo em abstrato admissível que em sede de recurso venha ser dada razão ao arguido declarando-se a prescrição do procedimento criminal, quanto ao Crime de Fraude Fiscal qualificada, tal obrigaria a formulação de nova pena em cúmulo jurídico. Este, naturalmente inferior à pena em que o arguido está condenado (6 anos de prisão) poderá (em abstrato) ser inferior a 5 anos de prisão, o que levaria o Tribunal a ponderar a suspensão da mesma.


9- Podendo, em teoria, vir a ser aplicada ao arguido uma pena não privativa da liberdade, é óbvio que o recurso subirá imediatamente, não estando o Tribunal da Relação de Lisboa vinculado ao efeito meramente devolutivo que o despacho ref.ª CITIUS .......98 previamente já fixou ao recurso ainda não interposto.


10- Fixando o Tribunal da Relação de Lisboa efeito suspensivo da decisão recorrida, iremos estar perante uma “aberração jurídica”, não existindo decisão transitada sobre a prescrição do procedimento criminal, o arguido já está em cumprimento de pena desde o dia 29 de Setembro de 2023.


Conclusões:


A- Foi invocada a prescrição do procedimento criminal em data anterior ao trânsito em julgado da decisão.


B- Rejeitada por despacho de 28 de Setembro, foi de imediato emitido mandado de detenção.


C- O arguido está preso.


D- Em abstrato é possível que, sendo efectuado novo cúmulo jurídico, venha a ser aplicada ao arguido uma pena não privativa da liberdade.


E- Não tendo, o despacho ref.ª CITIUS .......45, transitado em julgado, a privação da liberdade do arguido para cumprimento da pena é ilegal, fundando-se em facto pela qual a lei não permite aquela prisão, nos termos do art. 222.º, n.º 2, al. b), do CPP.


Termos em que se Requer a V.Exa seja admitido o presente pedido e em sua consequência declarada ilegal a prisão do arguido, restituindo-se o mesmo à liberdade.


(…)”.


2. Foi prestada a informação referida na parte final do nº 1 do art. 223º do C. Processo Penal, nos termos que, seguidamente, se transcrevem:


“(…).


1. O requerente encontra-se preso, em cumprimento da pena de 6 (seis) anos de prisão, à ordem destes autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo nº 5037/15.0TDLSB, do juiz ... do Juízo Central Criminal ..., desde o passado dia 29.09.2023, no Estabelecimento Prisional de ...;


2. O acórdão condenatório foi proferido nesta primeira instância em 14.05.2021 e do mesmo foi(ram) interposto(s) recurso(s), tendo o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa julgado improcedente(s) o(s) recurso(s) e confirmado integralmente a decisão de primeira instância;


3. Pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa foi determinada a separação processual, quanto ao ora requerente, considerando que a pena em que foi condenado não permitia que interpusesse recurso para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, ao contrário do que acontece quanto a outros co-arguidos;


4. O ora requerente interpôs, então, recurso junto do Colendo Tribunal Constitucional, que veio a ser rejeitado, tal como a subsequente reclamação que igualmente apresentou nessa Instância;


5. Descido o processo (separado), relativo ao ora requerente, a esta primeira instância, foram indeferidos requerimentos pelo mesmo apresentados, suscitando a prescrição parcial do procedimento criminal e a aplicação do perdão de um ano na pena única em que foi condenado, ao abrigo da Lei nº 38º-A/2023, de 2 de Agosto; em tal despacho foi, ainda, determinada a emissão de mandados de detenção para cumprimento da referida pena de 6 (seis) anos de prisão, considerando que eventual recurso a interpor pelo requerente não terá efeito suspensivo da decisão;


6. Os mandados de detenção emitidos nessa sequência lograram ser cumpridos pelo competente órgão de polícia criminal no dia 29.09.2023;


7. A pena em causa foi objecto de liquidação pelo Ministério Público e subsequentemente homologada por despacho judicial;


8. A prisão do requerente mantém-se desde o referido dia 29.09.2023 e encontra-se a ser cumprida pelo mesmo no estabelecimento prisional supra mencionado.


(…)”.


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Convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e a Ilustre Defensora do requerente, realizou-se a audiência com observância das formalidades legais, após o que o tribunal reuniu e deliberou (art. 223º, nº 3, segunda parte do C. Processo Penal), nos termos que seguem.


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II. Fundamentação


A. Dos factos


Com relevo para a decisão do pedido de habeas corpus, dos elementos que instruem o processo extraem-se os seguintes factos:


- O requerente AA foi condenado por acórdão de 14 de Maio de 2021, proferido no processo comum colectivo nº 5037/14.0TDLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., pela prática, em co-autoria, de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, nº 1, a), b) e c) e 104º, nº 2 do RGIT, na pena de três anos e dois meses de prisão, de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, b), com referência ao art. 202º, b), ambos do C. Penal, na pena de quatro anos e quatro meses de prisão, e de um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 368º-A, nºs 1, 2 e 3 do C. Penal, na pena de quatro anos e quatro meses de prisão e, em cúmulo, na pena única de seis anos de prisão;


- Inconformado com a decisão o requerente [bem como os restantes arguidos] interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 23 de Fevereiro de 2022, negando provimento ao recurso, confirmou o acórdão recorrido;


- O requerente interpôs recurso do acórdão da Relação para o Tribunal Constitucional em 9 de Março de 2022, recurso que foi admitido por despacho do Relator, de 15 de Março de 2022, onde também foi ordenada a separação de processos relativamente ao requerente;


- Em 15 de Março de 2022 o requerente arguiu nulidades do acórdão da Relação, que foram indeferidas por despacho do Relator de 22 de Março de 2022, do qual o requerente não reclamou para a conferência;


- Em 4 de Abril de 2022 o requerente apresentou requerimento nos autos visando renovar o recurso previamente apresentado para o Tribunal Constitucional;


- Por acórdão de 7 de Julho de 2023, o Tribunal Constitucional indeferiu a reclamação da decisão sumária do Relator, apresentada pelo requerente, confirmando tal decisão, não conhecendo do recurso de constitucionalidade, por incidir sobre decisão não definitiva;


- Em 31 de Agosto de 2023 o requerente apresentou requerimento nos autos no qual, afirmando decorrer do acórdão da 1ª instância de 14 de Maio de 2021, que o crime de fraude qualificada por cuja prática foi condenado se consumou em Julho de 2005, quando foi designado administrador e aderiu ao plano criado pelos restantes arguidos, de não declarar os rendimentos pagos a título de prémios, invocou a prescrição do procedimento criminal, pelo decurso do prazo de dezoito anos, aplicável ao referido crime;


- Em 15 de Setembro de 2023 o requerente apresentou requerimento nos autos no qual solicita a aplicação do perdão da Lei nº 38-A/2023, de 2 de Agosto, e a reformulação do cúmulo jurídico;


- Por despacho de 28 de Setembro de 2023 foram indeferidos os requerimentos de 31 de Agosto e 15 de Setembro de 2023, apresentados pelo requerente, mais se tendo ordenado que fosse certificado o trânsito do acórdão da 1ª instância de 14 de Maio de 2021, quanto ao requerente, e que fossem emitidos mandados de detenção para cumprimento da pena imposta;


- Em 28 de Setembro de 2023 foi certificado o trânsito em julgado do acórdão da 1ª instância de 14 de Maio de 2021, quanto ao requerente, a 8 de Setembro de 2023;


- O requerente foi detido, na execução de mandado de detenção, e entregue no Estabelecimento Prisional de ..., no dia 29 de Setembro de 2023;


- Por despacho de 16 de Outubro de 2023 foi homologada a liquidação da pena de seis anos de prisão imposta ao requerente;


- Em 19 de Outubro de 2023 o requerente interpôs recurso do despacho de 28 de Setembro de 2023;


- O requerente encontra-se a cumprir a pena de seis anos de prisão, à ordem dos autos, desde 29 de Setembro de 2023, no referido estabelecimento prisional;


- No acórdão de 14 de Maio de 2021, proferido no processo comum colectivo nº 5037/14.0TDLSB, integralmente confirmado, quanto ao requerente, pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Fevereiro de 2022, e no que a este respeita relativamente ao crime de fraude qualificada, foi considerado provado, em síntese, que: o requerente foi designado vogal do Conselho de Administração do B.. e membro da Comissão Executiva em 13 de Julho de 2005 – mandato de 2004 a 2007 – e em 4 de Abril de 2008 foi designado vogal do mesmo conselho de administração – mandato de 2008 a 2011 (pontos 22 e 24 dos factos provados); o requerente, após a designação como administrador do B.., aderiu ao plano gizado pelos co-arguidos BB, CC e DD que, de comum acordo, decidiram atribuir-se complementos remuneratórios que não constariam dos recibos de vencimento emitidos pelo B.. nem da contabilidade deste (ponto 73 dos factos provados); o requerente entregou a sua declaração fiscal de IRS relativa ao ano de 2005 em 4 de Abril de 2006, relativa ao ano de 2006 em 25 de Março de 2007, relativa ao ano de 2007 em 15 de Abril de 2008 e relativa ao ano de 2008 em 27 de Abril de 2009 (ponto 564 dos factos provados); dos rendimento do ano de 2005 o requerente não declarou o valor de € 53772,50, estando em falta IRS no montante de € 21509, dos rendimentos do ano de 2006 o requerente não declarou o valor de € 56664,11, estando em falta IRS no montante de € 23798,93, dos rendimentos do ano de 2007 o requerente não declarou o valor de € 615452,37, estando em falta IRS no montante de € 258489,99 e dos rendimentos do ano de 2008 o requerente não declarou o valor de € 1484301,51, estando em falta IRS no montante de € 623406,63 (ponto 565 dos factos provados); a obtenção dos rendimentos não declarados foi precedida de operações cambiais e contabilísticas fictícias, envolvendo sociedades offshore, bem como da prática de negócios simulados, tendo por base documentos titulando operações inexistentes;


- Nos anos de 2006 a 2009, nas datas em que apresentou as suas declarações fiscais, o requerente não declarou os rendimentos auferidos, em conformidade com o plano delineado a que aderira, visando o seu não pagamento e causando, por tal via, diminuição das receitas fiscais (ponto 673 dos factos provados); o requerente agiu conhecendo todos os factos e querendo praticá-los, visando o não pagamento dos impostos devidos, sabendo ser proibida a sua conduta (ponto 674 dos factos provados).


B. A questão objecto do habeas corpus


Cumpre apreciar se o requerente da providência se encontra em situação de prisão ilegal, por ter ocorrido a prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de fraude qualificada – sancionado com a pena parcelar de três anos e dois meses de prisão que integrou o cúmulo jurídico de que resultou aquela pena única de seis anos de prisão, que se encontra a cumprir –, por ter sido determinada a sua detenção e condução ao estabelecimento prisional, sem que o despacho judicial que indeferiu, além do mais, a invocada prescrição do procedimento criminal se mostre transitado em julgado.


C. Do direito


Com raízes no sistema judicial britânico, a providência de habeas corpus foi pela primeira vez contemplada na Constituição de 1911, mantida na Constituição de 1933, e também presente na actual Constituição da República Portuguesa de 1976, enquanto garantia expedita e extraordinária contra situações ilegais de privação da liberdade.


Dispõe o art. 31º da Lei Fundamental:


1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.


2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.


3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.


No desenho que lhe é conferido pela Constituição, o habeas corpus, enquanto garantia constitucional, tutela o direito fundamental, liberdade, quando gravemente afectado por situação de abuso de poder, causado por uma prisão ou detenção ilegal, pode ser requerido, para além do interessado, por qualquer cidadão, assim se aproximando da acção popular (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª Edição Revista, 2007, Coimbra Editora, pág. 509) e tem que ser decidido pelo juiz competente no prazo de oito dias.


A nível infraconstitucional o habeas corpus encontra-se regulado nos arts. 220º e 221º do C. Processo Penal quando seja determinado por detenção ilegal, e nos arts. 222º e 223º do mesmo código quando seja determinado por prisão ilegal.


In casu, conforme já dito, cumpre decidir se o requerente, que está preso em cumprimento de uma pena única de seis anos de prisão, se encontra numa situação de prisão ilegal, por ter ocorrido a prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de fraude qualificada, sancionado com a pena parcelar de três anos e dois meses de prisão que integrou o cúmulo jurídico de que resultou aquela pena única, e por ter sido determinada a sua detenção e condução ao estabelecimento prisional, sem que o despacho judicial que indeferiu, além do mais, a invocada prescrição do procedimento criminal se mostre transitado em julgado, sendo certo que o requerente expressamente invocou como fundamento da petição, o previsto na alínea b) do nº 2 do art. 222º do C. Processo Penal. Há, pois, que convocar o regime do habeas corpus em virtude de prisão ilegal.


Dando exequibilidade ao regime constitucional do habeas corpus, estabelece o art. 222º do C. Processo Penal:


1. A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.


2. A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:


a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;


b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou


c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.


Os fundamentos da ilegalidade da prisão para efeitos da petição de habeas corpus são, taxativamente, os previstos nas alíneas a) a c) do nº 2 do art. 222º do C. Processo Penal.


Estando nos autos em causa um habeas corpus fundado na previsão da alínea b), a sua apreciação passará por uma avaliação formal da situação, confrontando os factos processualmente adquiridos na providência com a lei, para determinar se esta foi ou não violada.


Ao fundamento de habeas corpus previsto na referida alínea b) é subsumível uma plêiade de situações, designadamente, a não punibilidade dos factos imputados ao preso, a prescrição da pena, a amnistiada infração imputada, a inimputabilidade do preso, a falta de trânsito da decisão condenatória, a impossibilidade legal de submissão do mesmo a prisão preventiva. O que importa é que se trate de uma ilegalidade evidente, de um erro diretamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correção de decisões judiciais, à análise de eventuais nulidades ou irregularidades do processo, matérias essas que não estão compreendidas no âmbito da providência de habeas corpus, e que só podem ser discutidas em recurso ordinário (Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, 2014, Almedina, pág. 909).


Em suma, o habeas corpus traduz-se num remédio contra situações de imediata, patente e auto-referencial ilegitimidade (ilegalidade) da privação da liberdade, não podendo ser considerado nem utilizado como recurso sobre os recursos ou recurso acrescido aos recursos (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 2010, processo nº 139/10.4YFLSB.S1, in www.dgsi.pt).


D. O caso concreto


O requerente sustenta a providência de habeas corpus nos seguintes argumentos:


- Por requerimento de 31 de Agosto de 2023 invocou a prescrição do procedimento criminal quanto ao crime de fraude qualificada, por se ter este consumado em 13 de Julho de 2005, sendo que entre esta data e 1 de Setembro de 2023 decorreram já dezoito anos, um mês e quinze dias, quando o prazo de prescrição do procedimento, considerando as causas de interrupção e de suspensão verificadas, é o prazo de dezoito anos;


- O trânsito em julgado do acórdão condenatório foi certificado em 8 de Setembro de 2023, o que significa que invocou a prescrição do procedimento antes deste efeito;


- Por despacho de 28 de Setembro de 2023 foi indeferida a prescrição do procedimento criminal quanto ao referido crime e ordenada a emissão de mandado de detenção, vindo o requerente a informar nos autos, em 29 de Setembro de 2023, a sua intenção de recorrer de tal despacho, sendo certo que foi detido e está em cumprimento de pena desde esta última data;


- O despacho de 28 de Setembro de 2023 é recorrível, devendo o recurso a apresentar subir imediatamente e com efeito suspensivo da decisão, pelo que, sendo, em abstracto, admissível que possa ser declarada a prescrição do procedimento criminal quanto ao crime de fraude qualificada, tal implicará a reformulação do cúmulo das penas parcelares, podendo a pena única, em abstracto, vir a ser inferior a cinco anos de prisão, o que obrigaria à ponderação da suspensão da sua execução;


- Assim, não existindo decisão transitada quanto à prescrição do procedimento relativamente ao crime de fraude qualificada, ocorre uma ‘aberração jurídica’ pois o requerente já está em cumprimento de pena desde 29 de Setembro de 2023, cumprimento que é ilegal pois funda-se em facto pelo qual a lei não permite a prisão, nos termos do art. 222º, nº 2, b) do C. Processo Penal.


Vejamos.


i) Por acórdão da 1ª instância de 14 de Maio de 2021, foi o requerente condenado, além do mais, pela prática de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, nº 1, a), b) e c) e 104º, nº 2 do RGIT, na pena de três anos e dois meses de prisão. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Fevereiro de 2022, negando provimento ao recurso, confirmou o acórdão recorrido quanto ao requerente e quanto aos restantes co-arguidos. O requerente recorreu então para o Tribunal Constitucional – quanto a si, o acórdão da Relação não admitia recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – que, por acórdão de 7 de Julho de 2023, indeferiu a reclamação da decisão sumária do Relator, apresentada pelo requerente, confirmando tal decisão, não conhecendo do recurso de constitucionalidade, por incidir o mesmo sobre decisão não definitiva.


Pois bem.


Lido o art. 103º, nº 1 do RGIT, que prevê o tipo matricial do crime em causa, dele resulta que a conduta típica consiste na violação pelo agente, dos deveres de informação e de verdade susceptíveis de causar lesão ao património do Estado pela diminuição das receitas tributárias (Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, 2ª Edição revista e ampliada, 2018, Universidade Católica Editora, pág. 222).


Visando o crime, como resulta da letra da lei, a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, apenas é exigível, para a sua consumação, o perigo de diminuição de tais receitas – a conduta tem de ser apta ou adequada a produzir essa diminuição – e não, que essa diminuição ocorra efectivamente. Daí que estejamos perante um crime de perigo abstracto-concreto ou de aptidão e também, perante um crime de resultado cortado.


Deste modo, o crime de fraude consuma-se quando a conduta se esgota, portanto, no termo do prazo legal para a apresentação da declaração a que o imposto respeita, à administração fiscal, mais concretamente, quando o agente entrega a declaração fiscal, alterada ou omissa quanto a factos e valores que dela deviam constar, à administração tributária (Germano Marques da Silva, op. cit., pág. 225, Susana Aires de Sousa, Os Crimes Fiscais, Reimpressão, 2009, Coimbra Editora, pág. 84 e seguintes).


Resulta do texto do acórdão condenatório da 1ª instância, confirmado pelo acórdão da Relação, que relativamente ao requerente, e quanto ao crime de fraude qualificada, se provou que este, depois da sua nomeação como administrador do B.., em 13 de Julho de 2005, aderiu a um plano cogitado pelos co-arguidos BB, CC e DD, consistente em, de comum acordo, passarem a atribuir-se complementos remuneratórios que não constariam dos recibos de vencimento emitidos pelo B.. nem da contabilidade deste, vindo o requerente, nesta decorrência, a não fazer constar das declarações de IRS relativas aos anos fiscais de 2005 a 2008, entregues à administração fiscal em 4 de Abril de 2006, 25 de Março de 2007, 15 de Abril de 2008 e 27 de Abril de 2009, respectivamente, as quantias recebidas de € 53772,50, € 56664,11, € 615452,37 e de € 1484301,51, também, respectivamente.


Tendo o requerente sido pronunciado pela prática de quatro crimes de fraude qualificada, certo é que o acórdão condenatório da 1ª instância seguiu o entendimento de que, face à existência de uma única resolução criminosa que se repercutiu na conduta referente a cada ano fiscal entre 2005 e 2008, resolução criminosa essa que se revelou pela homogeneidade da conduta repetida nestes anos e por isso, passível de um único juízo de censura, o requerente praticou apenas um crime de fraude qualificada. E a Relação, conforme dito, confirmou integramente o acórdão da 1ª instância.


Face à existência de um único crime de fraude qualificada, cujos actos de execução, unificados pela mesma resolução criminosa, ocorreram em 4 de Abril de 2006, 25 de Março de 2007, 15 de Abril de 2008 e 27 de Abril de 2009, datas das entregas à administração tributária das declarações anuais relativas ao IRS, pelas razões sobreditas, a sua consumação ocorreu com o último acto de execução, com a entrega da declaração relativa ao ano fiscal de 2008, ocorrida a 27 de Abril de 2009.


O crime de fraude qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, nº 1 e 104º, nº 2 do RGIT, é punível com prisão de um a cinco anos.


Assim, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 21º, nº 2 do RGIT e 118º, nº 1, b) do C. Penal, o prazo de prescrição do crime é o de dez anos.


No termos do disposto no nº 1 do art. 119º do C. Penal, este prazo começa a correr desde o dia em que o facto se consumou, portanto, e pelas razões supra expostas, desde 27 de Abril de 2009, data da prática do último acto de execução.


O requerente, na petição de habeas corpus apresentada, reconhece terem ocorrido diversas causas de interrupção da prescrição do procedimento criminal – a constituição de arguido, em 16 de Abril de 2010, a notificação da acusação, em 27 de Janeiro de 2016 – bem como reconhece ter ocorrido a causa de suspensão prevista na alínea b) do nº 1 do art. 120º do C. Penal, a qual, nos termos previsto no nº 2 do mesmo artigo, não pode ultrapassar três anos, concluindo, face ao disposto no nº 3 do art. 121º do mesmo código, que a prescrição do procedimento criminal ocorrerá, decorridos que sejam dezoito anos sobre o início do prazo.


Assim é, de facto, uma vez que a válvula de segurança prevista neste nº 3, determina que na prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início, e ressalvado o tempo de suspensão, tenha decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. O prazo normal é, como vimos, o de dez anos, o qual, acrescido de metade – cinco anos – e ressalvado o tempo de suspensão – três anos – nos conduz ao limite inultrapassável de dezoito anos.


Porém, tendo-se iniciado o prazo de prescrição, como dissemos, em 27 de Abril de 2009 [e não, como pretende o requerente, a 13 de Julho de 2005, data da sua nomeação como administrador do B..] a prescrição do procedimento só ocorreria a 27 de Abril de 2027.


Em conclusão, não ocorreu a prescrição do procedimento criminal, relativamente ao crime de fraude qualificada, por cuja prática foi o requerente condenado.


ii) Conforme já dito, o requerente foi condenado, por acórdão da 1ª instância de 14 de Maio de 2021, pela prática de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, nº 1, a), b) e c) e 104º, nº 2 do RGIT, na pena de três anos e dois meses de prisão, de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, b), com referência ao art. 202º, b), ambos do C. Penal, na pena de quatro anos e quatro meses de prisão, e de um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 368º-A, nºs 1, 2 e 3 do C. Penal, na pena de quatro anos e quatro meses de prisão e, em cúmulo, na pena única de seis anos de prisão.


O requerente e seus co-arguidos recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa que por acórdão de 23 de Fevereiro de 2022, confirmou integralmente o acórdão recorrido.


O recorrente recorreu então para o Tribunal Constitucional – por não admitir, quanto a si, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o acórdão da Relação – o que determinou a separação de processos, ordenada pela Relação.


O Tribunal Constitucional, por acórdão de 7 de Julho de 2023, indeferiu a reclamação da decisão sumária do Relator, apresentada pelo requerente, confirmando tal decisão, e não conheceu do recurso de constitucionalidade, com fundamento em incidir o mesmo sobre decisão não definitiva [com efeito, e como consta dos factos relevados, o requerente, depois de ter interposto recurso para o Tribunal Constitucional e no mesmo dia da sua admissão, arguiu na Relação de Lisboa uma nulidade do acórdão de 23 de Fevereiro de 2022].


Dispõe o art. 628º do C. Processo Civil que, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.


Face às decisões proferidas pela Relação de Lisboa e pelo Tribunal Constitucional, não existe recurso ordinário nem reclamação susceptível de ser ainda usado pelo requerente, restando concluir que o acórdão condenatório da 1ª instância de 14 de Maio de 2021 transitou em julgado.


Aliás mostra-se certificado o seu trânsito em 8 de Setembro de 2023.


É certo que o requerente apresentou em 31 de Agosto de 2023 um requerimento, invocando a prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de fraude fiscal, com as já referidas consequências que desta invocação extraiu, e é também certo que, por despacho de 28 de Setembro de 2023 foi indeferida aquela pretensão, foi ordenada a certificação do trânsito em julgado do acórdão condenatório e foi ordenada a emissão de mandados de detenção para cumprimento da pena única imposta.


Este requerimento não é um recurso nem uma reclamação, não interferindo, por isso, no processo de formação do trânsito em julgado do acórdão condenatório de 14 de Maio de 2021. E transitado o acórdão, o que nele se decidiu tem força executiva (art. 467º, nº 1 do C. Processo Penal).


Por outro lado, é certo que o despacho de 28 de Setembro de 2023 ainda não transitou em julgado, mas a prisão do requerente, em cumprimento de pena em que foi condenado, não tem como causa o que nele foi decidido, mas o trânsito do acórdão condenatório da 1ª instância.


O acerto, ou desacerto, do que foi decidido no despacho em referência, será conhecido pelo tribunal de recurso, quando ao mesmo subir o recurso interposto pelo requerente, cabendo também ao mesmo tribunal manter ou não o efeito atribuído, não tendo cabimento pronúncia por tais questões na providência de habeas corpus, que não é um recurso abreviado, ou seja, um meio de acelerar a tramitação dos recursos penais (Maia Costa, Habeas Corpus: Passado, Presente, Futuro, Julgar 29, Maio/Agosto 2016, pág. 243).


Em todo o caso, o recurso interposto a 19 de Outubro de 2023 não tem interferência no trânsito em julgado do acórdão condenatório, desde logo porque a interposição foi posterior ao referido trânsito.


iii) Em conclusão


- O requerente da providência cumpre desde 29 de Setembro de 2023, a pena única de seis anos de prisão, em que foi condenado por acórdão da 1ª instância de 14 de Maio de 2021, com trânsito em julgado certificado a 8 de Setembro de 2023, pela prática de um crime de fraude qualificada, p. e p. pelos arts. 103º, nº 1, a), b) e c) e 104º, nº 2 do RGIT, de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo art. 205º, nºs 1 e 4, b), com referência ao art. 202º, b), ambos do C. Penal, e de um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 368º-A, nºs 1, 2 e 3 do C. Penal;


- O requerimento de 31 de Agosto de 2023, visando a declaração de prescrição parcial do procedimento criminal – relativamente ao crime de fraude qualificada –, per se, é insusceptível de obstaculizar a verificação do trânsito em julgado do acórdão condenatório;


- O requerente encontra-se, pois, preso em cumprimento de pena determinada por entidade competente, motivada por factos que a lei pune com pena de prisão, e sem que se mostre excedido o tempo de prisão fixado na decisão condenatória.


Assim, inexistindo o fundamento de habeas corpus invocado pelo requerente, resta indeferir a peticionada providência.


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III. Decisão


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em:


A) Indeferir o pedido de habeas corpus peticionado pelo requerente AA, nos termos do disposto no art. 223.º, n.º 4, a), do C. Processo Penal, por falta de fundamento bastante.


B) Condenar o requerente nas custas do processo, fixando em três UC a taxa de justiça (art.8.º, n.º 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).


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(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do C.P.P.).


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Lisboa, 26 de Outubro de 2023


Vasques Osório (Relator)


João Rato (1º Adjunto)


Jorge Gonçalves (2º Adjunto)


Helena Moniz (Presidente da secção)