Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
635/14.4TTVNG.P1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / MULTAS E INDEMNIZAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 542.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 16/02/2012, EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 11/09/2012, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I- Litiga de má-fé a parte que alega factos que sabe perfeitamente serem contrários à verdade com a intenção de obter uma decisão no litígio que lhe seja favorável.

II- Assim, litiga de má fé a recorrente que na sua alegação para a Relação vem dizer que só tomou conhecimento da resposta do A à contestação, e dos documentos que a acompanhavam, quando foi notificada da sentença proferida nos autos, quando se sabe que a sua mandatária consultou o processo na sequência das alegações orais proferidas na audiência de julgamento, tendo-lhe sido então entregue pela secção cópia daquele articulado.

Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                                                                                                   

1---

AA instaurou uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra

BB, Lda., pedindo que se condene a Ré a pagar-lhe a quantia de € 15.180,48, importância relativa a diferenças de retribuições, indemnização de antiguidade e indemnização por danos não patrimoniais resultantes de resolução do contrato com justa causa, horas extraordinárias, férias, subsídios de férias e de Natal, e subsídio de deslocação, tudo acrescido de juros legais vencidos e vincendos desde o vencimento dos créditos até efectivo e integral pagamento.

Alegou para tanto que passou a integrar a empresa da Ré a partir de 31 de Janeiro de 2013, onde exercia as funções de motorista de pesados de transporte de betão. No entanto, o seu salário era inferior ao fixado no contrato colectivo aplicável, pelo que procedeu à resolução do contrato com fundamento no não pagamento dessas diferenças salariais, e no não pagamento de trabalho suplementar prestado. Alegou ainda que tem direito ao subsídio de deslocação referente a 6 deslocações em virtude da Ré ter ordenado a sua apresentação na sede da empresa, local distinto do seu local de trabalho, bem como a uma indemnização de € 2.000,00 pelos danos não patrimoniais que sofreu.

Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação, veio a R contestar, invocando a ininteligibilidade do pedido. Mais alegou que as diferenças salariais pedidas decorrem da transmissão do contrato do A. duma outra empresa para a Ré, tendo tido conhecimento da remuneração que lhe era devida apenas em Janeiro de 2014, na sequência da visita inspectiva da ACT. E assim, deu início ao seu pagamento em Março de 2014, em prestações mensais, tendo liquidado a quantia de € 736,92.

Mais alegou que não está provado o recebimento da carta da resolução de contrato e nela o trabalhador não concretiza os factos justificativos da resolução do contrato.

Por isso, e em reconvenção reclama o pagamento da quantia de € 1.886,00 referente à falta de aviso prévio para a denúncia do contrato.

O A. respondeu à contestação sustentando que o pedido é inteligível e alegando que, por diversas vezes, interpelou a Ré para proceder ao pagamento das diferenças salariais; que a verba paga dizia respeito ao vencimento de Janeiro e aos 11 dias que trabalhou em Fevereiro; que enviou à Ré os comprovativos das baixas médicas e da resolução do contrato e que as horas extraordinárias constam do registo de tacógrafos cujos originais se encontram em poder da Ré.

Esta resposta não foi notificada à R, nem pelo mandatário do A, nem pelos serviços do tribunal, o mesmo sucedendo com os documentos que a acompanhavam, e que constam de fls. 115 a 132.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a invocada ineptidão da petição inicial. E admitindo-se a reconvenção deduzida, foi dispensada a fixação dos temas da prova, tendo-se atribuído à acção o valor de € 17.328,99.

Concluído o julgamento, foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

«Assim, e face a tudo o exposto, decide-se:

Julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condenar a R. a reconhecer a licitude da resolução do contrato operada pelo A. e a pagar-lhe:

- a quantia de € 5.967,37 a título de indemnização pela resolução com justa causa;

- a quantia global de € 9.525,25 de créditos laborais;

- juros de mora nos termos supra referidos.

Custas por A. e R. na proporção do respectivo decaimento.

Julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional, dele se absolvendo o A.

Custas pela R”.


Inconformada, interpôs a R recurso desta decisão, tendo o Tribunal da Relação deliberado que:

“6. Decisão
Em face do exposto:
6.1. não se conhece da arguição de nulidade;
6.2. nega-se provimento à apelação e confirma-se a sentença recorrida;
6.3. condena-se a recorrente como litigante de má fé na multa de 2 (duas) UC’s.”
 

Novamente inconformada, traz-nos a R revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

a) Perante a Contestação/Reconvenção da Ré aqui Recorrente, veio o Autor apresentar a sua resposta acompanhada de documentos.

b) O A. não notificou a Ré de tal peça processual, faltando ao cumprimento do disposto no art° 221° do CPC.

c) Nos termos da lei processual civil, art 221º do Código Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do disposto no nº 2 do artº 49º do CPT, nos processos em que as partes tenham constituído mandatário judicial os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes após a notificação da contestação do réu ao autor são notificados pelo mandatário judicial do apresentante ao mandatário judicial da contraparte no respectivo domicílio profissional nos termos do artigo 255.°.

d) A ideia que esteve subjacente à criação dos art 229-A e 260-A do CPC foi de contribuir para o combate da morosidade processual, dando maior incremento à celeridade processual, libertando desse modo, os tribunais de tarefas ou da prática de actos de expediente que podem perfeitamente ser praticados pelas partes.

e) A omissão da notificação a que se alude no citado art° 260º-A importa como consequência que notificação em falta seja suprida pela secretaria judicial (se o mandatário faltoso entretanto notificado para o efeito o não fizer) e com a condenação da parte que este último representar na multa a que se alude nas disposições conjugadas dos arts 152º, nº 3 e 145º, nº 5, ex vi do artº 260º-A, nº l do CPC, acrescida do custo da actividade desenvolvida pela secretaria com vista a supra tal omissão, notificação à parte contrária.

m) E, finalmente, colmatando tal falta, na persistência de tal comportamento omissivo, devia a secretaria extrair certidão da peça contestação do A. e remetê-lo à Ré, pagando o A., ora recorrido, além do respectivo custo, a multa mais elevada prevista no nº 5 do artº 139º do CPC, como se nos afigura resultar da parte final do nº 3 do artº 148°.

n) Parece-nos ser evidente que tais omissões configuram nulidade processual que influiu no exame ou decisão da causa na medida em que os documentos que acompanharam a referida contestação serviram de base para provar factos que fundamentaram a condenação da Ré.

o) Não se pode aceitar a alegação do A. que a Ré, após a entrada da peça (contestação/reconvenção) teve acesso a todo o processo.

p) Do mesmo modo, no que respeita aos documentos juntos com aquela contestação do A. à Reconvenção da Ré, não se pode aceitar semelhante a posição plasmada no Acórdão recorrido onde entende que "é manifestamente de presumir que a mesma deles tomou conhecimento ao consultar o processo no referido dia 20 de ]unho -  paragrafo 2° de fls. 12 do Acórdão ora recorrido.

q) Estando em causa algo tão sério como o direito de defesa e o princípio do contraditório, há que ter certezas, não presunções.

r) Certo é que a existência e respectivo conteúdo dos documentos juntos com a Resposta por parte do Autor à contestação da Ré e não notificados à Recorrente foram essenciais à sua condenação.

s) Tanto mais que os mesmos nem foram impugnados.

t) Tais comportamentos omissivos não podem ser recompensados, antes tem de acarretar as devidas consequências, nomeadamente através da nulidade de actos processuais subsequentes às persistentes omissões.

u) Tendo necessariamente que resultar na nulidade de tudo quanto foi processado após aqueles actos omissivos por parte do A. e por parte do tribunal.

v) Nulidade insanável, ao contrário da posição sustentada pelo douto Acórdão.

w) A nulidade foi tempestivamente arguida em sede de recurso - primeira intervenção após o conhecimento das omissões por parte do mandatário do A. e do Tribunal de lª Instancia.

x) Mesmo que se pudesse aceitar a aplicabilidade do disposto no nº 1 do artº 199º quanto à inobservância das normas adjectivas constantes dos artigos 221º e 225° do CPC,

y) Sempre se entende, como já alegado, que quanto à inobservância das normas adjectivas constantes dos art. 148º e 139º, nº 5 do CPC, é de se lhe aplicar o regime do art. 286° do CC.

z) Mesmo que, no caso em apreço, a sua aplicação não seja em termos precisos, não se pode descortinar, de todo, a intenção do legislador ao prever a nulidade, assim como os seus efeitos.

aa) A falta de notificação por parte do tribunal, o incumprimento do comando estatuído no citado artº 148º, nº 3, tem que ser objecto de uma consequência ou sanção processual, sob pena de estarmos perante uma norma em branco ou inócua.

bb) Aliás, o disposto no nº 3 do artº 148º, prevendo a acção fiscalizadora do tribunal, visa precisamente garantir o direito ao contraditório reconhecido às partes.

cc) Tendo necessariamente que resultar numa nulidade que devia ter sido declarada oficiosamente pelo tribunal por ser de conhecimento oficioso - que sabemos que foi conhecida do Tribunal no dia 20 de Fevereiro de 2015.

dd) Reportando-se ao caso concreto, claramente que estamos perante a existência de uma nulidade, a Ré/Recorrente viu-se impedida de se pronunciar, no início da audiência de julgamento acerca da resposta do Autor e muito menos de se pronunciar acerca dos documentos juntos.

ee) A omissão de notificação à parte de uma peça processual ou de documentos - importando um claro desrespeito pelo princípio do contraditório - acarreta a nulidade de actos processuais subsequentes à omissão, especialmente tendo a mesma influência no desenrolar do processo, nomeadamente na condenação da parte usando como meio de prova os ditos documentos não notificados.

Da Condenação por Litigância de Má Fé

ff) Do exposto supra resulta a inexistência de Litigância de Má Fé.

99) A condenação em Litigância de Má Fé está intrinsecamente ligada com o momento do conhecimento, por parte da Ré, da existência da Contestação apresentada pelo A.

hh) O que à partida inviabiliza qualquer condenação em litigância de Má Fé.

ií) Tanto mais que a alegação do momento do conhecimento da omissão da notificação quer da contestação do A. quer dos documentos juntos não releva para o prazo que a Ré entende ter para a arguição da nulidade.

jj) Prazo esse que é a primeira intervenção no processo.

kk) Assim sendo, a alegada alteração da verdade, em nada releva por não ser pressuposto para concretizar o alegado objectivo ilegal de ver conhecida em recurso a nulidade.

ll) Estando perante a ausência de um comportamento processual demonstrador de má fé, não pode a Ré ser condenada.

Pede assim que seja declarada a nulidade de todo o processado após a resposta do Autor, apresentada em 12 de Dezembro de 2014 e não notificada à Ré/Recorrente, e que, consequentemente, se revogue a decisão proferida. E pede ainda que a condenação em litigância de má fé seja revogada, por infundada.

O A também alegou, pugnando pela inadmissibilidade da revista. E caso seja admitida, deve ser julgada improcedente.

Tendo a Relação admitido o recurso apenas quanto à questão da litigância de má fé, subiram os autos a este Supremo Tribunal.

A Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, nos termos do artigo 87º, nº 3 do CPT, concluindo pela improcedência da revista.

Cumpre decidir.

2----

Como já se disse, a única questão a apreciar prende-se com a litigância de má fé em que a R foi condenada pela Relação, vindo a recorrente sustentar que a mesma inexiste.

Mas não tem razão.      

Efectivamente, e conforme resulta do nº 2 do artigo 542º do CPC, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, tiver praticado omissão grave do dever de cooperação, ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Por isso, litiga de má-fé a parte que alega factos que sabe perfeitamente serem contrários à verdade com a intenção de obter uma decisão no litígio que lhe seja favorável, conforme doutrina que emana do acórdão deste Supremo Tribunal de 16/02/2012, in www.dgsi.pt.

Por outro lado, e conforme se concluiu no acórdão do STJ de 11.09.2012, também consultável em www.dgsi.pt, a litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma tem a consciência de não ter razão.

Analisando o caso em apreço, temos de concluir que a recorrente litigou de má-fé.

Na verdade, disse na sua alegação de recurso para a Relação que só tomou conhecimento da resposta do A à contestação, e dos documentos que a acompanhavam, quando leu a sentença proferida nos autos, após a sua notificação.

No entanto, resulta claramente dos autos, que, na sequência das alegações orais proferidas na audiência de julgamento, a mandatária da R consultou o processo, tendo-lhe sido então entregue pela secção cópia do articulado em causa.

Pretendia com esta alegação demonstrar que ainda estava em tempo de arguir a nulidade processual resultante da não notificação de tal peça processual, desígnio que não alcançou. 

Temos assim de concluir que a R violou, gravemente, o dever de cooperação e da boa fé processual, conforme aduz o acórdão recorrido, pois faltou à verdade nesse segmento da sua alegação para a Relação, bem sabendo que tal alegação não era verdadeira.

O que determina que se considerem reunidos os pressupostos para a sua condenação como litigante de má fé, conforme entendeu o acórdão recorrido, pelo que improcede o recurso.

3----

Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 16 de Junho de 2016.

Gonçalves Rocha (Relator)

Ana Luísa Geraldes

Ribeiro Cardoso