Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10818/19.5T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: LEONOR CRUZ RODRIGUES
Descritores: ACORDO DE EMPRESA
RETRIBUIÇÃO
RETRIBUIÇÃO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
Data do Acordão: 10/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - Em caso de concurso entre as normas constantes do Código do Trabalho/2003 e do Código do Trabalho/2009 e as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva, a lei permite a intervenção destas últimas, quer em sentido mais favorável aos trabalhadores, quer em sentido menos favorável, apenas se exigindo que as normas do Código do Trabalho não sejam imperativas, pois se o forem, nunca se permitirá a intervenção das normas da regulamentação colectiva.

II - Tendo sido acordado no AE aplicável que durante as férias, e no subsídio de férias, o trabalhador recebia uma retribuição constituída pela retribuição base e diuturnidades, não integrando a média das componentes retributivas constituída pelo subsídio de disponibilidade, são essas as normas a aplicar e não as regras constantes do Código do Trabalho, independentemente de serem, ou não, mais favoráveis para o trabalhador.

III - Com o advento do Código do Trabalho que vigorou a partir de 1 de Dezembro de 2003, bem como com o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que lhe sucedeu, não havendo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, no cálculo do subsídio de Natal apenas se atenderá à retribuição-base e às diuturnidades.

Decisão Texto Integral:


Procº nº 10818/19.5T8LSB.L1.S1

4ª Secção

…./…./….

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1 - Relatório

1. AA e outros 11 (onze) Autores intentaram contra “SVITZER PORTUGAL REBOQUES MARITIMOS, S.A..”, acção declarativa, sob a forma de processo comum, com emergente de contrato individual de trabalho, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes diferenças remuneratórias, vencidas no período de 2007 a 2017, entre ao valores pagos a título de retribuições de férias, subsídios de férias e de natal, diferenças essas resultantes da não inclusão nos mesmo dos valores auferidos a título de subsídio de disponibilidade, prestação essa paga com carácter regular e periódico, todos os meses, como contrapartida da sua actividade, acrescidas de juros de mora calculados à taxa legal, desde a data do vencimento das prestações até ao efectivo e integral pagamento.

2. Alegaram para o efeito e em síntese, que trabalham no regime de disponibilidade, desde, pelo menos, 2007, e que a Ré desde então, de forma regular e periódica, anualmente lhes paga todos os meses prestações sob o nome de subsídio de disponibilidade, valor que não é reflectido no pagamento das férias, subsídio de férias e de natal, sustentando que inclusão de tal prestação na retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal é devida de conformidade, respectivamente, com o disposto, nos artigos 255º e 264º dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, e 254º e 263º dos mesmos Códigos, porquanto tais disposições, de carácter imperativo, estabelecem

3. Realizada a audiência de partes, frustrada a conciliação, contestada a acção, proferido despacho saneador e discutida a causa, por sentença de 24 de Outubro de 2019 a acção foi julgada improcedente.

4. Interposto recurso pelos Autores veio o mesmo, por acórdão de 27 de Maio de 2020, a ser julgado parcialmente procedente e a Ré condenada a pagar a cada um dos doze Autores as diferenças relativas às férias e subsídio de férias (resultantes da não integração dos mesmos da média dos valores pagos a cada um deles nos últimos doze meses a título de subsídio de disponibilidade ) do ano de 2007 em valor a apurar em incidente de liquidação, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data da citação até integral pagamento.
5. Inconformados com este acórdão, do mesmo interpuseram recurso de revista a Ré “SVITZER PORTUGAL REBOQUES MARITIMOS, S.A..” e os Autores CC, EE, FF, GG, HH, II e LL, recurso que os Autores remataram formulando as seguintes conclusões:
1. Para efeitos de determinação do valor da remuneração a considerar no pagamento das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, o conceito de “salário base” não deve cingir-se à nomenclatura constante do recibo ou do contrato, antes devendo ser aferida pelo valor ou conjunto de valores que o trabalhador recebe regularmente quando está a trabalhar;
2. O conceito de “trabalho efectivo”, para efeitos de determinar a correspectividade do salário, engloba não só a prestação da força de trabalho sctrito sensu, mas também a disponibilidade para o prestar, a simples solicitação do empregador;
3. Assim, se o trabalhador, quando não em férias, recebe determinadas quantias fixas, mensalmente, como contrapartida do seu trabalho, ou disponibilidade para o mesmo, tais quantias devem considerar-se “salário base”, para efeitos de integrar o valor a pagar em férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal;
4. Em consequência, a pretensão dos trabalhadores aqui recorrentes, formulada na presente acção, diversamente do que foi decidido na 1ª instância e bem assim, ainda que parcialmente na Relação, deveria proceder pela totalidade;
5. As férias a gozar em 2008 reportam-se à vigência do contrato no ano anterior e venceram-se em 01 de Janeiro desse ano (2008), sendo despicienda a circunstância factual de saber se os trabalhadores ou alguns deles já tinham gozado as férias em 2008; vencendo-se as férias no dia 01 de Janeiro de 2008, é ao quadro legal e contratual em vigor a essa data que hão-de aferir-se os direitos dos trabalhadores ora recorrentes;
6. Neste conspecto, admitindo o raciocínio decisório imposto no douto acórdão, ou seja que o regime legal previsto no Artigo 255º do CT de 2003 imperava em detrimento do AE, aos trabalhadores recorrente sempre seria devido, ao menos, o valor de férias e subsidio de férias que inclua o valor do subsídio de disponibilidade, à semelhança do que se decidiu relativamente ao ano de 2007.
7. Também no que concerne aos anos de 2016 e 2017 o douto acórdão sob recurso se revela incongruente. Com efeito, provou-se que ao estarem abrangidos naquele regime de disponibilidade todos os trabalhadores aqui A. ficaram com o assegurado direito a um subsídio de disponibilidade, que é pago juntamente com a seu vencimento onze meses por ano, excepto nos anos de 2016 e 2017 em que foi pago doze meses por ano (al. j da matéria de facto). O mesmo é dizer que, no período de férias, diversamente do que vinha fazendo em anos anteriores, a recorrida SVITZER pagou aos seus trabalhadores uma retribuição igual à que lhe pagaria caso estivem a trabalhar.
8. E, assim, mesmo acolhendo, por defeito, as pretensões vazadas na apelação, o douto acórdão haveria de acolher, pelo menos, a pretensão dos recorrentes no que concerne aos valores do subsídio de férias dos anos de 2016 e 2017 que, comprovadamente, a empresa recorrida não pagou.
9. Termos em que e nos melhores de direito que o douto suprimento de V. Exas convocará, revogando parcialmente o douto acórdão da Relação e, outrossim, interpretando e aplicando as normas pertinentes em discussão, no sentido pugnado pelos trabalhadores recorrentes, em ordem a pretensões que formulam na acção, produzirão mais um acto de Justiça”.

6. A Ré “SVITZER PORTUGAL REBOQUES MARITIMOS, S.A.” apresentou contra-alegações ao recurso dos Autores, nestas suscitando designadamente a questão prévia da inadmissibilidade do recurso.
7. O recurso interposto pelo Autor II não foi admitido por despacho de Exmo. Desembargador Relator de 26 de Setembro de 2020, por ser inferior à alçada do tribunal da Relação o valor do pedido formulado.
8. Neste Supremo Tribunal, em sede de exame preliminar do processo, por despacho da Relatora de 23 de Novembro de 2020, foi admitido o recurso dos Autores, considerando-se inexistir uma situação de “dupla conforme”, e ordenada a notificação das partes para a questão prévia suscitada pela própria relatora da inadmissibilidade do recurso da Ré.
Por despacho proferido em 6.1.2021 não foi admitido o recurso interposto pela Ré “SVITZER PORTUGAL REBOQUES MARITIMOS, S.A.”.

9.  Cumprido o disposto no artº 87º, nº 3, do C.P.T., a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência da revista, parecer que, tendo sido notificado às partes, não foi objeto de resposta.

II

2 - Delimitação objectiva do recurso – Enquadramento normativo

Delimitado o objecto do recurso pelas questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação das que são de conhecimento oficioso, (artigo 608º, nº 2 do CPC), a questão jurídica trazida à apreciação deste Supremo Tribunal é a de saber se o valor do subsídio de disponibilidade deve ser incluído no subsídio de Natal de 2007 a 2017 e na retribuição de férias e subsídio de férias dos anos de 2008 a 2017.

À relação jus laboral entre as partes, no período em causa, foi sucessivamente aplicável o regime do:

- Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto;

- Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 93/2019, de 4.9.;

- Acordo de Empresa entre a SVITZER e o SITEMAQ - Sindicato da Marinha Mercante, Indústrias e Energia, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n° 32, de 29.08.2008 (AE 2008), págs. 3677 e seguintes, com revisão global publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n° 13, de 08.04.2013, páginas 51 e seguintes, (AE 2013), e revisão global publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 36, 29/9/2018 (AE 2018).

III

3 - Fundamentação de facto

A matéria de facto dada como provada é a seguinte:

a) Os AA prestaram e prestam as suas atividades sob a autoridade, direção e fiscalização da aqui Ré, Svitzer Portugal, S.A e, mediante retribuição, desempenharam e desempenham as funções correspondentes e no âmbito das respetivas categorias profissionais, a saber: AA, Marinheiro do Tráfego Local. BB, Mestre do tráfego Local. CC, Maquinista Prático. DD, Mestre do tráfego Local. EE, Mestre do tráfego Local. FF, Maquinista Prático. GG, Mestre de Tráfego Local. HH, Mestre de Tráfego Local. II, Marinheiro do Tráfego Local. JJ, Maquinista Prático. KK, Marinheiro do Tráfego local. LL, Mestre do Tráfego Local;

b) O objeto social da R. é a “prestação de serviços de reboque, no mar e em porto, bem como busca e salvamento marítimo, serviços marítimos diversos no mar e em porto remoção de destroços, combate a incêndios, prevenção e combate à poluição no mar e em porto, assistência em manobras, incluindo amarração e desamarração, assistência em ancoradouro a qualquer tipo de navio ou embarcação, transporte de pessoas e bens”;

c) A R. exerce a sua atividade durante todos os dias do ano e de forma ininterrupta;

d) Os trabalhadores supra identificados, aqui A., exerceram e exercem a atividade profissional acima mencionada a bordo dos navios detidos e explorados pela Ré, junto dos portos marítimos de Sines, Setúbal e Lisboa, em regime de turnos;

e) Todos trabalhadores aqui A. prestaram as suas atividades sob a autoridade e direção da aqui Ré no período que aqui interessa consignar, de 2007 a 2018;

f) Isto porque todos os aqui A. supra mencionados estão abrangidos pelo regime de disponibilidade, desde, pelo menos, o ano de 2007;

g) Pelo referido regime de disponibilidade, todos trabalhadores aqui A. têm a obrigação de permanecer em locais conhecidos e de contacto fácil e rápido por parte dos serviços da Ré, apesar de não estarem em prestação efetiva de trabalho, para que, dessa forma, possam comparecer no local de trabalho assim que forem chamados para o efeito;

h) Ao estarem abrangidos naquele regime de disponibilidade todos os trabalhadores aqui A. ficaram com o assegurado direito a um subsídio de disponibilidade, que é pago juntamente com a seu vencimento onze meses por ano, excepto nos anos de 2016 e 2017 em que foi pago doze meses por ano, subsídio, esse, que ascendeu, desde ao ano de 2008, aos valores abaixo discriminados:

a) Mestre de Tráfego Local: € 954,00

Maquinista Prático: € 954,00

Marinheiro de Tráfego Local: € 742,00

(Isto a partir de 1 de Janeiro de 2008 –

b) Mestre de Tráfego Local: € 973,10

Maquinista Prático: € 973,10

Marinheiro de Tráfego Local: € 756,80

(Isto a partir de 1 de Janeiro de 2009

Mestre de Tráfego Local: € 982,80

Maquinista Prático: € 982,80

Marinheiro de Tráfego Local: € 764,40

(Isto a partir de 1 de Janeiro de 2010

d) Mestre de Tráfego Local: € 1.012,50

Maquinista Prático: € 1.012,50

Marinheiro de Tráfego Local: € 787,40

(Isto a partir de 1 de Janeiro de 2013

i) Os trabalhadores aqui A. estão abrangidos pelo mencionado regime de disponibilidade, de forma permanente e sem quaisquer interrupções, desde 2007 até à presente data;

j) Os AA., trabalhadores da Ré, auferem todos os meses um vencimento base, diuturnidades e onze meses por ano um subsídio de disponibilidade, exceto nos anos de 2016 e 2017, e ainda outros valores que variam com o modo de prestação de trabalho e as respetivas categorias profissionais;

k) Desde 2007, os trabalhadores, aqui A., receberam as prestações patrimoniais mensais descritas nos respectivos recibos de vencimento e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido;
l) Além daquelas remunerações, os aqui A. receberam ainda remunerações anuais correspondentes às remunerações do período de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal;
m) Aliás, o subsídio de disponibilidade foi pago nos 12 meses imediatamente anteriores ao último momento do tempo de trabalho prestado por cada um dos trabalhadores aqui A.A.;

n) Todavia, a Ré, nos pagamentos que fez aos trabalhadores, a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, não lhes pagou, desde o ano de 2007, o valor correspondente ao supra mencionado subsídio de disponibilidade, excepto nos anos de 2016 e 2017 em que a R. pagou o dito subsidio de disponibilidade doze meses;

o) O pagamento do subsídio de disponibilidade nos anos de 2016 e 2017 correspondeu a uma manifestação de boa vontade da R. para alcançar um consenso negocial com o A. no âmbito de negociação do acordo de empresa que entrou em vigor em 2018.

4 - Fundamentação de direito

Está em causa saber se o valor do subsídio de disponibilidade auferido pelos autores deve ser incluído no subsídio de Natal de 2007 a 2017 e na retribuição de férias e subsídio de férias dos anos de 2008 a 2017.
O Tribunal da Relação apreciou e decidiu a questão da definição da base de cálculo da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal à luz do regime do Acordo de Empresa entre a SVITZER e o SITEMAQ - Sindicato da Marinha Mercante, Indústrias e Energia, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n° 32, de 29.08.2008 (AE 2008), com revisão global publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, n° 13, de 08.04.2013, (AE 2013) AE de 2008 e do AE de 2013, designadamente das respetivas cláusulas 34ª e 44ª, por considerar que as normas do Código do Trabalho sobre esta matéria não possuem carácter imperativo e, nessa medida, não deveriam prevalecer sobre aquele regime convencional.

Dispunham as referidas cláusulas do Acordo de Empresa de 2008, em redacção que foi mantida na revisão de 2013, que:

Cláusula 34.ª
Subsídio de Natal
1 — A empresa obriga-se a pagar aos trabalhadores ao seu serviço, até ao dia 30 de Novembro de cada ano, um subsídio de Natal correspondente a um mês de retribuição praticada (retribuição base e diuturnidades).
(…)”

Cláusula 44.ª
Subsídio de férias
1 — A retribuição durante o período de férias compreende o valor correspondente à retribuição base e diuturnidades.
 2 — Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a um subsídio de férias no mesmo valor da retribuição referida no número anterior.
(…)”.

Por seu turno, o Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, em vigor desde 1 de Dezembro de 2003, quanto ao valor do subsídio de Natal, estabelecia no artigo 254º, nº 1, que «[o] trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano», sendo pacífico o entendimento de que a base de cálculo do subsídio de Natal aí prevista— salvo disposição legal, convencional ou contratual em contrário — se reconduz ao somatório da retribuição base e das diuturnidades.
Quanto à retribuição do período de férias o mesmo Código previa no artigo 255.º que «a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo» (n.º 1), e, relativamente ao subsídio de férias, o n.º 2 do mesmo artigo dispunha que «o trabalhador tem direito a um subsídio de férias cujo montante compreende a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução de trabalho».
O Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, em vigor desde 17 de Fevereiro de 2009, consagrou idêntico regime nas suas disposições dos artigos 263º (subsídio de Natal) e 264º, nºs 1 e 2, (retribuição no período de férias e subsídio).
Assim, neste enquadramento, relativamente ao subsídio de Natal, considerou o acórdão recorrido que, independentemente da questão de saber se o subsídio de disponibilidade deve ou não ser encarado como retribuição «(…) essa componente salarial, quer de acordo com a lei geral aplicável entre 2007 e 2017 quer segundo o instrumentos de regulamentação coletiva que logram aplicação a partir de 2008 até 2017 , não entra na base de cálculo do subsídio de Natal (…)» na medida em que «(…) a mesma não consubstancia nem retribuição base nem diuturnidades dos aqui recorrentes/Autores/trabalhadores.»

No que respeita à retribuição de férias e subsídio de férias - excepção feita para o ano de 2007, quando ainda não lograva aplicação o AE, em que o Tribunal da Relação, aplicando o regime jurídico previsto no Código do Trabalho quanto à remuneração de férias e subsídio de férias, concluiu que o subsídio de disponibilidade deve integrar-se no conceito de retribuição por se tratar de uma prestação complementar ligada ao modo específico da prestação de trabalho que, como tal, se deve repercutir nas férias e subsídio de férias dos anos em que foi atribuído aos Autores 11 ou mais meses no ano - considerou  o acórdão recorrido que as pretensões dos Autores atinentes a férias e subsídios de férias a partir do ano de 2008 até 2017 improcedem na medida em que o regime convencional constante do AE 2008 e AE 2013, restringe a base de cálculo da retribuição de férias e subsídio de férias ao valor da retribuição base e diuturnidades.

É contra tal entendimento que os recorrentes se insurgem, pugnando para que o subsídio de disponibilidade releve para o computo da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, desde logo sustentando, em síntese, que as normas do Código do Trabalho prevalecem sobre as normas equivalentes do Acordo de Empresa.

Sendo de registar que o segmento decisório que atribuiu carácter retributivo ao subsídio de disponibilidade auferido pelos recorrentes transitou em julgado, vejamos então:

O valor do subsídio de Natal de acordo com a cláusula 34ª do AE aplicável a relação jus laboral entre as partes é o correspondente a um mês de retribuição-base, e diuturnidades, idêntico ao que resulta do regime consagrado nos artigos 254º, nº 1, e 250º, nº 1, do Código do Trabalho de 2003, e 263º, nº 1, e 262º, nº 1, do Código do Trabalho de 2009, pelo que a divergência dos recorrentes, nesta vertente, é infundada e não tem razão de ser.

Num e noutro regime a base de cálculo do subsídio de Natal é a mesma, ou seja, na ausência de disposição convencional em contrário, que no caso não existe, a base de cálculo do subsídio de Natal é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades.

O entendimento do acórdão recorrido que assim decidiu inscreve-se no entendimento que colhe a unanimidade da doutrina, segundo a qual tendo em conta a norma interpretativa adoptada no artigo 262º ( ou 250º do CT de 2003) o mês de retribuição de que fala o artigo 263º  em sede de subsídio de natal deverá entender-se como “abrangendo, não toda e qualquer prestação retributiva devida ao trabalhador, mas apenas a retribuição base mensal e respectivas diuturnidades”, e tem sido afirmado na jurisprudência deste Supremo Tribunal perfilhada, designadamente, nos acórdãos de 21.9.2017, Procº nº 393/16.8T8VIS.C1.S1., 17.11.2016, Procº nº 4109/06.9TTLSB.L2.S1., e 2.4.2014, Procº nº 2911/08.6TTLSB.L1.S1, arestos no quais, se decidiu que com o advento do Código do Trabalho que vigorou a partir de 1 de Dezembro de 2003, bem como com o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que lhe sucedeu, não havendo disposição legal, convencional ou contratual em contrário, no cálculo do subsídio de Natal apenas se atenderá à retribuição base e às diuturnidades.

No que respeita à retribuição de férias e subsídio de férias considerou o acórdão recorrido que as pretensões dos Autores atinentes a férias e subsídios de férias a partir do ano de 2008 até 2017 improcedem na medida em que o regime convencional constante da cláusula 44ª do AE 2008 e bem assim do AE de 2013, restringe a base de cálculo da retribuição de férias e subsídio de férias ao valor da retribuição base e diuturnidades, regime esse que considerou ser o aplicável.

E, como em situação de contornos semelhantes se afirmou no aresto anteriormente citado de 21.9.2017 que aqui, mutatis mutandis, se seguirá de perto, bem se andou.

Efectivamente, o artigo 4º, nº 1, do CT, aprovado pela Lei 99/2003, veio alterar a regra de prevalência de normas constante do artigo 13º da LCT, estatuindo que as normas do Código do Trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.
É assim inequívoco que em caso de concurso entre as normas constantes do Código do Trabalho e as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva, a lei permite a intervenção destas últimas, quer em sentido mais favorável aos trabalhadores, quer em sentido menos favorável, apenas se exigindo que as normas do Código do Trabalho não sejam imperativas, pois se o forem, nunca se permitirá a intervenção das normas da regulamentação colectiva.

Trata-se duma solução diversa da que foi seguida no artigo 13º da LCT, que apenas permitia a intervenção das normas hierarquicamente inferiores quando eram mais favoráveis ao trabalhador.
Para esta mudança legislativa relevou a ideia de que tratando-se dum instrumento de regulamentação colectiva de natureza negocial, e estando os trabalhadores representados pelos sindicatos, fica assim garantido o contraditório negocial, a liberdade de negociação e o equilíbrio das soluções encontradas.
Por isso, devem as normas da contratação colectiva prevalecer sobre a lei geral, que apenas se imporá quando estabeleça um regime absolutamente imperativo.
No caso presente, o Código do Trabalho estabelece no artigo 255º, nº 1, que a retribuição nas férias corresponde à que o trabalhador receberia como se estivesse em serviço efectivo.
E quanto ao subsídio de férias, compreenderá a retribuição base e as demais prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da prestação do trabalho (nº 2).
Ora, ainda que da aplicação destas regras resultasse um regime mais favorável para os AA., não se tratando de normas absolutamente imperativas, terá a situação que ser resolvida de acordo com o que se acordou na contratação colectiva.
Concluímos assim, que são de aplicar ao caso as normas do AE e não as regras constantes do Código do Trabalho.

E, face ao regime do AE aplicável, é inequívoco que as partes contratantes quiseram que durante as férias o trabalhador recebesse uma retribuição calculada de acordo com o disposto na cláusula 44ª, nº 1, i. e., correspondente ao valor da retribuição base, esta fixada na cláusula 25ª do AE, e diuturnidades, o mesmo se passando em relação aos subsídios de férias (44ª, nº 2).

Dissentindo de tal entendimento sustentam ainda, em reforço da sua posição, os Autores, por remissão para as considerações da sentença de 1ª instância, em síntese, que o regime convencional, menos favorável ao trabalhador, não pode prevalecer sobre aquele que resulta do Código do Trabalho, porquanto “o princípio da irredutibilidade da retribuição é uma norma imperativa que não pode ser afastada nem por vontade das partes”.

No que concerne ao princípio da irredutibilidade da retribuição invocado pelos recorrentes, cumpre notar que, como afirmou o Tribunal Constitucional no acórdão nº 396/2011, não consta da Constituição qualquer regra que estabeleça a se, de forma directa e autónoma, uma garantia de irredutibilidade dos salários. Essa regra inscreve-se no direito infraconstitucional, tanto no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (artigo 89.º, alínea d)), como no Código do Trabalho (artigo 129.º, n.º 1, alínea d))

E, como nesse mesmo acórdão sublinhou o Tribunal Constitucional, importa sobretudo sublinhar que a regra não é absoluta. De facto, a norma que proíbe ao empregador, na relação laboral comum, diminuir a retribuição (artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do Código de Trabalho) ressalva os “casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva do trabalho. (…) O que se proíbe, em termos absolutos, é apenas que a entidade empregadora, tanto pública como privada, diminua arbitrariamente o quantitativo da retribuição, sem adequado suporte normativo”.

A garantia da irredutibilidade da retribuição, princípio que surge como garantia do não retrocesso salarial decorrente de acção do empregador,  prevista na legislação infraconstitucional nos artigos 21º, nº 1, al. c), do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), no artigo 122º, al. d), do Código do Trabalho de 2003, e no artigo 129º, al. f) do Código do Trabalho de 2009, que proíbe ao empregador diminuir a retribuição do trabalhador, não é, pois absoluta, absoluta, dela estando excluídos, por força dos preceitos citados, os casos expressamente previstos na lei e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

Nas palavras de Pedro Soares Martinez, Direito do Trabalho, 2015, 7ª edição, Almedina, p. 620, no artigo 129º, nº 1, alínea d), do CT também se admite que a redução salarial advenha de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, apesar destes instrumentos, à excepção da portaria de condições mínimas, poderem prescrever um regime menos favorável para o trabalhador (artº 3º, nº 1, do CT).
Nada obsta, consequentemente, a que, no período que aqui está em causa, os instrumentos de regulamentação colectiva afastem, designadamente para efeitos de remuneração das férias e respectivo subsídio, prestações que comprovadamente assumem, de acordo com as disposições dos artigos 249º, nº 2, do CT 2003 e 258º, nº 2, do CT 2009, natureza retributiva.

Nesse sentido, em situação de contornos muito semelhantes ao caso vertente, depois de em anterior acórdão de 3.7.2019, Procº nº 6122/17.1T8LSB.L1.S1, se ter reconhecido que o subsídio de catamarã assumia naquele caso natureza retributiva e de se ter considerado que o mesmo era devido até à data em que por virtude de alteração do Acordo de Empresa o mesmo deixou de integrar o conceito de retribuição, afirmou-se no acórdão deste Supremo Tribunal de 14.4.2021, Procº nº 8491/18.7T8LSB.L2.S2, que:
“A estipulação feita pelos outorgantes de um Acordo de Empresa, no sentido de que o subsídio de catamaran não integra o conceito de retribuição mensal estabelecido numa outra cláusula desse mesmo Acordo de Empresa, não viola a lei, pois não estamos perante normas de natureza imperativa”.
Entendimento que se inscreve na jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, de que, além dos já citados, é exemplo o acórdão de 27.9.2011, Procº nº 557/07.5TTLSB.L1.S1, com o seguinte sumário:
“I - Em caso de concurso entre as normas constantes do Código do Trabalho/2003 e as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva, a lei permite a intervenção destas últimas, quer em sentido mais favorável aos trabalhadores, quer em sentido menos favorável, apenas se exigindo que as normas do Código do Trabalho não sejam imperativas, pois se o forem, nunca se permitirá a intervenção das normas da regulamentação colectiva.
II - Tendo sido acordado no AE aplicável que durante as férias, e no subsídio de férias, o trabalhador recebia uma retribuição calculada de acordo com o expressamente disposto no respectivo clausulado, não integrando a média das componentes retributivas variáveis, são essas as normas a aplicar e não as regras constantes do Código do Trabalho, independentemente de serem, ou não, mais favoráveis para o trabalhador.
(…)”

Mas, sustentam também os AA. que “auferiam uma remuneração mensal “base” que era por sua vez composta por um valor designado por remuneração base, mais um valor designado por subsídio de disponibilidade mais diuturnidades” e que “independentemente da prevalência ou não, in casu, das normas dos CT sobre as normas equivalentes do AE, entendem os recorrentes que existe suficiente apoio legal, tanto na letra como no espírito da lei, para sustentar a única solução jurídica concreta que realiza a justiça: considerar o valor remuneratório fixo que auferiam mensalmente, independentemente da sua decomposição conceptual, como integrador do conceito de “retribuição base” para efeitos de cálculo do valor da remuneração de férias e respectivo subsídio”.

Não lhes assiste razão. Com efeito,

Depois de o artigo 258º, nº 2, do CT 2009, estabelecer que a retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, o artigo 262º, nº 2, al. a), do mesmo Código, e anteriormente o artigo 250º, nº 2 al. a), do CT 2003 em termos semelhantes, sob a epígrafe “Cálculo de prestação complementar ou acessória” dispõe que se entende por retribuição base a prestação correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho.

Estabelece este preceito o princípio de que, na ausência de disposição legal, convencional ou contratual em contrário, apenas a retribuição base e diuturnidades servirão de base para o cálculo do valor das prestações complementares e acessórias.
Como afirma João Leal Amado, Contrato de Trabalho, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 313, o preceito tem um campo de aplicação bastante dilatado, valendo como chave interpretativa de várias disposições do Código que, a propósito de cálculo de determinadas prestações, se referem, sem mais à retribuição base ou a uma percentagem desta, designadamente o subsídio de Natal, a propósito do qual refere o mesmo autor que “tendo em conta a norma interpretativa adoptada no artigo 262º do CT o “mês de retribuição” de que fala o artº 263º deverá entender-se como abrangendo, não toda e qualquer prestação retributiva devida ao trabalhador, mas apenas a retribuição base.

A retribuição base a que se refere o artigo 262º, nº 2, al. a), do Código do Trabalho, corresponde, pois, como o próprio nome indica, à remuneração, legal ou convencionalmente fixada, devida para a categoria do trabalhador, com exclusão de qualquer outra prestação complementar ainda que de natureza retributiva, servindo a retribuição base como base de cálculo para o apuramento das prestações complementares, estabelecendo esse preceito uma clara distinção entre retribuição base, por um lado, e todas os outros complementos remuneratórios, por outro.

Por seu turno, a terminologia utilizada no AE, não deixando na sua cláusula 25ª margem para dúvida quanto ao que deve entender-se por retribuição base, seja os montantes aí fixados a esse título para as diversas categorias, nas normas referentes à base de cálculo da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, é uma terminologia com sentido técnico jurídico preciso, que corresponde, sem qualquer especificidade, à terminologia, e conceito, do Código do Trabalho.
Ora, como afirma Júlio Vieira Gomes, “Da interpretação e integração das convenções colectivas”, Novos Estudos de Direito do Trabalho, pp 139 e 140, citado pela recorrida, quando uma convenção colectiva utiliza um vocábulo com um sentido técnico preciso no mundo do direito, pode presumir-se que as partes quiseram atribuir-lhe esse significado.

No caso sub judice, como observa a recorrida nas suas contra-alegações, a redacção das normas convencionais do AE de 2008 e 2013 é clara e inequívoca quanto à base de cálculo da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de natal: apenas integram o valor da retribuição base e diuturnidades.

A posição e entendimento dos recorrentes não tem, consequentemente, apoio nem base legal.

A terceira questão suscitada pelos recorrentes, da procedência do pedido relativamente ao ano de 2008, ainda que proporcionalmente, isto é a de que, admitindo o raciocínio decisório do acórdão recorrido no sentido de que no período que antecedeu a publicação do AE de 2008,, sendo aplicáveis as disposições do Código do Trabalho no que se refere à retribuição de férias e subsídio de férias, deveriam os mesmos incluir o valor do período de disponibilidade uma vez que, sustentam os recorrentes, o direito a férias e respectivo subsídio se venceu no dia 1 de Janeiro de 2008, antes, portanto da entrada em vigor do AE.

A retribuição de férias e o respectivo subsídio a que o trabalhador tem direito são aqueles que o trabalhador receberia se trabalhasse normalmente no período em que goza férias, ou seja, como estabelecia o 255º, nº 1, do CT 2003, a retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo, devendo o subsídio de férias ser pago, por regra, antes do início do período de férias.

Não se tendo provado, acrescentando os AA. que em boa verdade nem sequer foi alegado, que os AA. tenham gozado férias antes da entrada em vigor do AE, não pode a sua pretensão proceder, não merecendo, neste particular, o acórdão recorrido qualquer reparo ou censura.

A quarta e última questão suscitada pelos recorrentes é a da procedência do pedido relativamente aos anos de 2016 e 2017, sustentando os recorrentes que nesse período, diversamente do que vinha fazendo em anos anteriores, a recorrida Svitzer lhes pagou no período de férias uma retribuição igual à que lhes pagaria caso estivessem a trabalhar, incluindo o subsídio de disponibilidade, pelo que o subsídio de férias, e natal, deveria ser de igual montante.

Provou-se, contudo, que o pagamento do subsídio de disponibilidade nos anos de 2016 e 2017 correspondeu a uma manifestação de boa vontade da R. para alcançar um consenso negocial com os AA. no âmbito de negociação do acordo de empresa que entrou em vigor em 2018 (ponto o) da matéria de facto provada).

O pagamento assim efectuado pela recorrida, sem corresponder ao cumprimento de uma obrigação legalmente imposta, sem prévia vinculação do empregador, apenas como sinal de boa vontade no quadro das negociações do acordo colectivo então em curso, configura mera liberalidade, um valor atribuído animus donandi, sem obrigatoriedade da sua parte, que não confere aos AA. qualquer direito a esse título.

Improcede, pois, o recurso, sendo de manter, na íntegra, o acórdão recorrido.


IV

Face ao exposto acorda-se em negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo dos recorrentes.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 27 Outubro de 2021

Leonor Cruz Rodrigues (Relatora)

Júlio Manuel Vieira Gomes

Joaquim António Chambel Mourisco