Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
740/20.8T8PTG.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
OBRAS
PAGAMENTO
PREÇO
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO JUDICIAL
DONO DA OBRA
EMPREITEIRO
ACEITAÇÃO DA OBRA
Data do Acordão: 03/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Em contrato de empreitada os trabalhos executados pelo empreiteiro e por este faturados, após elaboração de auto não aceite pelo dono da obra, mas que se provaram ter sido realizados e apenas não aceites por a faturação incluir valores contestados, pode implicar a condenação do dono na obra no dever de pagar o montante que se apure resultar de obras reconhecidas, em face da prova produzida, mesmo que por presunção judicial.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. J... Unipessoal, Lda propôs a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra B... Unipessoal, Lda. e AA.

Pede que, pela procedência da acção, se condene os RR. a pagar à A. a quantia de € 59.515,77, acrescida de juros contados desde 17.12.2018, à taxa comercial até integral e efectivo pagamento, bem como os valores que se apurarem, com referência a todos os danos patrimoniais relacionados com a falta de pagamento do valor supramencionado, a liquidar em execução de sentença, incluindo juros à taxa comercial.

Alega para tal, e em síntese, o seguinte:

Celebrou com a R. um contrato de empreitada, tendo por objecto a realização de obras no imóvel sido em ..., propriedade da 1.ª R., cujo legal representante é o 2.º R.. A obra teve início a 02.11.2017, tendo no acto da adjudicação sido entregues 90.000,00€ e embora no contrato constasse como prazo de execução 8 meses, entre as partes foi acordado que o prazo seria de 12 meses.

No decurso da obra, foram sendo solicitados trabalhos a mais, que a A. realizou.

A A. não entregou a obra concluída a 27/08/2018, sendo que a 17.12.2018, a R. decidiu de forma unilateral rescindir o contrato de empreitada. Sucede que a R. não procedeu ao pagamento do montante 59.515,77€, respeitantes ao auto de medição de Dezembro de 2018. Com a falta de pagamento da quantia supra mencionada, a A. teve dificuldades de tesouraria que acabaram por levar ao incumprimento perante alguns dos seus credores, correndo termos contra si um processo de insolvência. Acresce que procedeu ao despedimento de 8 trabalhadores. Assim não teve possibilidade de fazer contratos de prestações de serviços de obras, por falta de trabalhadores, vendo a sua facturação anual substancialmente reduzida.

Em reunião a R. assumiu em nome da A. a obrigação de pagamento à sociedade CC... o valor de 12.850,00, o que não veio a suceder. Caso a R. tivesse efectuado esse pagamento, a A. não estaria sujeita ao processo de insolvência.

2. Os RR., regularmente citados, contestaram.

Suscitam, a título de questão prévia, que a A. já foi declarada, por sentença, insolvente, devendo o Administrador de Insolvência ser notificado para fazer uso da faculdade prevista no art.º 81.º, n.º 1 do CIRE.

Defendem-se por excepção, invocando a ilegitimidade do 2.º R., uma vez que o mesmo actuou apenas como legal representante da 1.ª R.. Defendem-se igualmente por impugnação, alegando que a A. não realizou integralmente nem com qualidade os trabalhos contratados. Ademais deduzem reconvenção, com base no incumprimento contratual por parte da A., alegando que em face dos defeitos que a obra apresentava, a R. gastou 48.838,87€ na correcção desses defeitos de obra.

Alegam, ainda, que, pelo facto da A. não ter concluído a obra no prazo a que se obrigou, causou à R. um prejuízo que calcula em 17.531,86€, decorrente da inexistência de facturação, bem como 7.263,00€, com aluguer de armazém e despesas com o acompanhamento da obra por parte do arquitecto.

Terminam, pedindo a absolvição da instância do 2.º R., a absolvição do pedido da 1.ª R. e a procedência do pedido reconvencional, e em consequência, a condenação da A. no pagamento à R. da quantia de 76.138,93€.

3. A A. replicou, defendendo-se por impugnação, pedindo a improcedência do pedido reconvencional.

4. Por despacho prolatado nos autos, o tribunal a quo convidou a A. a aperfeiçoar a petição inicial, o qual foi aceite, tendo sido apresentado novo articulado.

Devidamente notificados para o efeito, os RR. responderam a esse articulado.

5. Proferiu-se despacho saneador, tendo sido julgada procedente a excepção de ilegitimidade do 2.º R., o qual, consequentemente, foi absolvido da instância.

Admitiu-se a reconvenção.

Fixou-se o objecto do litígio e elencaram-se os temas da prova.

Admitiram-se os meios de prova e agendou-se a audiência de discussão e julgamento.

6. Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgando a acção improcedente, por não provada e, o pedido reconvencional, parcialmente procedente, por parcialmente provado:

a) Absolveu a B... Unipessoal, Lda de todo o peticionado pela Autora J..., Unipessoal, Lda;

b) Condenou a Autora J..., Unipessoal, Lda a pagar, à B..., Unipessoal, Lda:

a. A quantia de 9.296,50€ (nove mil, duzentos e noventa e seis euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros moratórios, contados desde a citação até integral pagamento, à taxa legal;

b. A quantia de 7.960,20€ (sete mil, novecentos e sessenta euros e vinte cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado da presente sentença;

c) Absolveu a Autora do demais peticionado; (…)”.

7. A A./Reconvinda não se conformando com a sentença prolatada, dela interpôs recurso de apelação.

8. O Tribunal da Relação conheceu do recurso, em que houve impugnação da matéria de facto, e decidiu:

Pelo exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação de Évora em conceder parcial provimento à apelação, revoga-se parcialmente a sentença apelada e, em consequência:

- condena-se a apelada, B... Unipessoal, Lda., a pagar à apelante, J..., Unipessoal, Lda., a quantia de € 38.068,26, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados às taxas de juro comerciais sucessivamente vigentes, desde 17 de Dezembro de 2018;

- Mantem-se, nomais, a sentença apelada;

- Indefere-se o pedido de condenação da apelante como litigante demá-fé.

As custas do presente recurso serão suportadas pela apelada na proporção de 2/3, sendo que no mais, sem custas por delas a apelante estar isenta.

Registe.

9. B... Unipessoal, Lda., Ré, notificada do Acórdão (com Ref.ª ...15) e com ele não se conformando, veio apresentar recurso de revista,  “nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 671.º, alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 674.º, e n.º 1 do artigo 675.º, todos do Código de Processo Civil (doravante denominado por “CPC”), (…) com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, nos termos do n.º 1 do artigo 675.º e 676.º do CPC (…).”

Nas conclusões do recurso consta (transcrição):

I.    A Autora propôs a presente acção declarativa contra a Ré, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 59.515,77 (acrescida de juros), na sequência do contrato de empreitada celebrado entre as Partes.

II. A douta Sentença da 1.ª Instância absolveu a aqui Ré de todo o peticionado e condenou a Autora a pagar à Ré o seguinte, julgando parcialmente procedente o pedido reconvencional: a) A quantia de 9.296,50€, acrescida de juros moratórios, contados desde a citação até integral pagamento, à taxa legal;

b) A quantia de 7.960,20€, acrescida de juros moratórios, contados desde o trânsito em julgado da presente sentença.

IV. A Autora interpôs Recurso sobre esta douta Decisão, tendo o douto Tribunal a quo revogado parcialmente a Sentença da 1.ª Instância e, em consequência, condenado a Ré a pagar à autora “a quantia de € 38.068,26, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados às taxas de juro comerciais sucessivamente vigentes, desde 17 de Dezembro de 2018”, cf. douto Acórdão Recorrido.

V.   Fê-lo em expressa contradição com a douta Sentença da 1.ª Instância e com os fundamentos legais e cabais nela apresentados, pois resulta dos factos provados o seguinte, cf. douta Sentença da 1.ª Instância e Acórdão Recorrido:

“(…)13) Foi acordado que o primeiro auto parcelar de obra seria apresentado pela autora, à ré, trinta dias após a data de início da obra, a fim de ser objecto de aprovação por parte desta;

14) Mais se acordou que até ao final de cada mês, e na sequência da aprovação do respectivo auto pela ré, a autora emitiria a factura correspondente apresentando-a a pagamento que deveria ter lugar no prazo máximo de cinco dias após a sua recepção (APA); (…)

22) Relativamente aos trabalhos executados, autos aprovados e não aprovados ocorre o seguinte: (…) e) Auto de Dezembro de 2018, não aprovado pelas partes, no valor de 59.031,37€, com data de 10.12.2018; (…)

(…)

27) A Autora apresentou à ré o auto de medição de Dezembro de 2018, no valor de 59.031,37€, o qual veio a ser corrigido pelo dono de obra, a 14/01/2019, para o valor de 38.068,28€, e que se encontra por liquidar;”[negritos e sublinhados nossos]

VI. Consta ainda do artigo 33.º da Petição Inicial o seguinte, que se transcreve infra:

“Ficou pendente, pois, o pagamento por parte dos Réus à Autora, com referência aos autos de Dezembro de 2018, não aprovado pela 1ª. Ré, o valor total de 59.031,37€ e um auto de trabalhos a mais de Dezembro de 2018, no valor de 484,40 € (Doc. nº. 18), totalizando a quantia de 59.515,77 €;”[sublinhados e negritos nossos]

VII. A própria Autora, em sede de Alegações de Recurso da Sentença proferida em 1.ª Instância, admitido o seguinte, cf. Alegações de Recurso:

“O que o Tribunal a Quo sempre pretendeu neste processo e que caberia à ora Apelante por ter efetuado o pedido, seria de definir com rigor e exatidão quais as obras que tinha realizado e os custos pelas mesmas considerando o pedido. Porém, com o decurso do processo judicial a prova carreada para os autos, documental e testemunhal, revelou-se uma tarefa impossível (…) A ora Apelante referiu sempre nos autos que a ora Apelada não aprovou esse auto, no entanto recorreu às declarações de parte, e nesse âmbito o seu legal representante confirmou que o auto que consta na PI é o por si corrigido e por si assinado, apesar de referir que não aceita o mesmo.”[sublinhados e negritos nossos]

VIII. A Autora reconheceu que nunca alegou os factos que pretendeu ver como provados – os “trabalhos efectivamente realizados e não pagos” – reiterando que a Ré não aprovou o auto de medição no qual a Autora tentou sustentar o seu pedido, facto que foi reiterado pelo legal representante da Ré em sede de declarações de parte.

IX. À revelia de toda a base factual e legal aplicável, o douto Tribunal a quo decidiu condenar a aqui Ré, afirmando o seguinte, cf. douto Acórdão Recorrido:

“(…) Em primeiro lugar, a apelante alegou a realização dos trabalhos inscritos no referido auto (cfr. art.º 31.º da petição inicial). (…) Resulta, de resto, dos factos provados que os trabalhos em causa foram executados (cfr. ponto n.º 22 do elenco factual).”

X.      Consta do artigo 31.º da Petição Inicial o seguinte:

“Relativamente aos trabalhos executados, autos aprovados e não aprovados consta o seguinte: (…) e) Auto de Dezembro de 2018 não aprovado pelas partes, no valor de 59.031,37 € com data de 10.12.2018, (Doc. nº. 13); (…)”[negrito e sublinhados nossos]

XI. Foi a própria Autora a referir que o auto em apreço nãofoiaprovado eem parte alguma no artigo 31.º da Petição Inicial foram alegados os trabalhos efectivamente realizados, pelo que não se compreende a afirmação do douto Tribunal a quo.

XII. O que consta do Ponto 22 dos factos provados em sede de Sentença da 1.ª Instância, acima transcrito, refere apenas o valor das facturas emitidas e as quantias entregues, sendo expressamente referido que o Auto de Dezembro de 2018 não foi aprovado pelas partes, não sendo elencados quaisquer trabalhos.

XIII. Não só não foram alegados os trabalhos a que o Auto diz respeito como resulta provada a falta de aceitação do mesmo, sendo inclusive alegada a falta de aceitação pela própria Autora!

XIV. Seria de perguntar ao douto Tribunal a quo qual a relevância, no seu entendimento, da não aceitação de um auto, pois parece que para o douto Tribunal a quo tal não tem qualquer valor jurídico, pois embora o dito auto tenha sido corrigido pelo gerente da Ré, tal correcção nunca poderia importar a sua aprovação, visto que, com o desenrolar da obra, detectou muitas outras incorrecções.

Vejamos,

XV.    Dispõe o n.º 2 do artigo 1211.º do Código Civil, aplicável aos contratos de empreitada, que “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.”[negritos nossos]

XVI. Não consta dos factos provados a realização dos trabalhos pelos quais seria devido o pagamento do preço, e consta explicitamente dos factos provados que inexistiu aceitação do auto em causa.

Surpreendentemente,

XVII. Vem o douto Tribunal a quo referir o seguinte, cf. douto Acórdão Recorrido:

“Assim, se é certo que a apelante não invocou os concretos trabalhos constantes desse auto de medição, torna-se claro que inexistem quaisquer dúvidas quanto à sua efectiva realização pela A.

Por seu turno, atenta o teor da estipulação (cfr. pontos n.ºs 12 e 14 do elenco factual) atinente à realização dos pagamentos mensais acordados (a qual se insere na liberdade contratual que, a respeito do pagamento do preço da obra, a lei concede aos contratantes no n.º 2 do art.º 1211.º do Cod. Civil), é patente que a exigibilidade das correspondentes fracções do preço dependia apenas da apresentação de autos parcelares por parte da apelante e da sua aprovação pela apelada.

Era, por isso, absolutamente dispensável conhecer o concreto teor desse auto para que, nos termos contratados, se impusesse à apelada a realização do pagamento a ele respeitante.

Na confluência destas considerações, torna-se claro que o descumprimento do falado ónus de alegação é absolutamente inócuo, não determinando, pois, a denegação da pretensão da apelante quanto ao pagamento. Sustentar o contrário seria, ao fim e ao cabo, admitir que uma decisão tomada nesses moldes se encontrava em flagrante contradição quanto ao facto provado no ponto n.º 22 do elenco factual, apta, por isso, a gerar nulidade sentencial (primeira parte da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC).

Nessa medida, impõe-se constatar que a apelada se encontra em mora quanto ao pagamento do montante de € 38.068,26, já que foi esse o valor dos trabalhos executados no decurso do mês de Dezembro de 2018 que se mostram aprovados pela Ré.

Advoga a apelada que a correcção introduzida não importa a aprovação desse auto.

Tal asserção apenas pode ser aceite relativamente à diferença entre o valor global dos trabalhos inscritos nesse auto e o montante corrigido. É que, como bem se perceberá, se a R., confrontada com aquele auto de medição, não entendeu efectuar correcções de valor superior a € 38.068,26, é porque se conformou com os valores apresentados pela realização daqueles trabalhos e/ou com a inexistência de imperfeições que justificassem outras correcções.”

XVIII. O douto Tribunal a quo, quanto à realização dos trabalhos em apreço, ao considerar que “inexistem quaisquer dúvidas quanto à sua efectiva realização pela A.”, está a reapreciar a matéria de facto, estando a aditar factos aos factos provados, que nem foram alegados, sobre eles não tendo incidido qualquer prova, nem tão-pouco sido exercido o contraditório pela Ré.

XIX. Não tendo o douto Tribunal de 1.ª Instância considerado provados os trabalhos em apreço, nunca poderia o douto Tribunal a quo vir considerá-los provados, não estando sequer dentro do âmbito do objecto do Recurso, conforme delimitado pela Autora, outrora Apelante em sede de 2.ª Instância.

XX.   Dispõe a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC o seguinte, aplicável ex vi do n.º 1 do artigo 666.º do mesmo Código, que é nula a sentença quando o juiz “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. [negritos e sublinhados nossos]

XXI.  Tal é corolário do princípio do dispositivo, previsto no artigo 5.º do CPC, que atribui às partes a iniciativa e o impulso processual, decorrendo ainda da parte final do n.º 2 do artigo 608.º, ex vi do n.º 2 artigo 663.º, ambos do CPC, não podendo o douto Acórdão aqui Recorrido “ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

XXII. Sobre a nulidade da Decisão por excesso de pronúncia, entendeu este douto Tribunal ad quem, em Acórdão de 29/11/20052, nos termos que infra se transcreve:

“(…) É a violação daquele dever que torna nula a sentença e tal consequência justifica-se plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia se traduz, ao fim e ao cabo, em denegação de justiça e o excesso de pronúncia na violação do princípio dispositivo que contende com a liberdade e autonomia das partes.” [negritos e sublinhados nossos]

XXIII. Só nas situações previstas no n.º 2 do artigo 662.º do CPC é que o Tribunal da Relação poderia modificar, oficiosamente, a matéria de facto, devendo ordenar nova produção de prova, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo.

XXIV. Termos em que é patente a nulidade da Decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do n.º 1 do artigo 666.º do mesmo Código.

Ainda que assim não se entendesse, o que apenas por mero dever de patrocínio se admite,

XXV. Nunca poderiam considerar-se provados os ditos “trabalhos realizados” pelo simples facto de nunca terem sido alegados, não podendo sobre estes incidir qualquer prova, nos termos do artigo 410.º do CPC.

XXVI. Ora, nos termos do artigo 411.º do CPC, que consagra o princípio do inquisitório: “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.” [sublinhados nossos]

XXVII. Quanto aos factos que poderiam ser considerados pelo Tribunal além dos factos alegados pelas partes, dispõe o n.º 2 do artigo 5.º do CPC e, ainda, o artigo 412.º do mesmo Código.

XXVIII. É inédito o entendimento do douto Tribunal a quo de que é “inócuo” o incumprimento do ónus de alegação da Autora, não tendo qualquer correspondência legal.

Isto porque,

XXIX. Se a Autora pretendia ver o seu pedido procedente, não basta a prova da existência do contrato de empreitada e a existência de um auto de medição, que a própria indica não ter sido sequer aceite pela Ré.

XXX. Os supostos “trabalhos executados” teriam de ser considerados provados, mas antes teriam de ser devidamente discriminados quanto ao seu conteúdo e quando ao custo que acarretaram, enquanto factos essenciais.

XXXI. Como poderia o douto Tribunal a quo considerar ser bastante a apresentação de um auto de medição que expressamente reconhece não ter sido aceite pela Ré, sem mais?

XXXII. Em estrita contradição consigo mesmo, o douto Tribunal a quo considera não ser devido, pela Ré, o pagamento dos valores referentes a supostos “trabalhos a mais” realizados pela Autora, apresentando a seguinte justificação, cf. douto Acórdão Recorrido:

“Acresce, enfim, que nada se alegou relativamente à aceitação, pela apelada, dos trabalhos a mais no valor de € 484,00 que por ela terão sido realizados, pelo que tal montante não é devido.”[negritos e sublinhados nossos]

XXXIII. É patente o erro na aplicação da lei substantiva e processual, a falta de coerência na fundamentação apresentada e absurda a justificação apresentada para a condenação da Ré, pois para o douto Tribunal a quo os “trabalhos a mais” e respectiva aceitação estão sujeitos ao ónus de alegação, mas os trabalhos referentes ao Auto de Dezembro de 2018, não aceite pela Ré, já não obedecem ao mesmo regime legal.

Ora,

XXXIV. O contrato de empreitada tem como essência a realização de uma obra, mediante certo preço (cf. artigo 1207.º do Código Civil), estando este último vinculado à efectiva realização da obra, o que não é provado apenas mediante a junção de uma factura ou de um auto de medição que, além de não discriminar os trabalhos realizados, nem sequer foi aceite.

XXXV. Dispõe o n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil o seguinte: “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.

XXXVI. Ainda, referente ao ónus de alegação das partes, dispõe o n.º 1 do artigo 5.º do CPC o seguinte: “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.”

XXXVII. Conforme consta da douta Sentença da 1.ª Instância, para cuja fundamentação de Direito aqui se remete, cf. douta Sentença: “Analisado o auto em causa é possível apurar quais os trabalhos que a Autora “mediu” e o valor que lhes atribuiu. No entanto, como a Ré não aprovou esse auto, impunha-se à Autora um cuidado acrescido com a alegação e prova desses factos, o que no caso não ocorreu.”[negritos e sublinhados nossos]

Ora,

XXXVIII. Nos termos do regime aplicável à empreitada, previsto nos artigos 1207.º e seguintes do Código Civil, o pagamento do montante peticionado apenas se justificaria mediante a realização de uma obra pela Autora, devendo ser alegados os trabalhos concretos realizados.

XXXIX. Cabendo o ónus de alegação e da prova à Autora, e tendo em conta que os factos essenciais foram considerados não provados (além de nem terem sido devidamente alegados, pelo que nunca poderiam ser considerados provados), nunca seria válida, à luz de princípios basilares de Direito, uma decisão contrária à Decisão proferida pelo douto Tribunal de 1.ª Instância.

XL.   Entendimento contrário, sempre seria uma violação grave do princípio do contraditório, previsto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, não tendo sido dada possibilidade à Ré de se pronunciar sobre factos que serviram de fundamento à Decisão (trabalhos considerados realizados pelo Tribunal a quo), não tendo sido sequer alegados.

Mais,

XLI. O auto de medição em apreço não foi aceite pela Ré, pelo que é patente a sua discordância com o valor constante do mesmo, sendo veemente impugnado pela Ré, não tendo a correcção efectuada pelo legal representante da Ré revestido carácter final, pois após a intervenção da Autora na obra foram detectados inúmeros defeitos, alvo dereparação posterior por outras empresas, e trabalhos por executar, conforme consta dos Pontos 38, 39, 42, 50 da Fundamentação de Facto da douta Sentença da 1.ª Instância.

XLII. Ou seja, houve necessidade de fazer mais correcções que, inexoravelmente, conduziriam a um valor negativo, nada sendo devido pela Ré, e tanto assim é que a própria Autora sempre referiu que o auto não foi aprovado pelas partes, pois as correcções que foram feitas não eram definitivas.

XLIII. Se assim não fosse, por que motivo a própria Autora alegaria que o auto não foi aprovado pela Ré?

XLIV. Mas, mais grave, é que o Tribunal a quo, ao considerar provado que os trabalhos não alegados foram realizados, viola flagrantemente o princípio do contraditório, princípio basilar do Direito Processual Civil e com total suporte legal e constitucional, não tendo havido oportunidade para a Ré se pronunciar sobre a sua execução em sede de contestação.

XLV. Face ao supra exposto, a conclusão que o douto Tribunal a quo retira, considerando provada a realização dos trabalhos, é totalmente ilógica e contrária à legislação, pelo que deverá ser revogado o douto Acórdão em apreçonaparte relativa à condenação da Ré, mantendo-se na íntegra a Decisão proferida pelo douto Tribunal de 1.ª Instância.

Caso assim não se entenda, o que apenas por mera cautela se admite,

XLVI.  Na eventualidade de não se declarar nulo ou de se revogar o douto Acórdão, mantendo-se a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 38.068,26 (acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos), sempre se requer, observados os requisitos previstos no artigo 847.º do Código Civil, que seja declarada a compensação de créditos, nos termos do artigo 848.º do mesmo Código, entre o eventual crédito da Autora e os créditos da Ré, cujas quantias abaixo se indicam, cf. douta Sentença da 1.ª Instância:

a) 9.296,50€ (nove mil, duzentos e noventa e seis euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros moratórios, contados desde a citação até integral pagamento, à taxa legal;

b) 7.960,20€ (sete mil, novecentos e sessenta euros e vinte cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado da douta Sentença da 1.ª Instância.

Em suma,

XLVII. O douto Acórdão Recorrido é nulo, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi do n.º 1 do artigo 666.º do mesmo Código, tendo ainda violado a lei substantiva constantes do n.º 1 do artigo 342.º e 1207.º e ss., todos do Código Civil, e a lei de processo prevista no n.º 3 do artigo 3.º, artigo 5.º, n.º 2 do artigo 608.º, ex vi do n.º 2 do artigo 663.º, e artigo 662.º, todos do CPC.


10. Não foram apresentadas contra-alegações.


11. As nulidades imputadas ao acórdão recorrido foram objecto de conhecimento pelo Tribunal recorrido, em conferência, tendo sido considerado que não eram procedentes.


12. Foi proferido despacho a admitir o recurso onde consta:

“A decisão impugnada é recorrível e a recorrente tem legitimidade para recorrer (n.º 1 do art.º 629.º, n.º 1 do art.º 630.º a contrario e n.º 1 do art.º 631.º, do CPC).

O recurso foi tempestivamente interposto, a recorrente está regularmente patrocinado (n.º 1 do art.º 638.º e al. c) do n.º 1 do art.º 40.º, do CPC) e foi paga a taxa de justiça.

Mostram-se juntas as necessárias alegações, tendo sido formuladas as respectivas conclusões (n.ºs 1 e 2 do art.º 639.º e n.º 2, al. c) do CPC).

O recurso interposto é de revista, sobe nos próprios autos e tem efeito devolutivo (art.ºs 671.º, 675.º, n.º 1 e 676.º, n.º 1, a contrario, do CPC).

Nestes termos admito o recurso interposto por B..., Unipessoal, Ld.ª. Notifique.”


Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.

II. Fundamentação

De Facto

13. Na sentença recorrida, foram considerados provados os seguintes factos:

1. A Autora é uma sociedade comercial, unipessoal cujo objecto social consiste na construção civil de edifícios residenciais e não residenciais e outras actividades de limpeza não específicas;

2) Prosseguia a sua actividade sob a forma de sociedade comercial unipessoal e tinha à data dos factos em discussão, como único sócio e gerente, o Sr. BB;

3) É detentora do Alvará de Construção Civil nº. 70...0 – PUB, de 19.02.2014, emitido pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P.;

4) A 1º R. é uma sociedade comercial, unipessoal, cujo objecto social consiste no turismo em espaço rural, alojamento mobilado para turistas, organização de eventos, actividades de animação turística, diversão, recreativas e desportivas, entre outras;

5) No âmbito da sua actividade e em virtude do Contrato de Arrendamento celebrado com o 2º R., já junto aos presentes autos como Doc. nº 3, a 1º R. pretendia promover uma recuperação profunda ao prédio urbano datado do Séc. XVIII que lhe foi dado de arrendamento pelo aqui 2º RR., sito na Praça ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana com o artigo 98º e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o nº 207 da freguesia ..., a fim de desenvolver a sua exploração comercial para alojamento local;

6) No âmbito do seu objecto social, a Autora foi procurada por AA durante o ano de 2016 a fim apresentar orçamento para realização de obras num imóvel sito na Praça ..., ..., em ...;

7) Para a sua elaboração, AA entregou à autora um caderno de encargos do qual constavam o volume e o tipo de obras a serem levadas a cabo, com plantas constantes do Anexo II e mapa de equipamentos constantes do Anexo III, tendo resultado o acerto final da denominada Proposta Orçamental nº. 50 / 2016 C – Revisão 1 / 01 / 06 / 2017, pelo valor total de € 211.336,20, sem IVA - conforme documento nº 3 apresentado com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido - porquanto o IVA de início até final da obra era e foi liquidado pela ré;

8) A autora foi informada por AA que a dona da obra era a sociedade ré, por o imóvel se encontrar inscrito e registado em seu nome;

9) Em 7 de Agosto de 2017, a autora e a ré assinaram o denominado “Contrato de Empreitada”, apresentado pela autora sob documento nº 4, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

10) O objecto do contrato consistiu na execução de obras de recuperação e reconstrução a realizar no prédio urbano sito na Praça ..., ..., em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o Artigo 98, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº. 207 daquela freguesia, e onde a ré tem a sua sede instalada;

11) Previa-se na alínea a), do nº. 1, da cláusula 3ª, daquele contrato, que com a adjudicação e após a sua assinatura, a entrega por parte da ré, à autora, da quantia de € 90.000,00, correspondente ao primeiro pagamento do valor global da empreitada e segundo o descrito no Anexo I do contrato, efectivamente pago através da entrega do cheque nº. ...77, sacado sobre a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo no dia 7 de Agosto de 2017;

12) Previu-se, nos termos da alínea b), daquela mesma cláusula, mensalmente, mediante a apresentação de autos parcelares de execução de obra, a ré pagaria à autora o montante correspondente à soma dos trabalhos realizados do mês a que o auto dissesse respeito, conforme nele discriminado, deduzido do montante correspondente ao primeiro pagamento recebido no momento da adjudicação;

13) Foi acordado que o primeiro auto parcelar de obra seria apresentado pela autora, à ré, trinta dias após a data de início da obra, a fim de ser objecto de aprovação por parte desta;

14) Mais se acordou que até ao final de cada mês, e na sequência da aprovação do respectivo auto pela ré, a autora emitiria a factura correspondente apresentando-a a pagamento que deveria ter lugar no prazo máximo de cinco dias após a sua recepção (APA);

15) Nos termos do nº. 3, da cláusula 4ª, do mesmo contrato, previa-se o início dos trabalhos para o dia 2 de Novembro de 2017, se outra data antes não fosse possível(APA);

16) A obra iniciou-se no dia 2 de Novembro de 2017 (APA);

17) Nos termos do nº. 1, da cláusula 4ª, do dito contrato, o prazo de execução da obra ficou consignado em oito meses, o que representaria a finalização dos trabalhos e entrega da mesma no dia 2 de Julho de 2018 (APA);

18) Também no âmbito do nº. 6, da cláusula 4ª., daquele mesmo contrato, o prazo previsto para entrega da obra poderia estar sujeito a alterações por vontade e acordo entre as partes, concretamente, quando houvesse alterações aos trabalhos contratados, devendo tais alterações serem reduzidas a escrito com a revisão ao Anexo I, devidamente assinada por Dono da Obra e Empreiteiro (APA);

19) De acordo com a cláusula 8ª do contrato, a falta de cumprimento de alguma ou de algumas obrigações assumidas constitui a outra no direito de rescindir, bastando para o efeito remessa de carta registada com aviso de recepção para o domicílio da outra parte com a comunicação da rescisão e o motivo da mesma, sem prejuízo da responsabilidade civil e indemnização pelos prejuízos causados, quando a ela haja lugar (APA);

20) A Autora não entregou a obra concluída na segunda data prevista, ou seja, em 26 de Julho de 2018;

21) Em 17 de Dezembro de 2018 a ré decidiu, de forma unilateral, rescindir o sobredito contrato com a autora, conforme documento apresentado com a petição sob o nº 12, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

22) Relativamente aos trabalhos executados, autos aprovados e não aprovados ocorre o seguinte: a) A entrega por parte da ré, à autora, da quantia de 90.000,00€, em 7 de Agosto de 2017; b) Auto de Abril de 2018 aprovado pelas partes, no valor de € 54.331,99, com data de 05.04.2018, que deu origem à emissão da factura ...7 de 23.04.2018, no valor de 35.000,00€, pagos através do cheque nº. ...84; c) Auto de Setembro de 2018 aprovado pelas partes, no valor de 75.019,07€, que deu origem à emissão da factura ...2, no valor de 35.000,00€, paga, todavia em Junho de 2018; d) Ainda no seguimento do auto de Setembro de 2018, foi paga a quantia de 25.956,41€, em Setembro de 2018; e) Auto de Dezembro de 2018, não aprovado pelas partes, no valor de 59.031,37€, com data de 10.12.2018; f) assim tendo sido pagos à autora, por conta da obra, o valor total de 185.956,41€(APA);

23) Por, nos meses de Março e Abril de 2018, ter chovido em abundância, constataram as partes que o imóvel estava a ser alvo de infiltrações pela cobertura, não estando previstos quaisquer trabalhos para a sua reparação, o que obrigou a serem determinados e acordados esses trabalhos;

24) Pela aludida substituição da cobertura foi acordado entre a Autora e o legal representante da Ré o valor de 16.000,00€;

25) Foi acordado que a entrega da obra ficaria para o dia 27.07.2018;

26) Foram ainda realizados outros trabalhos a mais, que se passam a discriminar:

a. Drenagem exterior na periferia do edifício, abertura de valas, caleiras, impermeabilização, drenos (DP);

b. Execução de laje de madeira do compartimento 7 e montagem de escada de alçapão;

c. Montagem de túnel de luz desde a cobertura até wc no piso 2;

d. Montagem de reforços com elementos metálicos Vãos V7, V8 e Pi6, reforço de cantaria com cantoneira, bem como a montagem de uma viga de 7ml no teto do hall do piso 0;

e. Tratamento de parede exterior do alçado lateral direito e sua pintura;

f. Correcção com recurso a desgaste das cantarias antigas a manter nos vãos V15, V22, V24, V25, V12, V13, V28, V21, V14, V7, V8, V9, V5, por forma a corrigi-las para receber os vãos pretendidos;

g. Trabalhos de alargamento de compartimento existente ao nível do piso 0;

h. Execução de rodapé em argamassa esgrafitada nas escadas do compartimento 1;

i. Alteração de orientação de equipamentos no wc do piso 0 (IS 6), incluindo demolição do que já se encontrava pronto, novos trabalhos de acabamentos, trabalhos em infra-estruturas como águas, esgotos, electricidade e climatização com pavimentos radiantes que tiveram de ser novamente encomendados e que só para estarem disponíveis, entre a sua encomenda e a entrega mediou pelo menos uma semana;

j. Execução de ventilação no compartimento 7;

k. Armário novo no compartimento 20 no corredor;

27) A Autora apresentou à ré o auto de medição de Dezembro de 2018, no valor de 59.031,37€, o qual veio a ser corrigido pelo dono de obra, a 14/01/2019, para o valor de 38.068,28€, e que se encontra por liquidar;

28) A Autora tinha no dia 17.12.2018 um quadro com 13 trabalhadores incluindo o aqui sócio gerente;

29) Em reunião de 14.12.2018 assumiram os Réus em nome da Autora o pagamento à sociedade comercial CC... da quantia que esta lhe devia por conta da obra, no valor de 12.850,00 €;

30) O que na realidade não sucedeu porque os Réus vieram invocar que também tinham danos de valor superior;

31) A Autora tinha, à data da entrada da petição inicial, um passivo total de 124.505,63 €, repartido por 73.729,84 € a fornecedores; 50.706,14 € à Segurança Social e 69,65 € às Finanças;

32) A facturação que apresentava: No ano 2016, a quantia de 374.568,20 €; No ano 2017, a quantia de 444.769,17 €; No ano 2018, a quantia de 423.257,35 €; No ano 2019, a quantia de 94.763,26 €; No ano de 2020 período de 01.01.2020 até 30.06.2020 a quantia de 4.263,50 €;

33) A A. foi declarada insolvente por sentença já transitada em julgado, no pretérito dia 05/08/2020, no âmbito do processo n.º 430/20...., que correu termos no Juízo de Competência Genérica ...;

34) O Director de Obra e Orçamentista contratado pela A. – Sr. Engenheiro CC – nunca realizou qualquer cronograma da obra, apesar de a 1º R. o ter solicitado;

35) O 1º R. sempre pugnou pela elaboração e envio dos autos de medição;

36) A A. reiterou a entrega da obra à 1º R., a 27/07/2018, por email datado de 09/05/2018;

37) A obra encontrava-se atrasada não só pela contratação de trabalhos adicionais, mas principalmente pela falta de pagamento aos subempreiteiros, que deixaram de se interessar na continuação e conclusão dos trabalhos, acabando por não comparecer na obra;

38) Quanto aos trabalhos de carpintaria haviam tido já atrasos, e comportavam defeitos, que acabaram na entrega em obra de peças inacabadas e mal dimensionadas, já no decorrer do mês de Novembro de 2018;

39) Tendo a 1º R. por forma a rectificar, solucionar e concluir esta parte da obra, adjudicado os trabalhos desta especialidade à empresa A..., Lda., que se reflectiu num custo no valor de € 5.673,27 (cinco mil seiscentos e setenta e três euros e vinte e sete cêntimos);

40) Quanto aos granitos, a 1º R. havia contratado este material com a referência “Amarelo Gáfete” tendo a A. decidido aplicar, granitos com a referência “Amarelo Figueira”;

41) Esta deixou claro que apenas aceitaria aquele material desde que não existisse uma alteração de preço;

42) Quanto aos microcimentos, devido a infiltrações nas bancadas das casas de banho, que precisavam de reparação, a 1º R. entregou a execução destes trabalhos à empresa D... Lda., dos quais, resultou um custo no valor de € 6.835,39 (seis mil oitocentos e trinta e cinco euros e trinta e nove cêntimos);

43) No que concerne aos envidraçados interiores, os trabalhos desta especialidade foram adjudicados pela A. à empresa M..., Lda., pelo valor de € 2.756,92 (dois mil setecentos e cinquenta e seis euros e noventa e dois cêntimos), porém, à data da resolução do Contrato, estes trabalhos encontravam-se ainda por executar;

44) Pelo que, dispensou mais verbas, acabando por ter um sobre custo no valor de € 6.758,70 (seis mil setecentos e cinquenta e oito euros e setenta cêntimos);

45) Uma vez que, a empresa à qual os trabalhos de electricidade, AQS, ITED, Rede e TV, haviam sido adjudicados no âmbito do Contrato de Empreitada, deixou de comparecer em obra devido à falta de pagamento por parte da A.;

46) Teve, a Ré, de assumir o pagamento de todos os trabalhos adjudicados desde a resolução do Contrato de Empreitada em diante à mesma empresa – C... Lda. – que lhe confirmou a sua disponibilidade para retomar os trabalhos, desde que, numa relação directa com a 1º R;

47) O que originou à 1º R., um custo no valor de € 13.960,82 (treze mil novecentos e sessenta euros e oitenta e dois cêntimos);

48) A construção do telheiro exterior, contratada à A. pelo valor inicial de € 4.850,54 (quatro mil oitocentos e cinquenta euros e cinquenta e quatro cêntimos), ficou inacabada, tendo o 1º R. sido obrigado a consultar outras empresas que executassem tal trabalho;

49) Pelo que, esta especialidade foi adjudicada à empresa M... Construções Unipessoal, Lda., tendo a Ré suportado o custo de € 15.610,69 (quinze mil seiscentos e dez euros e sessenta e nove cêntimos);

50) Não se encontrando também executados os trabalhos de ligação à rede pública de Esgotos e que já haviam, inclusive, sido cobrados pela A. em Abril de 2018, a 1º R teve ainda de suportar um novo sobre custo no valor de € 475,70 (quatrocentos e setenta e cinco euros e setenta cêntimos);

51) A 1º R., teve ainda de suportar custos com um armazém para conservar e guardar materiais, mobiliário e equipamentos que lhe iam chegando dos fornecedores, para recheio e composição do imóvel;

52) Assim, a 1º R. suportou o custo, com o referido armazém, referente aos meses de Julho de 2018 e Julho de 2019, no valor de € 7.263,00 (sete mil duzentos e sessenta e três euros);

53) E ainda, quanto à empresa de Arquitectura – N... – a 1º R. teve de estender os seus serviços nos meses posteriores a Julho de 2018, tendo tido um sobre custo no valor de € 2.029,50 (dois mil e vinte e nove euros e cinquenta cêntimos);

54) Em 2019 a Ré facturou com estadias os seguintes valores: 3595,00€, em Janeiro; 1895,00€, em Fevereiro; 2812,00€, em Março; 2211,00€, em Abril; 1759,00€, em Maio; 4403,00€, em Junho; 3218,00€, em Julho; 1047,00€, em Agosto; 2609,00€, em Setembro; 2284,00€ em Outubro; 701,00€, em Novembro; 1458,00€, em Dezembro.

14. Factos não provados:

a) O legal representante da Ré exerceu pressão sobre a Autora para a importância da conclusão dos trabalhos antes do baptizado do seu segundo filho;

b) Na realização dos trabalhos descritos em 26), a. estiveram afectos 3 homens, durante 3 semanas;

c) Tivesse sido realizado como trabalho a mais o fornecimento e montagem de caleiras em alumínio em todos os beirados e tubagem enterrada para as águas provenientes das coberturas (estiveram afectos à mesma 1 homem durante 3 dias);

d) Tivesse sido realizado como trabalho a mais o levantamento e reposição de calçadas em toda a travessa que ladeia o alçado lateral esquerdo (estiveram afectos à mesma 3 homens durante 2 dias);

e) Tivesse sido realizado como trabalho a mais o barramento e tratamento de paredes interiores ao nível do piso 0, com argamassas de impermeabilização prévias a qualquer reboco (estiveram afectos à mesma 4 homens durante um mês e meio);

f) Na realização dos trabalhos descritos em 26), b. estiveram afectos à mesma 2 homens durante 2 dias;

g) Na realização dos trabalhos descritos em 26), c. estiveram afectos à mesma 2 homens durante uma semana;

h) Na realização dos trabalhos descritos em 26), d. estiveram afectos à mesma 2 homens durante 4 dias;

i) Tivesse sido realizado como trabalho a mais trabalhos de apoio a alteração de infraestruturas eléctricas, comunicações e videovigilância (estiveram afectos à mesma 1 homem durante 2 dias);

j) Tivesse sido realizado como trabalho a mais a montagem de cantoneiras de inox nas transições dos pavimentos de todos os quartos para wc's (estiveram afectos à mesma 2 homens durante 1 dia); O pp BB disse que não era trabalho a mais

k) Na realização dos trabalhos descritos em 26), d. estiveram afectos à mesma 2 homens durante 2 dias;

l) Tivesse sido realizado como trabalho a mais áreas de estuque interiores aumentadas em 64,70 m2 em relação ao caderno de encargos contratualizado (estiveram afectos á mesma 4 homens durante 3 dias);

m)Tivesse sido realizado como trabalho a montagem de cantarias em locais não previstos nomeadamente V2, V9,V11, Nichos 16, 17 V24, V26, V27, V30, pedra de transição de compartimento 1 para 15, V10. Aqui, há que ser tomado em conta o tempo da sua produção, posto que são elementos que foram surgindo ao longo da obra e que a Autora não os possuía, tendo pois, de aguardar dois a três dias para os ter em obra após o pedido para proceder ao assentamento de todos estes elementos não previstos, (estiveram afectos à mesma 1 homem durante 8 dias);

n) Na realização dos trabalhos descritos em 26), f. (estiveram afectos à mesma 1 homem durante 6 dias);

o) Na realização dos trabalhos descritos em 26), g. estiveram afectos à mesma 1 homem durante 13 dias;

p) Tivesse sido realizado como trabalho a mais a execução de parede em gesso cartonado, com reforços, no compartimento 8 para receber armários de cozinha (estiveram afectos à mesma 1 homens durante 4 dias);

q) Na realização dos trabalhos descritos em 26), h. estiveram afectos à mesma 1 homens durante 5 dias;

r) Na realização dos trabalhos descritos em 26), i. estiveram afectos à mesma 1 homem durante 5 dias;

s) Na realização dos trabalhos descritos em 26), j. estiveram afectos à mesma 1 homem durante 2 dias;

t) Tivesse sido realizado como trabalho a mais aprumar paredes no compartimento 25b (estiveram afectos à mesma 1 homem durante 2 dias);

u) Tivesse sido realizado como trabalho a mais Execução e recuperação de nichos no compartimento 14, trabalhos de construção em que inclui trabalhos de isolamento térmico, rebocos primários e de acabamento; (estiveram afectos à mesma 1 homem durante 3 dias); O reu não sabe, o HÁ sabe apenas que fizeram nichos. JV confirma

v) Tivesse sido realizado como trabalho a mais execução de tecto falso em gesso cartonado no compartimento 242 (estiveram afectos à mesma 2 homens durante 6 dias);

w) Tivesse sido realizado como trabalho a mais execução de parede em gesso cartonado no compartimento 24b (estiveram afectos á mesma 1 homem durante 4 dias);

x) Na realização dos trabalhos descritos em 26), k. 2 homens três dias da área da carpintaria;

y) Tivesse sido realizado como trabalho a mais Tarugamento de vigas de madeira no compartimento 13b, 22a, (2 homens três dias da área da carpintaria);

z) O vertido em 38 dos factos provados tivesse ocorrido unilateralmente e sem qualquer consulta à Dona da Obra;

aa) Foi a relação de confiança entre as partes, com o decurso de execução da obra, que acabou por determinar a falta da elaboração dos autos de mediçãomensais;

bb) O que teve como consequência, já em fase mais avançada, a acumulação de trabalhos sem elaboração de autos de mediçãomensais e a determinado momento, o valor em dívida ser significativo e fora do próprio contrato de empreitada, originando desta forma que a Autora se tivesse descontrolado e ter passado ela a financiar obra aos Réus;

cc) Com a falta do pagamento da quantia atrás mencionada, teve a Autora dificuldades de tesouraria que acabaram por ter como consequência a falta de pagamento pontual de obrigações perante os Serviços de Segurança Social, ao Serviço de Finanças, a fornecedores e a trabalhadores;

dd) No que aos trabalhadores diz respeito, a Autora procedeu a despedimento colectivo de 8 deles, com efeitos a contar do dia 31.12.2018, mantendo-se nesse momento a laborar com um quadro de pessoal de 5 trabalhadores, incluindo o sócio gerente;

ee) Com o número de trabalhadores bastante mais reduzido, não teve a Autora qualquer possibilidade de fazer contratos de prestação de serviço de obras que envolvam em simultâneo a execução de três obras diferentes umas das outras, porquanto, as equipas de trabalho têm por norma um mínimo de quatro trabalhadores, entre pedreiros de primeira, pedreiros de segunda e serventes;

ff) A necessidade do cumprimento dos prazos prendia-se essencialmente, com a obrigação da Ré em honrar os seus compromissos junto da Entidade Bancária que lhe financiou o projecto – Caixa de Crédito Agrícola Mútuo – e do Turismo de Portugal;

gg) A execução dos trabalhos de reparação da cobertura não implicavam a paragem dos demais trabalhos orçamentados, dado que os mesmos eram realizados no interior do edifício;

hh) Quanto à aplicação do granito, a Ré sofreu assim, prejuízos resultantes da aplicação de um material que não foi o contratado, de qualidade inferior ao que já havia, inclusive, pago à A., na expressão do incremento no valor de € 36,95/m2;

ii) Quanto aos microcimentos, a A. adjudicou esta especialidade a uma empresa chamada P..., que aplicaria micro cimento da marca Microreve, segundo o sistema definido e contratado pela 1º R., o que implicava a aplicação de malha de fibra de vidro, que não chegou a colocada;

jj) Quanto ao constante no ponto 42 dos factos provados tivesse igualmente sido detectadas infiltrações nos duches;

kk) A 1º R. já havia pago à A. por conta da especialidade descrita em 45 dos factos provados, o valor de € 23.220,20 (vinte e três mil duzentos e vinte euros e vinte cêntimos);

ll) Consequência de não lhe ter sido possível iniciar a sua actividade na data designada para tal, a 1º R. deixou de auferir proventos com estadias, no valor de 17.531,86€ (dezassete mil quinhentos e trinta e um euros e oitenta e seis cêntimos).

De Direito

15. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recurso, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso e devendo limitar-se a conhecer das questões e não das razões ou fundamentos que àquelas subjazam, conforme previsto no direito adjetivo civil - arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O objecto do recurso é assim o seguinte:

- Saber se a decisão proferida é nula por se entender que houve excesso de pronúncia face ao objecto do recurso (conclusões XVIII. e XIX).

- Saber se a decisão proferida está certa, à luz dos factos provados – e quais são destes os relevantes e a latere, saber se o argumento invocado tem algum sentido – “Mas, mais grave, é que o Tribunal a quo, ao considerar provado que os trabalhos não alegados foram realizados, viola flagrantemente o princípio do contraditório, princípio basilar do Direito Processual Civil e com total suporte legal e constitucional, não tendo havido oportunidade para a Ré se pronunciar sobre a sua execução em sede de contestação.” (conclusão XLIV)

- Saber se a manter-se a decisão recorrida deve ser efectuada a compensação com os créditos da A. sobre a Ré - Na eventualidade de não se declarar nulo ou de se revogar o douto Acórdão, mantendo-se a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 38.068,26 (acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos), sempre se requer, observados os requisitos previstos no artigo 847.º do Código Civil, que seja declarada a compensação de créditos, nos termos do artigo 848.º do mesmo Código, entre o eventual crédito da Autora e os créditos da Ré, cujas quantias abaixo se indicam, cf. douta Sentença da 1.ª Instância” (conclusão XLVI)


16. Iniciando a análise do recurso pela invocada nulidade do acórdão recorrido.


16.1. No entender da recorrente haveria nulidade por excesso de pronúncia - al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.


16.2. O tribunal recorrido, perante essa alegação, disse:

No caso vertente e como se enunciou no acórdão, o objecto dos presentes autos, na fase recursória em que os mesmos se encontram, consistia, no que aqui releva, na exigibilidade do pagamento da quantia de € 38.068,28 por parte da ora recorrente.

Temos, pois, que impendia sobre este tribunal o dever de tomar posição sobre esse fundamento da apelação.

Nessa conformidade, o tribunal, dissentindo, pelos motivos profusamente explicitados no acórdão recorrido, da sentença proferida em 1.ª instância, condenou a recorrente no pagamento daquele montante.

Por aqui se vê e sem necessidade de desenvolver aturado esforço interpretativo, que este tribunal apenas apreciou e resolveu uma das questões suscitadas no recurso de apelação, não tendo, pois, extravasado o âmbito da cognoscibilidade legalmente definido.

As razões pelas quais a recorrente dissente do entendimento professado no acórdão assentam nos deméritos que lhe aponta e não em qualquer vício formal daquele, motivo pelo qual a invocação em análise jamais poderia ser acolhida.

E, em todo o caso, há salientar que a facticidade vertida no ponto n.º 22 – de onde, em são entendimento, resulta, ademais, a execução dos trabalhos a que se refere o auto de Dezembro de 2018, embora sem a respectiva discriminação e no qual se filiou a decisão condenatória – foi fixada em 1.ª instância e textual e integralmente mantida.

Por esse motivo, se repudia, com vivacidade, o que, em flagrante contraste com a tramitação da causa, se advoga nas conclusões XVIII, XXIII, XXXIX, XL e XLIV.

Destas últimas conclusões parece depreender-se que este tribunal estaria adstrito a valorar aquela factualidade nos mesmos moldes em que o fez a 1.ª instância ou, pelo menos, a auscultar as partes sobre os termos em que o deveria fazer, o que, convenhamos, carece em absoluto de fundamento.”


16.3. Analisando.

A nulidade por excesso de pronúncia pressupõe que o tribunal tenha conhecido de questão que não podia conhecer.

No caso dos autos a questão que o tribunal conheceu não se integra nessa categoria. Na verdade, a intervenção do tribunal deveu-se à necessidade de resposta às questões suscitadas no recurso de apelação, no qual se questionada se devia haver condenação da Ré no pagamento de trabalhos realizados pela A.

E foi em resposta a esta questão que o tribunal decidiu que, à luz dos factos provados, haveria que conhecer e decidir a problemática, não estando o tribunal vinculado a adoptar a mesma posição que havia sido acolhida na sentença na interpretação do Direito aplicável aos factos provados.

Partindo desses factos o Tribunal limitou-se a aplicar o Direito, cumprindo assim um dever que se lhe impunha e não conhecendo de questão que não pudesse conhecer, mas de questão que tinha o dever de conhecer.

Improcede assim a invocada nulidade.


17. Entrando na análise da segunda questão objecto do recurso: saber se a decisão proferida está certa, à luz dos factos provados – e quais são destes os relevantes.


17.1. Em primeiro lugar importa esclarecer que os factos provados são aqueles que as instâncias consideraram estar demonstrados e que estão já transcritos, pois a impugnação da matéria de facto realizada na apelação improcedeu e o STJ não conhece de matéria de facto.

17.2. Na decisão recorrida a questão suscitada no presente recurso foi assim analisada:

No que toca aos fundamentos da acção, sustenta a apelante que se deveria ter condenado a apelada a liquidar o valor corrigido do auto de medição referenciado no ponto n.º 27.

A sentença apelada, filiando-se na constatação de que, na petição inicial, não se alegaram os trabalhos vertidos naquele auto e que se invocara que o mesmo não fora aprovado, constatou que fora incumprido o ónus de alegação de factos constitutivos do seu direito.

Que dizer?

Em primeiro lugar, a apelante alegou a realização dos trabalhos inscritos no referido auto (cfr. art.º 31.º da petição inicial).

Da concatenação entre o ali alegado e as alegações vertidas nos art.ºs 23.º e 143.º da contestação resulta que a apelada não coloca em causa a realização dos trabalhos que foram descritos no dito auto enjeitando apenas a sua aprovação, como, de resto, fora também alegado pela Autora.

Sintomaticamente, demonstrou-se que, em 14 de Janeiro de 2019, a apelada veio a corrigir esse auto para € 38.068,26, o que, como se intui pela sumula das declarações de parte vertida na sentença, constituía a razão da não aprovação desse auto.

Resulta, de resto, dos factos provados que os trabalhos em causa foram executados (cfr. ponto n.º 22 do elenco factual).

Assim, se é certo que a apelante não invocou os concretos trabalhos constantes desse auto de medição, torna-se claro que inexistem quaisquer dúvidas quanto à sua efectiva realização pela A.

Por seu turno, atenta o teor da estipulação (cfr. pontos n.ºs 12 e 14 do elenco factual) atinente à realização dos pagamentos mensais acordados (a qual se insere na liberdade contratual que, a respeito do pagamento do preço da obra, a lei concede aos contratantes no n.º 2 do art.º 1211.º do Cod. Civil), é patente que a exigibilidade das correspondentes fracções do preço dependia apenas da apresentação de autos parcelares por parte da apelante e da sua aprovação pela apelada.

Era, por isso, absolutamente dispensável conhecer o concreto teor desse auto para que, nos termos contratados, se impusesse à apelada a realização do pagamento a ele respeitante.

E, em todo o caso, sempre o tribunal a quo poderia atentar no respectivo conteúdo para dele se inteirar e fixar, concordantemente, o respectivo conteúdo (segunda parte do n.º 4 do art.º 607.º do CPC).

Na confluência destas considerações, torna-se claro que o descumprimento do falado ónus de alegação é absolutamente inócuo, não determinando, pois, a denegação da pretensão da apelante quanto ao pagamento. Sustentar o contrário seria, ao fim e ao cabo, admitir que uma decisão tomada nesses moldes se encontrava em flagrante contradição quanto ao facto provado no ponto n.º 22 do elenco factual, apta, por isso, a gerar nulidade sentencial (primeira parte da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC).

Nessa medida, impõe-se constatar que a apelada se encontra em mora quanto ao pagamento do montante de € 38.068,26, já que foi esse o valor dos trabalhos executados no decurso do mês de Dezembro de 2018 que se mostram aprovados pela Ré.

Advoga a apelada que a correcção introduzida não importa a aprovação desse auto. Tal asserção apenas pode ser aceite relativamente à diferença entre o valor global dos trabalhos inscritos nesse auto e o montante corrigido. É que, como bem se perceberá, se a R., confrontada com aquele auto de medição, não entendeu efectuar correcções de valor superior a € 38.068,26, é porque se conformou com os valores apresentados pela realização daqueles trabalhos e/ou com a inexistência de imperfeições que justificassem outras correcções.

Por isso, deve proceder o pedido no segmento atinente ao montante de € 38.068,26.

A este montante, acrescem os respectivos juros de mora vencidos e vincendos, calculados às taxas de juro comerciais sucessivamente vigentes desde 17 de Dezembro de 2018 (al. a) do n.º 2 do art.º 805.º e n.º 1 do art.º 806.º, ambos do Cod. Civil).

Por a apelante ser ainda uma sociedade comercial (n.º 2 do art.º 1º do Código das Sociedades Comerciais), os créditos por si detidos vencem anualmente juros de mora à taxa de juro comercial (n.º 1 do art.º 559º do Cod Civil e § 3º do art.º 102º do Cod. Comercial).

No que se refere ao remanescente valor peticionado, cabe referir que a própria apelante concorda com a correcção efectuada pela contraparte pelo que, atentando nos termos contratados, o remanescente não lhe é devido.

Acresce, enfim, que nada se alegou5 relativamente à aceitação, pela apelada, dos trabalhos a mais no valor de € 484,00 que por ela terão sido realizados, pelo que tal montante não é devido.”


17.3. Na sentença a posição do Tribunal – que apontou em sentido diversão - fora assim explicitada:

“No caso dos autos, a Autora veio pedir o preço que entendeu ainda não estar pago da obra contratualizada e um valor residual de trabalhos mais. Para a procedência desse pedido não lhe bastava provar a celebração do contrato, mas também provar que tinha efectuado os trabalhos correspondentes do dito auto de Dezembro de 2018. Ora, em primeiro lugar, a Autora não alegou, concretamente, quais os trabalhos que realizou e que importavam o custo do montante peticionado (59.515,77€), limitando-se no art.º 33.º da petição inicial a afirmar que ficou pendente o pagamento com referência aos autos de Dezembro de 2018 e um auto de trabalho a mais de Dezembro de 2018, mais afirmando que o primeiro auto não foi aprovado pela 1ª Ré. E não alegou sequer por remissão para os ditos autos que trabalhos realizou e qual o valor. Aliás, alega, no art.º 25.º da petição inicial vários trabalhos, que classificou como trabalhos a mais, ou seja, fora do contrato de empreitada celebrado, sem que, no entanto descreva qual deles importou o custo que acabou por peticionar, no respeitante a trabalhos a mais.

Ora, o subtracto factual em que se sustenta o pedido de condenação num determinado montante teria que ser alegado e provado pela Autora, tanto mais que logo na petição inicial se descreve que a Ré não aprovou esse auto de medição em que baseou o seu pedido. Analisado o auto em causa é possível apurar quais os trabalhos que a Autora “mediu” e o valor que lhes atribuiu. No entanto, como a Ré não aprovou esse auto, impunha-se à Autora um cuidado acrescido com a alegação e prova desses factos, o que no caso não ocorreu.

O incumprimento do ónus de alegação e da prova tem consequências jurídicas, conforme resulta do art.º 342.º do Código Civil.

Em conclusão, a Autora não provou que tivesse efectuado a obra (os trabalhos concretos) a que se obrigara e nas condições do contrato. Esta realização da obra é o facto que justificaria o seu direito a receber o montante peticionado, e que seria o fundamento do seu direito e não a mera celebração do acordo de realizar a obra e a apresentação de uma factura num determinado montante, sem que viessem alegados os factos necessários que suportariam o exercício desse direito. Ora, se a Autora não logrou provar, porque também não os alegou, como era seu ónus, os factos constitutivos do direito que se arroga, o pedido de condenação tem, necessariamente, de soçobrar por não existir razão jurídica – no contrato ou na lei – que o suporte.”


17.4. Tratando-se de uma questão de direito, mas baseada nos factos provados no processo, entendeu o TR que a alegação realizada pela A. estava devidamente suportada nos autos, pela conjugação de vários elementos, os quais no seu conjunto, e vistos à luz do facto 22, justificavam a condenação da Ré no seu pagamento.

Em justificação o TR analisou a PI e aí encontrou a alegação dos factos que a ora recorrente entende não estarem suficientemente alegados. Aí se dizia:

Art. 31º. Relativamente aos trabalhos executados, autos aprovados e não aprovados consta o seguinte:

a) A entrega por parte da 1ª. Ré à Autora da quantia de 90.000,00 €, com data de 07.08.2017, factura ...0 (Docs. nºs. 8 e 9);

b) Auto de Abril de 2018 aprovado pelas partes, no valor de 54.331,99 €, com data de 05.04.2018, que deu origem à emissão da fatura ...7 de 23.04.2018, no valor de 35.000,00 €, pagos através do cheque nº. ...84 (Docs. nºs. 13, 14 e 15);

c) Auto de Setembro de 2018 aprovado pelas partes, no valor de 75.019,07 €, que deu origem à emissão da factura ...2, no valor de 35.000,00 € (Docs. nºs. 13 e 16), paga, todavia em Junho de 2018;

d) Ainda no seguimento do auto de Setembro de 2018, foi paga a quantia de 25.956,41 € em Setembro de 2018 (Docs. nºs. 13 e 17)

e) Auto de Dezembro de 2018 não aprovado pelas partes, no valor de 59.031,37 € com data de 10.12.2018, (Doc. nº. 13);

f) Foram pagos à Autora por conta da obra o valor total de 185.956,41 € (Doc. nº. 13).


Estes factos alegados vieram a ser dados como provados, integrando o ponto 22, onde se apontou:

22) Relativamente aos trabalhos executados, autos aprovados e não aprovados ocorre o seguinte:

 a) A entrega por parte da ré, à autora, da quantia de 90.000,00€, em 7 de Agosto de 2017;

 b) Auto de Abril de 2018 aprovado pelas partes, no valor de € 54.331,99, com data de 05.04.2018, que deu origem à emissão da factura ...7 de 23.04.2018, no valor de 35.000,00€, pagos através do cheque nº. ...84;

 c) Auto de Setembro de 2018 aprovado pelas partes, no valor de 75.019,07€, que deu origem à emissão da factura ...2, no valor de 35.000,00€, paga, todavia em Junho de 2018;

d) Ainda no seguimento do auto de Setembro de 2018, foi paga a quantia de 25.956,41€, em Setembro de 2018;

e) Auto de Dezembro de 2018, não aprovado pelas partes, no valor de 59.031,37€, com data de 10.12.2018;

 f) assim tendo sido pagos à autora, por conta da obra, o valor total de 185.956,41€(APA);


Também o tribunal justificou a posição indicando que os referidos trabalhos não vieram dados como não provados, nem a Ré questionou a sua realização, mas apenas a sua aprovação, o que foi confirmado pela análise da contestação - art.ºs 23.º e 143.º da contestação e onde consta:

Art.º 23.º - Os Réus aceitam o vertido nos artigos 1.º a 9.º, 15.º a 22.º, 27.º, 29.º, 30.º, 31.º e 34.º da Petição Inicial.(sublinhado nosso)

Art.º 143.º - Carece igualmente de fundamentação o pedido da A., quanto ao pagamento do valor de € 59.515,77 (cinquenta e nove mil quinhentos e quinze euros e setenta e sete cêntimos) a título de obras executadas e não pagas.


Adicionalmente o tribunal ainda justificou a condenação pelas seguintes razões:

- a 14 de Janeiro de 2019, a apelada veio a corrigir esse auto para € 38.068,26, o que, como se intui pela sumula das declarações de parte vertida na sentença, constituía a razão da não aprovação desse auto.

- os trabalhos em causa foram executados (cfr. ponto n.º 22 do elenco factual);

- era absolutamente dispensável conhecer o concreto teor desse auto para que, nos termos contratados, se impusesse à apelada a realização do pagamento a ele respeitante;

- E, em todo o caso, sempre o tribunal a quo poderia atentar no respectivo conteúdo para dele se inteirar e fixar, concordantemente, o respectivo conteúdo (segunda parte do n.º 4 do art.º 607.º do CPC);

- por presunção judicial, deve considerar-se que apenas não foram aprovados trabalhos superiores ao valor de € 38.068,26 – “porquanto” a R., confrontada com aquele auto de medição, não entendeu efectuar correcções de valor superior a € 38.068,26, é porque se conformou com os valores apresentados pela realização daqueles trabalhos e/ou com a inexistência de imperfeições que justificassem outras correcções.”


17.5. Que dizer?

A justificação apresentada pelo Tribunal  recorrido ultrapassa, com a explicação apresentada, todos os argumentos jurídicos colocados pelo recorrente (vd. conclusões da revista) relativamente à decisão recorrida, contraditando-os e apresentando os motivos que se afiguram corresponder a uma correcta ponderação dos factos provados – incluindo por presunção judicial – à luz do direito aplicável, não se aventando razões para decidir em outro sentido, nomeadamente também porque o STJ não pode conhecer de facto (incluindo-se aqui a presunção judicial), nada vindo alegado no sentido da sua manifesta falta de adesão com a realidade (ilogicidade manifesta, ou utilização em violação da lei).

E ultrapassa igualmente a suposta terceira questão objecto do recurso, que foi assim indicada: - A latere, saber se o argumento invocado tem algum sentido – “Mas, mais grave, é que o Tribunal a quo, ao considerar provado que os trabalhos não alegados foram realizados, viola flagrantemente o princípio do contraditório, princípio basilar do Direito Processual Civil e com total suporte legal e constitucional, não tendo havido oportunidade para a Ré se pronunciar sobre a sua execução em sede de contestação.” (conclusão XLIV)

Na verdade, conforme decorre do exposto, a invocação de que os trabalhos não foram realizados deveria ter sido invocada na contestação, onde se deve centrar a defesa do R. às alegações do A. e onde aquele apenas optou por indicação que não aceitou o auto, mas não que as obras não foram executadas.

É assim de julgar improcedente ambas as questões suscitadas.


18. Quanto à última questão suscitada pela recorrente – a de saber se os valores das condenações em causa se compensam com os créditos reconhecidos.

Como resulta da sentença, confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação, aqui objecto de recurso, a R. viu-lhe ser reconhecido o direito a receber da A os seguintes valores:

“b) Condenou a Autora J..., Unipessoal, Lda a pagar, à B..., Unipessoal, Lda:

a. A quantia de 9.296,50€ (nove mil, duzentos e noventa e seis euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros moratórios, contados desde a citação até integral pagamento, à taxa legal;

b. A quantia de 7.960,20€ (sete mil, novecentos e sessenta euros e vinte cêntimos), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, contados desde o trânsito em julgado da presente sentença.”

Esta decisão condenatória foi confirmada pelo acórdão recorrido.

O que não foi confirmado pelo acórdão recorrido foi o restante segmento decisório constante da sentença, onde se havia determinado:

a) Absolver a B... Unipessoal, Lda de todo o peticionado pela Autora J..., Unipessoal, Lda;

(…)

c) Absolver a Autora do demais peticionado; (…)”.

Em sua substituição veio decidido que a Ré B... Unipessoal Lda teria de pagar à A. o valor de € 38.068,26.

A indicada compensação não veio analisada no acórdão recorrido, não podendo o tribunal oficiosamente compensar as obrigações em causa, nem podendo em recurso vir a decidir-se de questão que não fora objecto da decisão recorrida – não sendo a questão suscitada na apelação e não tendo havido recurso subordinado ou ampliação do objecto do recurso pela ora recorrente onde a indicada questão figure.

Em face do exposto, não pode o tribunal declarar os valores compensados, mas apenas condenar o A. e a R. separadamente, não se conhecendo da questão/ pedido formulado, por ser questão nova.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados é negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.

As custas são da responsabilidade da recorrente.

Lisboa, 7 de Março de 2023

Fátima Gomes (Relatora)

Oliveira Abreu

Nuno Pinto Oliveira