Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
029223
Nº Convencional: JSTJ00004116
Relator: PIEDADE REBELO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
TRANSMISSÃO DE DIREITOS
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195605290292233
Data do Acordão: 05/29/1956
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IªS DE 19-06-1956; BMJ 57, 232
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 1/1955
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CE30 ARTIGO 138.
CE54 ARTIGO 56 N1.
D 18625 DE 1930/07/14 ARTIGO 2.
D 5637 DE 1919/05/10 ARTIGO 9.
L 1942 DE 1936/07/27 ARTIGO 16 ARTIGO 52.
CPC39 ARTIGO 763 ARTIGO 767 PARUNICO.
CPP29 ARTIGO 668 PARUNICO.
DL 40275 DE 1955/08/08.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1950/07/04 IN BMJ N20 PAG308.
Sumário :
Na vigencia do artigo 138 do Codigo da Estrada de 1930, segundo a redacção que lhe foi dada pelo artigo 2 do Decreto n. 18625 de 14 de Julho do mesmo ano, o direito de exigir a indemnização por morte do lesado em virtude de acidente de viação transmitia-se conjuntamente ao conjuge e aos filhos.
Decisão Texto Integral: Acordam os do Supremo Tribunal de Justiça em Tribunal pleno:

Por acordão de folhas 261 foi o reu A condenado, como autor do crime de homicidio culposo, cometido na noite de 15 para 16 de Novembro 1947, por inobservancia de alguns preceitos do Codigo da Estrada de 1930, na pena de seis meses de prisão e igual tempo de multa a razão de 5 escudos por dia, e na indemnização de 30000 escudos, na hipotese de, alem da viuva da vitima, haver outras pessoas com direito a ela, deduzida a importancia ja recebida pela mesma viuva, nos termos da transacção efectuada por escritura de folhas 193.
Deste acordão recorre o reu para o Pleno com o fundamento de estar em oposição com o acordão deste Tribunal de 4 de Julho de 1950, publicado no Boletim, n. 20, pagina 308.
E, admitido o recurso e julgado haver oposição, alega:
Dispondo o artigo 138 do velho Codigo da Estrada, segundo a redacção que lhe foi dada pelo artigo 2 do Decreto n. 18625, de 14 de Julho de 1930, que o direito a indemnização por acidente de viação se transmite as pessoas referidas no artigo 9 e suas alineas do Decreto n. 5637, de 10 de Maio de 1919, e pela ordem ali indicada, e manifesto que, sendo o conjuge sobrevivo a pessoa referida na primeira alinea, ele e so ele tem direito a indemnização, com exclusão das pessoas referidas nas alineas seguintes.
Deve, por isso, dar-se provimento ao recurso, decidindo-se que na concorrencia do conjuge, sobrevivo e de filhos da vitima o direito a indemnização não se transmite conjuntamente, mas apenas aquele.
O ilustre representante do Ministerio Publico junta da Secção Criminal pronuncia-se doutamente nos seguintes termos:
Embora haja oposição, não podem os dois acordãos ser considerados como proferidos no dominio da mesma legislação, porque o acordão recorrido se baseou no artigo 138 do Codigo da Estrada de 1930 e artigo 9 do Decreto n. 5637, dando relevo a esta ultima disposição, e o acordão oposto no citado artigo 138 e artigo 16 da Lei n. 1942, de 27 de Julho de 1936, salientando a revogação expressa do referido Decreto n. 5637 pelo artigo 52 da mesma Lei.
Mas conhecendo-se do recurso, deve-se-lhe negar provimento, proferindo-se assento de harmonia com a doutrina e jurisprudencia dominantes, no sentido de, no dominio do citado Codigo da Estrada, a indemnização por morte do lesado se transmitir conjuntamente a viuva e aos filhos.
Tudo visto e devidamente ponderado em conferencia:
São condições indispensaveis para a interposição do recurso para o Pleno que haja oposição entre os acordãos deste Supremo Tribunal sobre a mesma questão de direito, que a oposição se verifique no dominio da mesma legislação, que os acordãos recorrido e oposto tenham sido proferidos em processos diferentes ou em incidentes diferentes do mesmo processo e que o acordão oposto tenha transitado em julgado (Codigo de Processo Civil, artigo 763 e paragrafos; Codigo de Processo Penal, artigo 668 e paragrafo unico).
Por acordão de folhas 280 da Secção Criminal foi decidido que o recurso e de conhecer, mas, provisoria como e essa decisão, como resulta do paragrafo unico do artigo 767 do Codigo de Processo Civil, apreciar-se-a, novamente, se o recurso e ou não de conhecer.
A unica duvida que a esse respeito se suscita e relativa ao requisito de a oposição se verificar no dominio da mesma legislação.
Decidiu o acordão oposto que no caso de morte do lesado por acidente de viação, sendo casado, com filhos, o direito a indemnização se transmite exclusivamente para a viuva; e, para tanto, invocou o artigo 138 do Codigo da Estrada de 1930, segundo a redacção que lhe foi dada pelo artigo 2 do Decreto n. 18625, e o artigo 16 da Lei n. 1942.
O acordão recorrido baseou a sua decisão no citado artigo 138 e no artigo 9 do Decreto n. 5637.
E incontestavel que, tanto a data em que foi proferido o acordão oposto, como a data em que foi proferido o acordão recorrido, vigorava o Codigo da Estrada de 1930 e que a materia da responsabilidade civil conexa com a criminal resultante da inobservancia dos seus preceitos era regulada pelo seu artigo 138, segundo a redacção que lhe foi atribuida pelo artigo 2 do Decreto n. 18625.
Tanto basta para se concluir que ambos os acordãos foram proferidos no dominio da mesma legislação.
A circunstancia de um ter considerado em vigor, como legislação complementar do Codigo da Estrada, o Decreto n. 5637 e o outro a Lei n. 1942, importa apenas uma divergencia no entendimento da lei, uma contradição nos julgados e não que estes tivessem sido proferidos estando em vigor leis diferentes.
Improcede, deste modo, a oposição deduzida pelo ilustre representante do Ministerio Publico ao conhecimento do recurso.
E conhecendo:
Preceituava o citado artigo 138 na sua segunda parte: "No caso de morte do lesado devida a desastre ou a acidente, o direito de exigir a indemnização transmite-se as pessoas referidas no artigo 9 e suas alineas do Decreto n. 5637, de 10 de Maio de 1919, e pela ordem ali indicada".
Passou, assim, o citado artigo 9 a ser um preceito complementar do Codigo da Estrada.
Em virtude da revogação consignada no artigo 52 da Lei n. 1942, a materia dos acidentes de trabalho deixou de ser regulada pelo Decreto n. 5637, mas nenhum diploma foi publicado determinando que as disposições dessa Lei fossem aplicadas aos acidentes de viação. Continuou por isso o artigo 9 daquele Decreto em vigor como preceito complementar do Codigo da Estrada e essa vigencia manteve-se ate entrar em vigor o novo Codigo da Estrada.
Da revogação de um diploma não resultam os efeitos que o acordão oposto lhe atribui. Mas, se resultassem, a sua consequencia logica seria ficar incompleta e inexequivel a citada parte do artigo 138 e não a aplicação aos acidentes de viação de um preceito respeitante aos acidentes de trabalho, sem a manifestação nesse sentido da vontade do legislador.
Mas para a solução do caso vertente e indiferente que se tome em consideração o artigo 9 do Decreto n. 5637 ou o artigo 16 da Lei n. 1942, porque em ambos os artigos se atribui, nas mesmas condições, o direito a indemnização a viuva e filhos do falecido.
A referida segunda parte do artigo 138 esta redigida em termos bastante obscuros.
Principia por preceituar que o direito de exigir a indemnização se transmite as pessoas mencionadas no citado artigo 9. Tratando-se de filhos, interpretado literalmente esse artigo, aquele direito transmitir-se-ia somente aos menores de 14 anos, sendo de sexo masculino, e de 16 anos, sendo de sexo feminino, ficando por essa forma excluidos, sem a menor justificação, os restantes filhos, mesmo que não tivessem atingido a maioridade. E acaba por dispor que a indemnização se transmite pela ordem indicada no mesmo artigo, quando nele nenhuma ordem se estabelece e, pelo contrario, se reconhece expressamente o direito a pensão conjuntamente ao conjuge sobrevivo e aos filhos.
O pensamento do legislador não foi, porem, no sentido de fazer qualquer distinção em relação aos filhos, baseada na idade, nem de excluir os filhos, existindo conjuge sobrevivo, muito especialmente estando este separado e ate mesmo tendo deixado de o ser em virtude do divorcio, o que e revelado pelo proprio relatorio que precede o Decreto n. 18625, onde se le que com o aditamento feito ao artigo 138 se pretendeu garantir "os direitos dos herdeiros do lesado" e pelo relatorio que precede o Decreto-Lei n. 40275, de 8 de Agosto de 1955.
Tendo o actual Codigo da Estrada reproduzido na parte final do n. 1 do artigo 56 o aditamento feito pelo Decreto n. 18625 ao artigo 138 do velho Codigo, mas fazendo referencia ao artigo 16 da Lei n. 1942, o Decreto-Lei n. 40275 acrescentou-lhe as seguintes palavras: "primeiro, e em conjunto, ao conjuge e aos filhos, sem distinção de idades quanto a estes, ou so aos filhos, se o conjuge ja não existir; depois as pessoas mencionadas na alinea e) do mesmo artigo".
E justificando este acrescentamento escreveu-se no relatorio: "O aditamento introduzido na parte final do mesmo numero tem por fim solucionar da forma que se considerou mais justa e avisada dois problemas de interpretação, ja levantados em face da redacção anteriormente dada ao artigo 138 do Codigo de 1930 pelo artigo 2 do Decreto n. 18625, de 14 de Julho de 1930".
Em face dessa categoria declaração do legislador, não se pode deixar de concluir que foi o acordão recorrido quem interpretou correctamente a lei e não o acordão oposto.
Pelo exposto, negam provimento ao recurso e formulam o seguinte assento:
"Na vigencia do artigo 138 do Codigo da Estrada de 1930, segundo a redacção que lhe foi dada pelo artigo 2 do Decreto n. 18625, de 14 de Julho do mesmo ano, o direito de exigir a indemnização por morte do lesado em virtude de acidente de viação, transmitia-se, conjuntamente, ao conjuge e aos filhos".
Fixam o imposto de justiça em 1000 escudos.


Lisboa, 29 de Maio de 1956

Piedade Rebelo (Relator) - Julio M. de Lemos - Eduardo Coimbra - Beça de Aragão - Amaral Cabaral - Antonio Baltasar Pereira - Horta e Vale - Sousa Carvalho
- Filipe Sequeira - Manuel Pereira Brandão - Antero Cardoso - Agostinho Fontes - Mario Estevão da Silva Cardoso - A. Gonçalves Pereira - Lencastre da Veiga.