Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1189/18.8T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Apenso:
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

II - Conforme jurisprudência uniformizada do STJ de 06-12-2021 no processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, “1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, al. a), e 314.º do CVM, na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 357-A/07, de 31-10, e 342.º, n.º 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano. 2. Se o banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era “produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7.º, n.º 1, do CVM. 3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”

Decisão Texto Integral:                                 

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Relatório

AA propôs contra o Banco BIC Português, SA, anteriormente Banco Português de Negócios, ação de processo comum pedindo que o réu seja condenado a proceder ao reembolso, pagamento ou ressarcimento ao autor do capital de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescido dos juros moratórios vencidos desde 25 de Outubro de 2014 e vincendos, e a pagar a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) por danos não patrimoniais, igualmente acrescida de juros moratórios vencidos desde a citação e até ao efetivo pagamento. Subsidiariamente, pediu que se decrete a anulação do contrato por força do qual o Banco réu, então Banco Português de Negócios, vendeu ao autor a uma obrigação subordinada “Rendimento Mais SLN 2004”, com todas as legais consequências, sendo igualmente devidos juros moratórios nos termos mencionados.

Alegou, em síntese, que foi convencido por um funcionário da agência de ... do ex-Banco Português de Negócios a subscrever um produto financeiro que por aquele foi apresentado como se fosse um depósito a prazo e que tinha capital garantido, vindo mais tarde a descobrir que o que havia adquirido eram obrigações subordinadas. Jamais este produto foi apresentado com a sua real fisionomia e nada lhe foi explicado nem lhe foi fornecida documentação sobre o mesmo, além de que não dispunha de conhecimentos que lhe tivessem permitido detetar as suas características. Só aceitou fazer o investimento proposto por tal pessoa porque confiava nela e porque lhe foi dito que o capital estava garantido. Se tivesse sabido que não havia garantia de recebimento do capital, jamais teria subscrito obrigações subordinadas.

Regular e pessoalmente citado, contestou o réu invocando a ilegitimidade do autor, a incompetência territorial deste tribunal e a prescrição do crédito por se mostrar decorrido o prazo de dois anos a contar da conclusão da operação. Impugnou o réu a versão dos factos dada pelo autor, alegando que o funcionário bancário apresentou o produto como se tratando de obrigações, as quais tinham um risco semelhante ao de um depósito a prazo, mas com uma remuneração mais vantajosa que este, o que o autor compreendeu e quis.

O autor respondeu às exceções de incompetência territorial, de ilegitimidade ativa e de prescrição, pugnando pela sua improcedência.

As exceções de ilegitimidade ativa e de incompetência territorial foram julgadas improcedentes.

Realizada audiência final, veio subsequentemente a ser proferida sentença que culminou no seguinte dispositivo:

“Nestes termos e de harmonia com a fundamentação que antecede:

- Julgo a exceção de prescrição totalmente improcedente;

- Condeno o réu a pagar ao autor a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros moratórios vencidos desde 27 de outubro de 2014 e vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal;

- Absolvo o réu dos demais pedidos formulados pelo autor.”.


Desta sentença recorreu o Banco réu tendo o Tribunal da Relação julgado e improcedente a apelação e mantido a sentença recorrida.

 De novo inconformada com a decisão proferida interpôs a recorrente revista excecional que foi admitida pela Formação a que alude o art. 672 nº3 do CPC, concluindo que:

 “1) O recurso ora interposto é de revista excecional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objeto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

4) Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exata expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

Além disso,

7) O volume do contencioso exatamente com este objeto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma atividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

8) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º nº 1 . als. a) e b) do Código de Processo Civil.

Acresce que...

9) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do Prof. Pinto Monteiro onde se chega a esta mesma conclusão!

10) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respetivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

11) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

12) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

13) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

14) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

15) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

16) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

17) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto,

18) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

19) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

20) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospetos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme.

21) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospeto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

22) A adequação da informação começa exatamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efetiva informação.

23) O CdVM estabelece objetiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objeto dessa intermediação.

24) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redação refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redação aplicável ao caso).

25) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

26) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

27) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a. a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b. b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c. c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d. d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

28) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

29) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer fator extrínseco ao mesmo.

30) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respetiva rentabilidade.

31) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

32) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

33) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

34) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

35) Não cometeu o R. qualquer ato ilícito!

36) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

37) A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.

Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido”.

 

O autor contra-alegou defendendo a confirmação da decisão recorrida.

 Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… …

Fundamentação

Foi julgada provada a seguinte matéria de facto:

1. O autor foi titular de uma conta de depósitos à ordem com o nº ...01, aberta na agência de ... do extinto Banco Português de Negócios, SA, atualmente Banco BIC Português, SA.

2. Nesta conta o autor tinha depositada a quantia de € 50.000,00.

3. Era empregado bancário naquela agência BB, que exercia o cargo de gerente, pessoa na qual o autor depositava toda a confiança pessoal e profissional.

4. Dado ter um perfil de investidor conservador, o autor estava apenas interessado em subscrever produtos bancários sem risco.

5. Em data não apurada, mas antes de 18 de outubro de 2004, BB contactou o autor dizendo-lhe que o Banco estava a comercializar um produto financeiro com capital garantido, semelhante a um depósito a prazo, mas de maior rentabilidade, sem risco de perda de capital, com um prazo de 10 anos, podendo o autor desfazer-se de tal aplicação quando quisesse reavendo então o seu capital.

6. Em face da confiança pessoal e profissional que depositava no gerente daquela agência bancária, o autor ficou convencido de que o seu dinheiro estava totalmente seguro, numa aplicação em tudo idêntica a um depósito a prazo, e que seria o ex-BPN a pagar os juros e a restituir o capital.

7. Assim, em 18-10-2004 o autor assinou o documento de fls. 41 que lhe foi apresentado pelo referido funcionário bancário e que é um impresso do ex-BPN, em cujo canto superior direito se pode ler “Depósitos a prazo e de poupança”.

8. Nesse mesmo impresso, no campo destinado à constituição, encontra-se assinalada com uma cruz a quadrícula respeitante a “Depósito Prazo”.

9. A referência a depósito a prazo constante daquele documento reforçou a convicção do autor de que, tal como lhe havia sido informado pelo funcionário bancário, estava a investir num produto seguro, do próprio Banco e com o capital garantido.

10. O autor recebeu em sua casa o aviso de débito junto a fls. 42, datado de 25 de outubro de 2004, no qual se pode ler “Compra de Títulos. Designação: SLN Rendimento Mais 2004”, Montante Nominal 50.000,00 €”.

11. O autor apôs a sua assinatura no documento de fls. 110.

12. O autor desconhecia que ao assinar o documento de fls. 110 estava a subscrever obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004.

13. O autor não estranhou as designações usadas no aviso de débito e no documento de fls. 110 e encarou-as como se fosse o nome do produto que o ex-BPN estava a comercializar.

14. Ao autor não foi facultada a nota informativa de fls. 118 e ss.

15. A subscrição do depósito a prazo referido em 7. constituía, segundo a nota interna elaborada pelo ex-BPN, um incentivo à subscrição das obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004.

16. O autor não recebeu o capital investido em 27 de outubro de 2014, data da maturidade das obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004.

17. O autor tem a quarta classe e exerce a profissão de vidraceiro.

18. O autor não tinha conhecimentos que, à data da assinatura do documento de fls. 110, lhe permitissem distinguir os diversos produtos financeiros, nomeadamente obrigações e respetivos tipos, de ativos financeiros que não sejam simples depósitos a prazo ou à ordem

19. Não foi comunicado nem explicado ao autor pelo referido funcionário bancário que o que estava a adquirir eram obrigações cujo capital não estava garantido, emitidas por uma entidade, a SLN SGPS S.A., que o mesmo desconhecia.

20. Também não lhe foram transmitidas as características do produto financeiro que estava a subscrever, nomeadamente que o resgate seria feito, não pelo ex-BPN, mas pela SLN SGPS, SA, enquanto entidade emitente das obrigações, e que os juros seriam pagos por esta.

21. Caso tivesse sido explicado ao autor que o que estava a adquirir não tinha capital garantido e não era semelhante a um depósito a prazo, jamais teria aceitado investir a quantia de € 50.000,00 em obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004.

22. Confrontado com a ideia de perder o seu dinheiro, o autor passou a viver angustiado e a ter dificuldades em dormir.

23. A Direção de Comunicação Institucional e Marketing do BPN elaborou a Nota Interna de fls. 44 e ss., na qual se pode ler, além do mais, o seguinte:

“Destino: rede comercial

Assunto: SLN Rendimento Mais 2004

Natureza: Obrigações Subordinadas.

Emitente: SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, SA

Data de liquidação financeira: 25 de Outubro de 2004

Data de maturidade: 27 de Outubro de 2014

Prazo: 10 anos.

Capital Garantido: 100% do capital investido

Argumentário

A) A SLN Rendimento Mais 2004 é uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante 10 anos (…)”.

24. Com a data de 10 de novembro de 2009 o Departamento de Supervisão da Intermediação e Estruturas de Mercado da Comissão de Mercados e Valores Mobiliários elaborou a informação n.º DIEM/2009/559, junta a fls. 53 e ss., na qual se pode ler, além do mais, o seguinte:

“1. Existem documentos internos do BPN dirigidos à Rede Comercial para informação/formação sobre Obrigações da SLN e do BPN comercializados pelo BPN – concretamente, Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004 (i.e, Nota Interna e documento de apresentação) (…).

25. Os documentos referidos no ponto anterior confirmam que as redes comerciais do BPN na informação/formação sobre os produtos comercializados recebiam indicações de que, designadamente, as Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004 (…) possuíam, pelo menos, capital garantido (…).

(…)

3. Notificar o Conselho de Administração do BPN, no âmbito das reuniões que tem havido com a CMVM com vista à resolução dos problemas relacionados com as reclamações dos clientes BPN, de que existem documentos do BPN utilizados na formação da sua Rede Comercial, relativos a (…) Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004 (…), nos quais se afirma que estes produtos possuíam, pelo menos, capital garantido. (…)”

26. Em reunião ocorrida no dia 11 de novembro de 2011, o Conselho Director da Comissão de Mercados e Valores Mobiliários deliberou por unanimidade, além do mais, “3. Notificar o Conselho de Administração do BPN, no âmbito das reuniões que tem havido com a CMVM com vista à resolução dos problemas relacionados com as reclamações dos clientes BPN, de que existem documentos do BPN utilizados na formação da sua Rede Comercial, relativos a (…) Obrigações Subordinadas SLN Rendimento Mais 2004 (…), nos quais se afirma que estes produtos possuíam, pelo menos, capital garantido. (…)”.


Não se provaram os demais factos alegados, nomeadamente:

- Que ao autor não foi dado a assinar o boletim de subscrição destinado à aquisição de obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004;

- Que o autor foi contactado pelo funcionário bancário porque o produto financeiro encaixava no seu perfil de risco;

- Que o produto financeiro subscrito pelo autor foi apresentado pelo funcionário bancário como se tratando da subscrição de obrigações, tendo-lhe sido explicado que representava dívida da sociedade-mãe do ex-BPN, o que compreendeu;

- Que o autor foi esclarecido sobre as condições de tal produto, esclarecimento esse acompanhado da respetiva nota técnica;

- Que o autor quis subscrever obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004;

- Que nunca foi dito ao autor que o risco era assumido pelo ex-BPN;

- Que o autor conhecia as características do instrumento financeiro, até por ter experiência de vários produtos de dívida emitidos por empresas diversas;

- Que pelos extratos mensais periódicos e pelo aviso de débito o autor podia ver que tinha produtos financeiros diferentes dos depósitos a prazo e semelhantes ao que subscreveu.”.

… …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

Das do recorrente decorre, no essencial, que impugna o acórdão da Relação na medida em que este considerou verificada quer a ilicitude do comportamento dos funcionários que intervieram na intermediação financeira, quer o nexo de causalidade entre a atuação dos referidos funcionários e o dano que se manifestou quando, depois de 10 anos de pagamento dos cupões da obrigação, a SLN entrou em insolvência e deixou de pagar o capital.

… …

Os tribunais foram confrontados com diversas ações semelhantes à presente como efeito colateral da crise financeira que ocorreu em finais de 2007 e que, entre outras consequências, desvendou problemas de solvabilidade de certos grupos empresariais entre os quais se incluiu a instituição financeira ré que acabou por desempenhar também a função de intermediário na colocação dos produtos financeiros discutidos nos autos.

Dessa função de intermediário emergiram diversos litígios que, como o presente, têm num dos polos investidores não qualificados, surgindo na posição de sujeito passivo o R.

Um aspeto a reter é a legislação sobre os valores mobiliários e designadamente sobre a atividade e os deveres dos intermediários financeiros ter sofrido uma importante modificação na sequência da crise financeira de 2007, tendo sido desde logo alteradas as normas legais e os regulamentos (soft law) relacionados com a atividade de intermediação financeira, com especial destaque para o dever de informação perante cada cliente ou investidor.

Ora, na medida em que aquelas alterações legais contenham elementos substancialmente inovadores, designadamente no que se refere ao reforço do dever de informação imposto a intermediários financeiros, apenas podem ser aplicadas a factos posteriores à sua entrada em vigor, atentas as regras gerais sobre a aplicação da lei no tempo.

Na definição do contrato celebrado cumpre identificar o réu como uma instituição de crédito - art.º 3º, al. a) do DL n.º 298/92, de 31 de dezembro - Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, abreviadamente designado por RGICSF - sendo que, nos termos do art.º 4º do RGICSF cabe nas suas atribuições a possibilidade de realizar as seguintes atividades:

“1 - e) Transações, por conta própria ou da clientela, sobre instrumentos do mercado monetário e cambial, instrumentos financeiros a prazo, opções e operações sobre divisas, taxas de juro, mercadorias e valores mobiliários;

f) Participações em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos;”

Do conjunto destas atividades e no que interessa ao caso dos autos, o R. pode fazer transações, por conta própria de valores mobiliários, ou seja pode vender valores mobiliários que lhe pertençam ou de que seja proprietário, mas, também, pode fazer idênticas transações por conta de outrem ou agir apenas como mero intermediário na colocação no mercado de valores mobiliários emitidos por outrem e prestando os correlativos serviços. Para distinguir se a transação, designadamente a venda de valores mobiliários, é feita em nome próprio ou se age apenas como intermediário na colocação desses valores junto do público é necessário que se apure a titularidade dos valores objeto da transação.

 O autor subscreveu, junto da agência onde tinha conta, uma obrigação SLN Rendimento mais 2004 no valor de €50.000,00, por ter sido contactado pelo funcionário do banco propondo-lhe a subscrição de um produto com capital garantido, semelhante a um depósito a prazo, mas de maior rentabilidade, sem risco de perda de capital, com um prazo de 10 anos, podendo o autor desfazer-se de tal aplicação quando quisesse reavendo então o seu capital. E foi na confiança que depositava no funcionário, gerente daquela agência bancária, e na informação que este lhe prestava e como lha prestava, que o autor aceitou a subscrição convencido que o dinheiro estava totalmente seguro, numa aplicação em tudo idêntica a um depósito a prazo, e que seria o banco a pagar os juros e a restituir o capital. Tal convencimento ficou ainda mais inteiro quando lhe foi dado a assinar um documento que constituía um impresso do banco com a indicação de  “Depósitos a prazo e de poupança”.

Desta factualidade extrai-se, sem qualquer dúvida, que a intervenção do R. na “venda” das obrigações, não foi realizada em nome próprio, enquanto titular das mesmas, mas sim como intermediário financeiro entre o emitente e o destinatário final o “público”, numa operação enquadrada na previsão da al. f) do art.º 4 do RGICSF. Nos termos do disposto no artigo 293º do Código de Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro, a qualificação de intermediários financeiros é atribuída a um conjunto de entidades que estejam autorizadas a exercer as atividades de intermediação financeira, sendo uma dessas entidades os Bancos (instituições de créditos) - alínea a) do nº 1.

Essas atividades de intermediação financeira estão reguladas em especial nos artigos 289° e ss. do CVM, onde são classificadas em serviços de investimento em valores mobiliários; serviços auxiliares de investimento e gestão de instituições de investimento coletivo e exercício das funções de depositário dos valores mobiliários sendo que no caso o que releva são os serviços de investimento previstos no artigo 290º do CVM. A intervenção da ré consistiu na aquisição de obrigação na sequência da ordem por parte do autor pelo que dúvidas não subsistem de estarmos perante uma atividade de intermediação de receção e de transmissão de ordens por conta de outrem, prevista expressamente na citada alínea a) do nº 1 do artigo 290° do CVM. Como assim, é forçoso concluir que estamos perante um contrato de intermediação financeira e não perante um contrato de compra e venda, isto sem prejuízo de se reconhecer que numa operação de colocação de obrigações junto de instituições de crédito, a intermediação financeira tem normalmente como objeto uma compra e venda. Só que essa compra e venda tem como sujeitos o investidor e o emitente e não o banco que faz a intermediação.  Engrácia Antunes, in “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, págs. 572/573, afirma: “Designamos genericamente por contratos financeiros os negócios jurídicos relativos ao mercado de capitais: entre eles, destacam-se os contratos de intermediação financeira e os contratos derivados…Denominam-se contratos de intermediação financeira os negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira”.

Assente que o contrato celebrado entre o autor e o R. é um contrato de intermediação financeira, importa averiguar se a atuação do R., espelhada na factualidade provada, violou as regras legais aplicáveis e se incorre em responsabilidade civil.

Da prova extrai-se que um funcionário da ré propôs ao autor que este adquirisse  uma Obrigação Rendimento Mais - SLN 2004, tendo sido informado que tal lhe traria uma maior rentabilidade com a mesma segurança que um depósito a prazo, com igual garantia de capital e reembolso era garantido pelo banco. Perante o que lhe estava a ser proposto (maior rendimento na aplicação do seu dinheiro) e dadas as garantias que lhe estavam a ser dadas (segurança do produto como se fosse um depósito a prazo), o autor anuiu a tal proposta, e aceitou adquirir tal produto pois se tivesse informado de que esse produto financeiro não tinha capital garantido pelo Banco e que não tinha a mesma segurança que um depósito a prazo, o A. não daria o seu acordo na aquisição do referido produto financeiro.

As questões a abordar são as de saber se o pressuposto da ilicitude se encontra demonstrado, por referência aos factos enunciados, por incumprimento do dever de informação, assim como se o nexo de causalidade entre a atuação do BPN, SA, e o evento traduzido na subscrição da obrigação não subordinada cujo capital não foi devolvido pela SLN.

A base jurídica essencial para a resolução do presente caso é integrada pelas normas do Cód. de Valores Mobiliários em vigor na data em que a operação financeira foi realizada e desse regime sobressai o que então preceituava o art. 314º do CVM que, em termos autónomos relativamente ao que consta das regras gerais do Código Civil, prescrevia para os intermediários financeiros a obrigação de indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, nele se enunciando ainda a presunção de culpa quando o dano fosse causado no âmbito de relações contratuais, designadamente quando fosse originado pela violação de deveres de informação.

A exigência da informação no negócio e no contrato é comum aos regimes jurídicos do erro, do dolo, da usura e da boa-fé pré-contratual (artigos 227º, 247º a 254º e 282º e 485º do Código Civil) e o pilar do regime do dever de informação está estabelecido no artigo 227º que obriga as partes a agirem de acordo com a boa-fé, tanto nos preliminares como na formação do contrato.

A responsabilidade civil do intermediário financeiro, por violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública, está especificamente prevista no do Código dos Valores Mobiliários (acentuamos a aplicabilidade ao caso em juízo do Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro, com sucessivas alterações até ao Decreto-Lei nº 52/2006, de 15 de março, atenta a data da subscrição do produto financeiro ajuizado.

De acordo com a disciplina consagrada no Código dos Valores Mobiliários os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e, nesse relacionamento, devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. A obrigação de informação está inscrita no Código dos Valores Mobiliários e o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada. E é indiscutível que a qualidade da informação deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (art. art. 7º, nº 1).

O critério da diligência é acolhido no artigo 75º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeira e nesta dimensão, confrontando a evolução legislativa, a alteração normativa não incorpora matéria inovatória que não estivesse provisionada na esfera de proteção das regras atinentes à responsabilidade contratual e dos princípios gerais do direito positivo no domínio do cumprimento obrigacional. Estamos num território em que as declarações negociais não podem ser desviadas do sentido da ordem jurídica na sua globalidade, isto é, apesar da legislação específica a que estão sujeitas as operações e os sujeitos bancários, as instituições financeiras e de crédito, estão vinculadas às regras de direito positivo relativas à boa-fé e à lealdade e transparência contratuais sediadas no Código Civil. E, por isso, também no domínio da legislação do pretérito, os funcionários bancários dotados de poderes de direção e representativos estavam vinculados a agir com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral art.º 75º do RGICSF. “Efetivamente, apesar da alteração legislativa entretanto ocorrida, como resulta da comparação entre o regime inicial e a disciplina agora vigente, por força dos princípios gerais conformadores do cumprimento obrigacional e da cláusula geral da boa-fé, torna-se imperioso concluir que, desde sempre, a lisura contratual e as regras hermenêuticas no domínio da responsabilidade contratual impunham – e impõem – que o intermediário financeiro seja diligente na prestação de informações que permitam ao cliente ficar consciente dos riscos envolvidos em qualquer operação financeira realizada.” ac. STJ de 25-10-2018 no proc. 2581/16.8T8LRA.C2.S1, in dgsi.pt.

Sublinhe-se que neste contexto obrigacional não tem sentido de ponderação pretender ficcionar qualquer tensão de interesses antagónicos no âmbito da qual se pretenda configurar, de um lado a entidade bancária movida pelo desígnio de convencimento dos particulares no sentido de a todo o custo obter destes a subscrição e, do lado oposto, os subscritores com um dever de cuidado de não se deixarem convencer das investidas de sugestão por parte do banco. Ainda que, os desenvolvimentos de futuro possam ter criado, a posteriori, uma possibilidade interpretativa que faça resvalar o momento fundador da subscrição para uma figuração de enredo de enganos, impõe-se preservar o equilíbrio da análise, dento dos exatos limites da axiologia normativa servida pela subsunção dos factos fixados como provados. E com esta advertência, certificamos que a existência de deveres informativos visa essencialmente proteger os investidores tendo este princípio nuclear subjacente a defesa do interesse público, a segurança nos mercados e a igualdade entre os vários agentes de mercado - cfr. Sofia Nascimento Rodrigues, A proteção dos investidores em Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra 2001, pág. 23 e seguintes - razão para que toda e qualquer avaliação da responsabilidade contratual não possa ser apartada desta ideia.

Como já se decidiu em matéria igual “no domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto. Gera-se assim uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios. Esta realidade humana deve ser tutelada pelo Direito e, por isso, se cria uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar a cargo do Banco, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância. É uma relação de clientela” – vd. ac. STJ de 17/0372016, in www.dgsi.pt. Também Calvão da Silva sublinha que “a relação de clientela é uma relação obrigacional complexa e duradoura, iniciada nas negociações de um primeiro contrato e desenvolvida continuamente por subsequentes e repetidas ou renovadas operações de negócios firmadas pelas partes, muitas das quais novos contratos, em que, a par de prestações primárias (ou secundárias) surgirão obrigações acessórias de cuidado ou deveres de proteção cominados por acordo dos contraentes, pela lei ou pela boa-fé, para satisfação do interesse do credor. A relação de clientela não é um (único) contrato geral, mas uma relação contínua e duradouro de negócios assentem ligações especiais de confiança e lealdade mútua das partes, cuja violação na negociação conclusão, execução ou pós-extinção de uma operação financeira acarreta responsabilidade contratual”in Direito Bancário, Almedina, Coimbra 2002, pág. 335. E em igual abono Paulo Câmara refere que “neste domínio é essencial garantir a emissão de uma declaração negocial especialmente qualificada, porque devidamente esclarecida e fundamentada, sendo ainda instrumental do (também) dever do intermediário de adequação do produto ou do serviço de investimento ao concreto perfil do cliente.”  - in Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, Coimbra 2011, pág. 691/3.

Esta exposição de geral princípio necessita, no entanto, ser temperada pelo cuidado que deve merecer no contexto próprio, a natureza antes indicada das operações em questão e, sobretudo, percebendo o momento criador dessas mesmas operações. Em formulação simples, não pode ter-se como certo por presumido que a atividade bancária é complexa e portadora de circunvalações técnicas e semânticas de difícil compreensão, para criar, a partir de uma tal presunção tornada absoluta, um único padrão de dever de informação segundo o qual em qualquer circunstância e a qualquer pessoa, tudo deverá ser explicado, antecipando o agente bancário todas as questões que em seu entender e critério não são facilmente compreensíveis pelo cliente mesmo que em concreto o estejam a ser, antecipando uma literacia bancária que o transforme a ele, funcionário, num verdadeiro mandatário do cliente. Em verdade, a razoabilidade em que se move a boa-fé nas relações contratuais é moldada pela natureza das operações e dos comportamentos, e desta ideia decorre, no caso da atividade bancária, que se tenha por avisado definir e perceber se as informações foram, no caso concreto, “recomendação de investimento, conselho ou sugestão, elementos fundamentais para a criação de uma base de confiança do cliente que justifique a responsabilidade do intermediário financeiro nos termos em que a mesma veio decidida” - vd. ac. STJ de 11-7-2019 no proc. 901/17.7T8VRL.G2.S1, in dgsi.pt.

A importância da identificação naturalística (através da análise dos factos concretos) do processo de criação da decisão de realizar a subscrição, no quadro dos deveres de informação, é evidenciada por Gonçalo André Castilho dos Santos, quando adverte para que “são precisamente as avaliações e recomendações prestadas pelos intermediários financeiros que habitualmente motivam os investidores a fundamentar a sua decisão inicial de investimento ou a modificar uma decisão anterior. (…) A crescente complexidade dos serviços e dos produtos financeiros não só justifica uma gradual sofisticação da informação que tenha de vir a ser recolhida e tratada para efeitos de formulação de juízos sobre a qualidade e quantidade dos investimentos em mercado, como também implica, em termos exponenciais, que os custos e riscos envolvidos nessa operação sejam proibitivos para a esmagadora maioria dos investidores, em geral, e dos clientes, em particular. Esta envolvente repercute-se numa especial posição de confiança e dependência do cliente face ao profissional do mercado que, enquanto intermediário financeiro, assume funções significativas na gestão do património daquele” - in A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Almedina, 2008, pág. 135. Neste expresso sentido, a informação a prestar por um intermediário financeiro a um seu cliente tem “patamares de intensidade, dependentes do tipo de serviço prestado pelo intermediário: se é este intermediário quem recomenda um investimento, os deveres de informação são especialmente intensos; se o intermediário presta um serviço de “balcão” do tipo de recolha de subscrições de produtos financeiros, abertura de conta de valores mobiliários ou sua movimentação, a intensidade é outra. Em qualquer caso, no entanto, variando a intensidade e o tipo de detalhe informativo, não varia a veracidade da informação e demais características que lhe estão associadas.” - vd. ac. STJ de 11-7-2019 no proc. 901/17.7T8VRL.G2.S1, in dgsi.pt.

É esta a ideia comum a toda a realidade dos valores mobiliários regulada pelo CVM (que resulta do seu art. 7º, nº1), a necessidade de ser fornecida em todas as fases informação que, sendo suscetível de influenciar as decisões dos investidores, seja completa, verdadeira, atual, clara objetiva e lícita, devendo os intermediários financeiros agir de acordo com os princípios orientadores dessa atividade que, na ocasião, estavam enunciados no art. 304. Já então se estabelecia uma divisão entre investidores qualificados (art. 30º) e não qualificados, com reflexos designadamente no nível da informação que deveria ser prestada (arts. 321º e 323º). Sobrelevando a “proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado”, previa-se ainda a necessidade de serem observadas as regras da boa-fé e de serem adotados elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (art. 304º, nº 2), devendo ser evitados ou reduzidos ao mínimo os conflitos de interesses (art. 309º, nº 1) e devendo ser assegurado aos clientes um tratamento transparente e equitativo (nº 2).

Do campo regulamentar ressaltava o que constava do art. 39º do Reg. CMVM nº 12/2000 que: “1. Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro:

a) Fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa;

b) Entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros;

c) Fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado; …”.

Ademais, sendo o BPN uma instituição financeira, o art. 77º, nº 1, do RGICSF, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31-12, na vertente da intermediação financeira, dispunha ainda que “devem informar com clareza os clientes sobre … os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos …”.

Como refere Castilho dos Santos, no cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro estes devem ter em consideração a proteção dos interesses legítimos dos clientes, indagando sobre a sua situação financeira e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, com observância dos ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência – op. cit p. 76. Ou como defende Sofia Nascimento Rodrigues “a inversão da proporcionalidade entre a informação a prestar e o grau de conhecimento do investidor cria, na esfera do intermediário financeiro, um dever de conhecimento do cliente (know your client rule) e traduz, uma vez mais, a necessidade de tratamento diferenciado entre investidores” - op. cit. p. 46.

A respeito dos níveis de informação, é insofismável que o facto de a instituição bancária exercer também a atividade de intermediação financeira lhe impunha um elevado grau de empenhamento que pudesse compensar o menor grau de experiência de investidores não profissionais, como era o autor. Ainda assim, não seria razoável pensar que por essa via se eliminaria por completo a assimetria informativa (de que trata Margarida de Almeida Azevedo, em A Responsabilidade Civil por Prospeto no Direito dos Valores Mobiliários, p. 137), tanto mais que o BPN era substancialmente um canal através do qual o “Grupo SLN” desenvolvia a sua estratégia de angariação de fundos para as diversas empresas que o integravam. Para que a R. possa ser responsabilizada pelos prejuízos que advieram para o autor, necessário é que, atento o disposto no art. 314º do CVM, esteja provada a violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade impostos pela lei ou por regulamento.

Prescrevendo o art. 304º do CVM que os intermediários financeiros deveriam orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa-fé com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência e posto que se presuma a culpa no âmbito das relações contratuais, tal não afasta o pressuposto prévio da demonstração da ilicitude que recai sobre aquele que invoca o direito de indemnização e que, em concreto, se poderia traduzir na violação daqueles deveres, máxime do dever de informação, com função causal relativamente aos prejuízos.

No caso em decisão não podendo ser descurado o dever de diligência de cada indivíduo na procura da informação que permita tomar uma decisão conscienciosa (em vez de se ater apenas em alguns dos elementos, orientado unicamente pela perspetiva de obtenção dos lucros, sem atenção aos riscos), sobressai o facto de o autor ter sido interpelado por um funcionário do BPN que lhe sugeriu a aquisição de um produto diferente do que era habitual e, mais do que isso, um produto que o autor desconhecia, sem que o mesmo funcionário lhe tivesse prestado a informação básica associada à natureza do produto e aos riscos que envolvia, por comparação com a natureza e o risco de um produto tradicional como é o depósito a prazo.

A matéria de facto certifica a apontada iliteracia financeira do autor que tem a quarta classe e exerce a profissão de vidraceiro, sem conhecimentos à data da assinatura que lhe permitissem distinguir os diversos produtos financeiros, nomeadamente obrigações e respetivos tipos, de ativos financeiros que não sejam simples depósitos a prazo ou à ordem, tendo um perfil de investidor conservador  interessado apenas em produtos bancários sem risco. E, no entanto, esse seu básico e rudimentar conhecimento não teria efeitos negativos se não tivesse sido provocado a apostar num investimento diverso daquele que era habitual e sobre os quais não tinha conhecimentos consolidados (depósito de poupanças na instituição financeira BPN) diferente de uma aplicação num produto emitido por uma outra entidade. Neste contexto, o autor era merecedor de esclarecimentos que estabelecessem e lhe desse a conhecer a diferença entre um depósito a prazo e um empréstimo obrigacionista, seja quanto à identificação do devedor da obrigação de reembolso, seja quanto ao prazo de reembolso, seja ainda quanto à inexistência de qualquer garantia concedida pelo Fundo de Garantia de Depósitos e que naturalmente apenas abarcava os titulares de depósitos bancários e não outros investidores designadamente titulares de obrigações lançadas no âmbito de um empréstimo obrigacionista.

Podendo argumentar-se que a declaração do produto oferecido para subscrição ter características semelhantes a um depósito a prazo, mas com melhor remuneração que os depósitos a prazo, não deixava se ser, à data, uma informação completa e verdadeira e que essa expressão seria a corrente e adequada para explicar ao cliente que se tratava de um produto seguro e que os riscos não divergiam, sobremaneira, dos riscos de um depósito a prazo, não cremos que o argumento possa sustentar-se. A definição do significado útil da expressão “capital seguro ou garantido” referido a uma garantia de depósito, em termos de experiência comum, traduz a ideia de o dinheiro investido ficar seguro, ou melhor, que existe uma garantia que serve para assegurar o reembolso do capital investido. Em termos técnicos e de rigor não se trata de uma expressão avulsa que possa reportar à casuística da saúde do sistema bancário em cada distinto momento permitindo dizer que é de todo improvável, atendendo ao histórico da banca, que possa haver qualquer problema cogitável, por exemplo o de falência da entidade bancária. A expressão capital seguro e garantido não cremos que possa ter respaldo no argumento segundo o qual, foi a crise financeira do sub prime que se propagou a todo o sistema financeiro ou a rutura financeira do banco que emitiu as obrigações em que a autora investiu que fez colapsar a fiabilidade da informação e que, se assim não fosse, a autora teria muito provavelmente recebido todos os juros pretendidos no período de duração do investimento e, depois, o respetivo capital. Se é verdade que a causa dos danos correspondentes à desvalorização absoluta dos títulos possa ser atribuída a um fator que era estranho à ré - a crise financeira global que deflagrou em 2007 -, sem que se possa exigir que o banco pudesse antecipar e comunicar à autora o risco dessa ocorrência, o que temos por decisivo nesta matéria é que tais argumentos aludem à previsibilidade/imprevisibilidade da denominada saúde financeira e não ao que constitui, quanto a nós, o verdadeiro sentido da informação que se pode conter na declaração de o capital estar garantido. Esta garantia, informada da forma absoluta e vital como o foi, isto é, prevalecente em qualquer circunstância, compagina-se unicamente com o a que decorre do Fundo de Garantia de Depósitos regulado por legislação própria - criado em 1992, pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.

Quando na subscrição de um depósito a prazo e em linguagem técnica bancária se assegura que o capital investido está garantido isso significa para e  declaratário comum (art. 236 do CCivil) que ele beneficia de uma garantia que não se sustenta na simples segurança que a solidez do sistema bancário forneceu ao longo de diversas décadas, mas sim numa certeza básica que é a de os valores dos depósitos nos bancos estarem “garantidos e seguros”,  dentro dos limites do Fundo de Garantia. Por esta razão não deslocamos o sentido a atribuir à garantia da previsão normativa em que a colocamos para a naturalística da saúde variável que o sistema financeiro possa ou não ter em determinado momento.

Em resumo, o banco réu através dos seus funcionários, não podia esquecer, em qualquer circunstância, que a informação de o capital estar garantido e ser semelhante a um depósito a prazo, correspondendo a uma exigência de técnica e conhecimento financeiro, não era a que pudesse resultar de uma observação da realidade e conclusão de prognose sobre a fiabilidade do sistema financeiro, mas sim a que decorria da consistência e segurança fundadas no ordenamento jurídico aplicável. A garantia do capital contida na informação prestada, segundo a apreciação de um homem médio normal colocado na situação do concreto implicado e no contexto e natureza da operação realizada, dá indicação da segurança de que, em qualquer caso, o capital estaria sempre garantido. O autor era merecedora de esclarecimentos que estabelecessem a diferença entre um depósito a prazo e um empréstimo obrigacionista, seja quanto à identificação do devedor da obrigação de reembolso, seja quanto ao prazo de reembolso, seja ainda quanto à inexistência de qualquer garantia concedida pelo Fundo de Garantia de Depósitos e que naturalmente apenas abarcava os titulares de depósitos bancários e não outros investidores designadamente titulares de obrigações lançadas no âmbito de um empréstimo obrigacionista

Os acórdãos dos tribunais superiores e designadamente deste Supremo Tribunal de Justiça que se encontram acessíveis revelam a este respeito uma variedade de situações que se evidencia, desde logo, no vetor relacionado com o cumprimento dos deveres e com o nível de conhecimento dos clientes relativamente às características de produtos financeiros como as obrigações SLN.

Existem casos em que este Tribunal tem considerado que não foi incumprido o dever de informação - v.g. o Ac. do STJ de 24-1-19, 2406/16, deste mesmo coletivo, o Ac. do STJ de 28-2-19, 2146/16, o Ac. do STJ de 15-1-19, 3831/15, o Ac. do STJ de 19-12-18, 2382/17 ou o Ac. de 19-12-18, 433/11, todos em www.dgsi.pt. A par destes casos, outros existem em que este mesmo Tribunal se confrontou com práticas agressivas, envolvendo clientes sem quaisquer conhecimentos e que foram motivados a subscrever “obrigações subordinadas” como se fossem verdadeiros depósitos bancários, numa quebra flagrante dos deveres de lealdade e de informação. Certos casos deixam visível uma estratégia delineada no sentido de retirar proveito da boa-fé, da credulidade, da ingenuidade ou mesmo da pura ignorância de pessoas que acabaram por subscrever produtos que nunca pretenderam, iludidos por uma falsa associação entre obrigações e depósitos a prazo, sem verdadeira perceção das consequências adversas que potencialmente estavam contidas nas operações.

Assim ocorreu no Ac. do STJ de 10-4-18 no proc. 753/16, em www.dgsi.pt, em que foi assegurado ao investidor que “o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido como se fosse um produto do banco, o que foi razoavelmente entendido, como tão seguro e garantido como um depósito a prazo” e que “nos casos … em que o cliente é induzido a investir pelo Banco, que toma a iniciativa de o contactar, o que revela confiança … qualquer reticência de informação já é violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário financeiro”.  Outro caso semelhante ressalta do Ac. do STJ de 17-3-16 no proc. 70/13, www.dgsi.pt, em que, a respeito de “Obrigações CNE”, também do grupo SLN, se provou que, “aquando da subscrição da aplicação o A. foi informado que se tratava de produto com garantia de reembolso idêntica à do próprio Banco, uma vez que a empresa emitente – a CNE, S.A. – era do mesmo grupo empresarial em que o Banco se achava integrado”; “o A. alertou expressamente a gerente da agência, FF, que só investiria aquele dinheiro se o rendimento e a recuperação dos valores aplicados fossem 100% seguros”; “foi-lhe então assegurado por aquela gerente que a aplicação tinha uma rendibilidade anual garantida de 5,553% e que, sendo uma aplicação de uma empresa do grupo, estava assegurado o reembolso do capital e juros, não comportando qualquer risco”.

Semelhante é também a situação que foi apreciada no Ac. do STJ de 18-9-18, 20329/16, em www.dgsi.pt, numa situação em que “os AA. eram clientes do banco há mais de 15 anos e têm a 4ª classe; os funcionários do R. sabiam que os AA. nunca tinham investido em produtos diferentes de depósitos a prazo;  os AA. não tinham a intenção de investir; foram os funcionários do R. que seduziram e convenceram os AA. a investir o valor de € 50.000,00 no produto financeiro, iludindo-os quanto à sua natureza e características”.

Também existe identidade próxima com os casos apreciados nos acs. do STJ de 18-9-18, 20403/16; de 7-2-19, 31/17, e no de 19-3-19, 3922/16, todos em www.dgsi.pt. em situações em que “os AA. eram clientes do banco há mais de 15 anos e têm a 4ª classe; os funcionários do R. sabiam que os AA. nunca tinham investido em produtos diferentes de depósitos a prazo;  os AA. não tinham a intenção de investir; foram os funcionários do R. que seduziram e convenceram os AA. a investir o valor de € 50.000,00 no produto financeiro, iludindo-os quanto à sua natureza e características”.

O caso presente inscreve-se no bloco dos que revelam práticas agressivas, envolvendo um cliente sem quaisquer conhecimentos e que foi induzido a subscrever uma “obrigação subordinada” como se fosse um verdadeiro depósito bancário, numa quebra flagrante dos deveres de lealdade e de informação.

Não há dúvida de que o R. não cumpriu minimamente o dever de informação que sobre si impendia enquanto intermediário financeiro, assim como o dever de proteção dos clientes que se mostrava imprescindível em face da completa iliteracia financeira do A.

Aliás, sendo o autor cliente da R., enquanto instituição de crédito onde detinham as suas poupanças e onde efetuavam as operações financeiras, era dever acrescido desta não os confrontar com investimentos que comportavam uma margem de risco que o mesmo não compreendia, em lugar de o envolver na aquisição de um produto financeiro emitido por outra entidade e sujeito a regras específicas de que ressalta a natureza subordinada do crédito e a falta de qualquer garantia de devolução do capital em caso de insolvência, diversamente do que ocorreria se se tratasse de um depósito bancário.

Repetimos que não pode ceder-se ao facilitismo de interpretar e integrar os deveres que recaíam sobre os intermediários financeiros em 2004 à luz da evolução do mercado financeiro e designadamente do surgimento da crise financeira em finais de 2007 ou da posterior insolvência da emitente das obrigações. Pelo contrário, deve fazer-se um esforço no sentido de colocar cada interveniente na posição relativa em que se encontrava na data em que foi executada a operação financeira, contando exclusivamente com os deveres do intermediário no contexto jurídico e financeiro que rodeava a operação em causa e com as correspondentes necessidades informativas do investidor.

Mas no caso concreto o facto de o BPN informar que garantia o reembolso do capital, apesar de estar a agir como intermediário financeiro, constitui um plus que não pode deixar de ter efeitos ao nível da verificação da ilicitude.

Para o efeito releva especialmente o facto de ter sido proferido AUJ de 6 de dezembro de 2021 no proc. 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A de , no qual se uniformizou o entendimento jurisprudencial que, a respeito do pressuposto da ilicitude, assim ficou condensado:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.

Demonstrada a ilicitude, a procedência da ação depende ainda da verificação do nexo de causalidade entre a atuação do BPN e a subscrição por parte dos AA. do produto financeiro que mais tarde se revelou ruinoso, pelo facto de a entidade emitente não ter procedido ao reembolso do capital.

A demonstração desse nexo de causalidade constitui ónus do investidor, ainda que não qualificado, como resulta do ponto 1 do sumário do AUJ acima referido e foi explicitado nos pontos 3 e 4 com a seguinte redação:

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir. 

A necessidade de demonstração do nexo de causalidade nestas e noutras ações já fora assinalada na jurisprudência deste Supremo, mantendo-se firme o critério segundo o qual é sobre o interessado que recai o respetivo ónus da prova, embora com variação do grau de probabilidade entre o evento e o resultado.

Assim foi no Ac. do STJ de 24-1-19, 2406/16, www.dgsi.pt, de cujo sumário consta, além do mais que: “Ainda que se apurasse ter existido incumprimento do dever de informação por parte do intermediário financeiro, a sua responsabilidade civil dependeria ainda do estabelecimento de um nexo de causalidade, ou seja, de que foi por causa daquele incumprimento que o investidor realizou o concreto investimento que se revelou prejudicial.

Não se tendo provado que a subscrição da Obrigação SLN 2006 foi decidida em função de alguma confusão relativamente a um depósito a prazo constituído na instituição financeira intermediária da operação ou de algum aspeto conexo com a identidade da emitente das obrigações e do intermediário financeiro, não se considera verificado o nexo de causalidade”.

A mesma linha já fora seguida no Ac. do STJ de 6-6-13, 364/11, em www.dgsi.pt, no qual se afirmou que “a responsabilidade civil assacada ao intermediário financeiro, designadamente no âmbito de contrato de consultadoria para investimento em valores mobiliários, pressupõe a prova da ilicitude resultante do incumprimento de deveres legais ou contratuais, numa relação de causalidade adequada com o sinistro financeiro verificado”.

Foi também na falta de prova de factos reveladores desse pressuposto que o Ac. do STJ de 6-11-18, 2468/16, em www.dgsi.pt, se fundou para julgar a improcedente a ação que foi instaurada contra um intermediário financeiro. Tratou-se de um caso em que, embora tenha sido afirmado a ilicitude do Banco por inobservância de elevados padrões de diligência, lealdade e transparência que lhe eram exigíveis para a prestação de informações, acabou por concluir que não se verificava o nexo de causalidade por não ter resultado provado que os danos invocados pelos recorrentes devam ser adequadamente imputados à violação do bem tutelado.

O mesmo aconteceu com o Ac. do STJ de 13-9-18, 13809/16, em www.dgsi.pt. Para além de neste se assentar que “a lei portuguesa não permite que o nexo de causalidade seja retirado ou obtido por via de uma presunção”, ficou expresso que não resultava da “matéria de facto que se os deveres de informação que recaíam sobre o banco intermediário financeiro tivessem sido cumpridos os AA. não teriam investido na aplicação em causa nos autos, mas noutra que lhes garantisse um retorno seguro”. Concluiu que não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito (violação do dever de informação) e o dano (valor da prestação não cumprida pela entidade emitente) e que “para que tal sucedesse era necessário ter-se provado que os AA. não teriam tomado a decisão de subscrever as obrigações em causa se lhes tivesse sido prestada toda a informação relativa ao produto que adquiriram”.

Como ficou clarificado pelo referido AUJ, a respeito do nexo de causalidade, não pode aceitar-se a dispensa da demonstração dos factos integrantes deste pressuposto mediante a adesão a uma tese como aquela que faz presumir a causalidade a partir da verificação da ilicitude. Não cremos, aliás, que alguma especificidade possa encontrar-se nesta área da intermediação financeira que permita associar a um eventual incumprimento do dever de informação a presunção de que aí se encontra a causa adequada do resultado traduzido na subscrição da obrigação subordinada e, depois, na falta de reembolso do respetivo capital. Pelo contrário, parece importante que também nestes casos se demonstre o referido nexo de causalidade adequada, sem que se invertam os termos da equação, atribuindo relevo ao sinistro antes de apreciar os comportamentos dos agentes nas circunstâncias que existiam.

Ora, estando no caso em causa o alegado incumprimento do dever de informação, a matéria de facto apurada que, ademais, não é infirmada pelos factos que foram considerados não provados, permite que se assuma a verificação do nexo de causalidade adequada entre a atuação do banco e o efeito negativo que veio a manifestar-se na esfera patrimonial do A. com a insolvência da GALILEI conexo com a anterior aquisição de um produto financeiro carente de melhor informação.

A este respeito apurou-se de essencial que:

 Em face da confiança pessoal e profissional que depositava no gerente daquela agência bancária, o autor ficou convencido de que o seu dinheiro estava totalmente seguro, numa aplicação em tudo idêntica a um depósito a prazo, e que seria o ex-BPN a pagar os juros e a restituir o capital.

. Assim, em 18-10-2004 o autor assinou o documento de fls. 41 que lhe foi apresentado pelo referido funcionário bancário e que é um impresso do ex-BPN, em cujo canto superior direito se pode ler “Depósitos a prazo e de poupança”.

 Nesse mesmo impresso, no campo destinado à constituição, encontra-se assinalada com uma cruz a quadrícula respeitante a “Depósito Prazo”.

 A referência a depósito a prazo constante daquele documento reforçou a convicção do autor de que, tal como lhe havia sido informado pelo funcionário bancário, estava a investir num produto seguro, do próprio Banco e com o capital garantido.

 O autor desconhecia que ao assinar o documento de fls. 110 estava a subscrever obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004.

 Caso tivesse sido explicado ao autor que o que estava a adquirir não tinha capital garantido e não era semelhante a um depósito a prazo, jamais teria aceitado investir a quantia de € 50.000,00 em obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004.

Para responsabilizar o Banco R. pelo “sinistro” financeiro era necessário que se apurasse que foi na errada, deficitária ou perturbadora informação dada pelo BPN que o A. assentou a sua vontade de aceder à proposta de aquisição do produto financeiro. Ou seja, era necessário que a matéria de facto revelasse que foi por não ter recebido do BPN informação que fosse completa, verdadeira, atual, clara objetiva e lícita que o A. aceitou a proposta de aplicação financeira ou que não contrataria tal obrigação se lhe tivesse sido dada informação completa e verdadeira.

Tal prova foi feita e por isso há que confirmar o acórdão recorrido.

… …

Síntese conclusiva

- Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

- Conforme jurisprudência uniformizada do STJ de 6 de dezembro de 2021 no processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, “ 1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir. “

… …

Decisão

 Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas da revista pelo R.

Notifique.


Lisboa, 27 de outubro de 2022


Relator: Cons. Manuel Capelo

1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva

2º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Nuno Ataíde das Neves