Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | JOÃO CAMILO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA APREENSÃO VENDA JUDICIAL SALDO DISPONÍVEL | ||
Data do Acordão: | 05/20/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO FALIMENTAR - EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS PROCESSUAIS - ADMINISTRAÇÃO E LIQUIDAÇÃO DA MASSA INSOLVENTE / PROVIDÊNCIAS CONSERVATÓRIAS. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 1.º, 88.º, N.º1, 149.ºN.ºS 1 E 2. CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO (CPT): - ARTIGO 180.º, N.º1. | ||
Sumário : | Nos termos do art. 663º, nº 7, sumaria-se o acórdão da seguinte forma: Vendidos, em acção executiva, bens de uma sociedade executada que posteriormente à venda veio a ser declarada em insolvência, deve ser apreendido para a massa insolvente o produto da referida venda desde que aquele produto ainda não haja sido pago aos credores exequentes e/ou aos credores preferentes reconhecidos e graduados na execução, nem haja esse produto sido repartido entre eles, em obediência ao previsto no art. 149º, nº 2 do CIRE. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Por apenso aos autos de processo de insolvência, em que foi declarada insolvente AA – Construções, SA, veio o Ministério Público, na sequência de um despacho em que se convidou o apresentante – Chefe de Serviço de Finanças de Esposende – a apresentar nova petição (fls. 71), intentar Ação Especial de Restituição ou Separação de Bens Apreendidos (fls. 76 e segs.). Para tanto alega, em síntese, que a sociedade AA – Construções, SA foi declarada insolvente em 10/01/2012 e, no dia 22/01/2013, a Administradora da Insolvência da referida sociedade apreendeu o produto da venda de três frações em processos de execução fiscal que identifica. No seguimento das penhoras foram citados os credores com garantia real para reclamarem os seus créditos, tendo sido proferidas sentenças a verificar e graduar os créditos do BCP, SA e da Fazenda Nacional, em relação aos três processos de execução fiscal. Alega, ainda que se procedeu à venda dos referidos bens tendo as decisões do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga transitado em julgado pelo que, tendo os bens apreendidos sido vendidos antes da declaração de insolvência, o produto da venda dos mesmos não integra o património do insolvente. Termina pedindo a declaração de que as referidas quantias não integram o património da massa insolvente e como tal devem ser entregues aos credores conforme graduação e verificação de créditos no âmbito do processo executivo. Foi cumprido o disposto no artigo 144º nº 2 do CIRE. Não foram apresentadas contestações. Foi proferida sentença onde se decidiu julgar a acção procedente e, em consequência, declarar a separação da massa insolvente de “AA – Construções, S.A.” dos seguintes bens: a) Produto da venda no processo de execução fiscal n.º ----, da fração “E” do prédio em propriedade horizontal, inscrito na matriz urbana da freguesia de Gandra, concelho de Esposende, com o número 952 e descrito na conservatória respetiva sob o número 01108; b) Produto da venda no processo de execução fiscal n.º ---, da fração “P” do prédio supra identificado; c) Produto da venda no processo de execução fiscal n.º ---, da fração “O” do prédio supra identificado.
A Massa Insolvente de AA – Construções, SA não se conformando com a sentença, veio interpor recurso, que foi julgado improcedente pelo Tribunal da Relação de Guimarães. Mais uma vez inconformada, veio a mesma Massa Insolvente interpor a presente revista excepcional que a formação prevista no nº 3 do art. 672º do Novo Cód. de Proc. Civil - a que se referirão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, admitiu. Esta recorrente apresentou extensas alegações em que formulou conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas. Daquelas se deduz que a recorrente para conhecer neste recurso levanta apenas a seguinte questão: Deverá improceder o pedido de separação da massa insolvente das importâncias monetárias para aquela apreendidas e resultantes de vendas judiciais de bens da insolvente ?
O Digno Magistrado do Ministério Público contra-alegou defendendo a revogação do decidido. Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir. Como é sabido – arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 - o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes. Já vimos a questão acima apontada como objecto deste recurso. Mas antes de mais há que especificar a matéria de facto que as instâncias deram por apurada e que é a seguinte:
Vejamos agora a questão acima apontada como objecto deste recurso. Trata-se aqui de saber se os montantes monetários depositados em processos de execução fiscal e provenientes de vendas executivas de bens da insolvente devem ou não ser separadas da massa insolvente onde foram apreendidas, nos termos do art. 149º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ( CIRE ). E isto tomando em conta que as vendas judiciais haviam sido celebradas antes da prolação da sentença que decretou a insolvência. Esta questão tem sido discutida na jurisprudência, nem sempre de forma unívoca. Na jurisprudência deste Supremo Tribunal, porém, não encontramos decisão alguma sobre a questão. Já os Tribunais da Relação têm decidido de forma, pelo menos fortemente, maioritária, no sentido defendido pela recorrente, tal como resulta das citações que o Digno Magistrado do Ministério Público fez nas suas contra-alegações que, curiosamente, vão no sentido da procedência do recurso. E pensamos que a recorrente tem razão. Com efeito, o art. 149º, nº 1 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas ( CIRE ) prescreve que decretada a insolvência, procede-se à imediata apreensão (…) de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido: - Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de caracter criminal, quer de mera ordenação social. E o seu nº 2 acrescenta o seguinte: - Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido. Daqui resulta que tendo os imóveis, propriedade da insolvente, sido vendidos em processo executivo fiscal, antes de declarada a insolvência, mas ainda não havendo sido o produto das venda pago aos credores ou por estes repartidos aquando da prolação da sentença de insolvência, havia de o mesmos produto ser apreendido para a massa insolvente como foi. Logo tem de improceder a presente acção e de proceder este recurso. As instâncias decidiram em sentido oposto, mas pensamos que sem qualquer razão. A decisão da 1ª instância é muito parca na fundamentação da mesma. Já o acórdão recorrido alonga-se mais na fundamentação da decisão. Segundo entendeu aquela decisão, a venda executiva traduz-se numa venda por parte do executado, apesar de a venda poder ser efectuada contra a sua vontade. E só assim se compreende, como aceita o acórdão recorrido, que o eventual remanescente do produto da venda resultante da liquidação dos credores pertença ao executado. Porém, antes de este pagamento ser efectuado, segundo entende aquele acórdão, esse produto da venda encontra-se afecto a um fim especifico: dar satisfação ao pagamento do crédito do exequente e/ou dos credores preferentes, não sendo, por isso, ”assimilável à ideia de detenção de um bem pertencente à massa insolvente”. Para rebater este argumento, diremos que os bens penhorados ou arrestados, antes da referida venda judicial também estão afectos a um fim específico idêntico e não restam dúvidas de que os bens nessas situações devem ser apreendidos para a massa insolvente – cfr. al. a) do nº 1 do citado art. 149º. Por outro lado, a letra da lei – o nº 2 do art. 149º referido é clara no sentido de que o legislador entendeu que, apesar de o produtos da venda executiva de imóveis da insolvente estar afecto àquela finalidade, a circunstância de, entretanto, ser decretada a insolvência, tem como consequência ser esse fim alterado, passando esse produto da venda a integrar a finalidade da declaração da insolvência, ou seja, o de permitir em execução universal , a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores - cfr. art. 1º do CIRE. No mesmo sentido aponta o disposto no art. 88º do CIRE que no seu nº 1 prescreve que a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligência s executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obstar à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência . Tendo em conta que o produto da venda executiva em causa pertence à insolvente – como o acórdão recorrido acaba por reconhecer, e só assim se compreende que se houver saldo da satisfação do crédito exequente e dos créditos preferentes, aquele reverta para o executado -, esse produto tem de ser apreendido para a massa, ficando prejudicada a finalidade decorrente da execução, por se sobrepor a essa um fim superior, na óptica do legislador. Por último ainda apontaremos o disposto no art. 180º, nº 1 do Cód. de Procedimento e Processo Tributário que estipula que proferida decisão judicial a decretar a falência – hoje insolvência -, serão sustados os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes. Sendo assim, não podia a justiça fiscal dar pagamento ao exequente e/ou aos credores preferentes, pelo produto da venda, o que apenas se compreende se se entender que esse produto passa a estar afecto à satisfação do credores da insolvência, em prejuízo dos credores exequentes e/ou credores preferentes na execução. Desta forma, procede o fundamento do recurso.
Pelo exposto se concede a revista pedida e, por isso, se revoga o acórdão recorrido, julgando-se improcedente o pedido deduzido e dele absolvendo a ré. Sem custas por delas estar isento o autor – art. 4º, nº 1 al. a) do Regulamento das Custas Processuais. * João Camilo ( Relator ) Fonseca Ramos Fernandes do Vale |