Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1197/16.3T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
CONTRATO DE SEGURO
BANCO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE COMUNICAÇÃO
DEVER DE INFORMAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
SEGURADORA
TOMADOR
SEGURADO
INCUMPRIMENTO
OPONIBILIDADE
INVALIDEZ
JUROS COMPENSATÓRIOS
Data do Acordão: 03/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Os seguros associados a mútuos, frequentemente oferecidos e intermediados pelo próprio banco que concede o financiamento, são, em geral, celebrados aquando da conclusão do mútuo a que se encontram associados.

II. A sua finalidade, além de se traduzir na tutela e garantia do devedor perante eventualidades suscetíveis de afetar negativamente a sua capacidade de cumprir - ou de reduzir o valor do imóvel constituído em garantia -, consiste, cada vez mais, em fornecer uma salvaguarda ao mutuante.

III. O risco deve existir ao tempo da adesão ao seguro, pois que a sua falta determina a nulidade do contrato por impossibilidade do objeto ou falta de causa, enquanto da sua cessação superveniente decorre a caducidade do contrato por falta de justificação causal.

IV. Tratando-se de uma cláusula que tem por objeto uma exclusão da cobertura do seguro e que está sujeita ao regime consagrado na LCCG, cabe à seguradora demonstrar ter sido objecto de negociação ou adequadamente comunicada e suficientemente informada aos aderentes. V. Apesar de resultar do art. 4.º, n.º 2, do DL n.º 176/95, que os deveres de comunicação e informação recaem, primordialmente, sobre o tomador do seguro, o seu incumprimento é oponível pelos aderentes/segurados à seguradora.

VI. Levando em linha de conta a coligação negocial entre o mútuo e o seguro, assim como a estrutura triangular deste ou a sua consideração como contrato trilateral, o banco/mutuante/tomador do seguro não pode assumir uma postura de total alheamento da relação que se estabelece entre a seguradora e os mutuários/aderentes/segurados, nem a seguradora pode adotar essa posição perante a relação que se estabelece entre o banco e os mutuários/aderentes/segurados.

VII. Sendo assimétrico, apesar de ser objeto de regime próprio, o contrato de seguro está sujeito à LCCG, independentemente de esta ser considerada direito comum ou direito especial.

VIII. O reembolso do capital e o pagamento dos juros compensatórios efetuados depois da verificação da eventualidade – invalidez absoluta e definitiva - são in sé privados de justificação.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,







I - Relatório


1. AA e Mulher, BB, intentaram ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A. (doravante Fidelidade) e contra a Caixa Geral de Depósitos, S.A. (doravante CGD), pedindo:

1 - a condenação das Rés no reconhecimento da validade e vigência dos contratos de seguro titulados pelas apólices .....202  e .....906, à data do sinistro, 1 de janeiro de 2012, para todos os efeito legais e, assim, no reconhecimento de dispensa dos Autores de amortização ou pagamento das quantias mutuadas;

2 - a condenação da Ré CGD na devolução aos Autores da quantia de €14.353,07, correspondente às prestações, juros e despesas que descontou na conta dos Autores e recebeu, desde a data do sinistro, 1 de janeiro de 2012, até 29 de fevereiro de 2016, bem como o que a esse título continue a receber ou descontar, acrescida aquela quantia dos juros de mora, à taxa legal, que se vencerem desde a data da citação e até à data do reembolso, bem como dos mesmos juros contados sobre as quantias que eventualmente continuar a receber, desde as datas desses recebimentos e até à do reembolso.

2. Para tanto, alegaram, em síntese, que celebraram com a CGD dois contratos de mútuo, o primeiro no valor correspondente a €49.879,79, mediante amortização em 25 anos; e o segundo de €35.000,00, mediante amortização em 29 anos. Mais se obrigaram a celebrar contratos de seguro, com a subscrição dos quais junto da primeira Ré passaram a gozar da cobertura de risco de morte ou invalidez permanente, obrigando-se a seguradora a efetuar o reembolso do capital em dívida à CGD em casos determinados de incapacidade de um dos mutuários. Alegaram ainda os Autores que, em setembro de 2009, a Autora começou a sofrer de diabetes que lhe afetavam a visão. A 29 de janeiro de 2014, foi sujeita a junta médica, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente global de 80% com efeitos desde 2012. Apesar disso, a 2.ª Ré continuou a proceder ao débito na conta dos Autores das prestações de juros e amortização dos empréstimos, em vez de ter exigido à 1.ª Ré o reembolso do montante total em dívida naquela data. Sustentam estar verificado o risco coberto pelo seguro e reunidas as condições para o reembolso do capital em dívida à CGD, e consequentemente o direito à restituição das quantias suportadas pelos Autores desde a data do sinistro.

3. Ambas as Rés apresentaram contestação, preconizando a improcedência total da ação. A 1.ª Ré/seguradora impugnou o essencial dos factos alegados pelos Autores. Arguiu a ilegitimidade ativa dos Autores para os termos da lide, por dever ser a CGD a demandante, enquanto beneficiária dos contratos de seguro. Arguiu também a resolução dos contratos de seguro por falta de pagamento dos respetivos prémios. Invocou, ainda, a exclusão contratual incluída no contrato .....906 quanto a invalidez decorrente de doença pré-existente. E, quanto ao contrato .....202 , arguiu a anulabilidade por falsas declarações no preenchimento do questionário clínico, aquando da respetiva adesão, pois que a Autora omitiu a sua história clínica, nomeadamente a diabetes de que padecia. A Ré CGD sustentou que o pedido de dispensa de amortização das quantias mutuadas é infundado, porquanto o contrato de mútuo não se extingue; assim como também é infundado o pedido de restituição das quantias liquidadas, uma vez que a Ré apenas depois de receber o capital segurado poderia devolver aos Autores a quantia correspondente às prestações vencidas, e na medida do que viesse a percebê-lo.

4. Após a realização da audiência prévia foi proferido despacho saneador, no qual, além do mais, se julgou improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade invocada pela 1.ª Ré, assim como a invocada exceção perentória de resolução dos contratos de seguro por falta de pagamento dos respetivos prémios. Identificado o objeto do litígio e selecionados os temas da prova, foram admitidos os meios de prova, tendo sido determinada e realizada perícia médico-legal para avaliação da incapacidade permanente da Autora, com os resultados constantes dos autos.

5. Depois da audiência final, o Tribunal de 1.ª Instância proferiu sentença que julgou a ação improcedente e absolveu as Rés dos pedidos formulados.

6. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação, pugnando pela revogação da sentença.

7. A Ré Fidelidade apresentou contra-alegações, pugnando pela rejeição do recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto, por violação dos ónus previstos no art. 640.º do CPC. Sustentou ainda a improcedência da nulidade da sentença recorrida, assim como a improcedência do recurso interposto e a consequente manutenção do decidido.

8. Por acórdão de 14 de maio de 2020, o Tribunal da Relação de ........ decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença recorrida no segmento em que julgou procedente a exceção perentória invocada pela 1.ª ré relativamente ao contrato de seguro titulado pela apólice .....906 e absolveu as rés dos pedidos formulados.


Em consequência, decide-se:


a) Condenar as rés a reconhecer como válido e vigente o contrato de seguro titulado pela apólice .....906, em 01-01-2012 e, por via disso, reconhecer que os autores estão dispensados de amortização da quantia mutuada pelo contrato de mútuo celebrado a 30-10-1997, a partir daquela data (1-01-2012);


b) Condenar a ré CGD a devolver aos autores o valor correspondente às prestações, juros e despesas que foram efetivamente descontadas por esta ré na conta dos apelantes, desde a data do sinistro, em 01-01-2012, até à presente data, e que tenham como causa a quantia mutuada pelo contrato de mútuo celebrado a 30-01-1997, bem como o que a esse título aquela ré continue a receber ou descontar, em montante a liquidar em incidente de liquidação, ao abrigo da faculdade prevista no artigo 609.º, n.º 2, do CPC, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação para a presente ação e até à data do reembolso sobre as quantias debitadas até à data da citação, bem como dos mesmos juros contados sobre as quantias cobradas pela ré posteriormente à citação, desde as datas desses recebimentos e até à data do efetivo do reembolso;


c) Confirmar, no mais, a sentença recorrida.


Custas da ação e da presente apelação a cargo dos autores/apelantes e das rés/apeladas, na proporção de metade."


9. Não se conformando, a Ré Fidelidade interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões:

“1. O objecto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

i) a condição contratual que determina que não entram, para o cálculo da incapacidade (risco coberto), “quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes”, tendo o Tribunal a quo entendido que, considerando a factualidade vertida no ponto 20 da factualidade provada (violação do dever de informação), aquela condição contratual deveria ser considerada não escrita e ainda (e com esta directamente conexa),

ii) a quem compete o ónus de comunicação, informação e explicação das condições neste tipo de contrato, e a oponibilidade à seguradora de cláusulas que não tenham sido comunicadas pelo tomador do seguro.

QUANTO AO PRIMEIRO PONTO: DA NECESSIDADE DE COMUNICAÇÃO DA CONDIÇÃO

“… não entram, para o cálculo da incapacidade (risco coberto), “quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes”:

2. O Tribunal a quo entendeu que, considerando a factualidade vertida no ponto 20 da factualidade provada (violação do dever de informação), aquela condição contratual deveria ser considerada não escrita.

3. Ora, entende a recorrente que tal condição mais não é do que uma decorrência necessária da própria noção/do próprio conceito de contrato de seguro e de risco.

4. Ademais, ainda que venha a ser excluída do contrato, sempre aquelas incapacidades e patologias preexistentes não estarão cobertas pelo contrato dos autos, já que a sua cobertura seria, desde logo, contrária à lei.

DO CONTRATO DE SEGURO E DO CONCEITO DE RISCO

5. O contrato de seguro é comummente definido como “aquele em que uma das partes (segurador) se obriga, contra o pagamento de certa importância (prémio), a indemnizar outra parte (segurado ou terceiro) pelos prejuízos resultantes da verificação de determinados riscos.”

6. Mais se define como “um contrato bilateral ou sinalagmático e aleatório, sendo-o na medida em que a prestação da seguradora fica dependente de um evento futuro e incerto – um sinistro -, a concretizar o risco coberto.” Assim sendo, a noção de contrato de seguro nunca poderá desencontrar-se da própria noção de risco.

7. Assim, na doutrina e jurisprudência define-se o risco como “a possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto, de natureza fortuita, com consequências prejudiciais para o segurado, tal elemento essencial do contrato de seguro concretiza-se no sinistro (ocorrência concreta do risco coberto).” – vd. Ac. do TR do Porto de 21/10/2019, proc. nº RP20191021308/19.1YRPRT.

8. É fortuito, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, o acontecimento que ocorre por acaso, não planejado, eventual, imprevisto, inopinado.

9. O art. 1º do DL 72/2008 (doravante LCS – Lei do Contrato de Seguro), sob a epígrafe “conteúdo típico” determina o seguinte: “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente.”

10. O contrato de seguro tem, necessariamente, uma componente aleatória, infortunística. Assim, por natureza, estão excluídos de cobertura quaisquer eventos já ocorridos, que nada têm de “futuro, incerto, fortuito”.

DO CASO CONCRETO:

DA COBERTURA DE INCAPACIDADES ANTERIORES À DATA DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO/DA IMPOSSIBILIDADE LEGAL DE COBRIR RISCOS ANTERIORES À DATA DO CONTRATO:

11. Sem necessidade de nos alongarmos quanto à definição do contrato de seguro e ao conceito de risco, sobejamente estudados na doutrina e jurisprudência, pode afirmar-se com total segurança que tais noções, do ponto de vista conceptual, impedem, desde logo, por violação da própria natureza do contrato em causa, a cobertura de quaisquer eventos passados e, por conseguinte, a decisão sob censura.

12. Assim, da mesma forma que não é exigível – à seguradora – demonstrar que comunicou a exclusão de acidentes ocorridos sob o efeito de álcool, ou estupefacientes, no âmbito, por exemplo, do seguro automóvel, com cobertura de danos próprios, por tal exclusão ser decorrência de um imperativo legal, também, in casu, não será exigível que a seguradora demonstre que comunicou a exclusão de incapacidades (verificação do risco – sinistros) anteriores à data da celebração do contrato.

13. A propósito, cite-se o Ac. do STJ de 08-01-09, relatado pelo Ex.mo Sr. Conselheiro João Bernardo e votado por unanimidade, disponível em www.dgsi.pt, o qual foi sumariado nestes termos: “A cláusula do seguro complementar que exclui a cobertura dos danos do condutor em caso de condução com taxa de alcoolémia superior ao mínimo permitido é de interesse público, não sendo negociável nem influenciável pelo tomador do seguro; IV-Não lhe é, pois, aplicável o regime próprio das cláusulas contratuais gerais”.

14. Assim, ao abrigo do disposto no art. 280º do CC, a cobertura de riscos/danos/sinistros já verificados seria nula, já que o âmbito desta cobertura é “legalmente impossível, contrário à lei”, nulidade que expressamente se invoca.

15. Se tal cobertura (negócio jurídico) tem um objecto impossível, é inexigível à seguradora a prova de tal exclusão, já que a mesma decorre da própria lei.

DA BOA FÉ NA FORMAÇÃO E CUMPRIMENTO DOS CONTRATOS / DA INTEGRAÇÃO DO CONTRATO:

16. Na própria proposta de seguro consta uma menção expressa pela qual a proponente, a aqui pessoa segura, declara que lhe foram prestados todos os esclarecimentos e que lhe forma informadas todas as condições contratuais, com as quais concorda – documento que protesta juntar no prazo que, para tal efeito, lhe for concedido, com o que vir agora alegar o contrário, constitui manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

17. Com a adesão entregue ao proponente foram entregues as condições gerais da apólice e estas foram explicadas ainda que de forma sumária. O cumprimento do dever de informação, comunicação e explicação das cláusulas pela seguradora foi

realizado na fase de pré-contratação, aquando do preenchimento e recepção da proposta de seguro.

18. Aos contraentes exige-se boa fé e diligência na assunção de obrigações. Não podem as partes ser prejudicadas pela negligência, descuido da parte que alega, quando mais lhe convém, não ter lido o contrato.

19. Ademais, vinculados a deveres pré-contratuais de informação, seria, desde logo, obrigação dos aderentes informar que um deles padecia de incapacidade anterior, o que permitiria, imediatamente, ao proponente explicar a exclusão que ora se analisa.

20. Contudo, a omissão dessa incapacidade anterior foi, desde logo, premeditada e teve o escopo que, infelizmente, se logrou alcançar através do Acórdão qua antecede.

Tivessem os demandantes actuado segundo os ditames da boa fé e a questão jamais se colocaria.

21. Assim, considerando o supra exposto, quanto à absoluta impossibilidade legal de um contrato de seguro cobrir sinistros/riscos/danos já verificados, ainda que tal cláusula de exclusão viesse – o que não se admite – a ser retirada do contrato por alegada falta de comunicação, sempre seria de considerar-se aquela impossibilidade legal.

22. Ora, no caso dos autos, nenhuma outra solução poderia ser ditada pelos princípios da boa-fé senão a exclusão das garantias do seguro no caso de danos ocorridos anteriormente à data da sua celebração.

23. A integração do contrato, tal qual realizada no acórdão que antecede ofenderia os princípios da boa-fé e, por conseguinte, o que dispõe o art. 239º do CC.

24. Por esse motivo, mesmo que seja excluída a cláusula em análise por falta de comunicação – o que não se concede -, a integração do contrato deverá ser feita no sentido de considerar excluídos da garantia do seguro as incapacidades resultantes de sinistros anteriores à data da celebração do mesmo, sob pena de violação do art. 280º do CC.

QUANTO AOS DEVERES DE INFORMAÇÃO PRÉ-CONTRATUAL:

25. À data da celebração do seguro em causa nos presentes autos, o teor e forma da informação pré-contratual a prestar ao proponente de um contrato de seguro do ramo vida encontrava-se regulada o artigo 171.º do Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril, que havia aprovado o regime de acesso e de exercício da atividade seguradora, e no art.º 2.º Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, que estabelecia as regras de transparência para a atividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro.

26. Designadamente (no que interessa ao presente caso), a al. d) do n.º 1 do artigo 171.º do Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril, exigia que, antes da celebração do contrato, fossem fornecidas por escrito ao tomador do seguro diversas informações sobre o seguro a celebrar, incluindo informação sobre as garantias contratuais, bem como, no seu n.º 2, que a proposta de seguro incluísse uma menção em como o tomador tomou conhecimento das mesmas.

27. Ora, o questionário clínico junto à proposta (boletim de adesão) ao seguro em causa nos presentes autos – cfr. docs. 18 e 2 juntos à contestação – cumpre escrupulosamente todas essas completas e específicas obrigações legais, pelo que,

quando subscreveram tal proposta – e como pretendia o legislador com as referidas disposições legais – os Recorridos tiveram perfeito conhecimento do teor da cláusula contratual que exclui no cálculo da incapacidade as patologias anteriores.

28. Acresce que, nos seguros de vida de grupo, como o que está em causa nos presentes autos, o dever de informação sobre o teor das condições contratuais não pertence à Recorrente (Seguradora), mas sim ao tomador do seguro (vd., entre outros, os Acórdãos supra citados).

29. Ou seja, a responsabilidade pela informação e, muito especificamente, o ónus da prova da prestação da mesma, era do Tomador do Seguro, e não da ora Recorrente, Seguradora.

30. Pelo que, mesmo considerando que os Recorrentes não foram informados das condições contratuais (sem conceder), porque se trata, nos presentes autos, de um seguro de grupo em que o Tomador de Seguro é um terceiro, nunca poderia, nesse caso, ser atribuída à Recorrente qualquer responsabilidade por uma eventual falha na transmissão das referidas informações pré-contratuais.

O REGIME DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS:

31. No acórdão recorrido, o Tribunal a quo, ao abrigo dos artigos 5.º e 8.º do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, que estabelece o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, considera excluída do contrato a cláusula que “exclui” as patologias anteriores do âmbito de garantia.

32. Acontece que dos referidos artigos 171.º do Decreto-Lei n.º 102/94, de 20 de Abril, e 2.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho resulta um regime especial para tais deveres de informação pré-contratuais, designadamente quanto aos sujeitos de tais informações, no âmbito específico do seguros do ramo vida.

33. Existindo, portanto – no que respeita aos deveres de informação pré-contratual – uma relação de especialidade entre os dois regimes.

34. Assim, considerando que, nos termos dos artigos 7º n.º 3 e 9º n.º 1 do Código Civil, devem as normas especiais prevalecer sobre as normas de carácter geral.

35. Em qualquer caso, mesmo que o regime das Cláusulas Contratuais Gerais fosse aplicável à matéria dos deveres de informação pré-contratual dos seguros de grupo do ramo vida – que, como referido, não é, ainda assim não haveria motivo para o aplicar no caso dos presentes autos. Senão veja-se: O art.º 5.º do referido decreto-lei 446/85 exige que a comunicação das cláusulas contratuais seja realizada “de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência.”, e que “o ónus da prova adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.”

36. No entanto, o cumprimento de tal dever de comunicação - como não podia deixar de ser - varia de caso para caso, e de pessoa para pessoa, dependendo, designadamente, do grau de instrução da pessoa que adere ao clausulado que lhe é apresentado, sendo que, salvo melhor entendimento, em geral, no caso de cidadãos comuns é perfeitamente legítimo considerar que a apresentação de um mero formulário por escrito é adequada à transmissão de informações contratuais, ou pré-contratuais.

37. Assim, a apresentação de tal formulário assinado é prova suficiente de que a

comunicação das cláusulas contratuais foi a adequada - veja-se, por exemplo, o acórdão do STJ de 24.03.2011 proferido no processo n.º 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1, supra citado.

DA NATUREZA DO “QUESTIONÁRIO CLÍNICO”:

38. A primeira questão que se nos coloca será a de saber se o questionário clínico constitui, ou não, uma cláusula contratual geral. E obviamente que não. O questionário em causa não constitui uma cláusula contratual geral e, por isso, o disposto no DL n.º 446/85 não será aplicável à situação.

39. Não é plausível, nem razoável, face ao critério normativo da impressão do destinatário e ao princípio da boa fé, que – ao assinar o referido documento – o A. não se devesse ter necessariamente apercebido da sua natureza – ou seja: que estava em causa um questionário clínico e que das respostas nele inseridas resultava, cabal e categoricamente, que não padecia de qualquer patologia relevante e conhecida – o que manifestamente, não correspondia à realidade, face às patologias.

40. Pré-elaborado estava o questionário, mas os segurados não tinham que aderir a ele, mas sim fornecer à seguradora os elementos (reais) relativos à sua saúde, de forma a permitir a esta as condições de aceitação do contrato.

41. A declaração de saúde constitui, por conseguinte, um questionário ou inquérito sobre a saúde de cada um dos aderentes ao contrato, pelo que não pode ser entendida como uma condição contratual (sem prévia negociação individual) em que o destinatário (indeterminado) se limitou a subscrever ou aceitar.

DAS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS:

42. O Acórdão sob censura viola, entre outras, as normas previstas nos arts. 7º, 239º, 280º e 405º do CC, 1º e 183º do DL 72/2008, 5º e 8º do DL 446/85, de 25 de Outubro e 4º do DL 176/95, de 26 de Julho.

TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se o acórdão sob censura e absolvendo-se a recorrente do pedido, com o que se fará a acostumada JUSTIÇA!”

10. Também inconformada, a CGD interpôs recurso de revista com as seguintes Conclusões:

“1)

O entendimento seguido pelo tribunal “a quo” segundo o qual a verificação do sinistro, no âmbito do contrato de seguro de grupo implica a extinção “automática” “ipso iure” do crédito do banco, emergente do financiamento concedido ao mutuário e segurado, que deixará de estar obrigado ao reembolso em prestações do mútuo, sendo substituído pelo crédito sobre a seguradora relativo ao capital segurado nem corresponde à maioria da jurisprudência que sobre ela se pronunciou, nem traduz uma solução razoável e justa e que melhor concilie e compatibilize direitos do segurado/consumidor do banco e da seguradora (regra de interpretação da lei prevista no art 9, nº 3 do C Civil) nem encontra acolhimento na lei.

2)

A posição adotada pelo acórdão recorrido traduz uma excessiva e desnecessária proteção do consumidor, diabolizando a posição do banco, exigindo-lhe o conhecimento de factos pessoais do segurado que o banco não estaria obrigado a conhecer nem conhece e sancionando-o por isso.

3)

À luz do mesmo, verificado um facto que objectivamente pudesse ser suscetível de qualificação como sinistro - uma incapacidade ou a morte do segurado - a partir dessa data, o banco deixaria de ter direito a receber as prestações do mútuo, já que a obrigação de reembolso de mútuo se extinguiria com o sinistro.

4)

Demorasse o segurado a participar o sinistro (a incapacidade por exemplo) e o banco não deixaria de estar obrigado a devolver o que recebera nesse ínterim, desde a data da incapacidade, sendo irrelevante que a participação só ocorresse meses depois.

5)

Tivesse a morte ocorrido por suicídio, por práticas desportivas arriscadas, por acidente causado por embriaguez do segurado ou na sequência de doença pré-existente do segurado e o banco, logo que efetuada a participação da morte, ou por incapacidade, deixaria de ter direito a auferir as prestações de reembolso do empréstimo.

6)

E como certamente a seguradora iria recusar o pagamento, o banco teria de demandar a seguradora e fazer prova de factos de que todo desconhecia: a causa da doença, a causa da incapacidade, a causa da morte, ou seja tudo factos pessoais do segurado!

7)

Inversamente, entendimento oposto, exigiria apenas ao segurado que demandasse a seguradora pedindo a sua condenação a pagar ao banco o valor em dívida desde a data do sinistro e a restituir-lhe todas as prestações que houvesse feito ao banco desde então (com juros de mora naturalmente) e uma indemnização por danos não patrimoniais se fosse o caso.

8)

A condenação em causa pressupôs a validade e abrangência deste caso, como sinistro, por parte do seguro; todavia, a seguradora não foi condenada, apenas o sendo a CGD que teria agora de devolver o que se limitara a receber (as prestações do reembolso de um mútuo que se iam vencendo) e lhe era impossível aferir na (i)lógica do acórdão, (por não ser nem seguradora nem segurada) se a Autora padecia ou não de incapacidade, qual o seu grau e se estava ou não excluída das condições da apólice!

9)

A obrigação de mútuo só se extingue com o pagamento pelo devedor do montante em dívida ou com o pagamento (ou condenação no pagamento) pela seguradora do capital segurado à data do sinistro, sendo que o seguro de vida é apenas de uma garantia (tal qual a hipoteca e a fiança) e que só conduzirá à extinção com a condenação da seguradora a pagar o valor em causa.

10)

À CGD apenas incumbia, à luz do dever de boa–fé contratual colaborar com o segurado na participação à seguradora do evento que aquele considerava ser um sinistro previsto no âmbito do contrato de seguro, servindo de intermediária na prestação de informações que a seguradora fosse solicitando para a “resolução do sinistro” em causa e eventualmente insistindo junto da mesma seguradora pela rápida resposta à pretensão do seguro.

11)

Decidindo de modo diverso o tribunal “a quo” violou o disposto nos artºs 804 e 805 e 1142 C Civil

Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por outra que absolva a Ré CGD do pedido de condenação formulado na alínea b) do acórdão recorrido

Assim se fará JUSTIÇA”.

11. Por seu turno, AA e Mulher BB, nas suas contra-alegações, expuseram as seguintes Conclusões:

1 – Tendo ficado provado que a “Caixa” recorrente continuou até hoje a descontar na conta dos Autores as prestações de mutuo e o prémio de Seguro, e a mesma Caixa se conformou com a condenação do reconhecimento de estarem os “Autores dispensados das amortizações da quantia mutuada a partir de 01/01/2012, não tem sentido, nem fundamento, nem se percebe, vir a referida Caixa recorrer da condenação da alinea b) em devolver aos Autores as quantias que não tinha direito a receber.

2 – A recorrente Caixa, surpreendentemente, vem alegar não ter obrigações em relação ao contrato de seguro, quando tal contrato foi precisamente celebrado entre ela e a seguradora, sendo os Autores, em grupo com mais pessoas, apenas aderentes. E a Ré caixa como tomadora do seguro, e parte nele, não cumpriu as suas obrigações contratuais e legais, não tendo, como era obrigada, nomeadamente também nos termos do Art. 4º, nº 1 do Dec. Lei 175/95, a explicar aos Autores, em 14/01/2001, e a ler-lhes as clausulas do contrato de seguro, bem como a entregar a eles cópias, competindo-lhe pelo nº 2 do citado preceito o ónus de ter cumprido tais obrigações, o que determinava que teria de ser ela a demandada (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 17/11/2009 – in C.J.T.V.P.-68; e no mesmo sentido de ter que ser demanda a Instituição de Crédito tomadora do Seguro cfr. o esclarecedor Acórdão deste Supremo Tribunal de 12/10/2020 (C.J.S.T.III, P:116).

3 – Deverá também referir-se que o incumprimento do dever de informação e esclarecimento pela Instituição de Crédito, estabelecido no Dec. Lei 222/2009, faz incorrer a Instituição em responsabilidade civil, nos termos gerais, conforme se prescreve no nº 1 do seu Art. 9º.

4 - Acresce que, estando-se perante um contrato de seguro contributivo, com recurso ao uso de cláusulas contratuais gerais, às quais, o segurado se limitou a aderir, pode convocar-se para a resolução do litigio o regime jurídico instituído pelo Dec. Lei 446/85 de 25/10, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei 220/95 de 31/08, e Dec. Lei 249/99 de 07/07. Neste sentido os Autores subscrevem inteiramente e dão aqui como reproduzido todo o expresso no Acórdão da Relação desde o último paragrafo da página 52 até ao primeiro paragrafo da página 68.

5 - Ainda sobre esta última questão apreciada no Acórdão de ter que ser a Ré Caixa a devolver aos Autores as quantias recebidas destes desde 01/01/2012, também milita a circunstância já atrás apreciada, até como corolário, de, dever ser a Caixa a demandada na acção por lhe caber o ónus da prova sob a obrigação de informar conforme o sustentado nos já citados Acórdãos da Relação de Lisboa de 17/11/2009 e o deste Supremo Tribunal de 12/10/2010.

6 – A posição do Acórdão não diaboliza nem exige à Caixa conhecimento de factos pessoais da segurada que o Banco não estaria obrigado a conhecer, já que desses factos coube aos próprios segurados fazer a competente prova, nomeadamente a ocorrência e data do sinistro ou da incapacidade da recorrida BB. A demanda contra a “Caixa” é fundada, na relação directa de ela Caixa não ter cumprido a obrigação de informar os mutuários/segurados, das condições gerais e particulares do contrato de seguro, a que estes se limitaram a aderir, nomeadamente sobre qualquer clausula de exclusão da cobertura do seguro.

7 – A acção foi também proposta contra a seguradora em relação ao pedido de condenação de reconhecimento da vigência do seguro, e de os Autores estarem dispensados da amortização das prestações do mútuo a partir de 01/01/2012. A recorrente Seguradora não logrou evitar essa condenação, embora excepcionasse, mas não provasse, que o sinistro se integraria numa especifica exclusão.

8 – A incapacidade de que a Autora BB passou a sofrer , que foi a diminuição de visão e quase cegueira iniciou-se em 2010 e passou a permanente e definitiva em 2012, não sendo pois uma patologia preexistente à data de adesão. A diabetes de que a Autora sofria na data de adesão, não constituía nenhuma incapacidade, sendo sabido que na grande maioria dos casos se trata de uma doença crónica que requer cuidados, mas cuja pessoa se mantém válida e com todas as capacidades necessárias a uma vida normal e de trabalho.

9 - Também da alegação pela Recorrente Fidelidade da impossibilidade legal de serem cobertos riscos anteriores à data do contrato, permita-se dizer que se trata até de uma impossibilidade natural, a de considerar riscos já consumados, pois, em geral, os contratos de seguro destinam-se precisamente a garantir ou cobrir por sua natureza riscos.

10 - Das questões levantadas pela Seguradora alegadamente “quanto aos deveres de informação pré-contratual” “do regime das clausulas contratuais gerais” e “da natureza do questionário clínico”, realmente a recorrente não chega a rebater a decisão do Acórdão nem os seus fundamentos: limita-se ela apenas a repetir e insistir que a incapacidade ou patologia já existia, o que já foi demonstrado ser não só falso, como impossível, na medida em que se à data do seguro a Autora sofresse de alguma incapacidade é evidente que não podia valer-se dessa preexistência como sinistro.

11 – Sobre o regime das clausulas contratuais gerais, a Seguradora Recorrente, ao remeter para o regime especial já antes aqui alegado e suficientemente esclarecido no Acórdão, nomeadamente das disposições do Dec. Lei 176/95, acaba porém por admitir que serão também aplicáveis as disposições do Decreto lei 446/85.

12 - Por fim, sobre a alegada “natureza do questionário clinico” reitera-se, conforme o já antes alegado, que o facto da Autora sofrer de diabetes em 2001 não significa que viesse a ficar com incapacidade total e permanente por, em 2012, ter ficado quase sem visão, quando na grande maioria dos casos de diabetes o doente não vem a ficar com qualquer incapacidade total e definitiva.

TERMOS EM QUE DEVE SER NEGADA A REVISTA E MANTIDA A DECISÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. FAZENDO-SE ASSIM, JUSTIÇA!”


II – Questões a decidir


Atendendo às conclusões das alegações dos Recorrentes e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:


A) Alegações da Fidelidade


i) Da desnecessidade de comunicação da cláusula de exclusão de doenças pré-existentes, considerando a noção de risco coberto pelo contrato de seguro;


ii) Da ofensa aos ditames da boa-fé e do conhecimento da cláusula de exclusão;


iii) Dos deveres de comunicação e de informação do tomador do seguro;


iv) Do afastamento do regime da LCCG pelas normas especiais do contrato de seguro;


v) Do questionário clínico e sua relevância.


B) Alegações da CGD


- Da condenação da Ré/Recorrente e da não extinção do mútuo por efeito do sinistro.





III - Fundamentação


A) De Facto


Relevam os factos referidos supra.


Após as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação de ........, foram considerados provados os seguintes factos:


“Factos provados:


1. Em 30/01/1997, a CGD, no exercício da sua atividade financeira celebrou com os autores um contrato de mútuo nos termos do qual pôs à disposição destes a quantia de 10.000.000$00 (€ 49. 879,79).


2. O que fez através de várias frações, em função da necessidade dos autores, para efeitos de custearem a construção do edifício da sua habitação a implantar no lote .., sito no ..................................., atual Rua ........................, da Freguesia de ..............., da cidade de .......


3. Por seu lado, os autores após receberem o montante total emprestado, obrigaram- se a proceder ao seu reembolso à segunda ré em prestações mensais, constantes de capital e juros pelo prazo de vinte e cinco anos.


4. Entre os demais direitos e obrigações, obrigaram-se ainda os autores a ter o contrato seguro, a desembolsar as despesas do mesmo e a designar a CGD como sua beneficiária.


5. Na sequência do acordado os autores subscreveram na agência de ........ da CGD a adesão de um seguro de grupo na ré Fidelidade.


6. Esta empresa de seguros pertencia à data, ao mesmo grupo de sociedades comercias de direito privado detidas pelo Estado ou por institutos Públicos, pelo menos na maioria do seu grémio, como a CGD.


7. Os autores aderiram ao seguro de grupo sob a apólice que, no ato de subscrição, teve o número 5000 500, com cobertura do risco de morte, invalidez total e permanente por acidente e invalidez absoluta e definitiva por doença.


8. O valor seguro foi de 10.000.000$00, anual e automaticamente atualizável.


9. Foi designada a CGD como beneficiária, até ao limite do capital em dívida e, do remanescente, os herdeiros das pessoas seguras, no caso de morte, ou as próprias pessoas seguras, no caso de invalidez.


10. Em caso de sinistro ou doença, enquadrável nos termos do contrato, obrigou-se a seguradora a efetuar o reembolso do capital em dívida à CGD.


11. Em setembro de 1998, a ré Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., considerou a apólice 5000 500 anulada, por falta de pagamento do prémio de seguro (alterado pela Relação).


12. Pelo que, em 14/11/2001, os autores subscreveram nova adesão (com o n.º 18556) a seguro de grupo, com as mesmas coberturas, pela apólice .....906.


13. No dia 28/05/2008 a CGD, no exercício da sua atividade comercial de crédito, celebrou com os autores outro contrato de mútuo nos termos do qual pôs à disposição destes a quantia de € 35.000,00, com destino a serem aplicados em investimentos ou benfeitorias em bens imóveis.


14. Por sua vez os autores obrigaram-se perante a CGD a proceder ao reembolso do montante do empréstimo no prazo de 29 anos, em frações de prestação mensais de valor constante, incluindo capital e juros, vencendo-se a primeira no dia 28/06/2008 e as restantes em igual dia dos meses seguintes.


15. Nos termos do mesmo contrato os autores obrigaram-se a subscrever não só um seguro do tipo multirriscos, como também um seguro de vida, ambos em seguradora do então denominado “Grupo Caixa”.


16. Em 07/02/2008, os autores aderiram (adesão n.º 23182) ao seguro de grupo sob a apólice que, no ato de subscrição, teve o número .....202 , com cobertura do risco de morte e invalidez total e permanente por acidente ou doença.


17. O valor seguro foi de €35.000,00, anual e automaticamente atualizável.


18. Foi designada a CGD como beneficiária, até ao limite do capital em dívida e, do remanescente, os herdeiros das pessoas seguras, no caso de morte, ou as próprias pessoas seguras, no caso de invalidez.


19. Quer as frações mensais da prestação de amortização e pagamento de juros dos dois empréstimos, quer o pagamento dos prémios dos seguros, eram pagos por débito direto autorizado pelos autores na conta destes n.º 0171136703500, ou noutra que possuíssem.


20. Nenhuma das rés explicou aos autores ou leu as cláusulas dos contratos de seguro, nem lhes foram entregues cópias.


21. Em 1998 foi diagnosticada à autora diabetes mellitus tipo 2.


22. Em 2009 a diabetes passou a afetar a visão da autora.


23. O seu estado de saúde agravou-se, passando a sofrer de Retinoplastia Proliferativa Grave.


24. Em 28/10/2010 foi-lhe atribuída pensão por invalidez relativa.


25. A autora comunicou à CGD o seu estado de saúde e a incapacidade de que padecia.


26. A autora deixou de trabalhar e passou a receber a pensão de invalidez de € 327,87 mensais.


27. Em data não concretamente apurada, a autora foi informada por funcionária da CGD que se a incapacidade fosse permanente a CGD seria paga do crédito pela Fidelidade.


28. Na sequência dessa informação, a autora requereu junta médica que, efetuada em 29/01/2014, lhe atribuiu uma incapacidade permanente de 80%, calculada de acordo com a TNI, Anexo I, aprovada pelo DL 352/2007, de 23.10, com efeitos desde 2012.


29. Em data não concretamente apurada, a autora dirigiu-se à agência de ........ da CGD para entregar o comprovativo da incapacidade permanente, tendo sido informada, então, pela funcionária CC que as apólices .....906 e .....202  se encontravam anuladas desde 16/08/2012 e 08/09/2011, respetivamente.


30. A CGD continuou até hoje a proceder ao desconto na conta dos autores das prestações de juros e amortização dos empréstimos.


31. Os prémios dos contratos de seguro em causa nestes autos eram integralmente suportados pelos autores.


32. O risco coberto, que para o caso importa, é, para o contrato titulado pela apólice n.º .....202  o de invalidez total e permanente por doença, que se verifica quando a pessoa segura apresenta um grau de desvalorização igual ou superior a 66,6% de acordo com a tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais; e para o contrato titulado pela apólice n.º .....906 o de invalidez absoluta e definitiva por doença, que se verifica quando a pessoa segura apresente uma grau de desvalorização igual ou superior a 50% de acordo com a tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.


33. Na “Declaração de Estado de Saúde” anexa ao Boletim de Adesão com o n.º ...56, correspondente ao contrato titulado pela apólice .....906 a demandante mulher refere ser diabética.


34. Escrevendo a doença no campo “Estado de Saúde Actual”.


35. O que reafirmou no campo “Antecedentes Pessoais”, apondo um X na quadrícula “SIM”, relativa à doenças: Diabetes, Bócio.


36. (dado como não escrito pela Relação).


37. Consta das Condições Particulares do contrato titulado pela apólice n.º .....906, no âmbito do risco coberto enunciado no ponto (…) 32., a seguinte condição: “…não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes” (alterado pela Relação).


38. O contrato titulado pela apólice .....202  teve início em 28 de maio de 2008.


39. A adesão/proposta foi aceite pela seguradora à tarifa normal (de prémio), sem qualquer agravamento, pelos seus serviços de tarifação; ou exclusão pelos seus serviços técnicos.


40. (dado como não escrito pela Relação).


41. (dado como não escrito pela Relação).


42. No preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s) junto à adesão ao contrato titulado pela apólice .....202 , em 07-02-2008, nos “antecedentes pessoais” referidos pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se sofre ou sofreu de Diabetes, Bócio» (alterado pela Relação).


43. No preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s), junto à adesão ao contrato titulado pela apólice .....202 , em 07-02-2008, no segmento “Declaração de Estado de Saúde” referida pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se nos últimos seis meses sofreu de alguma doença ou sofreu acidente com recurso a tratamento médico» (alterado pela Relação).


44. No preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s), junto à adesão ao contrato titulado pela apólice .....202 , em 07/02/2008, no segmento “Terapêuticas”, referido pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se já tomou alguns medicamentos como insulina» (alterado pela Relação).


45. No preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s), junto à adesão ao contrato titulado pela apólice .....202 , em 07-02-2008, no segmento “Exames Complementares de Diagnóstico”, referido pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se fez análises, ao sangue e à urina» (alterado pela Relação).


46. No preenchimento do Questionário Clínico da (s) Pessoa (s) Segura (s), junto à adesão ao contrato titulado pela apólice .....202 , em 07-02-2008, no segmento “Declaração de Estado de Saúde” referida pela autora, foi aposto um X na quadrícula “NÃO” quanto à questão se teve ou tem qualquer doença» (alterado pela Relação).


47. Os aderentes, demandante e marido referiram no questionário supra citado: “Declaro que respondi com verdade e completamente a todas as perguntas, consciente que quaisquer declarações incompletas, inexactas ou omissas, que possam induzir a Seguradora em erro, tornam este contrato nulo e de nenhum efeito, qualquer que seja a data em que a Seguradora delas tome conhecimento.  Tomei conhecimento de que está excluída das garantias qualquer incapacidade física pré-existente à data do Boletim de Adesão”.


48. A ser aquela patologia conhecida da seguradora, no momento da subscrição da proposta de seguro da apólice .....202 , determinaria que a seguradora nunca tivesse contratado nos termos referidos em 39.


49. A autora padece de uma incapacidade permanente parcial de, pelo menos 71,80 % por hipovisão bilateral acentuada, que é consequência da diabetes de que padece. 


Factos não provados:


i) Aquando das propostas de adesão formuladas pelos autores a cada um dos contratos de seguro, foi-lhe entregue um anexo ligado por “picotado” à proposta constituído por duas páginas e onde se explicavam as principais cláusulas do contrato, mormente quais os riscos assegurados pelo contrato respetivo e em que condições eles se verificariam (no que concerne a incapacidades).


ii) Os questionários clínicos de fls. 86 e 88 foram assinados em branco.  E todos os demais, vertidos nos articulados, com relevância para as questões decidendas, a que se não fez referência expressa, tidos aqueles como expurgados de todas as alegações repetidas, conclu3\sivas ou que encerram matéria de direito”.





B) De Direito

1. Em causa está uma ação intentada por AA e Mulher, BB, contra uma seguradora (Fidelidade) e um banco (CGD), com base na celebração de dois contratos de mútuo associados a distintos contratos de seguro, alegando que, no decurso do plano de reembolso do capital e de pagamento dos juros, a Autora passou a sofrer de uma incapacidade. Sustentam, assim, estar verificado o risco coberto pelo seguro e reunidas as condições para a liquidação da dívida, pela seguradora, perante o banco.

2. Formularam os seguintes pedidos:


- a condenação das Rés no reconhecimento da validade e vigência dos contratos de seguro titulados pelas apólices .....202  [“apólice 02”] e .....906 [“apólice 06”] à data do sinistro, 1 de janeiro de 2012, para todos os efeitos legais e, assim, no reconhecimento de dispensa dos Autores de amortização ou pagamento das quantias mutuadas;

- a condenação da Ré CGD na devolução aos Autores da quantia de €14.353,07, correspondente às prestações, juros e despesas que debitou na conta dos Autores e recebeu, desde a data do sinistro, 1 de janeiro de 2012, até 29 de fevereiro de 2016, bem como o que a esse título continue a receber ou debitar, acrescida aquela quantia dos juros de mora, à taxa legal, que se vencerem desde a data da citação até à data do reembolso, assim  como dos mesmos juros contados sobre as quantias que eventualmente continuar a perceber, desde as datas desses recebimentos até à da restituição.

3. O Tribunal de 1.ª Instância julgou a ação improcedente e absolveu as Rés dos pedidos contra si formulados.

4. Interposto recurso de apelação pelos Autores, o Tribunal da Relação de ........, depois de modificar parcialmente a matéria de facto impugnada, julgou a apelação parcialmente procedente e decidiu:


“a) condenar as rés a reconhecer como válido e vigente o contrato de seguro titulado pela apólice .....906, em 01-01-2012 e, por via disso, reconhecer que os autores estão dispensados de amortização da quantia mutuada pelo contrato de mútuo celebrado a 30-01-1997 , a partir daquela data (01-01-2012);


b) Condenar a ré CGD a devolver aos autores o valor correspondente às prestações, juros e despesas que foram efetivamente descontadas por esta ré na conta dos apelantes, desde a data do sinistro, em 01-01-2012, até à presente data, e que tenham como causa a quantia mutuada pelo contrato de mútuo celebrado a 30-01-1997, bem como o que a esse título aquela ré continue a receber ou descontar, em montante a liquidar em incidente de liquidação, ao abrigo da faculdade prevista no artigo 609.º, n.º 2, do CPC, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação para a presente ação e até à data do reembolso sobre as quantias debitadas até à data da citação, bem como dos mesmos juros contados sobre as quantias cobradas pela ré posteriormente à citação, desde as datas desses recebimentos e até à data do efetivo do reembolso;


c) Confirmar, no mais, a sentença recorrida”.

5. Entendeu o acórdão recorrido confirmar a sentença no que se refere à absolvição dos pedidos relativos ao contrato de seguro titulado pela “apólice 02”, respeitante ao contrato de mútuo celebrado a 28 de maio de 2008, e julgar o contrato de seguro titulado pela “apólice 06” válido e vigente. Condenou a CGD a restituir aos Autores as prestações liquidadas no âmbito do mútuo celebrado a 31 de janeiro de 1997, relativo ao financiamento de €49.879,79 para construção da habitação, montante esse acrescido de juros e despesas debitadas, a liquidar em incidente subsequente.

6. Deste acórdão recorrem agora de revista as Rés, em recursos separados, tendo os Autores apresentado contra-alegações.


Admissibilidade do recurso


Nos termos do art. 652.º, n.º 1, al. b), do CPC, atenta a inexistência de dupla conforme e não sendo possível aferir da sucumbência relativamente ao decaimento das Rés/Recorrentes (na qual se inclui o reconhecimento da validade da “apólice 06” e a condenação da Ré CGD na restituição da quantia correspondente às prestações debitadas em valor a liquidar), não se descortinam obstáculos à admissão do recurso de revista.


Apreciação do mérito dos recursos

1. Tal como decorre dos factos provados, a adesão ao “seguro de grupo” titulado pela “apólice 06” foi subscrita pelos Autores a 14 de novembro de 2001, ainda na vigência do DL n.º 176/95, de 26 de julho. Aplica-se, assim, a disciplina prevista neste diploma legal, assim como o regime geral estabelecido nos arts. 425.º e ss. do Cód. Comercial. Não se aplica, assim, o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (doravante RJCS), aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16 de abril, que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2009 (art. 7.º) e que segundo o art. 2.º, n.º 1, “O disposto no regime jurídico do contrato de seguro aplica-se aos contratos de seguro celebrados após a entrada em vigor do presente decreto-lei, assim como ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, com as especificidades constantes dos artigos seguintes”.

2. De acordo com o art. 1.º, al. b), do DL nº 176/95, o “tomador do seguro” é a “entidade que celebra o contrato de seguro com a seguradora, sendo responsável pelo pagamento do prémio”. Na hipótese de contrato de “seguro de grupo contributivo”, como o dos autos, há que levar em conta a al. f), do mesmo preceito, conforme a qual  “seguro de grupo em que os segurados contribuem no todo ou em parte para o pagamento do prémio”. O legislador pressupõe que o prémio é devido pelo tomador do seguro quando, efetivamente, nos casos da celebração de contratos normativos entre o banco e a seguradora, aquele não se responsabiliza perante a última pelo pagamento dos prémios[1].

3. O banco, enquanto tomador do seguro, é a contraparte da seguradora no contrato de seguro e, enquanto beneficiário, é o credor da prestação da seguradora. O segurado (sujeito exposto ao risco seguro) é o titular do interesse digno de proteção legal que se encontra exposto ao risco coberto: é o sujeito que o contrato de seguro protege perante a ocorrência do sinistro. Pode ser diferente da pessoa segura (sujeito exposto ao risco primário)[2].

4. Tal como no regime anterior, nos termos o art. 176.º, n.º 1, do RJCS, o seguro de pessoas pode ser contratado como seguro individual ou seguro de grupo.

5. A noção de “seguro de grupo” encontra-se no art. 1.º, al. g), do DL n.º 176/95, revogado pelo art. 6.º do RJCS (“seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum”), assim como no art. 76.º, n.º 1, do RJCS, atualmente em vigor (“o contrato de seguro de grupo cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar”).

6. Na medida em que sob a denominação “seguro de grupo” se incluem realidades contratuais muito diferentes, a doutrina propõe a designação mais ampla de “seguros coletivos” em ordem a abranger os seguros de grupo em sentido próprio, os seguros de grupo em sentido impróprio e os contratos-quadro seguidos da celebração de contratos individuais de seguro[3]. Nesta última categoria integram-se os seguros de pessoas (ramo vida) – como o dos autos - “do banco que contrata com o segurador os parâmetros dentro dos quais irão celebrar-se os contratos individuais de seguro sobre a vida dos seus clientes, que estes últimos celebrarão com o propósito de os dar em garantia ao próprio banco[4].

7. O denominado seguro de grupo é aquele que “cobre os riscos de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum” ou “riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar”.

8. O fenómeno surge muitas vezes associado a “formações contratuais complexas” (coligações contratuais) em que um banco, na qualidade de tomador do seguro, entre as cláusulas contratuais que predispõe para o contrato de mútuo, apresenta aos respetivos clientes a adesão a um seguro de grupo. Surge, pois, associado a contratos de mútuo a longo prazo, em que o mutuante figura como tomador e beneficiário de um seguro, inter alia, sobre a vida e a validez do mutuário, que o próprio mutuante apresenta à adesão do segundo[5].

9. Apresenta uma estrutura subjetiva triangular: o tomador celebra um contrato com a seguradora, com vista a que a este adiram os membros de um determinado grupo que, então, assumem a posição de segurados[6]. A adesão pressupõe o cumprimento de deveres de informação sobre o conteúdo do contrato, que recaem primacialmente sobre o tomador do seguro (art. 4.º, n.º 1, do DL n.º 176/95, e Norma Regulamentar n.º 6/2008-R, de 24 de abril, sobre “Regras aplicáveis aos seguros de vida com coberturas de morte, invalidez ou desemprego associados a contratos de mútuo”; art. 78.º, n.º 1, do RJCS.) A adesão dos segurados não arreda o tomador do seguro da relação jurídica, não lhe retirando os poderes de conformação contratual da própria posição jurídica dos segurados, nem o exonerando dos deveres que sobre ele incumbem – v.g., dever de informação dos segurados (art. 4.º, n.º 1, do DL n.º 176/95; arts. 78.º, n.º 1, 80.º, n.º 1, e 82.º, n.º 1, do RJCS)[7].

10. Nos “seguros de grupo” contributivos, os segurados suportam, no todo ou em parte, o pagamento dos prémios de seguro devidos pelo tomador (art. 4.º, n.º 3, do DL.º 176/95, a contrario sensu; art. 77.º, n.º 2, do RJCS). Quando a adesão do segurado se traduz numa declaração mediante a qual se constitui o vínculo contratual com a seguradora, estaremos perante os denominados “seguros de grupo de adesão facultativa”. Muitas vezes, apesar de apresentar como facultativa a adesão a seguros que o tem como beneficiário, o banco subordina a concessão de crédito à respetiva estipulação (prática da denominada  bundling).

11. Quanto à sua natureza jurídica, discute-se, fundamentalmente, se está em causa uma figura jurídica sui generis, um contrato a favor de terceiro ou uma pluralidade de contratos (entre seguradora e tomador; entre cada um dos aderentes e  a seguradora)[8].

12. A exigência de adesão do segurado visa proteger os sujeitos que o nascimento imediato dos direitos na esfera de todos aqueles abrangidos pelo grupo poderia ameaçar: o tomador do seguro e a seguradora. Desde logo, sendo sobre estes sujeitos que impendem verdadeiras obrigações perante os segurados, deve ser-lhes possível identificar, de entre o universo de potenciais segurados, o conjunto dos concretos segurados. Depois, impõe-se a necessidade de proteção da seguradora, a quem apenas o conhecimento do número e, muitas vezes, do perfil de cada potencial segurado permite a quantificação do risco efetivamente suportado. O banco, tomador do seguro, como que atua, junto dos segurados, como mediador: na verdade, celebra com a seguradora um contrato preliminar, normativo, em que, na previsão de uma pluralidade de relações jurídicas a constituir entre eles e terceiros, determinam antecipadamente, no todo ou em parte, a disciplina jurídica dessas relações se e quando se constituírem. O contrato celebrado entre a seguradora e o banco/tomador do seguro pré-determina o conteúdo de tais contratos a celebrar com terceiros[9]. Com efeito, a celebração combinada dos contratos de mútuo e de seguro pode dar lugar, materialmente, a uma verdadeira atividade de intermediação.

13. Está, pois, em causa, um mecanismo destinado a proteger os interesses do banco que, em caso de verificação do sinistro, em virtude da cobertura do seguro, pode recuperar o capital e os juros que lhe sejam devidos, evitando o recurso a procedimentos executivos de outro modo necessários para a satisfação do respetivo crédito. Esta cobertura do seguro, também adequada a uma gestão sã e prudente do banco/mutuante, repercute-se também na atividade de distribuição de seguros exercida pelos bancos. O banco/mutuante intervém simultaneamente como distribuidor e beneficiário do seguro cujo prémio é pago pelo cliente – podendo, naturalmente, eclodir conflitos de interesses.

14. Ainda que seja naturalmente possível a celebração de seguros individuais, negociados diretamente entre seguradora e mutuário/segurado, é geralmente oferecida a este a adesão a um seguro coletivo: neste caso, o banco celebra com a seguradora um “contrato normativo”, e o mutuário, por sua vez, subscreve uma cláusula de adesão a um contrato por ele conformado, obrigando-se a pagar o respetivo prémio.

15. Os contratos de seguro associados a mútuos hipotecários e, em especial, aqueles destinados a garantir o segurado em caso de perda da capacidade para cumprir as respetivas obrigações contratuais, decorrente da verificação de determinadas eventualidades contratualmente previstas, têm obtido um sucesso crescente. Os interesses tutelados explicam facilmente esse êxito: de um lado, o interesse do mutuário em se colocar em condições de poder fazer face a eventuais situações de insuficiência económica, evitando sofrer iniciativas de caráter executivo por parte do banco; de outro lado, o interesse do banco na satisfação dos seus direitos decorrentes do mútuo. Na verdade, reforça-se a proteção do crédito mediante o recurso a um instrumento mais seguro do que a hipoteca, atendendo às características do processo executivo, assim como a eventuais crises do setor imobiliário, suscetíveis de originar tanto a desvalorização dos imóveis como a redução da sua procura.

16. Os seguros associados a mútuos, também designados como “PPI” (Protection Payment Insurance), frequentemente oferecidos e intermediados pelo próprio banco que concede o financiamento, são, em geral, celebrados aquando da conclusão do mútuo a que se encontram associados. Trata-se de uma figura de matriz tipicamente de derivação anglo-saxónica, porquanto a prática de comercializar de modo combinado (tie-in) serviços bancários e segurísticos nasceu e desenvolveu-se nos sistemas da common law. A finalidade dos seguros denominados credit protection, além de se traduzir na tutela e garantia do devedor perante eventualidades suscetíveis de afetar negativamente a sua capacidade de cumprir - ou de reduzir o valor do imóvel constituído em garantia -, consiste, cada vez mais, em fornecer uma salvaguarda ao mutuante. Intervêm em caso de morte,  ou de outras eventualidades pessoais desfavoráveis, como a invalidez, que, uma vez verificadas, limitam a capacidade económica do mutuário para cumprir as respetivas obrigações contratuais. É precisamente nestas circunstâncias que a seguradora extingue, total ou parcialmente, a dívida do mutuário perante o banco. O tipo de cobertura oferecida depende do contrato celebrado e também do tipo de riscos que se pretendem concretamente cobrir (morte e invalidez permanente, etc.: atendendo à possibilidade de não satisfação de uma necessidade económica do segurado delas decorrente).

17. Com efeito, do lado do cliente, o seguro associado ao mútuo, corretamente projetado e distribuído, tutela o mutuário perante eventos acidentais suscetíveis de afetar a sua capacidade económica de cumprir. No que respeita ao banco, reforça a garantia do reembolso e do pagamentos dos juros, preservando o bem constituído em garantia e facilitando uma alocação mais eficiente do crédito. Por fim, do ponto de vista da seguradora, o recurso aos bancos aumenta a sua capacidade de distribuição.


Alegações da Fidelidade


Da desnecessidade de comunicação da cláusula de exclusão de doenças pré-existentes, considerando a noção de risco coberto pelo contrato de seguro

1. O risco, não constituindo o objeto do contrato, reflete-se diretamente na sua modelação, conformando as prestações das partes e determinando a causa-função do negócio (transferência do risco).

2. A validade do contrato depende da subsistência de um risco ao tempo da respetiva celebração. No plano jurídico, o risco corresponde à possibilidade de verificação do evento aleatório – incerto - previsto no contrato, à situação de exposição a essa possibilidade. Desde logo, esse evento pode ser objetivamente incerto ao tempo da contratação, por se tratar de um evento ainda efetivamente não ocorrido e cuja verificação não seja certa, ou ser suficiente uma incerteza subjetiva, referida a um evento cuja ocorrência já se tenha objetivamente dado, sendo porém desconhecida das partes (riscos putativos) (arts. 436.º e 461.º do Cód. Comercial, e 44.º da RJCS).  Depois, o risco pode referir-se a um evento cujas consequências se tenham apenas parcialmente realizado, sendo incerta a total extensão das respetivas consequências (art. 139.º da RJCS). Conforme o art. 43.º, n.º 1, da RJCS, o risco consiste na possibilidade de lesão de um interesse digno de tutela jurídica – a possibilidade de que a verificação do evento aleatório previsto pelas partes no contrato produza consequências desfavoráveis na esfera do titular do interesse seguro. Nos seguros de pessoas, como o dos autos, o risco traduz-se na possibilidade de um evento futuro e incerto respeitante à duração da vida humana, ou à (in)validez do sujeito implicar a produção de consequências desfavoráveis na esfera do titular do interesse seguro[10].

3. O risco consiste, pois, na possibilidade abstrata de verificação de um evento danoso e lesivo de um certo interesse do sujeito. Pode permanecer num estado latente ou potencial, ou concretizar-se.

4. O estado de incerteza objetiva deve existir ao tempo da adesão ao seguro, pois que a sua falta determina a nulidade do contrato por impossibilidade do objeto (art. 280.º do CC) ou falta de causa (art. 436,º do Cód. Comercial), enquanto da sua cessação superveniente decorre a caducidade do contrato por falta de justificação causal. Essa incerteza existia ao tempo da celebração do contrato de seguro, porquanto as consequências (a sua intensidade e extensão) da doença (diabetes) de que a Autora padecia – e que determinaram a sua invalidez absoluta e definitiva - podiam ou não vir a produzir-se no futuro.

5. Ao contrário do que parece entender a Ré/Recorrente Fidelidade, o contrato de seguro de pessoas celebrado pelos Autores tem como objecto os riscos de “morte, invalidez total e permanente por acidente e invalidez absoluta e definitiva por doença” (cf. facto provado sob o n.º 7).

6. De acordo com os arts. 175.º e 183.º da RJCS, e conforme já decorria dos arts. 455.º e ss. do Cód. Comercial em relação à vida, o contrato de seguro de pessoas compreende a cobertura de riscos relativos à vida, à saúde e à integridade física de uma pessoa ou de um grupo de pessoas nele identificadas.

7. Os riscos relativos à saúde e à integridade física, abrangidos pelo contrato de seguro em causa nos autos, no que agora importa, referem-se a uma situação de invalidez absoluta e definitiva causada por doença.

8. Simplesmente, não se trata de um seguro destinado a cobrir os riscos de doença e as suas consequências tout court (tal seria o caso de um seguro de saúde – quanto às despesas de saúde), mas apenas quando estas determinem uma situação de invalidez absoluta e definitiva, que é suscetível de originar uma insuficiência de meios e, deste modo, de afetar negativamente a capacidade para cumprir o contrato de mútuo a que se encontra associado ou acoplado.

9. Sendo os Autores os titulares do risco coberto pelo seguro, exige-se, naturalmente, que o risco exista, no sentido de que, para além de as partes terem perspetivado a possibilidade de ocorrência do sinistro, este seja de molde a causar algum impacto negativo relevante nas suas esferas.

10. Tal é, aliás, o que resulta das condições particulares da “apólice 06” em causa na presente fase recursória, segundo as quais o contrato de seguro “cobre os riscos de morte e invalidez ligados a contratos de mútuo de crédito à habitação, garantindo o pagamento ao beneficiário designado do capital seguro em caso de morte ou invalidez” (cf. doc. 6 junto com a contestação).

11. Por conseguinte, o risco coberto pelo contrato de seguro em causa nos autos será o de morte e o de invalidez total e permanente ou absoluta e definitiva, não se afigurando forçoso entender que estaria excluída a possibilidade de a morte ou incapacidade coberta pelo seguro ter origem numa doença pré-existente. Aliás, as partes são livres de convencionar, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (art. 405.º do CC), a possibilidade de a falta de comunicação dessa doença implicar a sua não consideração para o cálculo da incapacidade, ou seja, no risco coberto.

12. Com efeito, sendo os riscos cobertos a morte e a invalidez total e permanente ou absoluta e definitiva, a circunstância de a Ré/Recorrente pretender prevalecer-se de uma exclusão do âmbito de cobertura do seguro relacionada com a pré-existência de uma patologia ou de uma incapacidade carecia de ser demonstrada, conforme entendeu o acórdão recorrido[11].

13. Não se acompanha, pois, a posição da Ré/Recorrente segundo a qual uma doença pré-existente implica, automaticamente, a exclusão da cobertura do seguro por decorrência necessária do próprio conceito de contrato de seguro e de risco, sob pena de se celebrar um negócio nulo nos termos do art. 280.º do CC. Não se verificando, ao tempo da sua celebração, a ausência de risco ou interesse de seguro, o contrato de seguro não é nulo por impossibilidade do objecto.


Da ofensa aos ditames da boa-fé e do conhecimento da cláusula de exclusão

1. No que respeita à questão de saber se a exclusão da cláusula contratual em causa por falta de cumprimento do dever de informação deve ser suprida com recurso às regras gerais de integração dos contratos, igualmente soçobram as razões invocadas pela Ré/Recorrente.

2. É que não se entende que tal constitua uma imposição das regras supletivas gerais aplicáveis ao contratos, por efeito da remissão estabelecida no art. 9.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro (doravante LCCG).

3. Tratando-se de uma cláusula que tem por objeto uma exclusão da cobertura do seguro e que está sujeita ao regime consagrado na LCCG, caberia à Ré/Recorrente, segundo as regras de repartição do ónus da prova, demonstrar ter sido objecto de negociação ou adequadamente comunicada e suficientemente informada aos Autores (arts. 1.º, n.º 3, 5.º e 6.º da LCCG). A LCCG, nos art. 5.º e 6.º, impõe à parte que submete as cláusulas não negociadas os deveres de comunicação adequada e de informação suficiente dessa cláusulas, sob pena de se haverem como excluídas do contrato celebrado, nos termos do art. 8.º. Note-se que se trata de deveres complementares, porquanto apenas se a comunicação adequada (no modo, tempo, etc.) permite alcançar um consentimento esclarecido. A sua exclusão, decorrente da violação dos deveres de comunicação e informação, não pode ser como que “reposta” por efeito de algum regime supletivo aplicável, desde logo, por o contrato de seguro poder subsistir sem essa cláusula e não se verificar a existência de qualquer “lacuna”.

4. Entende-se, do mesmo modo, não decorrer das exigências da boa-fé que o contrato contenha essa limitação ou que os Autores devessem contar com essa exclusão – tornando abusiva a invocação da falta de comunicação e informação. Efetivamente, não resulta da matéria de facto provada qualquer elemento que consubstancie uma violação dos ditames da boa-fé por parte dos Autores na formação ou na execução do contrato (arts. 227.º e 762.º, n.º 2, do CC). Resulta, aliás, da factualidade assente, que a Autora comunicou, na “Declaração de Estado de Saúde” anexa ao Boletim de Adesão, correspondente ao contrato titulado pela “apólice 06”, ser diabética (cf. ponto 33 da matéria de facto provada), tendo sido essa doença que, fruto da respetiva evolução clínica, determinou a sua invalidez absoluta e definitiva, conforme ela se encontra definida nas respetivas condições contratuais, no caso um grau de desvalorização igual ou superior a 50% de acordo com a tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (cf. ponto 30, segunda parte, da matéria de facto provada).

5. De resto, não se aceita que possa ser qualificada como abusiva, no caso concreto, a invocação da falta de cumprimento dos deveres de comunicação e de informação, com o argumento de que na informação pré-contratual se encontra a referência de que foi dado conhecimento das condições contratuais e de que o questionário clínico cumpre todas as obrigações legais vigentes à data. A menção desses elementos e a referida declaração de conhecimento da exclusão das garantias de qualquer incapacidade física pré-existente à data do Boletim de Adesão, constantes da factualidade provada, respeitam à “apólice 02” (cf. pontos 42 a 48 da matéria de facto) – tendo já transitado em julgado o juízo de improcedência da ação no que toca a esta apólice – e não à “apólice 06” em causa na presente fase de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Por conseguinte, encontra-se por demonstrar que essa referência tenha sido feita ou conhecida dos Autores/Recorridos (cf. al. a) dos factos não provados). De resto, importante é antes o verdadeiro processo de esclarecimento do cliente e não a assinatura de qualquer tipo de documento. Este  não substitui o esclarecimento[12].

6. Para além disso, conforme se refere no acórdão recorrido, encontra-se demonstrado que nenhuma das Rés explicou aos Autores ou leu as cláusulas dos contratos de seguro, nem lhes foram entregues cópias (cf. ponto 20 da matéria de facto e acórdão recorrido a p. 60). Constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça que a observância dos deveres de comunicação e de informação não se basta com um mero cumprimento formal ou genérico dessas obrigações.

Assim,

“(…) II - O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe à parte que utilize as cláusulas contratuais gerais (art. 5.º, n.º 3, do DL n.º 446/85, de 25-10).

III - Não basta a mera comunicação, sendo ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efetivo do clausulado e que se realize de forma adequada e com certa antecedência, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas.

IV - A lei exige, também, ao profissional deveres positivos de informação, de acordo com parâmetros quantitativos e qualitativos capazes de afiançarem a integralidade, a exatidão e a eficácia de comunicação, a fim de melhorar a qualidade do consentimento do consumidor-aderente e a justiça interna do contrato”[13].

7. No caso em apreço, levando em conta as circunstâncias concretas da sua celebração e a natureza algo técnica e complexa do contrato em causa, associado a um contrato de mútuo bancário que, de acordo com as regras da normalidade, seria o que maior atenção mereceria por parte dos Autores no contexto negocial típico, e pela própria relevância da cláusula de exclusão em causa, afigura-se que o cumprimento dos mencionados deveres de comunicação e de informação justificariam a demonstração cabal da sua observância, não se bastando com a mera invocação das circunstâncias feita a este respeito em sede de alegações pela Ré/Recorrente.

8. Por conseguinte, inexistem igualmente razões para considerar improcedente a invocação da exclusão da mencionada cláusula por ofensa aos ditames da boa-fé e pelo seu conhecimento prévio pelos Autores.


Dos deveres de comunicação e de informação do tomador do seguro

1. No que respeita ao sujeito obrigado ao cumprimento dos deveres de comunicação e de informação no contrato de seguro coletivo em causa – a seguradora ou o banco tomador do seguro –, entende-se, ao contrário do que pretende a Ré/Recorrente, que não existe fundamento para considerar que a Ré Fidelidade se encontra eximida da responsabilidade decorrente da sua inobservância por sobre si não recair o ónus de demonstrar o respetivo cumprimento.

2. O acórdão recorrido analisou detalhadamente a questão, sustentando que, sem prejuízo das divergências existentes na jurisprudência, e apesar de resultar do art. 4.º, n.º 2, do DL n.º 176/95, que os deveres de comunicação e informação recaem, primordialmente, sobre o tomador do seguro, o seu incumprimento é oponível pelos aderentes/segurados à seguradora. O Tribunal da Relação de ........ recorda, todavia, que tal inoponibilidade não foi, de resto, suscitada por qualquer das Rés.

3. Conforme o acórdão do Tribunal da Relação de ......., “No caso, a presente ação foi instaurada quer contra a seguradora (1.ª ré) quer contra o banco tomador/beneficiário do seguro (2.ª ré), podendo qualquer deles, ou ambos, fazer prova do cumprimento dos deveres de comunicação/informação relativamente aos aderentes/segurados, não se vislumbrando qualquer justificação atendível para não estender à seguradora ao regime jurídico dos contratos de adesão e os deveres de informação a cargo do predisponente, assim como os inerentes deveres de boa-fé. De resto, afigura-se que a matéria de facto enunciada no ponto 1.1.20 permite mesmo imputar de forma direta à própria ré seguradora a omissão do dever de informação do conteúdo da cláusula contratual de que se pretende prevalecer”.

4. Trata-se, com efeito, de um tema objecto de divergência na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (ainda que com nuances em função das circunstâncias do caso concreto e das partes demandadas). Alguns arestos mais recentes defendem que a falta de comunicação e informação dos aderentes, pelo tomador do seguro, de uma cláusula de exclusão, tendo como consequência a sua eliminação do conteúdo contratual nos termos do art. 8.º, als. a) e b) da LCCG, não autoriza a seguradora a prevalecer-se dessa falta para se eximir da sua obrigação de realizar a prestação devida em virtude da verificação da eventualidade sob cobertura, sendo tal inoponível à pessoa segura[14].

5. Deve, por outro lado, proceder-se a uma interpretação do DL.º n.º 176/95 – assim como do RJCS - tendo em conta o elemento sistemático, o postulado da coerência intrínseca do ordenamento. Impõe-se, pois, a harmonização do DL n.º 176/95 – e do RJCS - com aquele plasmado na LCCG, uma vez que a aplicação de um deles não afasta a do outro. Até porque não é objeto de consenso que a LCCG seja, em lugar de lei geral ou comum, uma lei especial perante o regime comum dos contratos. Assim, o DL n.º 176/95 – tal como o RJCS - seria direito especial perante a LCCG e esta, por sua vez, consubstanciar-se-ia numa disciplina especial perante o direito comum dos contratos.

6. Devem considerar-se excluídas de qualquer contrato de seguro as cláusulas adequadamente comunicadas e suficientemente informadas aos segurados nos termos do arts. 5.º e 8.º do LCCG, respondendo a seguradora diretamente perante o segurado por essa falta de comunicação e informação[15].

7. Afigura-se, pois, que, na perspectiva da tutela do segurado, em especial quando se trate de um consumidor, se justifica repercutir as consequências da falta de demonstração do cumprimento dos deveres de comunicação e de informação por parte do tomador do seguro – sobre quem recaem primacialmente esses deveres – na relação com a seguradora. Não pode, com efeito, desde logo, descurar-se que o seguro coletivo se traduz, tipicamente, numa relação triangular, e que só assim se poder considerar operativa a consequência legal, prevista no art. 8.º da LCCG, de a cláusula não adequadamente comunicada ou suficientemente informada ser excluída do contrato.

8. De resto, no circunstancialismo próprio dos seguros coletivos e, em particular, no contexto da celebração de um contrato de mútuo bancário umbilicalmente associado a um contrato de seguro que visa, em caso de sinistro, assegurar ao tomador do seguro o cumprimento do mútuo[16], tal solução constitui uma decorrência da boa-fé. Não corresponderá, pois, a uma interpretação conforme ao princípio da justiça sustentar que a seguradora, que materialmente interpõe ou se socorre do tomador de seguro para incluir no esquema contratual o segurado (obrigado ao pagamento do prémio e cointeressado na cobertura do sinistro), se possa alhear do cumprimento das obrigações próprias da contratação com recurso a cláusulas contratuais gerais. Cláusulas elaboradas e predispostas também pela própria seguradora. Seria iníquo que a falta de prova do cumprimento desses deveres, por parte do tomador do seguro, não tivesse consequências, pelo menos no âmbito da relação com a seguradora, no que concerne à exclusão das cláusulas afetadas, conforme foi intenção do legislador no art. 8.º da LCCG. A solução alternativa, de responsabilizar civilmente, nos termos gerais, o tomador do seguro, não parece adequada ou operativa em relação ao fim preconizado da subsistência do contrato sem as cláusulas inquinadas.

9. Além do mais, está em causa uma coligação negocial em que, num plano de causalidade lógico-jurídica, o contrato de mútuo antecede o contrato de seguro, ainda que persistindo num quadro unitário. Refere-se até, a este propósito, uma espécie de sinalagmaticidade atípica que se traduz no acertamento factual dos elementos que revelam as características da união das disposições dos dois contratos, como, por exemplo, a parametrização da duração do contrato de seguro conforme a do mútuo, a determinação do prémio do seguro de acordo com o montante da dívida do mutuário, a extinção ou circulação do contrato de seguro no caso de extinção antecipada ou de cessão do contrato de mútuo. Invoca-se, igualmente, a denominada unidade económica que liga os dois contratos e que permite atribuir relevância jurídica à interdependência existente entre ambos. Os dois negócios estão economicamente unidos, pois que um não seria celebrado sem o outro. É uma fattispecie plurinegocial com pluralidade de partes. Ainda que se considere que a unidade económica in sé não assume relevância jurídica, precisando-se à conexão económica-objetiva deve acrescer uma nota de tipo subjetivo, que surge como fundamento da tutela reconhecida, ou seja, a confiança do cliente, ao qual mutuante e seguradora não podem opor a (aparente) terceiriedade ou alienidade. A convicção do mutuário/segurado, muito frequente nestes casos, de ter perante si como que uma única contraparte (o banco/mutuante), decorre de circunstâncias objetivas. O seguro encontra-se funcionalizado ao mútuo, pois visa assegurar o seu cumprimento, devendo considerar-se ambos os negócios numa perspetiva de unidade económica. Por outro lado, a seguradora beneficia da cooperação do banco/mutuante na preparação e/ou na conclusão do contrato de seguro, existindo uma relação negocial entre ambos. Mesmo que se adote a tese da separação de negócios e, consequentemente, se afaste aquela do negócio único complexo, nem sequer se afigura necessário, in casu, encontrar fundamento para repercutir as vicissitudes de um negócio em quem não é formalmente parte do mesmo mas antes parte da operação complexa: seguradora, mutuante e mutuário são partes do negócio.

10. O recurso à noção de unidade económica, porém, enquanto requisito de caráter objetivo, é entendido como manifestação de uma vontade de unidade, verdadeira e real, assim como objetivada nos contratos e nos comportamentos das partes, em lugar de instrumento utilizado pelo legislador para a tutela do consumidor. A noção de operação plurinegocial, ou de operação unitária fornece a estrutura e a disciplina unitária de um complexo de negócios que, apesar de formalmente distintos, são expressão de um programa unitário das partes. Trata-se, em todo o caso, de uma manifestação da autonomia privada.

11. Pode até dizer-se que o contrato de seguro em apreço se consubstancia num contrato trilateral, verificando-se a existência de declarações negociais concordantes das três partes envolvidas (seguradora, banco e clientes), assim como a produção de efeitos constitutivos unitários, referindo-se mesmo a existência de um sinalagma trilateral.

12. Embora o seguro coletivo, como aquele sub judice, se apresente inicialmente como um contrato bilateral, existe a expectativa de que o mutuário venha a aderir ao contrato e, precisamente, por se verificar a adesão do mutuário ao contrato num momento subsequente ao da sua celebração, este deve caracterizar-se como um “contrato trilateral assíncrono”. Com a adesão, o mutuário deixa de ser um terceiro e passa a ser parte do contrato, cujo conteúdo se encontra pré-determinado pelo contrato normativo previamente celebrado entre a seguradora e o banco. Este contrato estabelece os parâmetros dentro dos quais irão celebrar-se os contratos individuais de seguro – e não os contratos individuais de seguro - sobre a vida dos clientes do banco, que estes celebrarão com o propósito de os dar em garantia ao próprio banco[17].

13. Portanto, coligado ao contrato de mútuo estaria um contrato de seguro trilateral.

14. Em casos como o dos autos, existirá, todavia, em geral, uma coligação funcional unilateral, em que o contrato secundário (o seguro) encontra a sua razão de ser no contrato principal (o mútuo) e não vice-versa, de modo que apenas a extinção do primeiro implica aquela do segundo. Assim, quando o contrato de seguro se destine a cobrir apenas o risco de uma impossibilidade do devedor de cumprir o contrato de mútuo, decorrente da verificação de uma eventualidade contratualmente prevista, a extinção deste implica a extinção daquele por cessação do risco, e não vice-versa.

15. Assim, levando em linha de conta a coligação negocial entre o mútuo e o seguro, assim como a estrutura triangular deste ou a sua consideração como contrato trilateral, o banco mutuante/tomador do seguro não pode assumir uma postura de total alheamento da relação que se estabelece entre a seguradora e os mutuários/aderentes/segurados, até porque a adesão ao seguro teve lugar por seu intermédio. O mesmo se diga a propósito da seguradora, que também não pode adotar essa posição perante a relação que se estabelece entre o banco e os mutuários/aderentes/segurados.

16. O banco não é um mero beneficiário do seguro acordado. De acordo com a matéria de facto provada, foi à CGD que a Autora comunicou o seu estado de saúde e a incapacidade de que padecia (facto provado sob o n.º 25). Aliás, a Autora deixou de trabalhar e passou a receber a pensão de invalidez no valor de € 327,87 (facto provado sob o n.º 26), e, em data não concretamente apurada, a Autora foi informada por funcionária da CGD que se a incapacidade fosse permanente o banco veria o seu crédito satisfeito pela Fidelidade (facto provado sob o n.º 27.). Na sequência dessa informação, a Autora requereu junta médica que, efetuada a 29 de janeiro de 2014, lhe atribuiu uma incapacidade permanente de 80%, calculada de acordo com a TNI, Anexo I, aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de outubro, com efeitos desde 2012 (facto provado sob o n.º 28). Também em data não concretamente apurada, a Autora dirigiu-se à agência de ........ da CGD para entregar o comprovativo da incapacidade permanente, tendo sido informada, então, pela funcionária CC, que as apólices .....906 e .....202  se encontravam anuladas desde 16/08/2012 e 08/09/2011, respetivamente (facto provado sob o n.º 29).

17. Por conseguinte, não existem razões para considerar inoponível à Ré Fidelidade a falta de demonstração do cumprimento dos deveres de comunicação e de informação por parte do tomador de seguro. Por isso, os Autores podem opor-lhe a exclusão da cláusula não adequadamente comunicada e suficientemente informada.


Do afastamento do regime da LCCG pelas normas especiais do contrato de seguro

1. O contrato de seguro pode ser qualificado como contrato assimétrico. Afasta-se do modelo de contrato do direito comum, construído com base no princípio da irrelevância do status subjetivo das partes - o conceito de pars contractus foi sempre despojado de qualquer conotação subjetiva -, que visa assegurar a mais ampla liberdade contratual.

2. Se no contrato de direito comum os sujeitos se encontram em posição de paridade e se presume que estão igualmente informados, no contrato assimétrico, o consumidor está numa posição de carência informativa relativamente ao profissional. Existe uma “superioridade situacional” do banco e da seguradora que recorrem a condições pré-formuladas para uma pluralidade de contratos. Esta diversidade de posições entre sujeitos reflete-se no respetivo regime jurídico.

3. Uma das partes encontra-se numa posição de debilidade contratual que decorre da sua inexperiência e falta de informação. Por isso, os instrumentos previstos pelo legislador destinam-se a eliminar essa assimetria informativa. A debilidade do aderente/segurado retira-se da sua falta de participação na elaboração das cláusulas contratuais, predispostas unilateralmente pela outra parte, sendo o desequilíbrio do contrato ex ante previsível. Pretendendo-se prevenir os efeitos negativos da assimetria, a comunicação e a informação - correta e transparente – afiguram-se fundamentais para a tutela da parte mais fraca. Como consequência da exigência de recomposição do desequilíbrio informativo entre as partes, resultante da assimetria informativa, regula-se a fase pré-contratual para permitir, mediante o estabelecimento de obrigações de comunicação e de informação, um consenso informado. Por isso, visa-se assegurar a cognoscibilidade ex ante dos termos do negócio. O direito à informação é abundantemente conhecido do direito privado. Todavia, com a disseminação da contratação em massa, o art. 227.º do CC revelou-se insuficiente para colmatar desequilíbrios de conhecimento. Passou-se, assim, para a consagração de obrigações de comunicação e informação mais incisivas na definição a priori dos mesmos conteúdos. Isto consente ao destinatário valer-se de um spatium deliberandi subsequente à obtenção da informação. A necessidade de assegurar à parte mais fraca o conhecimento exato da contratação in itinere visa garantir a formação correta da vontade contratual.

4. Deve também levar-se em devida linha de conta que a fixação antecipada de cláusulas inegociáveis em que o banco e a seguradora estão dispostos a contratar, coloca-os, desde logo, numa posição negocial vantajosa, pois gera no espírito do cliente/consumidor uma ideia de completude e imodificabilidade, desincentivando-o a tomar consciência crítica do seu conteúdo. Isto contribui para a inexigibilidade de uma conduta negocial ativa de defesa, por parte do cliente/consumidor, perante as pretensões do banco e da seguradora.

5. Note-se que estamos perante relações de tipo profissional em que prevalece a dimensão personalista.

6. Um controlo eficaz terá de consagrar medidas destinadas a obter, em cada contrato que se venha a concluir, um efectivo e real acordo sobre todos os aspetos da regulamentação contratual.

7. O mutuário/segurado é o consumidor/devedor que, no caso específico dos seguros coletivos, subscreve uma cláusula de adesão e assume a obrigação de pagamento do prémio.

8. A LCCG pretende justamente tutelar a parte mais fraca, a contraparte débil da seguradora. O legislador estabeleceu um controlo procedimental (procedural fairness) da negociação e da conclusão do contrato mediante a consagração de um dever de comunicação e de informação das cláusulas predispostas ao aderente, previstos nos arts. 5.º e 6.º da LCCG. Intenciona-se que o consenso se forme livremente num plano de recíproca correção. O art. 5.º da LCCG impõe o ónus de comunicação prévia e na íntegra dos termos do formulário. Comunicação essa que deverá ser feita de modo adequado e com a devida antecedência com vista a que, atendendo à importância do contrato e à extensão e complexidade das cláusulas, seja possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. A comunicação deverá ser integral, adequada e atempada. Não se explicitando todos os elementos contratuais que são objecto da obrigação de comunicação, “o desconhecimento, a incerteza ou o engano” sobre as cláusulas contratuais por parte do aderente significam que aquela obrigação não foi pontualmente cumprida. De acordo com o art. 5.º, n.º 3, da LCCG, “o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.” Não se admite, pois, o cumprimento meramente formal do dever de comunicação. O art. 6.º da LCCG, por seu turno, consagra o dever de informação, de esclarecimento. A informação a prestar será, pois, a necessária e a adequada para que o aderente compreenda a verdadeira dimensão da vinculação resultante da declaração negocial que está prestes a emitir. Repete-se assim uma exigência por tantos outros  modos afirmada da relação médico-paciente. Dos arts. 5.º e 6.º, conjugados com o art. 8.º, da LCCG, decorre que as cláusulas relativamente às quais se não cumpriram os referidos deveres serão excluídas do formulário. Pode dizer-se que, enquanto o dever de comunicação visa garantir o conhecimento efectivo das cláusulas contratuais, o dever de informação intenciona assegurar a compreensão do seu conteúdo por parte do aderente[18].

9. No que toca à questão de saber se a LCCG se aplica ao contrato de seguro em geral e, em especial, àquele dos autos, em virtude de a legislação então aplicável – o art. 171.º do DL n.º 102/94, de 20 de abril e o art. 2.º do DL n.º 176/95 – constituírem uma disciplina especial do cumprimento dos deveres de comunicação e informação pré-contratuais, entende-se não assistir igualmente razão à Ré/Recorrente. Na verdade, não se verifica qualquer relação de exclusão entre os regimes em causa, pois não consagram disciplinas opostas, mas antes de complementaridade. Tem-se em vista reforçar a proteção do aderente ao contrato de seguro, sem que se justifique uma interpretação que conduza a um menor proteção do consumidor no domínio dos seguros coletivos[19].

10. No mais, e quanto ao entendimento defendido pela Ré/Recorrente de que, mesmo ao abrigo da LCCG, se deveria ter considerado que a entrega de um formulário assinado constitui prova suficiente da adequação da comunicação e da suficiência da informação das cláusulas contratuais, já supra se referiu a intensidade da exigência que decorre para quem se socorre destas cláusulas na demonstração do cumprimento destes deveres. Para além disso, não tendo as Rés provado a entrega de qualquer anexo à proposta onde se explicavam as principais cláusulas do contrato, mormente quais os riscos assegurados pelo contrato respetivo e em que condições eles se verificariam, nomeadamente no que concerne a incapacidades, (cf. al. a) dos factos não provados), e tendo, ao invés, ficado positivamente provado que “nenhuma das rés explicou aos autores ou leu as cláusulas dos contratos de seguro, nem lhes foram entregues cópias” (cfr. ponto 20 dos factos provados), não restam dúvidas sobre a insuficiência de prova do cumprimento dos deveres a que respeita a LCCG.

11. Por conseguinte, soçobram também aqui as razões apresentadas pela Ré/Recorrente no que se refere à não aplicabilidade e desnecessidade da LCCG.


Do questionário clínico e sua relevância

1. Finalmente, no que se refere ao último tema objecto do recurso de revista apresentado pela Ré Fidelidade, respeitante ao preenchimento do questionário clínico e sua relevância para o conhecimento da cláusula de exclusão, improcedem igualmente as razões apresentadas.

2. Com efeito, e sem prejuízo de alguma jurisprudência excluir o questionário clínico do regime das cláusulas contratuais gerais[20], entende-se que tal não afasta a subsistência dos deveres de comunicação e informação, desde logo, por o preenchimento desse questionário só, por si, não implicar a demonstração do cumprimento desses deveres.

3. No mais, resulta dos autos que o circunstancialismo concretamente provado respeitante ao preenchimento do questionário clínico se refere ao boletim de adesão à “apólice 02”, que não está em causa na presente revista (cf. pontos 42 a 47 da matéria de facto). Deste modo, carece de fundamento fáctico a invocação pela Ré/Recorrente de a exclusão do seguro ser conhecida dos Autores com base nesse documento. Com efeito, quanto à “apólice 06” - que é aqui objecto de análise -, a Autora declarou expressamente sofrer de diabetes (cf. pontos 33 a 35 da matéria de facto), sem que tenha sido aposta qualquer reserva ou menção de exclusão de cobertura por parte da seguradora. Uma eventual advertência no questionário clínico de que estariam excluídos do seguro riscos de doenças pré-existentes, ou mesmo a menção dessas exclusão nas condições particulares do contrato (cf. ponto 37 da matéria de facto), não são suficientes para afastar a prova produzida no sentido de nunca terem sido explicadas aos Autores ou lidas as cláusulas do contratos de seguro, ou sequer entregues cópias (cf. ponto 20 dos factos provados), ficando por preencher o ónus que recaía sobre as demandadas de demonstrar o cumprimento desses deveres.

4. Por conseguinte, soçobram, por último, as razões apresentadas pela Ré/Recorrente no que respeita à exclusão da cobertura do seguro por via do preenchimento do questionário clínico.


Alegações da CGD


Da condenação da Ré/Recorrente e da não extinção do mútuo por efeito do sinistro

1. A sentença do Tribunal de 1.ª Instância, apesar de ter julgado a ação improcedente quanto a ambos os contratos de seguro por motivos relacionados com a exclusão da cobertura de seguro e por declarações inexatas, respetivamente, entendeu que o pedido correspondente à referida condenação da Ré CGD não poderia proceder. Estão em causa contratos autónomos, os Autores liquidaram voluntariamente as prestações dos contratos de mútuo e os mutuários não se encontravam dispensados de cumprir essa obrigação perante a pretensão de acionamento do seguro. De resto, não tendo os Autores pedido a condenação da seguradora no pagamento ao tomador do seguro do montante coberto (como sucede habitualmente em processos idênticos), não poderia condenar o banco na devolução do montante correspondente às prestações liquidadas, nem tão pouco alterar o pedido em conformidade com o que decorre do funcionamento triangular do seguro de grupo em causa.

2. Já o acórdão recorrido, levando em conta a íntima ligação entre os contratos de seguro e de mútuo, assim como o funcionamento do seguro e a participação do sinistro, entendeu que a Ré CGD não se podia alhear do ocorrido. Assim, perante a verificação do risco previsto, e surgindo diretamente na esfera jurídica do banco/tomador do seguro um direito de crédito ao capital seguro competiria a este, na qualidade de tomador e de beneficiário, exercer perante a seguradora o direito ao cumprimento das obrigações derivadas do contrato de seguro, deixando de poder exigir dos mutuários o cumprimento das respetivas obrigações de reembolso do capital e pagamentos dos juros.

3. Cum summo rigore, o banco mutuante/tomador do seguro é o beneficiário direto do seguro que cobre a morte ou invalidez total e permanente ou absoluta e definitiva dos mutuários/segurados e cada um destes é, por seu turno, beneficiário do seguro em caso de morte ou de invalidez total e permanente do cônjuge segurado, assim como no caso da sua própria invalidez total e permanente, na medida em que o pagamento dos montantes seguros o desonera perante o banco mutuante.

4. Deve, nesta sede, levar-se igualmente em conta o estatuto profissional do banco, a sua qualidade de tomador e de beneficiário do seguro e, deste modo, a existência de um interesse próprio seu. Enquanto beneficiário, o banco obtém cobertura do risco de insuficiência económica do próprio devedor/mutuário desde o momento da verificação do sinistro: com efeito, a prestação da seguradora é parametrizada de acordo com a dívida residual existente nesse momento. Assim, o banco não tem, em princípio, legitimidade para proceder a débitos na conta dos mutuários após a verificação do sinistro. Se o faz, fá-lo indevidamente, aplicando-se o art. 476.º, n.º 1, do CC.

5. Não se pode dizer que, do ponto de vista estrutural, a mera verificação da eventualidade é, enquanto tal, irrelevante no plano da relação obrigacional gerada pelo contrato de mútuo. É que não está em causa a extinção do mútuo como consequência da verificação do sinistro: o mútuo não se extingue, apenas passa a ser cumprido pela seguradora.

6. Em casos como o dos autos, o reembolso do capital e o pagamento dos juros compensatórios efetuados depois da verificação da eventualidade – invalidez absoluta e definitiva da Autora - são in sé privados de justificação. O banco não podia exigir esse reembolso e esse pagamento aos mutuários após a verificação do sinistro. Repare-se que o banco acordou com eles um determinado programa contratual, em que, perante a verificação de certas eventualidades, não lhes seria exigível o cumprimento do mútuo, incumbindo antes à seguradora proceder à realização da prestação a que se vinculou. Valoriza-se pois, no enquadramento do problema em apreço, a dimensão unitária que o produto “mútuo com seguro associado” assume tanto ao nível da sua planificação empresarial como ao da sua comercialização e apresentação à clientela.

7. A estipulação do seguro não foi, com efeito, escolha autónoma e, por assim dizer, solipsista do cliente/mutuário/segurado, a que o banco permanecesse estranho. Pelo contrário,  ela foi sugerida pelo banco/mutuante (que até intermediou a sua colocação), numa lógica unitária de gestão do risco de crédito. Do acolhimento desta perspetiva resulta a inadmissibilidade de soluções objetivamente inadequadas à função que é programaticamente atribuída ao produto bancário/segurístico sub judice. E afigura-se inadequado à função do seguro em apreço (proteção dos mutuários – juntamente com o credor – do risco de insuficiência de recursos resultante da invalidez) o banco continuar a exigir o pagamento da dívida  ex mútuo nos termos do contrato, precisamente no momento em que se revela mais aguda – pelo menos na avaliação de quem sugere o seguro e de quem a ele adere – a exigência de proteção do devedor. Deve, então, evitar-se que a lentidão e/ou o oportunismo no cumprimento da prestação da seguradora possam redundar em prejuízo do cliente.

8. E também, bem vistas as coisas, na perspetiva da própria relação de mútuo. Assim, por exemplo, se os mutuários não tivessem pago as prestações ao banco após a verificação do sinistro, a legitimidade da pretensão do banco de lhes debitar juros de mora, ou até de lançar mão de procedimentos executivos, afigura-se extremamente discutível. Isto é assim, não tanto porque se deva considerar a dívida extinta no momento da verificação da eventualidade, ou por outras razões de ausência de causa legitimante do cumprimento, mas, diversamente, porque a exigência daqueles montantes se consubstancia num comportamento que – no contexto específico de um produto complexo bancário/segurístico, conformado e colocado no mercado pelo próprio mutuante – contrasta frontalmente com a regra de conduta conforme à boa fé (art. 762.º, n.º 2, do CC).

9. Pode também dizer-se, segundo o acórdão recorrido, que com a verificação da eventualidade contratualmente prevista surge na esfera jurídica do banco/tomador um direito de crédito sobre o capital seguro que este, na qualidade de beneficiário, pode exercer perante a seguradora. Deste modo, impendendo sobre a Ré Fidelidade a obrigação de pagar à Ré CGD o capital seguro em dívida à data do sinistro, ao banco cabia, como parte no contrato de seguro - e no de mútuo –, a obrigação de solicitar à seguradora o cumprimento das obrigações decorrentes do mesmo, nada podendo exigir aos Autores/aderentes/segurados a partir daquele momento.

10. Deste modo, o pedido de reconhecimento da dispensa de amortização ou do pagamento das prestações ainda em dívida no âmbito do referido contrato de mútuo revela-se legítimo e legalmente admissível, ainda que com referência à data do sinistro, a 1 de janeiro de 2012 (tal como aliás resulta da interpretação do pedido formulado).

11. Por outro lado, tendo a CGD continuado, após a verificação do sinistro, a debitar na conta dos mutuários o valor das prestações hibridas, de juros e de capital (facto provado sob o n.º 30), quando a correspondente obrigação recaía sobre a seguradora, e não já sobre os Autores, afigura-se inevitável a peticionada restituição integral aos Autores das quantias indevidamente cobradas após a partir de 1 de janeiro de 2012. O reconhecimento, perante todas as partes no contrato, do direito dos Autores à dispensa de cumprimento à consequente restituição das prestações pagas no âmbito do mútuo a que o seguro se encontra associado (indevidamente cobradas após 1 de janeiro de 2012) surge mesmo como pressuposto do exercício pelo banco/tomador do seguro, na qualidade de beneficiário, do direito de crédito próprio que lhe assiste perante a seguradora, de exigir o valor ainda não pago pelos Autores à data do sinistro.

12. Porém, no que respeita ao valor correspondente às prestações, juros e despesas que foram efetivamente debitados pela Ré mutante CGD na conta dos Autores, desde 1 de janeiro de 2012 até 29-02-2016, tal como peticionado, os elementos de facto disponíveis nos autos não são suficientes para a sua quantificação, porquanto apenas se provou que a CGD continuou a proceder ao débito na conta dos Autores do montante correspondente às prestações híbridas de capital e de juros (facto provado sob o n.º 30.). Conforme o acórdão do Tribunal da Relação de ......., isto não obsta a que se relegue para liquidação ulterior o apuramento de tal valor, à luz do art. 609.º, n.º 2, do CPC.

13. Improcedem, assim, os argumentos invocados pela Ré/Recorrente CGD.


IV – Decisão


Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedentes os recurso interpostos pela Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A. pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., confirmando-se o acórdão do Tribunal da Relação de .........


Custas pelas Recorrentes.


Lisboa, 9 de março de 2021.


Sumário: 1. Os seguros associados a mútuos, frequentemente oferecidos e intermediados pelo próprio banco que concede o financiamento, são, em geral, celebrados aquando da conclusão do mútuo a que se encontram associados. 2. A sua finalidade, além de se traduzir na tutela e garantia do devedor perante eventualidades suscetíveis de afetar negativamente a sua capacidade de cumprir - ou de reduzir o valor do imóvel constituído em garantia -, consiste, cada vez mais, em fornecer uma salvaguarda ao mutuante. 3. O risco deve existir ao tempo da adesão ao seguro, pois que a sua falta determina a nulidade do contrato por impossibilidade do objeto ou falta de causa, enquanto da sua cessação superveniente decorre a caducidade do contrato por falta de justificação causal. 4. Tratando-se de uma cláusula que tem por objeto uma exclusão da cobertura do seguro e que está sujeita ao regime consagrado na LCCG, cabe à seguradora demonstrar ter sido objecto de negociação ou adequadamente comunicada e suficientemente informada aos aderentes. 5. Apesar de resultar do art. 4.º, n.º 2, do DL n.º 176/95, que os deveres de comunicação e informação recaem, primordialmente, sobre o tomador do seguro, o seu incumprimento é oponível pelos aderentes/segurados à seguradora. 6. Levando em linha de conta a coligação negocial entre o mútuo e o seguro, assim como a estrutura triangular deste ou a sua consideração como contrato trilateral, o banco/mutuante/tomador do seguro não pode assumir uma postura de total alheamento da relação que se estabelece entre a seguradora e os mutuários/aderentes/segurados, nem a seguradora pode adotar essa posição perante a relação que se estabelece entre o banco e os mutuários/aderentes/segurados. 7. Sendo assimétrico, apesar de ser objeto de regime próprio, o contrato de seguro está sujeito à LCCG, independentemente de esta ser considerada direito comum ou direito especial. 8. O reembolso do capital e o pagamento dos juros compensatórios efetuados depois da verificação da eventualidade – invalidez absoluta e definitiva - são in sé privados de justificação.





Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).


Maria João Vaz Tomé (relatora)


______

[1] Tipicamente, os deveres do subscritor perante o segurador revestem, nestes casos, natureza essencialmente administrativa, no sentido de que respeitam ao seu papel de gestor dos contratos celebrados ao abrigo dos contratos-quadros, que, no caso de o subscritor ser um banco, mas também nalguns outros casos, incluem normalmente a cobrança dos prémios. O seu papel é na verdade o de um mediador de seguros” – cf. Margarida Ramalho de Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudo de direito civil - Dissertação para doutoramento em direito privado na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2008, p.671 - disponível para consulta in https://run.unl.pt/bitstream/10362/8402/3/MLR_TD_2008.pdf,.

[2] De acordo com o art. 187.º, n.º 2, do RJCS, a pessoa segura, nos seguros de grupo, é o titular dos direitos e obrigações contratuais, designadamente do dever de pagar o prémio. Deste modo, ao que parece, a pessoa segura identifica-se com o segurado (conforme o art. 77.º, n.os 2 e 3, do RJCS, o segurado é o sujeito que paga o prémio no seguro de grupo contributivo).

[3] Cf. Margarida Ramalho de Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudo de direito civil - Dissertação para doutoramento em direito privado na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2008, pp.663, 667 - disponível para consulta in https://run.unl.pt/bitstream/10362/8402/3/MLR_TD_2008.pdf; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de novembro de 2016 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 3248/09.9TBVCD.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.

[4] Cf. Margarida Ramalho de Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudo de direito civil - Dissertação para doutoramento em direito privado na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2008, p.668 - disponível para consulta in https://run.unl.pt/bitstream/10362/8402/3/MLR_TD_2008.pdf.

[5] Cf. Maria Inês de Oliveira Martins, O seguro de vida enquanto tipo contratual legal, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, pp.75-76.

[6] A propósito da natureza e fisionomia do seguro de grupo, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de fevereiro de 2017 (Fernanda Isabel Pereira), proc. n.º 620/09.8TBCNT.C1.S1, segundo o qual “Um contrato de seguro de grupo (ramo vida) em que são intervenientes uma seguradora, uma instituição financeira (como tomadora e credora beneficiária) e uma pessoa singular (como aderente-segurada) constitui um contrato celebrado no âmbito de um esquema contratual com uma estrutura tripartida complexa, tendo por base um plano de seguro e, na sua execução, várias adesões/celebrações de contratos de seguro concretizados nas declarações de vontade das pessoas seguras de aderirem ou fazerem parte do referido plano de seguro.” – disponível para consulta in www.dgsi.pt.

[7] Cf. Maria Inês de Oliveira Martins, O seguro de vida enquanto tipo contratual legal, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, p.77.

[8] Cf. Maria Inês de Oliveira Martins, O seguro de vida enquanto tipo contratual legal, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, pp.79, 83.

[9] Cf. Maria Inês de Oliveira Martins, O seguro de vida enquanto tipo contratual legal, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, pp.84-86.

[10] Cf. Maria Inês de Oliveira Martins, O seguro de vida enquanto tipo contratual legal, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, pp.261-262, 264, 267-268, 273.

[11] A solução seria, porventura, diferente se a pessoa segura já sofresse de uma incapacidade absoluta e definitiva ao tempo da celebração do contrato em virtude de uma doença. Com efeito, “Na nossa ordem jurídica, resulta sem margem para dúvidas do regime jurídico do contrato de seguro que o risco deve estar presente, quer no momento da celebração, quer durante toda a vigência de um contrato de seguro” – cf. Margarida Ramalho de Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudo de direito civil - Dissertação para doutoramento em direito privado na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2008, p.57 - disponível para consulta in https://run.unl.pt/bitstream/10362/8402/3/MLR_TD_2008.pdf. No caso em apreço, decorre da matéria de facto a que se referem os pontos 21 a 27 que a doença (diabetes) de que a Autora sofria se veio progressivamente a agravar, até passar a uma situação de invalidez.


[12] Aliás, uma cláusula em que o cliente comprova pela sua assinatura que foi informado com toda a amplitude e nos termos da lei é nula, pois que, além de estabelecer indevidamente uma inversão do ónus da prova, constitui uma violação do art. 21.º, al. g), da LCCG.

[13] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2020 (Maria Clara Sottomayor), proc. n.º 8963/16.8T8ALM-B.L1.S1. No sentido desta particular exigência, em função do caso concreto, vide ainda, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de junho de 2020 (Assunção Raimundo), proc. n.º 19806/16.2T8PRT.P1.S1; de 10 de dezembro de 2019 (Fátima Gomes), proc. n.º 20183/17.0T8LSB.L1.S2; de 19 de dezembro de 2018 (Maria do Rosário Morgado), proc. n.º 857/08.7TVLSB.L1.S2; e de 7 de junho de 2018 (Tomé Gomes), proc. n.º 6155/15.2T8GMR.G1.S2.

[14] Vide, neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de maio de 2018 (Henrique Araújo), proc. n.º 261/15.0T8VIS.C1.S2; de 18 de setembro de 2018 (Fonseca Ramos), proc. n.º 838/15.4T8VRL.G1.S1; de 29 de novembro de 2016, proc. n.º 1274/15.8T8GMR.S1 (Fonseca Ramos); e de 14 de abril de 2015, proc. n.º 294/2002.E1.S1.

Pelo contrário, defendendo a posição segundo a qual, no caso de seguro de grupo, compete ao tomador do seguro, e não ao segurador, a obrigação de informação ao aderente das cláusulas contratuais gerais e que o incumprimento desta obrigação não é oponível ao segurador, cf. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de fevereiro de 2021 (Maria dos Prazeres Beleza), proc. n.º 418/19.ST8FLG.P1.S1; de 8 de março de 2018 (João Camilo), proc. n.º 2330/13.2TBPNF.P1.S1; de 17 de janeiro de 2017 (José Rainho), proc. n.º 317/14.7TBEVR.E1.S1; de 30 de março de 2017 (João Trindade), proc. n.º 4267/12.3TBBRG.G1.S1; de 30 de novembro de 2017 (Maria do Rosário Morgado), proc. n.º 608/14.7TVLSB.L1.S1; de 5 de abril de 2016 (José Rainho), proc. n.º 36/12.9TBALD.C1-A.S1; de 5 de maio de 2016 (Sebastião Póvoas), proc. n.º 690/13.4TVPRT.P1.S1; de 11 de fevereiro de 2015 (Tomé Gomes), proc. n.º 2045/08.3TBFAF.G2.S1; e de 15 de abril de 2015 (Maria dos Prazeres Beleza), proc. n.º 385/12.6TBBRG.G1.S1.

Numa posição um tanto ou quanto eclética e condicionada pela factualidade concretamente provada, refere-se o acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de maio de 2015 (Tomé Gomes), proc. n.º 17/13.5TCGMR.G1.S1, em que se afirma, em síntese, que, embora a regra seja a de que tais deveres recaem sobre o tomador de seguro – sem que se verifique em relação à seguradora uma relação de intermediário, auxiliar ou comissário –, pode esta ser co-responsabizada pela violação desses deveres na medida em que o espécimen contratual por si elaborado possa ter determinado o incumprimento deficiente destes deveres: “I - No tipo de contrato de seguro de grupo contributivo, na modalidade de seguro de vida de crédito à habitação, nos termos do art. 4.º do DL n.º 176/95, de 27-07, recai sobre o tomador de seguro, o banco mutuante, o ónus de informar e esclarecer os segurados aderentes sobre as cláusulas de cobertura e de exclusão do risco assim garantido.  II - O incumprimento desse dever leal de informação e esclarecimento não se comunica à seguradora, salvo convenção em contrário, porquanto, no referido tipo de contrato de seguro de adesão, não se configura que o tomador do seguro intervenha como intermediário, auxiliar ou comissário da seguradora, não se encontrando, por isso, fundamento normativo para imputar a esta, as consequências da atuação irregular do tomador na comercialização do produto financeiro em causa.  III - Nessa conformidade, não está vedado à seguradora invocar a seu favor contra os segurados aderentes as cláusulas gerais e particulares sobre o âmbito e exclusões do risco assumido no contrato de seguro, sem que a estes seja lícito contrapor o incumprimento do dever de informação e esclarecimento por parte do tomador do seguro. IV - Não obstante, o dever de informação do tomador do seguro para com o aderente tem como base um espécimen contratual elaborado pela seguradora, sendo esta também pessoalmente responsável pelos vícios ou insuficiências do mesmo e que determinem causalmente o cumprimento deficiente do referido dever de esclarecimento, por parte do tomador do seguro, podendo assumir então a qualidade de co-autora do facto lesivo e culposo imputável à mesma.  V - Impende ainda sobre a seguradora o dever de facultar, a pedido dos segurados, quaisquer informações complementares necessárias à efectiva compreensão da disciplina contratual. VI - Embora se acolha a orientação normativa jurisprudencial seguida no acórdão-fundamento, em detrimento da perfilhada no acórdão recorrido, atendendo ao circunstancialismo especificamente provado no presente caso, que diverge em parte essencial da situação versada naquele acórdão-fundamento, na esteira do também ali doutrinado, quanto ao dever de informação por parte da seguradora, considera-se que, face a tal circunstancialismo, é imputável à Ré Seguradora, a título de negligência, a omissão do dever de informação do conteúdo das cláusulas contratuais de que agora se pretende prevalecer, em relação ao tomador do seguro, o que se afigura obstativo do cabal cumprimento do subsequente dever de informação por parte deste perante os segurados-aderentes.” – disponível para consulta in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fd384c73e2db06d280257e4b005320a0?OpenDocument.

[15] Cf. Vasco Noversa, Os Deveres de Informação do Segurador no Contrato de Seguro de Grupo, Escola de Direito do Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa (2016) – disponível para consulta in https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/21399/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Vasco%20Noversa,%20n%C2%BA%20345014043%20%20Os%20deveres%20de%20informa%C3%A7%C3%A3o%20do%20segurador%20no%20contrato%20de%20se.pdf.

[16] Cf. a caracterização mais rigorosa do contrato de seguro em causa descrita no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de setembro de 2016 (Júlio Gomes), proc. n.º 1445/13.1TVLSB.L2.S2): “I - No contrato de seguro contributivo, o segurado – ou, sendo seguro de vida, a pessoa segura – é o destinatário do crédito, que assume o encargo de pagar os prémios, e o beneficiário, é o próprio banco ou instituição de crédito, que surge como o tomador do seguro, a contraparte contratual do segurador, ao qual terceiros aderentes se vinculam, caso surja na modalidade de seguro de grupo.  II - Tratando-se de um seguro de grupo contributivo, com função de garantia, até conhecida do segurador, o aderente não pode ser concebido como um mero terceiro, totalmente alheio à relação contratual entre as partes do contrato de seguro: (i) primeiro, porque das próprias declarações desse terceiro resultará o complexo de riscos assumidos pelo segurador; (ii) segundo, porque a própria actuação do segurador desempenha um papel relevante na formação do vínculo entre o tomador do seguro e o aderente; e (iii) por fim, porque é o terceiro aderente quem assume o dever de pagar, no todo ou em parte, o prémio.(…)” – disponível para consulta in

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e2c88a0c59f352d88025802e003bb248?OpenDocument

[17] Cf. Margarida Ramalho de Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudo de direito civil - Dissertação para doutoramento em direito privado na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2008, pp.667-668 - disponível para consulta in https://run.unl.pt/bitstream/10362/8402/3/MLR_TD_2008.pdf.

[18] Cf. Sandra Passinhas, “O problema das cláusulas contratuais gerais é o da usura em massa?”, in Revista de Direito Comercial – disponível para consulta in https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/5b2b4dc12b6a28718c45123c/1529564611918/2018-05.pdf.

[19] Cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de maio de 2018 (Henrique Araújo), proc. n.º 261/15.0T8VIS.C1.S2); de 30 de março de 2017 (João Trindade), proc. n.º 4267/12.3TBBRG.G1.S1; de 29 de novembro de 2016 (Fonseca Ramos), proc. n.º 1274/15.8T8GMR.S1, afirmando-se até, na fundamentação deste, que “o   facto de o legislador ter fixado, no art. 4.º, n.º1 do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, não significa que tenha querido onerar exclusivamente o banco com estes deveres e exonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro”; de 13 de janeiro de 2011 (Serra Baptista), proc. n.º 1443/04.6TBGDM.P1.S1.

[20] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de novembro de 2020 (António Magalhães), proc. n.º 2029/15.5T8LRA.C1.S1.