Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
329/06.4TBAGN.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: SEGURO OBRIGATÓRIO AUTOMÓVEL
CONDUTOR
ALCOOLEMIA
DIREITO DE REGRESSO
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA AO RÉU CONCEDIDA PARCIALMENTE A AUTORA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 498.º, NºS 1 E 3, 566.º, Nº2
DL 522/85: - ARTIGO 19.º, AL. C).
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 9/11/1977;
-DE 28/10/2004, PROCESSO Nº 04B3385;
-DE 7/7/2010, PROCESSO Nº 2273/03.8TBFLG.G1.S1;
-DE 4/11/2010, PROCESSO Nº 2564-08.1TBCB.A.C1.S1.

ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR Nº6/2002
Sumário : 1.Tendo sido, em acção de regresso intentada pela seguradora ao abrigo do disposto na al. c) do art. 19º do DL 522/85, plenamente demonstrada uma específica e concreta ligação causal entre o estado de alcoolemia do condutor e as deficiências e erros de condução que despoletaram o acidente – ou seja, que a taxa de álcool no sangue influenciou, efectiva e decisivamente, o tipo de condução praticada, funcionando, deste modo, como causa efectiva e naturalística do acidente - estão preenchidos os pressupostos legais do direito invocado, nada obstando a que a convicção das instâncias tenha sido também formada através do uso legítimo de presunções naturais, alicerçadas nas regras ou máximas de experiência.

2. Nos casos de pagamento faseado de valores indemnizatórios a um mesmo lesado, incumbe ao R. que suscita a prescrição do direito de regresso da seguradora o ónus de alegar e demonstrar que o conjunto de recibos ou facturas, por ela pagas até ao limite do período temporal dos 3 anos que precederam a citação na acção de regresso, representam um núcleo indemnizatório, autónomo e bem diferenciado relativamente aos restantes valores indemnizatórios peticionados na causa, – não lhe bastando, consequentemente, limitar-se a alegar, como fundamento da prescrição que invoca, a data constante desses documentos.

3. Não se inicia, nem corre autonomamente, o referido prazo prescricional quando os documentos a que se reporta a prescrição invocada se conexionam com o ressarcimento antecipado e faseado de danos exclusivamente ligados às lesões físicas sofridas pelo sinistrado – reparação dos períodos de incapacidade temporária, despesas médicas e de tratamentos clínicos, custo das deslocações para estabelecimento hospitalar – sendo tais pagamentos parcelares insusceptíveis de integrar um núcleo indemnizatório, autónomo e juridicamente diferenciado dos demais danos, de idêntica natureza , globalmente peticionados na acção de regresso.

4. Neste caso, o prazo de prescrição do direito de regresso apenas se inicia no momento em que estiver cumprida a obrigação da seguradora de ressarcir o lesado de todos os danos que lhe advieram da lesão dos bens da personalidade e respectivas sequelas, ainda que tal núcleo indemnizatório tenha originado pagamentos faseados ao longo do tempo.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA - SEGUROS GERAIS, S.A intentou contra BB acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a condenação do réu no pagamento de € 70.492,52 - mais as quantias que poderá ter que liquidar posteriormente -, acrescida de juros de mora vencidos, bem como de juros vincendos até integral e efectivo pagamento, invocando o direito de regresso que lhe é conferido pelo preceituado nos arts. 19°, al. c), do DL nº 522/85 e 81°, n.° 2, do Código da Estrada, alegando, em síntese, que:
- através de contrato de seguro do ramo automóvel garantiu a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo ligeiro de mercadorias de matrícula 00-00-00;
- tal veículo, no dia 29/03/2003, tripulado pelo ora Réu, circulando na Estrada Municipal 522-1, concelho de Arganil, atropelou os peões CC e DD, provocando ferimentos a ambos;
- o acidente ocorreu por culpa exclusiva do réu, pois que este, em virtude do estado de alcoolemia em que se encontrava (apresentava uma TAS de 2,12 g/l de álcool no sangue) e da velocidade que imprimia ao veículo 00, não conseguiu dominar o mesmo;
- em consequência do sinistro, pagou aos aludidos lesados, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do acidente, as diversas importâncias que discrimina, no montante global de € 70.492,52;
- poderá ainda ter de pagar, por força do aludido contrato de seguro e relativamente ao referido acidente, a quantia em que vier a ser condenada no processo nº 39/03.4 TAAGN, a correr termos no T.J. de Arganil, onde, contra si, foi deduzido pedido de indemnização cível por EE, pai do peão CC.

O Réu, citado em 13/09/2006, na contestação que ofereceu, além de se defender por impugnação - negando a sua culpa na produção do acidente, a falta de nexo de causalidade entre este e a alegada alcoolemia e afirmando a culpa exclusiva dos peões -, invocou a prescrição do direito de indemnização da autora quanto aos montantes por esta pagos até 04/09/2003 (inclusive), num total de € 11.280.91, sustentando, quanto a eles, ter decorrido já o prazo de três anos a que se reporta o art.º 498, n.º 2, do Código Civil (CC).

A autora respondeu, defendendo a improcedência da arguida prescrição, já que, segundo sustenta, tendo efectuado vários pagamentos parciais aos lesados no montante global que peticiona e ocorrendo o último desses pagamentos em 27 de Outubro de 2005, só a partir desta data deve iniciar-se a contagem do prazo prescricional em causa.

Foi admitida ampliação do pedido deduzida pela A. (condenação do Réu no pagamento de € 43.405,82, relativos a prejuízos patrimoniais sofridos em consequência do acidente).
No despacho saneador, julgou-se improcedente a arguida excepção da prescrição, pelo que se procedeu à selecção dos factos considerados assentes, elaborando-se ainda a base instrutória da causa.

Inconformado com a decisão proferida quanto à excepção da prescrição, apelou o R. para a Relação, sendo tal recurso admitido para subir a final.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Réu a reembolsar a Autora na percentagem de 80% - correspondente ao grau de culpa atribuído ao R. no desencadear do acidente - do montante líquido de € 114.607,25; e, em igual percentagem, do montante que esta venha, eventualmente, a ser condenada a pagar no âmbito do processo que lhe foi movido pelo pai do menor CC, a liquidar posteriormente, sendo caso disso.

Inconformado com a sentença, dela apelou o R e, subordinadamente, a A..

A Relação, no acórdão ora recorrido, julgou improcedentes os recursos - quer o principal, quer o subordinado - interpostos da sentença ; mas julgou procedente o recurso interposto do saneador, na parte em que se julgara improcedente a excepção da prescrição, decisão esta que revogou, julgando tal excepção procedente e, consequentemente, considerando prescrito o direito da Autora relativamente às quantias, por si peticionadas, respeitantes aos pagamentos que efectuou até 04/09/2003 (inclusive), no montante global de € 11.280.91, nessa parte absolvendo o Réu do pedido.
E, assim, julgando a acção parcialmente procedente, o acórdão recorrido condenou o R. a reembolsar a Autora na percentagem de 80% do montante líquido de € 103.326,34, e, bem assim, em igual percentagem do montante que a Autora vier a ser eventualmente condenada a pagar no âmbito do processo que lhe é movido pelo pai do menor CC, a liquidar posteriormente, sendo caso disso.

2. Inconformados com tal sentido decisório, recorreram, quer o R., quer a A., encerrando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:

I – No recurso do R.:

1- Dão-se por reproduzidas as doutas decisões de 1ª e 2ª Instâncias, e bem assim os factos provados constantes e descritos nas mesmas.
2- O pedido invocado pela Recorrida, ao abrigo do disposto na alínea c) do art. 19° do DL n.° 522/85, de 31/12, e a prova que consta dos autos, são insuficientes para desencadear o funcionamento de um qualquer direito de regresso a favor da mesma.
3- Não estão, desde logo, verificados os pressupostos concretos e necessários para a procedência desse direito de regresso, pois a Recorrida não provou (como era seu ónus), a existência de um nexo de causalidade adequada entre a TAS e a acção lesiva.
4- Além de que nada do elenco da prova produzida nos autos permite a conclusão de que a condução com uma taxa de alcoolemia no sangue foi a causa concreta do acidente, isto é, a "conditio sine qua non" sem a qual este não teria ocorrido.
5- Os raciocínios e as presunções de que se socorreu, quer a douta sentença recorrida, quer o douto acórdão para postular a existência de tal nexo de causalidade são juridicamente inadmissíveis.
6- O exercício pela Seguradora/Recorrida do direito de regresso, segundo o disposto na ai. c) do art. 19° do DL 522/85, tem natureza excepcional e os pressupostos da sua verificação são apertados e foram alvo de clarificação através do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.° 6/2002. de 28/05. que fixou a seguinte jurisprudência:
"A alínea c) do artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela Seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente."
7- A lei, a jurisprudência uniformizada do STJ e a jurisprudência maioritária exigem a alegação e prova pela seguradora (sendo apenas dela esse ónus) de que 1) o condutor circulava e agia sob o efeito de álcool; e de que 2) existiu um abstracto e também concreto nexo de causalidade necessária e de efectiva adequação entre a condução sob a influência do álcool (TAS) e o acidente ocorrido (acção lesiva).
8- De acordo com a teoria da causalidade adequada (art. 563° do Código Civil), para que se verifique e exista o exigido nexo de causalidade entre o facto e o dano, é necessário que o facto (a presença de álcool no sangue) tenha sido, em abstracto e de acordo com um juízo de probabilidade, condição adequada, idónea ou apropriada à produção do acidente, exigindo-se também que o "agir" (e não o "estar") sobre a influência de álcool tenha sido a concreta causa e a base do dano, em termos de "conditio sine qua non", sem a qual o mesmo nunca teria ocorrido.
9- O [eventual] direito de regresso da Recorrida contra o Recorrente só existiria - e não existe! - se esta provasse (o que não logrou fazer) este duplo nexo causal, não sendo, pois, idóneo e suficiente para determinar a procedência do direito de regresso a alegação e prova de que o condutor estivesse sob a influência do álcool e que o álcool influenciasse "o comportamento do demandado, diminuindo-lhe as capacidades de atenção, reacção e de visão".
10- Na verdade, é do conhecimento geral que os efeitos do álcool variam de indivíduo para indivíduo e que, frequentemente, se produzem acidentes similares ao relatado nos presentes autos, sem que o condutor esteja alcoolizado e/ou tenha agido sob a influência do álcool.
11-0 ónus da prova deste duplo nexo de causalidade (em abstracto e em concreto) cabe, indiscutivelmente, à seguradora, pois é ela quem invoca o direito de regresso em seu benefício (art. 342° do Código Civil), e não pode decorrer do recurso a presunções.
12 - Está, aliás, uniformizado pelo Acórdão do STJ n.° 6/2002 e é jurisprudencialmente unânime (vide, entre outros, o Acórdão do STJ de 08/04/2003) que "não existe nenhuma presunção do nexo de causalidade" e que "não sendo este facto notório, exige-se à seguradora a sua alegação e prova",
13 - "O direito de regresso tem, pois, de ser demonstrado [pela seguradora] nos termos gerais de direito, uma vez que nenhuma disposição do Decreto-Lei n.° 522/85 veio afastar o regime geral da responsabilização, criando presunções, alterando o ónus da prova ou outro circunstancialismo que se desvie do regime geral." (cit. Acórdão do STJ n.° 6/2002)
14 - Sucede que, embora não se permitam presunções do aludido nexo causal, o douto acórdão recorrido, que aqui se dá por reproduzido, entendeu que factos existem provados que permitem concluir, por via de presunção judicial, que a condução do Réu sob influência do álcool, com uma TAS de 2,12 g/l é responsável pela produção do acidente e, neste seguimento, concluiu pela verificação dessa relação de causalidade, através de, salvo o devido respeito, um incorrecto e inadmissível recurso a presunções judiciais e legais (de culpa e de negligência).
15 - Ora, ao recorrer a tais presunções para fundar o nexo de causalidade, o Tribunal a quo - de forma legalmente inadmissível e violadora da citada jurisprudência uniformizada, que proscreve tal entendimento - dispensou a Seguradora do seu ónus da prova do referido nexo de causalidade adequada e inverteu as regras do ónus da prova, fazendo-o erradamente recair sobre o Recorrente.
16 - Ao presumir a verificação do nexo de causalidade adequada sempre que existe ingestão pelo condutor de bebidas alcoólicas ou violações de normas estradais, o douto acórdão, esqueceu que se pode "estar" sob a influência do álcool e não se "agir" sob tal influência: a conduta pode não ter resultado desse estado.
17 - "Não basta a simples condução sob uma taxa de alcoolémia igual ou superior ao limite mínimo permitido para concluir que há uma relação de causa e efeito entre o álcool e o acidente." (cit. Acórdão da Relação de Coimbra de 26/11/2002) .
18- De todo o modo, ainda que se admitisse que o Julgador a quo pudesse lançar mão de juízos de probabilidade e fazer apelo a regras de experiência e a presunções para aferir da existência desse nexo de causalidade - o que se não aceita e apenas por mera hipótese de raciocínio se considera - o certo é que a condução sob o efeito do álcool somente em abstracto - e nunca em concreto, como é exigido - poderia ser idónea à produção do acidente.
19- Ora, as presunções judiciais "não são verdadeiros meios de prova, mas antes meios lógicos ou mentais ou operações firmadas na experiência", reconduzindo-se por essa forma a uma simples "prova de primeira aparência", baseada em juízos de probabilidade, e podem ser afastadas e ilididas através de contra-prova.
20- E o certo é que, a este propósito, embora não incumbisse ao Recorrente qualquer ónus de prova quanto à inexistência da causalidade entre ingestão de álcool e o acidente, a verdade é que o ora Recorrente logrou demonstrar e fez prova da existência de uma factualidade concreta que abala os pressupostos em que assentaram as presunções judiciais já aludidas e que refuta todos os argumentos invocados no douto acórdão recorrido, que consideram que o acidente se ficou a dever à culpa e à ingestão de álcool pelo ora Recorrente.
21 - Da panóplia de factos provados ressalta à evidência que o acidente se ficou a dever a condutas e a causas e acontecimentos completamente alheios à TAS detectada no Recorrente.
22 - Atendendo à factualidade provada, decorre que o acidente se deveu, não à qualquer TAS, mas, às condições climatéricas, à fraquíssima visibilidade , conforme factos provados, ao mau estado de conservação e degradação da estrada e às condutas irresponsáveis de cerca de 20 pessoas , entre as quais os cidadãos atropelados que, desordenada e indistintamente, invadiam e ocupavam a faixa de rodagem, e estavam totalmente distraídas e sem qualquer atenção ao trânsito, que avistaram o veículo a mais de 50 metros e sem qualquer sinalização avisadora da sua presença, sempre conforme factos provados.
23 - Qualquer pessoa, ainda que não alcoolizada, naquelas circunstâncias, certamente, ao ser surpreendida numa noite chuvosa com estas pessoas dispersas pela estrada a movimentarem-se rapidamente e a correr, inopinada e desordenadamente em várias direcções, sem qualquer sentido ou ordem (facto provado Cl), teria sido interveniente em idêntico acidente.
24 - Atendendo às concretas condições supra descritas, em que o acidente decorreu, e que foram provadas pelo Recorrente, resulta que a prova produzida em nada permite a conclusão de que a condução sob a influência do álcool foi a causa concreta do acidente, isto é, a causa sem a qual este não teria ocorrido.
25- A Recorrida não provou, como lhe era exigido, a existência de um qualquer nexo de causalidade adequada entre a TAS e a acção lesiva.
26- Além disso, são inadmissíveis as presunções de que o douto acórdão se socorre, que mais não fazem do que presumir, de forma automática, a existência de um nexo de causalidade entre o excesso de álcool e o acidente, apenas do facto de o Recorrente ter ingerido bebidas alcoólicas ou. eventualmente, violado normas estradais.
27- Pelo que se tem de concluir pela inexistência e não verificação da causalidade adequada e exigida entre o álcool ingerido e o acidente, não existindo nenhuma razão para o funcionamento do direito de regresso invocado pela Recorrida, devendo a seguradora pagar aos terceiros lesados aquilo a que pelo contrato de seguro estava e está obrigada.
28- E ter-se-á forçosamente que concluir , face aos factos provados, que o acidente ficou a dever-se a culpa dos próprios peões, nomeadamente, ficou a dever-se a culpa dos peões atropelados que com a sua conduta violaram grosseiramente, entre outros, o disposto nos art°s 99° n° 1, 100° e 101° do Código da Estrada.
29- Ao assim não ter decidido, o douto acórdão recorrido violou, entre outros, os artigos 9°/1, 342°, 349° a 351° do Código Civil e a alínea c) do artigo 19° do Decreto-Lei n.° 522/85, de 31 de Dezembro (com as sucessivas alterações introduzidas até ao DL n.° 301/2001, de 23 de Novembro).
30- O douto acórdão recorrido desrespeitou, ainda, a jurisprudência uniformizada (e com força obrigatória geral) pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.° 6/2002, publicado em 18/07/2002.
II- No recurso da A.:
1. O âmbito do presente recurso cinge-se, assim, a uma dupla vertente:
a. prazo de prescrição do direito de regresso nos termos e para os efeitos das disposições conjugada constantes do art. 19° ai c) do DL 552/89, de 31/12 e art. 498° do Cód. Civil.
b. questão da repartição da culpa na produção do sinistro.
2. Na verdade, e sempre com o merecido respeito, estamos em crer que à situação em apreço se aplica o prazo prescricional de 5 anos, nos termos e para os efeitos das disposições conjugadas e contidas nos art. 19° ai. c) do DL 522/85 e art. 498° n.° 2 e 3 do Cód. Civil)
3. Com efeito, o direito de regresso de que a Seguradora recorrente é titular funda-se em responsabilidade civil extracontratual por facto considerado crime - condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, p. e .p nos termos do disposto no art. 292° n.° 1 do Cód. Penal, com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa.
4. A causa de pedir nos presentes autos estriba-se, assim, na responsabilidade penal do lesante.
5. Acresce que, nos ternos do disposto no art. 118° n.° 1 ai c), em conjugação com o art. 292° n.° 1, ambos do Cód. Penal, o procedimento criminal pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez extingue-se, por efeito da prescrição, logo que haja decorrido 5 anos sobre a respectiva prática.
6. Por outro lado, o art. 498° n.° 1 do Cód. Civil determina que o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
7. E o n.° 2 do mesmo preceito estipula que prescreve igualmente no prazo de 3 anos a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
8. Contudo, o art. 498° n.° 3 do Cód. Civil vem ainda estabelecer que se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
9. O direito de regresso invocado pela Seguradora recorrente beneficia, portanto, do alargamento do prazo de prescrição de 5 anos contemplado no art. 498° n.° 3 do Cód. Civil.
10. Nesta conformidade, tendo os pagamentos aos lesados sido satisfeitos pela Seguradora recorrente entre 01/07/2003 e 25/10/2006, à data da propositura da presente acção - 05/09/2006 - não havia ainda decorrido o prazo prescricional de 5 anos sobre a data de cumprimento da obrigação de indemnização que sobre a Seguradora recorrente impendia, por via do contrato de seguro celebrado.
11. Não se verifica, portanto, a invocada excepção da prescrição do direito de reembolso titulado pela Seguradora recorrente.
12. O douto acórdão ora posto em crise, ao consignar diverso entendimento, incorreu em flagrante violação, entre o demais, do disposto nos arts. 498° n.° 2 e 3 do Cód. Civil, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que declare improcedente a invocada excepção da prescrição.
SEM PRESCINDIR
13. Por outro lado, e sem prescindir ao antecedentemente alegado, sempre se dirá que, ainda que se propugne um entendimento segundo o qual, in casu, não se aplica o disposto no art. 498° n.° 3 do Cód. Civil, sempre dirá que, independentemente do alargamento ou não do prazo, este só começou a contar a partir da data do último dos pagamentos efectuados pela Seguradora recorrente.
14. A nossa douta jurisprudência tem entendido que o prazo prescricional para o exercício do direito de regresso fundado no art. 19° do DL 522/83 deve iniciar-se a partir do último pagamento e não após o cumprimento de cada um dos créditos parciais/fracções de pagamento da indemnização.
15. Na verdade, e ao contrário da tese vertida no douto Acórdão ora posto em crise, entendemos que a obrigação de indemnização emergente de danos decorrentes de acidente de viação, prevista nos arts. 562° e seguintes do Cód. Civil corresponde a uma só indemnização e não a várias, pese embora o seu conteúdo possa ser repartido em vários créditos parcelares.
16. A pretensão indemnizatória é, portanto, una.
17. Sendo, por conseguinte, unitário o prazo prescricional.
18. Estamos, então, nos presentes autos, perante fraccionamento no tempo do cumprimento de uma indemnização de carácter unitário.
19. Pelo que, e sempre com o merecido respeito por diversa opinião, defendemos, e tal como do douto acórdão citado, que o inicio do cômputo do prazo prescricional ocorre na data do últimos dos pagamentos efectuados pela Seguradora ao lesado, sendo que o art. 498° n.° 2 deverá interpretar-se como contendo a alusão ao cumprimento integral da obrigação de indemnizar emergente de acidente de viação.
20. Ao contemplar diverso entendimento, o douto acórdão recorrido violou, entre o demais, o disposto nos arts. 562° e ss e 498° n.° 2 do Cód. Civil, razão pela qual deverá ser revogado.
DA REPARTICÃO DE CULPAS:
21.0 Meritíssimo Tribunal "a quo" justifica atribuição de culpa, na proporção de 20%, aos peões atropelados numa dupla vertente:
a. na infracção ao art. 87° n.° 2 do Cód. Estrada
b. na violação de um dever objectivo de cuidado (não tomaram as devidas precauções, em tempo útil, perante a aproximação do veículo conduzido pelo R.).
22. O facto de um peão se encontrar dentro da faixa de rodagem não significa, de per si, que o seu atropelamento assente necessariamente na infracção por si perpetrada.
23. Bem pode suceder que essa culpa caiba, pese embora tal infracção, ao condutor do veículo automóvel.
24. E nos presentes autos não se pode concluir que a permanência dos peões na estrada foi causa adequada (ou concausa) do atropelamento, dado que apenas se demonstrou que os peões lesados ocupavam a hemi faixa esquerda, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo R., fazendo parte de um aglomerado de 20 pessoas.
25. Ficou por saber se iam a atravessar a faixa de rodagem, se iam a desviar-se das restantes pessoas que lá se encontravam, que sentido de marcha levavam, qual a sua concreta posição na via, etc.
26. Pelo que, e sempre com o merecido respeito não pode o Meritíssimo Tribunal "a quo" imputar, ainda que apenas em parte, culpa ao peões pela eclosão do atropelamento baseando-se no facto dos mesmos eventualmente não se terem desviado do veículo quando, na verdade, nem sequer se apurou se aqueles concretos peões estavam em posição de avistar o veículo, ou se, por outro lado, estavam de costas voltadas para o mesmo!
27. Para além do que o veículo automóvel seguia na hemi faixa destinada ao transito em sentido contrário ao seu, ou seja, em contra mão, ou seja, conduzia por um local onde não era minimamente esperado que conduzisse.
28. Encetando uma manobra proibida e injustificada, na medida em que circulava em contra mão pela hemi faixa esquerda (quando não havia qualquer obstáculo na hemi faixa direita), numa recta com 8,20 m de largura, animado de uma velocidade excessiva para as características do local e circunstâncias atmosféricas, a acrescer ao facto de ter actuado sob a influencia do álcool, que, de forma determinante, reduziu a sua capacidade de visão, reacção e atenção.
29. Urge, assim, colocar a seguinte questão: será exigível aos peões preverem a circunstância extraordinária do veículo do R. circular em contra -mão?
30. A nosso ver, e salvo o devido respeito por diversa opinião, naturalmente que não - a um utente da via normalmente diligente não se exige que conte com a actuação ilegal, descuidada e imprevista dos outros.
31. A formulação de um juízo de censura ao agente, mesmo nos casos de aferição de concorrência de culpas, assenta no critério do art. 487° n.° 2 do Cód. Civil, o seja, a diligencia de um bom pai de família, do homem médio sócio culturalmente inserido, e em face das circunstância concretas.
32. Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião, na situação subjudice não se impunha aos peões o dever objectivo de cuidado de se precaverem da presença do veículo conduzido pelo R., nas sobreditas condições extraordinárias e imprevisíveis.
33. O mesmo já não acontece no que concerne ao dever de diligência que incumbia ao R.
34. A lei estabelece uma suprema exigência de protecção do peão no tráfego rodoviário impondo aos automobilistas um especial dever de cuidado e atenção, respeito pelas regras e adequação da condução que lhe permitam evitar um atropelamento.
35. Temos que o sinistro dos autos de deveu única e exclusivamente às condução temerária e desconforme ás mais elementares regras estradais encetada pelo R., e incrementada pelo nefasto efeito do álcool que lhe toldou o discernimento e a velocidade de reacção, o impedindo-o de, por exemplo, se aperceber em tempo útil da existência dos peões da faixa de rodagem, de forma a evitar o atropelamento.
36. Ao ter diverso entendimento, a douta sentença ora posta em crise procedeu a uma errada qualificação jurídica dos factos, violando, entre outros, o disposto nos arts. 483°, 487°, 503° e 570° do Cód. Civil.
37. Pelo que se impõe a sua revogação e substituição por douto acórdão que impute a responsabilidade pela produção do acidente dos autos, de forma exclusiva, à actuação culposa do R., considerando a presente acção totalmente procedente por provada.

3. As instâncias fizeram assentar a solução jurídica do pleito no seguinte quadro factual (que se consolidou com a improcedência da impugnação que, na apelação, havia sido deduzida quanto à decisão sobre a matéria de facto) :

I - A A. exerce actividade relativa a seguros de vários ramos. (al.A) dos Factos Assentes);
II - No exercício da sua actividade, a A. celebrou com BB um contrato de seguro, do ramo automóvel, titulado pela Apólice com o nº 0000000000 (v. Doc. nº1). (al.B));
III - Por via do aludido contrato de seguro, o tomador do seguro transferiu para a ora A. a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação decorrentes da circulação do veículo ligeiro de matrícula 00-00-00. (al.C));
IV - No dia 29 de Março de 2003, pelas 19:45 horas, na Estrada Municipal 522-1, concelho de Arganil, distrito de Coimbra, ocorreu um acidente de viação, o qual deu origem à Participação de Acidente Automóvel (cfr. Doc. nº2). (al.D));
V - Foram intervenientes nesse acidente, nomeadamente: o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula 00-00-00, seguro na ora A., cuja propriedade pertence a BB, à data do acidente conduzido pelo ora Réu, que é seu filho. (al.E));
VI - O peão CC. (al.F));
VII - E o peão DD. (al.G));
VIII - O veículo QT não chegou a embater nos veículos que, momentos antes, haviam colidido. (al.H));
IX - Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar acima referidas na al. D), o Réu conduzia o veículo 00-00-00 pela E.M 522-1, no sentido Pombeiro da Beira>São Martinho da Cortiça. (quesito 1º da Base Instrutória);
X - A uma velocidade de cerca de 60 a 70 Kms/hora. (resposta ao quesito 2º);
XI - Ao chegar ao junto das bombas de Combustível "Travesso", o ora Réu encontrava-se a circular em parte sobre a faixa da esquerda, atento o sentido de trânsito que seguia. (resposta ao quesito 3º);
XII - Com esta conduta, o Réu acabou por atropelar os peões CC e DD que se encontravam nessa hemi-faixa da esquerda. (resposta ao quesito 5º);
XIII - Projectando-os a alguns metros de distância. (quesito 6º);
XIV - Estes (peões) faziam parte de um aglomerado de cerca de 20 pessoas que se tinha reunido, junto à entrada do Posto de Abastecimento de Combustíveis "Travesso", devido a um acidente entre dois veículos que ocorrera momentos antes. (resposta ao quesito 7º);
XV - No momento dos atropelamentos, os veículos embatidos não estavam a ocupar a faixa de rodagem esquerda, atento o sentido em que seguia o QT. (quesito 8º);
XVI - À data do atropelamento, a via onde o mesmo ocorreu estava iluminada insuficientemente pelo sistema de iluminação das bombas de abastecimento de combustíveis aí existente. (resposta ao quesito 9º);
XVII - O local do atropelamento caracteriza-se por ser habitualmente uma recta com boa visibilidade, sendo que no momento temporal do acidente tal não sucedia. (resposta ao quesito 10º);
XVIII - Nas circunstâncias em que circulava, o condutor do veículo QT não conseguiu evitar que a viatura por si conduzida viesse a atropelar os peões CC (menor de 7 anos) e DD. (resposta ao quesito 11º);
XIX - O álcool no sangue influenciava quer o modo de circulação, quer o comportamento do condutor do QT, diminuindo-lhe nomeadamente as capacidades de atenção, reacção e de visão. (resposta aos quesitos 12º e 13º);
XX - A A. pagou várias despesas e indemnizações, assim discriminadas e nas datas aí exaradas: € 1.047,48 (v. Doc. nº 3, junto com a contestação). (quesito 14º);
XXI - € 73,65 euros (v. Doc. nº4, junto com a contestação). (quesito 15°);
XXII - € 72,80 euros (v. Doc. nº5, junto com a contestação). (quesito 16º);
XXIII - € 64,40 euros (v. Doc. nº6, junto com a contestação). (quesito 17º);
XXIV - € 72,80 euros (v. Doc. nº7, junto com a contestação). (quesito 18º);
XXV - € 25,58 euros (v. Doc. nº8, junto com a contestação). (quesito 19º);
XXVI - € 182,36 euros (v. Doc. nº9, junto com a contestação). (quesito 20º);
XXVII - € 7,42 euros (v. Doc. nº10, junto com a contestação). (quesito 21º);
XXVIII - € 110,15 euros (v. Doc. nº11, junto com a contestação). (quesito 22º);
XXIX - € 1.396,64 euros (v. Doc. nº12, junto com a contestação). (quesito 23º);
XXX - € 845,01 euros (v. Doe. nº13, junto com a contestação). (quesito 24º);
XXXI - € 77,00 euros (v. Doc. nº14, junto com a contestação). (quesito 25º);
XXXII - € 47,60 euros (v. Doc. nº15, junto com a contestação). (quesito 26º);
XXXIII - € 72,80 euros (v. Doc. nº16, junto com a contestação). (quesito 27º);
XXXIV - € 72,80 euros (v. Doc. nº17, junto com a contestação). (quesito 28º);
XXXV - € 137,20 euros (v. Doc. nº18, junto com a contestação). (quesito 29º);
XXXVI - € 81,20 euros (v. Doc. nº19, junto com a contestação). (quesito 30º);
XXXVII - € 47,60 euros (v. Doc. nº20, junto com a contestação). (quesito 31º);
XXXVIII - € 47,60 euros (v. Doc. nº21, junto com a contestação). (quesito 32º);
XXXIX - € 64,40 euros (v. Doc. nº22, junto com a contestação). (quesito 33º);
XL - € 1.563,84 euros (v. Doc. nº23, junto com a contestação). (quesito 34º);
XLI - € 125,00 euros (v. Doc. nº24, junto com a contestação). (quesito 35º);
XLII - € 65,75 euros (v. Doc. nº25, junto com a contestação). (quesito 36º);
XLIII - € 1.047,48 euros (v. Doc. nº26, junto com a contestação). (quesito 37º);
XLIV - € 64,40 euros (v. Doc. nº27, junto com a contestação). (quesito 38º);
XLV - € 64,40 euros (v. Doc. nº28, junto com a contestação). (quesito 39º);
XLVI - € 64,40 euros (v. Doc. nº29, junto com a contestação). (quesito 40º);
XLVII - € 64,40 (v. Doc. nº30, junto com a contestação). (quesito 41º);
XLVIII - € 362,50 euros (v. Doc. nº31,junto com a contestação). (quesito 42º);
XLIX - € 64,40 euros (v. Doc. nº32, junto com a contestação). (quesito 43º);
L - € 64,40 euros (v. Doc. nº33, junto com a contestação). (quesito 44º);
LI - € 64,40 euros (v. Doc. nº34, junto com a contestação). (quesito 45º);
LII - € 72,80 euros (v. Doc. nº35, junto com a contestação). (quesito 46º);
LIII - A € 41,75 euros (v. Doc. nº36, junto com a contestação). (quesito 47º);
LIV - € 64,40 euros (v. Doc. nº37, junto com a contestação). (quesito
48º);
LV - € 698,20 euros (v. Doc. nº38, junto com a contestação). (quesito 49º);
LVI - € 448,00 euros (v. Doc. nº39, junto com a contestação). (quesito 50º);
LVII - € 67,00 euros (v. Doc. nº40, junto com a contestação). (quesito 51º);
LVIII - € 180,00 euros (v. Doc. nº41, junto com a contestação). (quesito 52º);
LIX - € 420,00 euros (v. Doc. nº42, junto com a contestação). (quesito 53º);
LI - € 180,00 euros (v. Doc. nº43, junto com a contestação). (quesito 54º);
LII - € 67,00 euros (v. Doc. nº44, junto com a contestação). (quesito 55º);
LIII - € 67,00 euros (v. Doc. nº45, junto com a contestação). (quesito 56º);
LIV - € 76,00 euros (v. Doc. nº46, junto com a contestação). (quesito 57º);
LV - € 1.047,30 euros (v. Doc. nº47, junto com a contestação). (quesito 58º);
LVI - € 67,00 euros (v. Doc. nº48, junto com a contestação). (quesito 59º);
LVII - € 100,57 euros (v. Doc. nº49, junto com a contestação). (quesito 60º);
LVIII - € 67,00 euros (v. Doc. nº50, junto com a contestação). (quesito 61º);
LIX - € 49,00 euros (v. Doc. nº51, junto com a contestação). (quesito 62º);
LX - € 49,00 euros (v. Doc. nº52, junto com a contestação). (quesito 63º);
LXI - € 67,00 euros (v. Doc. nº53, junto com a contestação). (quesito 64º);
LXII - € 1.042,96 euros (v. Doc. nº54, junto com a contestação). (quesito 65º);
LXIII - € 449,50 euros (v. Doc. nº55, junto com a contestação). (quesito 66º);
LXIV - € 67,00 euros (v. Doc. nº56, junto com a contestação). (quesito
67º);
LXV - € 67,00 euros (v. Doc. nº57, junto com a contestação). (quesito 68º);
LXVI - € 1.566,77 euros (v. Doc. nº58, junto com a contestação). ( resposta ao
quesito 69º);
LXVII - € 13,34 euros (v. Doc. nº59, junto com a contestação). (quesito 70º);
LXVIII - € 60,55 euros (v. Doc. nº60, junto com a contestação). (quesito 71º);
LXIX - € 67,00 euros (v. Doc. nº61,junto com a contestação). (quesito 72º);
LXX - € 33.000,00 euros (v. Doc, nº62, junto com a contestação). (quesito 73º);
LXXI - € 10,221,10 euros (v. Doc. nº63, junto com a contestação). (quesito 74º);
LXXII - € 244,40 euros (v. Doc. nº64, junto com a contestação). (quesito 75º);
LXXIII - € 23,00 euros (v. Doc. nº65, junto com a contestação). (quesito 76º);
LXXIV - € 7.954,25 euros (v. Doc. nº66, junto com a contestação). (quesito 77º);
LXXV - € 627,49 euros (v. Doc. nº67, junto com a contestação). (quesito 78º);
LXXVI - € 41,30 euros (v. Doc. nº68, junto com a contestação). (quesito 79º);
LXXVII - € 42,30 euros (v. Doc. nº69, junto com a contestação). (quesito 80º);
LXXVIII - € 25,20 euros (v. Doc. nº70, junto com a contestação). (quesito 81º);
LXXIX - € 23,15 euros (v. Doc. nº71, junto com a contestação). (quesito 82º);
LXXX - € 5,73 euros (v. Doc. nº72, junto com a contestação). (quesito 83º);
LXXXI - € 546,04 euros (v. Doc. nº73, junto com a contestação). (quesito 84º);
LXXXII - € 12,00 euros (v. Doc. nº74, junto com a contestação). (quesito 85º);
LXXXIII - € 1.301,75 euros (v. Doc. nº75, junto com a contestação). (quesito 86º);
LXXXIV - € 442,97 euros (v. Doc. nº76, junto com a contestação). (quesito 87º);
LXXXV - € 372,99 euros (v. Doc. nº77, junto com a contestação). (quesito 88º);
LXXXVI - € 29,81 euros (v. Doc. nº78, junto com a contestação). (quesito 89º);
LXXXVII - € 25,20 euros (v. Doc. nº79, junto com a contestação). (quesito
90º);
LXXXVIII - € 12,00 euros (v. Doc. nº80, junto com a contestação). (quesito
91º);
LXXXIX - € 37,90 euros (v. Doc. nº81, junto com a contestação). (quesito 92º);
XC - € 125,00 euros (v. Doc. nº82, junto com a contestação). (quesito 93º);
XCI - € 54,00 euros (v. Doc. nº83, junto com a contestação). (quesito 94º);
XCII - No total e até ao presente, a A. liquidou o montante global de € 114.607,25, sendo o parcial de € 52.961,43 ao peão sinistrado CC e o parcial de € 61.645,82 ao peão sinistrado DD. (resposta ao quesito 95º);
XCIII - No local onde ocorreu o acidente, a estrada apresentava-se com uma largura de 8,20 metros. (resposta ao quesito 96º);
XCIV - E considerando o sentido de marcha do demandado situava-se, à sua esquerda, no local onde veio a ocorrer o acidente, como hoje ainda se encontra, um posto de abastecimento de combustível. (quesito 97º);
XCV - No momento em que o acidente sucede, era noite cerrada, estando escuro. (resposta ao quesito 98º);
XCVI - Chovia e verificava-se a existência de algum nevoeiro, o qual prejudicava a visibilidade. (quesito 99º);
XCVII - A estrada apresentava-se com o piso degradado, apesar de alcatroado, com buracos e poças de água,e as suas bermas encontravam-se com piso irregular e enlameadas. (resposta ao quesito 101º);
XCVIII - Também no referido local se juntaram, embora dispersamente, cerca de vinte pessoas, as quais ocupavam e circulavam desordenada e indistintamente sobre uma grande superfície da metade esquerda da faixa de rodagem, atento o sentido de trânsito do QT. (resposta ao quesito 105º);
XCIX - Pessoas essas que igualmente se encontravam a ocupar a dita hemifaixa de rodagem sem possuir qualquer sinalização, nomeadamente sem a utilização dos coletes de sinalização ou de quaisquer outros sinais ou luzes avisadoras da sua presença. (resposta ao quesito 106º);
C - O Réu foi surpreendido com a presença próxima de tais pessoas. (resposta ao quesito 107º);
CI - Quando o réu, que no momento seguia com as luzes do veículo em médios, se aproximou e avistou todas aquelas pessoas dispersas por essa parte da estrada, estas também, de forma repentina, começaram a movimentar-se rapidamente e algumas a correr, mas todas desordenadamente em várias direcções, sem qualquer sentido e ordem. (resposta ao quesito 108º);
CII - Pelo que o Réu accionou os travões do seu veículo. (quesito 109º);
CIII - Nas circunstâncias em que se encontrava, face à atitude e proximidade das pessoas, o Réu não conseguiu nem teve tempo de com segurança deixar de circular com o veículo QT também sobre a hemi-faixa de rodagem da esquerda, atento o sentido de trânsito que tomava, atropelando dois dos peões acima identificados. (resposta aos quesitos 110º e 111º);
CIV - Tal ocorreu em plena dita hemi-faixa de rodagem da esquerda, onde esses peões se encontravam. (resposta ao quesito 112º);
CV - Todas essas pessoas, incluindo os atropelados, que se encontravam na faixa de rodagem, estavam totalmente distraídas, sem atenção ao trânsito. (quesito 113º);
CVI - Os médios do veículo QT atingem, no máximo, 30 metros e, como estava a chover na altura, este raio de visão do condutor do veículo foi encurtado.(quesito 114º);
CVII - Ao passo que os peões o podiam avistar, e avistavam, a mais de 50 metros, dado que se trata de uma recta. (quesito 115º);
CVIII - Após o acidente, o condutor do QT foi submetido ao respectivo teste de alcoolémia, por análise sanguínea, tendo apresentado uma T.A.S. de 2,12 g/l de álcool no sangue. (quesito 116º);
CIX - Depois do embate, o Réu foi submetido a teste de alcoolemia, através do aparelho "Seres Ethylometre", modelo 679T, acusando uma taxa de alcoolemia de 2,12 G/L no sangue. (quesito 117º);
CX-Posteriormente, não foi efectuado nenhum exame sanguíneo. (quesito 118º).

4. A primeira questão suscitada prende-se com a verificação dos pressupostos do direito de regresso exercitado pela seguradora contra o beneficiário do seguro de responsabilidade civil automóvel - o condutor da viatura a quem são imputados os comportamentos lesivos da integridade física de terceiros – aferido, no caso dos autos , pela norma constante do art.19º, al. c), do DL 522/85, em vigor à data do acidente.
Como é evidente, perante a orientação jurisprudencial que prevaleceu no Ac. uniformizador 6/02, o direito de regresso atribuído à seguradora no confronto do beneficiário do seguro obrigatório de responsabilidade civil que tenha agido sob a influência do álcool – obrigando-a a garantir o efectivo pagamento das indemnizações devidas aos lesados, como reflexo da função de protecção social do seguro obrigatório, mas facultando-lhe, de seguida, a repercussão do sacrifício patrimonial que teve de suportar sobre o beneficiário do seguro a quem seja de imputar a lesão – não é um efeito automático da violação objectiva das normas penais ou contraordenacionais que dispõem sobre as condições psicológicas e de domínio do comportamento do condutor de veículos automóveis ( proibindo-a sempre que se ultrapasse determinado limiar de alcoolemia), nem assenta numa presunção legal de causalidade do grau de alcoolemia apurado quanto ao condutor relativamente à eclosão do acidente .

E, assim sendo, recai efectivamente sobre a seguradora o ónus da prova quanto aos factos constitutivos do direito de regresso que exercita, demonstrando que o grau de alcoolemia do condutor funcionou como causa real, efectiva e adequada ao desencadear do acidente.
Note-se, porém, que esta conclusão não significa – ao contrário do que pretende o recorrente – que não seja inteiramente lícito às instâncias servirem-se nesta sede de presunções judiciais ou naturais, fundando – aqui, como em qualquer outra acção - as suas conclusões acerca das circunstâncias que conduziram ao acidente em regras ou máximas de experiência, por essa via completando, articulando e interligando o que directamente decorre da livre valoração das provas «atomisticamente» produzidas em audiência : o único limite que naturalmente vigora nesta matéria - e que nada tem a ver com a situação processual ora em análise - é – como se decidiu no Ac. de 7/7/10, proferido pelo STJ no P. 2273/03.8TBFLG.G1.S1 - o que decorre de a Relação não poder ultrapassar a falta de prova do nexo de causalidade recorrendo a presunções judiciais, tornando assim contraditório o julgamento da matéria de facto, que não alterou.

Na verdade, o que o referido acórdão uniformizador impõe é a realização de uma avaliação concreta, casuística e prudencial de todas as circunstâncias envolventes do acidente, de modo a determinar se e em que medida é que o concreto estado de alcoolemia apurado quanto ao condutor pode ter sido determinante das infracções estradais e erros ou falhas na condução cometidos – e que decisivamente desencadearam ou contribuíram para o acidente.
Ora foi manifestamente isto que as instâncias realizaram no caso dos autos, tendo obviamente tomado em conta todo o circunstancialismo concreto envolvente do atropelamento verificado, ponderando adequadamente a influência que o relevante grau de alcoolemia demonstrado envolvia na capacidade de controlo e domínio da viatura, concluindo – em termos que se consideram perfeitamente razoáveis e adequados - não apenas que tal grau de alcoolemia era , em abstracto, adequado para ditar um afrouxamento das capacidades de visão e reflexos de um condutor médio, mas também que – em concreto tal grau de alcoolemia influenciou o comportamento do condutor do QT, diminuindo-lhe as capacidades de atenção, reacção e visão, sendo por causa do estado de alcoolemia em que se encontrava , aliado à velocidade que imprimia ao veículo, que o R. não conseguiu dominar a marcha do mesmo.

Tal matéria de facto apurada significa, pura e simplesmente, que – no litígio subjacente aos presentes autos – foi plenamente demonstrada uma específica e concreta ligação causal entre o estado de alcoolemia do condutor e as deficiências e erros de condução que despoletaram o acidente – ou seja, que a taxa de álcool no sangue influenciou, efectiva e decisivamente, o tipo de condução praticado, funcionando, deste modo, como causa efectiva e naturalística do acidente ( atropelamento) em discussão.

Deste modo – e perante a matéria de facto efectivamente apurada pelas instâncias quanto ao nexo de causalidade «naturalístico» entre o estado e alcoolemia do condutor do veículo atropelante e as falhas de condução por ele cometidas e que despoletaram o acidente – é evidente que está cumprido o ónus da prova que incidia sobre a seguradora, relativamente aos pressupostos condicionadores do exercício do direito de regresso, com base na citada norma legal, improcedendo manifestamente a argumentação deduzida, nesta sede, pelo R./recorrente.

5. A segunda questão suscitada – por ambos os recorrentes – prende-se com a repartição de culpas entre os intervenientes no acidente : as instâncias entenderam que, num acidente com a peculiar fisionomia do dos autos, se justificava a atribuição de uma percentagem de 80% da culpa ao condutor do veículo atropelante e de 20% aos peões sinistrados, que permaneciam na faixa de rodagem na altura do atropelamento, nas circunstâncias detalhadamente descritas na matéria de facto – pretendendo cada um dos recorrentes que deveria ser imputada à parte contrária culpa exclusiva pelo acidente em discussão.

Foi a seguinte a fundamentação concordante das instâncias sobre tal repartição de culpas entre os intervenientes no acidente:

Neste quadro, divisamos uma violação objectiva do disposto no art. 87º, nº2 do citado C.Estrada por parte dos ditos peões, pois que não estando os mesmos envolvidos nas operações de reparação ou remoção dos veículos, não tinham qualquer justificação para se encontrarem a ocupar a faixa de rodagem, para além da óbvia e em geral conduta imprudente e imperita de se encontrarem distraidamente naquele local e não terem sido mais diligentes e cuidadosos ante a aproximação e trajectória do veículo seguro na Ré.
Ainda assim, não pode deixar de se atentar - e decisivamente - que o embate/atropelamento dos ditos peões se dá em plena hemi-faixa de rodagem da esquerda (cf. facto CIV), pelo que, se se pode compreender que tal tenha sido determinado em alguma medida pela atitude desordenada em que consistiu a “fuga” dos peões, e natural desorientação que tal constituiu para o Réu, o que é certo é que esse embate/atropelamento perpetrado pelo Réu foi seguramente potenciado pela condução que o mesmo empreendia, a saber,velocidade e trajectória com que já seguia, quando não tinha condições nem reflexos que lhe tivessem permitido outra conduta e atitude.
Neste mesmo sentido apontam, aliás, os factos XVIII, XIX e CIII, que o mesmo é dizer, apurado nestes termos o nexo de causalidade, a culpa preponderante do acidente tem que ser atribuída ao Réu, mas não deixa de se entender que o mesmo logrou provar alguma quota de culpa por parte dos peões, termos em que, ponderadamente, entendemos atribuir a culpa no dito na proporção de 80% para o Réu e em 20% para os peões atropelados.

Ora, não se vê razão bastante para pôr em causa o decidido pelas instâncias sobre este ponto, atribuindo-se culpa preponderante ao R., face à gravidade das infracções estradais e erros de condução cometidos, mas não isentando totalmente de responsabilidade os próprios peões sinistrados – que, fazendo parte de um grupo de cerca de 20 pessoas, permaneciam temerariamente em plena faixa de rodagem, totalmente distraídos e sem atenção ao trânsito, em lugar de deficiente visibilidade, sem qualquer sinalização que alertasse da sua presença, observando anterior acidente, ocorrido no mesmo local, movimentando-se rápida e desordenadamente em várias direcções.

Não há, deste modo, qualquer fundamento para censurar o decidido pela Relação sobre a matéria da existência e da concorrência de culpas, devendo ainda notar-se que o juízo do STJ, como decorre de jurisprudência reiterada, apenas poderia incidir sobre a avaliação da culpa, enquanto decorrente da violação de normas legais ou regulamentares.

6.Resta apreciar as questões suscitadas pelas partes, com incidência na verificação ou inverificação da excepção peremptória de prescrição - jurisprudencialmente discutidas e decididas em sentidos nem sempre coincidentes.
A primeira delas é reportada à definição do prazo prescricional aplicável ao direito de regresso exercido pela seguradora contra o beneficiário do seguro obrigatório, quando os factos por este cometidos possam configurar um ilícito criminal cujo prazo de prescrição exceda o prazo-regra de 3 anos previsto no nº1 do art. 498º do CC : valerá quanto ao direito de regresso da seguradora o alongamento do prazo prescricional decorrente da previsão normativa contida no citado nº3?

A segunda questão, debatida entre as partes ao longo do processo, tem que ver – não com a duração do prazo prescricional – mas com a definição do momento em que o mesmo se inicia, nos casos – como o dos autos – em que a indemnização global devida ao lesado foi paga, de forma faseada, ao longo de um período temporal alargado : deverá contar-se um prazo prescricional autónomo relativamente a cada pagamento parcelarmente efectuado pela seguradora, iniciando-se a prescrição relativamente à parcela da obrigação da seguradora satisfeita ao lesado a partir de cada acto de pagamento , atomisticamente considerado?

Ou, pelo contrário, o prazo prescricional para a seguradora exercer o direito de regresso que a lei lhe confere só se inicia na data em que for realizado o último pagamento ao lesado , de modo a ficar finalmente satisfeita a obrigação global de o indemnizar por todos os danos sofridos em consequência do facto lesivo?

7. Começando por analisar a primeira questão, atinente à duração do prazo de prescrição do direito de regresso, importa notar que, no caso dos autos, tal matéria não foi minimamente controvertida entre as partes durante o curso do processo perante as instâncias, em que as partes sempre admitiram, de forma pacífica, que à concreta situação litigiosa seria de aplicar o prazo-regra de 3 anos, previsto no nº1 do art. 498º – não tendo sido, por isso, tal problemática abordada ou aflorada no acórdão proferido pela Relação e ora objecto de recurso
Na verdade, ao responder à excepção de prescrição, a seguradora admitiu sem reserva que o prazo aplicável seria de 3 anos( cfr. fls. 110), sustentando, todavia, que a prescrição se não podia ter por verificada pelo facto de o início de tal prazo se dever contar, não da data da emissão dos primeiros recibos, mas antes da data do último pagamento efectuado.

No saneador, aderiu o juiz a tal entendimento, considerando, por isso, inverificada a excepção peremptória invocada.
Tal solução normativa foi impugnada pelo R., que apelou da decisão contida no saneador, pugnando pela tese segundo a qual o prazo de prescrição do direito de regresso se deveria contar a partir de cada pagamento parcelar, atomisticamente realizado pela seguradora ; e a A. não apresentou contra-alegação em tal recurso, em que, ao menos a título subsidiário, pugnasse pela tese da aplicabilidade ao exercício do direito de regresso do alongamento do prazo prescricional, decorrente da previsão normativa contida no referido nº3 do art. 498º, prevenindo a hipótese de a solução acolhida na 1ª instância quanto ao momento de início da prescrição ser inflectida pela Relação – como efectivamente se veio a verificar.

Daí que a Relação, no acórdão ora recorrido, se limitasse a abordar a problemática do momento do início da prescrição – única questão que as partes lhe haviam colocado – começando, aliás, por afirmar que « não é controvertido que o prazo prescricional em causa é o de 3 anos».

E só no âmbito da presente revista veio a seguradora suscitar a questão da aplicabilidade da extensão do prazo prescricional, decorrente do preceituado no nº3 do art. 498º do CC, invocando que da factualidade processualmente adquirida resultaria o cometimento pelo R. de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo qual foi, aliás, condenado no foro penal, conforme resulta de certidão junta aos autos, a fls.209 e segs., e a que seria aplicável o prazo de prescrição do procedimento criminal de 5 anos.
Ora, perante tal circunstancialismo processual, surge a dúvida fundada sobre se a suscitação pela primeira vez desta questão – claramente cindível ou destacável das questões efectivamente colocadas pela A. à apreciação da Relação - no âmbito de um recurso de revista não constituirá «questão nova», que o tribunal «a quo» não apreciou, nem tinha que apreciar - e, nessa medida, vedada à apreciação do STJ.

E, perante tal possível objecção, entende-se que deverá começar-se por apreciar a questão do momento do início da prescrição, assumindo que o prazo aplicável á seguradora que exerce o direito de regresso no confronto do beneficiário do seguro é o prazo-regra de 3 anos – desta forma se dando prioridade ao conhecimento da questão efectivamente controvertida ao longo do processo e apreciada no acórdão ora recorrido.

8. Esta questão, reportada ao início do curso da prescrição do direito de regresso que assiste à seguradora, foi decidida pela Relação – dissentindo do entendimento que havia sido seguido em 1ª instância - nos seguintes termos ( invocando os argumentos expendidos no Acórdão do STJ de 28/10/2004 , proferido na revista n.º 04B3385, acerca da questão paralela da contagem da prescrição no caso de pluralidade de lesados,originando pagamentos temporalmente diferidos ):

Salvo o devido respeito não se vê que a lei, ainda que com apelo ao disposto no art°. 9 do CC, consinta o entendimento de que, havendo pagamentos parciais ao lesado que se prolonguem no tempo, o prazo prescricional para pedir o reembolso ao obrigado de regresso só se inicie, quanto a todos eles, a partir da data em que ocorre o último pagamento.
A consentir-se esse entendimento estaria, na prática, aberto o campo para um alargamento injustificado do prazo normal da prescrição, nos casos em que, por exemplo, sendo paga, numa só “tranche”, a quase totalidade da indemnização ao lesado, se pagasse o pouco que restasse vários anos depois, só a partir dessa ocasião se contando o prazo - v.g., o de 3 anos - de prescrição para ao exercício do direito de regresso.
O detentor do direito de regresso a partir do momento em que paga determinadas quantias ao lesado está habilitado a pedir o respectivo reembolso ao obrigado de regresso, sem que isso obste a que venha, depois, a exercer esse direito relativamente a outras quantias que posteriormente pague ao lesado.
Efectivamente, como se entendeu no Acórdão da Relação do Porto de 16/09/2004 (Apelação nº 0434073) (1), a expressão “a contar do cumprimento”, referida no nº 2 do artº 498º, CC, não tem como pressuposto o integral cumprimento da obrigação que dá origem ao direito de regresso, reportando-se tal “cumprimento” àquilo que o titular do direito de regresso for satisfazendo, Efectivamente, a partir de então, satisfeitas tais quantias, fica o titular do direito de regresso a conhecer o direito que lhe assiste sobre as importâncias pagas, sendo despiciendo, para esse efeito, que por via de eventuais outros pagamentos que preveja ter ainda que fazer e cujo montante desconheça, não saiba qual o total do “quantum” indemnizatório que irá pagar ao lesado.
Essencial, como se diz nesse Acórdão da Relação do Porto, é que o titular do direito de regresso «…saiba que tem o direito de ser ressarcido pelos danos que suportou. A partir de então, corre (relativamente ao que já pagou) o aludido prazo de prescrição (de 3 anos).».
Por outro lado, nada obsta a que, não pretendendo exigir logo as quantias que já haja pago ao lesado, o titular do direito de regresso pratique os actos necessários à conservação desse seu direito de regresso, designadamente, promovendo a notificação judicial avulsa do obrigado ao regresso (art.º 323º do CC e Ac. de Uniformização de Jurisprudência nº 3/98, publicado no DR 1ª série de 12/05/1998).
Acresce que o entendimento seguido na sentença gera injustificada incerteza da definição de direitos e obrigações, não se podendo olvidar que a prescrição funda-se, precisamente, na inércia do titular do direito durante certo lapso de tempo.

Contra tal entendimento se insurge a seguradora/recorrente, invocando , em abono da sua tese, o recente ac. de 4/11/10, proferido pelo STJ no P. 2564-08.1TBCB.A.C1.S1, em que se decidiu – com base na natureza unitária da obrigação de indemnizar cada lesado pela pluralidade de danos resultantes do facto ilícito – que:

Relativamente ao mesmo sinistrado e ressalvados os casos de indemnização sob a forma de renda, o prazo prescricional da seguradora para exercer o direito de regresso relativamente a indemnização que pagou, faseadamente, no âmbito do seguro obrigatório automóvel, começa a contar-se da data em que foi efectuado o último pagamento.

Numa análise liminar, poderia supor-se que o regime que melhor corresponderia aos princípios gerais que regem em matéria de prescrição da obrigação de indemnizar - dos quais decorre que o prazo prescricional se inicia a partir do momento em que o direito pode ser exercido, na sequência do conhecimento do direito que compete ao credor, não dependendo o início do curso da prescrição, nem do conhecimento da pessoa do responsável, nem do conhecimento da extensão integral dos danos a ressarcir – consistiria em fazer iniciar a prescrição do direito de regresso no momento em que a seguradora satisfaz uma qualquer parcela da indemnização, sendo cognoscível que o acidente foi causalmente determinado pelo estado de alcoolemia que afectava o obrigado em via de regresso.

Tal entendimento revela-se, porém, manifestamente colidente com a orientação jurisprudencial, há muito firmada, segundo a qual a subrogação – e, por identidade de razões, o direito de regresso – não se verifica relativamente a prestações futuras – Ac. de 9/11/77 : na verdade, o que justifica e legitima que se inicie a prescrição sem que o lesado tenha efectivo conhecimento de toda a extensão dos danos, emergentes do facto ilícito, é a possibilidade de, na acção logo intentada, formular pedido genérico, abrangendo danos ainda não inteiramente consumados, sem obrigatoriamente ter de especificar todos os danos cujo ressarcimento pretende obter, concretizando tal pedido no decurso do processo ou – não sendo possível a liquidação na fase declaratória que precedeu a sentença – obtendo condenação genérica do obrigado a indemnizar ; pelo contrário, não assiste tal possibilidade à seguradora que pretenda – quer pelo instituto da subrogação, quer pela via da acção de regresso – obter do beneficiário do seguro a restituição dos valores pecuniários que, em primeira linha, teve de assegurar perante os lesados, já que tal direito «novo» de regresso ( tal como a transmissão do originário direito do lesado, operada por via subrogatória) só se constitui com o cumprimento da obrigação que impende sobre a seguradora – não lhe sendo, deste modo, possível exercitar, antecipadamente ao acto de cumprimento de cada prestação, um direito de regresso de que, afinal, ainda não é titular actual e efectiva.
Tais razões obstam a que se possa iniciar a prescrição a contar do primeiro dos pagamentos efectuados pela seguradora – restando, pois, determinar se a prescrição se deverá contar «atomisticamente», relativamente a cada parcela fraccionada do ressarcimento do lesado, ou se, pelo contrário, devendo antes reportar-se a prescrição à obrigação, tida por unitária, de ressarcimento da globalidade dos danos sofridos por cada lesado, o prazo prescricional do direito de regresso só se inicia no momento em que estiver cumprida pela seguradora tal obrigação global de indemnização.

9.Não sendo a letra da lei - ao reportar-se apenas ao «cumprimento», como momento inicial do curso da prescrição – suficiente para resolver, em termos cabais, esta questão jurídica, será indispensável proceder a um balanceamento ou ponderação dos interesses envolvidos : assim, importa reconhecer que a opção pela tese que, de um ponto de vista parcelar e atomístico, autonomiza, para efeitos de prescrição, cada um dos pagamentos parcelares efectuados ao longo do tempo pela seguradora acaba por reportar o funcionamento da prescrição, não propriamente à «obrigação de indemnizar», tal como está prevista e regulada na lei civil ( arts. 562º e segs.) mas a cada recibo ou factura apresentada pela seguradora no âmbito da acção de regresso, conduzindo a um - dificilmente compreensível – desdobramento, pulverização e proliferação das acções de regresso, no caso de pagamentos parcelares faseados ao longo de períodos temporais significativamente alongados.
Pelo contrário, a opção pela tese oposta – conduzindo a que apenas se inicie a prescrição do direito de regresso quando tudo estiver pago ao lesado - poderá consentir num excessivo retardamento no exercício da acção de regresso pela seguradora,manifestamente inconveniente para os interesses do demandado, que poderá ver-se obrigado a discutir as causas do acidente, de modo a apurar se o estado de alcoolemia verificado contribuiu ou não para o sinistro, muito tempo para além do prazo-regra dos 3 anos a que alude o nº1 do art. 498º do CC.

Saliente-se, aliás, que o Ac. de 4/11/10, atrás citado, foi sensível a esta problemática, ao admitir que – num verdadeiro caso limite, em que a indemnização seja arbitrada em forma de renda – a prescrição se tem de iniciar antes do cumprimento global da obrigação de indemnizar – sob pena de, se assim não for, o direito de regresso ser pouco menos que «imprescritível», nos casos de renda vitalícia, ao revelar-se exercitável pela totalidade das rendas no momento em que cessasse a obrigação, a cargo da seguradora, de as pagar.

Afigura-se, todavia, que poderá não ser este o único caso em que a opção pela tese da unicidade da prescrição – como decorrência do carácter unitário da obrigação de indemnizar, inferível, desde logo, do modo como esta é, em regra, calculada, através da aplicação da «teoria da diferença», comparando globalmente as situações patrimoniais, actual e hipotética, do lesado, nos termos do nº2 do art. 566º do CC –conduz a uma desproporcionado alargamento do prazo da prescrição do direito de regresso: é o que poderá verificar-se quando a obrigação de indemnizar a cargo da seguradora abranja danos futuros, susceptíveis de se revelarem e desenvolverem ao longo de períodos temporais muito prolongados ( o que normalmente ocorrerá quando o acidente tiver originado lesões graves, cujas sequelas incapacitantes se vão desenrolado e agravando ao longo de anos) – não se vendo, neste caso, razão bastante para que a seguradora não deva exercitar a acção de regresso, referentemente à indemnização que satisfez e que cobre integralmente os danos actuais, causados pelo sinistro e perfeitamente consolidados e ressarcidos, de modo a deixar assente nessa acção, exercitada em prazo ainda próximo da data do acidente, toda a sua dinâmica e causalidade.

Por outro lado, a ideia base da unidade da «obrigação de indemnizar» poderá ser temperada pela possível autonomização das indemnizações que correspondam ao ressarcimento de tipos de danos normativamente diferenciados, consoante esteja em causa, nomeadamente :
- a indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo estes ressarcidos fundamentalmente através de um juízo de equidade, e não da aplicação da referida teoria da diferença;
- a indemnização de danos que correspondam à lesão de bens ou direitos claramente diferenciados ou cindíveis de um ponto de vista normativo, desde logo os que correspondam à lesão da integridade física ou de bens da personalidade e os que decorram da lesão do direito de propriedade sobre coisas.

E tal autonomização ou diferenciação, operada funcionalmente em razão da natureza dos bens lesados, poderá tornar razoável uma consequencial autonomização do início dos prazos de prescrição do direito de regresso : assim, por exemplo, não vemos razão bastante para que, - tendo a seguradora assumido inteiramente perante o lesado o ressarcimento de todos os danos decorrentes da destruição e privação do uso da viatura sinistrada – possa diferir o exercício do direito de regresso quanto a essa parcela autonomizável e integralmente satisfeita da indemnização apenas pela circunstância de, tendo o acidente provocado também lesões físicas determinantes de graves sequelas, ainda não inteiramente avaliadas e consolidadas, estar pendente o apuramento e a liquidação da indemnização pelos danos exclusivamente ligados à violação de bens da personalidade do lesado.

Em suma: se não parece aceitável a autonomização do início de prazos prescricionais, aplicáveis ao direito de regresso da seguradora, em função de circunstâncias puramente aleatórias, ligadas apenas ao momento em que foi adiantada determinada verba pela seguradora, já poderá ser justificável tal autonomização quando ela tenha subjacente um critério funcional, ligado à natureza da indemnização e ao tipo de bens jurídicos lesados, com o consequente ónus de a seguradora exercitar o direito de regresso referentemente a cada núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado, de modo a não diferir excessivamente o contraditório com o demandado, relativamente à causalidade e dinâmica do acidente, em função da pendência do apuramento e liquidação de outros núcleos indemnizatórios, claramente cindíveis do primeiro.

E, nesta perspectiva, incumbirá ao R. que suscita a prescrição o ónus de alegar e demonstrar que o conjunto de recibos ou facturas pagas pela seguradora até ao limite do período temporal de 3 anos que precederam a citação na acção de regresso corresponderam a um núcleo indemnizatório, autónomo e bem diferenciado, relativamente aos restantes valores indemnizatórios peticionados na causa – não lhe bastando, consequentemente, alegar, como fundamento da prescrição que invoca, a data constante desses documentos.

Ora, no caso dos autos, para além de tal alegação não ter sido feita (limitando-se, na contestação, o R. a invocar que uma série de facturas, juntas aos autos pela A., datam – e foram pagas – para além do referido período temporal , é manifesto, pela análise dos documentos, que está em causa apenas o ressarcimento antecipado de danos ligados às lesões físicas sofridas pelo sinistrado – reparação dos períodos de incapacidade temporária, despesas médicas e de tratamentos clínicos, custo das deslocações para o estabelecimento em que tais tratamentos se verificavam – pelo que obviamente tais pagamentos parcelares são insusceptíveis de integrar um núcleo indemnizatório, autónomo e juridicamente diferenciado, relativamente ao qual pudesse iniciar-se e correr, de modo também autónomo, um prazo de prescrição do direito de regresso da seguradora/A..

10. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista do R.; e, concedendo parcial provimento à revista da A./seguradora, revoga-se o acórdão recorrido, no que se refere ao segmento decisório em que se apreciou a questão da prescrição do direito de regresso, julgando improcedente tal excepção peremptória e condenando, em consequência, o R. a reembolsá-la também da percentagem de 80% do montante global de €11.280,91, que acresce ao valor, já objecto da condenação – que se mantém - constante do acórdão recorrido.
Custas da acção e do recurso por ambas as partes, na proporção do decaimento.

Lisboa, 7 de Abril de 2011

Lopes do Rego(Relator)
Orlando Afonso
Cunha Barbosa

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(1) Consultável em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”.