Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1194/14.3TVLSB.L1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: CARTA DE CONFORTO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CONTRATO UNILATERAL
GARANTIA DAS OBRIGAÇÕES
OBRIGAÇÃO DE RESULTADO
INCUMPRIMENTO
PRESUNÇÃO DE CULPA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / MODALIDADES DA DECLARAÇÃO / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
-Alexandre Mota pinto e outros, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume V, p. 719 a 721;
-André Navarro de Noronha, Cartas de Conforto, Coimbra Editora, 2005, p. 25 a 27, 29 a 54;
-Arnaldo Borges Neto, RIDB, Ano 3 (2014), n.º10, p. 7639 e 7646, in http://www.idb-fdul.cm/ISSN:2182-7567;
-Calvão da Silva, Cartas de conforto, Estudos de Direito Comercial (pareceres), Almedina, Coimbra, 1996, p. 369 ; 1999, p. 373 a 376 e 379;
-Carneiro da Frada, Contrato e Deveres de Protecção, 1994, p. 274 e ss.;
-Januário Gomes, Assunção fidejussória de dívida. Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador, Almedina, Coimbra, 2000, p. 407 e 408, 411 e 412;
-João Vasconcelos Barros Rodrigues, A Juridicidade das Cartas de Conforto, Porto, 2012, p. 11, in http://repositorio.ucp.pt/;
-L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das garantias, 2.ª Edição Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2015, p. 145, 150 a 152, 154 a 157;
-Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume II, 1972, p. 305;
-Menezes Cordeiro, Das cartas de conforto no direito bancário, Lex, Lisboa, 1993, p. 18 e ss., 63 e 64 ; Manual de Direito Bancário, p. 773 ; Tratado de Direito Civil, Volume X, Almedina, 2015, p. 575 e ss., 583, 584, 586, 592, 597 e 590;
-Menezes Leitão, Garantia das Obrigações, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2012, p. 133 e 134, 136 e 137;
-Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 444 e ss.;
-Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, Lisboa 1975/1976, edição policopiada, p. 294;
-Pinto Monteiro e Júlio Gomes, Sobre as Cartas de Conforto na Concessão de Crédito, AB VNO AD OMNES- 75 anos da Coimbra Editora, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 416, 423 e 438 a 441, 443 a 450 e 461;
-Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, anotado, Volume II, 3.ª Edição, Coimbra, 1986, p. 64 e 65;
-Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, Garantias de cumprimento, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra 2006, p. 161 a 163;
-Vaz Serra, in RLJ, Ano 111º, p. 220.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 217.º, 236.º E 799.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.ºS 3, 4 E 5 E 639.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 12-01-1995, IN CJSTJ, ANO III, TOMO I, P. 19;
- DE 18-03-2003, PROCESSO N.º 888/02;
- DE 18-03-2003, PROCESSO N.º 57/03;
- DE 07-12-2005, PROCESSO N.º 3558/05;
- DE 02-10-2014, PROCESSO N.º 319/04.1TCSNT-A.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-05-2016, PROCESSO N.º 3798/13. 2TBBRG.G2.S1.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 05-12-2013, PROCESSO N.º 245/13.3TVLSB.L1-6;
- DE 09-06-2016, AMBOS IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


- DE 05-12-2013, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. As cartas de conforto, também denominadas de cartas de patrocínio são documentos, normalmente redigidos sob a forma epistolar, nos quais uma entidade (o patrono ou confortante) se dirige a uma outra entidade, em regra um banqueiro (o confortado ou beneficiário), tranquilizando-o quanto à capacidade, honorabilidade ou à eficácia de um terceiro interveniente (o patrocinado, afilhado ou devedor), assumindo mesmo, em certos casos, deveres próprios nesse sentido.

II. Consideradas uma modalidade especial de garantia das obrigações, as cartas de conforto distinguem-se das garantias reais, por implicarem apenas a realização de prestações, constituindo garantias pessoais atípicas, cujos traços principais podem ser livremente estipulados pelas partes.

III. Na medida em que delas se depreende a existência de um acordo entre o emitente e o destinatário, as cartas de conforto consubstanciam contratos unilaterais que apenas criam obrigações para uma  das partes - o autor da carta.

IV. Caracterizadas pela imprecisão, ambiguidade ou equivocidade do seu conteúdo, o valor e a eficácia das cartas de conforto depende da interpretação das declarações concretamente feitas por quem as subscreve e da integração negocial, à luz do disposto no art. 236º do Código Civil.

V. No que concerne ao seu conteúdo e sem prejuízo de, no concreto, poderem surgir figuras mistas, as cartas de conforto distinguem-se entre cartas fracas, médias e fortes.

VI. As cartas de conforto fracas apresentam um conteúdo meramente informativo: comportam, nomeadamente declarações da patrocinante relativas ao conhecimento que tem do crédito a conceder à patrocinado, à sua participação social na patrocinada, à situação empresarial desta e à política do grupo em que ambas se inserem.

 VII. Nas cartas de conforto médias, para além do conteúdo informativo, que nalguns casos pode até nem existir, o elemento característico é a vinculação da patrocinante a atuações instrumentais dotadas de incidência na patrocinada.

VIII. Nas cartas de conforto fortes estamos perante declarações com um conteúdo funcionalmente correspondente ao de uma promessa de facto de terceiro, o que torna o emitente responsável perante o beneficiário pela não verificação do facto garantido.   

IX. Tendo as rés, na qualidade de acionistas da sociedade patrocinada, declarado, na carta de conforto, que assumem formalmente e sem quaisquer reservas, perante o banco patrocinante, o compromisso de procederem à subscrição e realização do aumento do capital social da sociedade patrocinada, no montante de 9.000.000,00 Euros até à totalidade das percentagens do capital social por elas detidas e que este aumento de capital será afetado ao pagamento do financiamento concedido pelo banco àquela sociedade, na eventualidade de o mesmo não ser integralmente liquidado, por qualquer outra forma, no prazo de um ano a contar da sua celebração, é de classificar esta carta de conforto como sendo forte, porquanto estamos perante declarações com um conteúdo funcionalmente correspondente ao de uma promessa de facto de terceiro, que, a não verificar-se, torna o emitente responsável perante o beneficiário pela não verificação do facto garantido.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório


1. BANCO AA PORTUGUÊS, S.A., com sede Av. António …, Nº 1…2, em Lisboa, intentou, em 30.07.2014, acção declarativa de condenação com processo comum contra:

- BB - INVESTIMENTOS FINANCEIROS, S.A., com sede Avenida …, Nº 8…, 5º Esquerdo, em Lisboa;

- COMPANHIA DE SEGUROS CC, S.A., com sede no Largo …, 4…/5…, Ponta Delgada;

- DD GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A., com sede Rua …., Nº 3…0, Mozela;

- EE, SGPS, S.A., com sede Rua …, Nº. 2…7, Lisboa;

- FUNDO DE CAPITAL DE RISCO GRUPO FF, S.A., com sede Rua …, 3…, em Lisboa;

- GG, residente Rua …, Nº 5…, em Azeitão, pedindo a condenação dos réus a pagar, solidariamente, à autora a quantia de € 8.964.940,20, a que acrescem € 414.782 de juros vencidos e juros vincendos até integral pagamento.


Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte:

1. Autora é um Banco autorizado a exercer o comércio bancário em Portugal, tendo resultado da fusão por incorporação do Banco AA Português, S.A.. no Banco HH, S.A., tendo este alterado a sua firma para Banco AA Português, S.A..

2. Em 30 de Novembro de 2012, no seu conjunto, os Réus eram titulares ou representantes de 13.841.151 ações correspondentes a 79,1% do capital social da II.

3. Em 30 de Novembro de 2012, no seu conjunto, os Réus dominavam a II e tinham a possibilidade de convocar a sua assembleia geral e nela deliberar o aumento do capital. Tinham uma maioria na assembleia geral da II que lhes permitia determinar a composição dos seus órgãos eletivos. Dominavam a gestão da II, cujo Conselho de Administração foi eleito com os seus votos e cuja atuação conseguiam efetivamente determinar.

4. Em 30 de Novembro de 2012 e com essa data, foi celebrado por documento escrito um contrato denominado “Contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial”, entre a II, S.C.R., S.A., pessoa coletiva nº 504 … … representada por JJ e GG na qualidade de seus administradores, e o (então) Banco … – Banco HH, S.A. ora Autor (por fusão).

5. O papel comercial supra referido tinha como fim o financiamento operacional da II.

6. Em execução do contrato de 30 de Novembro de 2012 a Autora procedeu à organização, montagem, registo e colocação da emissão de papel comercial da II no valor de €8.500.000,00.

7. Em execução do contrato de 30 de novembro de 2012, o papel comercial da II foi emitido pela primeira vez em 17 de dezembro de 2012, pelo valor de €8.500.000,00, tendo sido integralmente tomado pela Autora, que entregou essa quantia à II na data de emissão, através de depósito da referida quantia na conta à ordem da titularidade da II com o nº 52985729 junto da Autora, com uma taxa de juro de 6,184% e vencimento em 19 de março de 2013.

8. Em execução do contrato de 30 de novembro de 2012, em 19 de março de 2013 a II efetuou uma segunda emissão de papel comercial com uma taxa de juro de 6,318% e vencimento em 13 de setembro de 2013.

9. A segunda emissão de papel comercial foi integralmente tomada pela Autora, tendo sido efetuada uma compensação de créditos entre a Autora e a II em simultâneo com o vencimento da primeira emissão, de tal modo que o pagamento do capital da primeira emissão foi efetuado por compensação com a tomada pela Autora da segunda emissão do papel comercial, no valor de €8.500.000,00.

10. Em execução do contrato de 30 de novembro de 2012, em 13 de Setembro de 2013 a II efetuou uma terceira emissão de papel comercial, de €8.500.000,00, à taxa de juro de €6,201%, com vencimento em 29 de novembro de 2013.

11. A terceira emissão de papel comercial foi integralmente tomada pela Autora, tendo sido efetuada uma compensação de créditos entre a Autora e a II em simultâneo com o vencimento da segunda emissão, de tal modo que o pagamento do capital da segunda emissão foi efetuado por compensação com a tomada pela Autora da terceira emissão do papel comercial, no valor de €8.500.000,00.

12. Em 29 de Novembro de 2013 os juros vencidos referentes à terceira emissão de papel comercial eram no montante de € 112.737,63, sendo que os juros referentes à primeira e segunda emissão foram pagos pela II.

13. A Autora negociou com a II o “Contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial”, tendo exigido que os ora Réus prestassem garantias e apenas tendo aceite celebrar o referido contrato, e tomar o papel comercial, porque os ora Réus aceitaram prestar as garantias acordadas, o que era do conhecimento da II e dos ora Réus.

14. O papel comercial da II no valor de €8.500.000,00 emitido e tomado em 13 de Setembro de 2013 tinha vencimento em 29 de Novembro de 2013 e não foi pago à Autora, nem na data de vencimento nem posteriormente.

15. Em 30 de Novembro de 2012, e com essa data, por documento escrito, foi outorgada uma declaração denominada “Declaração de Compromisso”, que foi subscrita pelos ora Réus, com assinaturas reconhecidas, dela constando, em síntese:

(…)

cientes do financiamento que a referida sociedade [II, SCR, S.A] vai contrair junto do HH – Banco HH, SA, com sede na Avenida …, n.º1…2, …, Lisboa, sob a forma de contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial no montante de 8.500.000,00 Euros, de apoio à tesouraria, vêm pela presente assumir formalmente e sem quaisquer reservas, perante o HH, o compromisso de procederem à subscrição e realização do aumento do capital social da II, SCR, S.A., no montante de 9.000.000,00 Euros até à totalidade das percentagens do capital detidas pelos acionistas signatários desta Declaração. Este compromisso será suportado na percentagem da participação que cada um dos atrás referidos acionistas detém no capital social da II, SCR, S.A. com excepção da BB – Investimentos Financeiros S.A., cujo compromisso de subscrição e realização abrange os direitos e obrigações de subscrição, além da quota-parte que lhe corresponderá, também dos acionistas, KK Capital Infrastrucutre Fund, Banco KK, S.A., KK - Banco de Investimento, S.A., LL, MM e KK Holdings Ltd, titulares, respectivamente, de 16,20%, de 6,90%, de 1,48%, de 3,12% e 1,21% do capital social, afetando tal montante ao pagamento do financiamento acima referido, na eventualidade de o mesmo não ser integralmente liquidado, por qualquer outra forma, no prazo de um ano a contar da sua celebração.»

16. A Autora apenas aceitou celebrar o “Contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial” e aceitou tomar o papel comercial porque os Réus outorgaram a “Declaração de Compromisso” de 30 de Novembro de 2012 e porque os Réus são pessoas (singulares e coletivas) que davam boas garantias comerciais de solvabilidade e honestidade, baixando o risco do crédito para níveis aceitáveis pela Autora.

17. A “Declaração de Compromisso” foi dirigida e entregue à Autora (então denominada HH – Banco HH, S.A.) que a recebeu e tomou conhecimento do teor da mesma em 30 de Novembro de 2012.

18. A vontade real dos Réus ao emitirem a “Declaração de Compromisso” consistia em garantirem à Autora o pagamento completo e tempestivo pela II do FINANCIAMENTO decorrente do papel comercial, o que era do conhecimento da Autora e da II.

19. Em 30 de Novembro de 2013 a Autora era credora da II, em resultado da tomada integral da terceira emissão do papel comercial emitido em 13 de Setembro de 2013 já referido, pelo montante de €8.500.000,00 de capital, com data de vencimento em 29 de novembro de 2013, cujos juros remuneratórios na data de vencimento eram no valor de € 112.737,63, o que perfaz a quantia de € 8.612.737,63.

20. A Autora enviou cartas a interpelar a II para dar cumprimento ao contrato e pagar o papel comercial no valor de €8.500.000,00, e às rés para darem cumprimento à “Declaração de Compromisso”

21. A II nunca pagou à Autora o papel comercial.

22. As rés não cumpriram a sua obrigação na data acordada, nem a cumpriram após terem sido interpelados para o efeito.

23. A Autora encetou negociações com a II e com os Réus em 9 de Dezembro de 2013 para tentar chegar a um acordo de refinanciamento e reforço de garantias, tendo declarado à II (com cópia para os RR) que aguardaria por 10 dias e que findo esse prazo e na falta de consenso interporia uma ação executiva, não tendo havido acordo no prazo indicado, mas tendo os RR. declarado que estavam disponíveis para cumprir a garantia.

24. Durante as negociações entre a Autora, a II e os Réus, a Autora sempre informou que caso não se chegasse a acordo iria exigir o pagamento, ou a compensação pela sua falta, à II e aos Réus.

25. Em 10 de Janeiro de 2014, a II requereu um PER, no âmbito do qual a Autora foi reconhecida como credora pelo valor de € 8.918.200,00, tendo sido aprovado um plano de recuperação pelo Senhor Administrador Judicial Provisório, com o voto contrário da Autora, Plano de Recuperação esse que foi homologado por sentença, apesar de a Autora ter requerido a recusa de homologação, tendo a Autora recorrido da referida sentença

26. A decisão de requerer o PER foi tomada entre a II e todos – ou alguns – dos Réus, como modo de evitar que a Autora pudesse exigir o pagamento, ou a compensação pela sua falta, à II e aos Réus.

27. A DECLARAÇÃO DE COMPROMISSO contém uma promessa formalmente unilateral, em que os promitentes se comprometeram perante o promissário a fazer algo, deixando expresso o motivo por que o fizeram e o fim com o que fizeram. Este tipo de promessa unilateral titulada num documento, corresponde a uma cautio discreta, é válida, eficaz e executória e com a aceitação, pelo declaratário, forma-se um contrato.

28. A vontade e o comportamento das partes foram claros: a II solicitou à Autora a concessão de crédito, sob a forma de emissão de papel comercial; a Autora exigiu para a concessão de crédito através da tomada do papel comercial o compromisso firme dos acionistas mais relevantes e com poder de domínio sobre a II de subscreverem e realizarem um aumento do capital da II de € 9.000.00,00 e que os correspondentes fundos seriam afetos ao pagamento daquele financiamento, caso não fosse pago no vencimento, tal como expressamente previsto no contrato.

29. Esta exigência do Banco foi feita a título e com o fim de garantia do pagamento do crédito concedido e aceite pelos Réus.

30. Em caso de mora ou não pagamento, segundo ficou estipulado entre a Autora e os principais acionistas da mutuária, II, aqueles principais acionistas subscreveriam o aumento de capital e entrariam com € 9 milhões para a II, a título de aumento do capital da mesma II e que os correspondentes fundos seriam afetos ao pagamento daquele financiamento, caso não fosse pago no vencimento.

31. Na «Declaração de Compromisso», com o que contém de expresso e de tácito, nas circunstâncias da sua emissão os Réus declaram constituir sua vontade, vinculando-se a: a) em caso de não pagamento tempestivo pela II do papel comercial à Autora; b) promover e conseguir a convocação e a reunião de uma assembleia geral extraordinária da II e, nessa assembleia, deliberar o aumento de capital com o fim de proceder ao pagamento do papel comercial à Autora; c) nesse aumento do capital subscreverem e pagarem a pronto, em dinheiro, essa quantia (ou subscreverem esse valor num aumento do capital de valor superior); d) e fazerem com que, com os referidos nove milhões de Euros, a II pague à Autora o valor em dívida resultante daquele papel comercial.

32. A «Declaração de Compromisso» não é um negócio jurídico isolado e foi contratada em ligação com o contrato de concessão de crédito – o FINANCIAMENTO, havendo, entre ambos, um vínculo funcional de dependência bilateral: a «Declaração de Compromisso» não tem sentido e não se compreende sem a concessão de crédito através de papel comercial à qual é acessória. A sua utilidade e finalidade é a de garantir o cumprimento da operação de crédito à qual é acessória.

33. Sem a «Declaração de Compromisso» não teria sido celebrado o contrato de 30 de Novembro de 2012, e não teria a Autora tomado o papel comercial.

34. A obrigação dos Réus de realizarem as entradas de capital de € 9.000.000,00 e destinarem essa quantia ao pagamento da dívida da II à Autora venceu-se em 4 de Dezembro de 2013.

35. O dano indemnizável corresponde ao valor da totalidade do montante em dívida que resulta do papel comercial, acrescido de juros vencidos a 4 de Dezembro de 2013 e ainda da cláusula penal, tudo limitado ao valor máximo garantido de € 9.000.000,00.

36. Em 4 de Dezembro de 2013, os juros remuneratórios vencidos eram no valor de € 120.155,35, aos quais acresciam juros moratórios (à taxa de 4%) no valor de € 4.784,85.

37. A cláusula penal resultante do contrato de 30 de novembro de 2012 é no valor de € 340.000,00 – 4% do capital em dívida, pelo que o valor da dívida em 4 de Dezembro de 2013 era de € 8.964.940,20.

38. Se em Dezembro de 2013 os RR. tivessem procedido à subscrição do aumento de capital já deliberado, procedido às respetivas entradas e assegurado que essa quantia era usada para pagamento do papel comercial à Autora, esta teria recebido a quantia de € 8.964.940,20.

39. Os RR. violaram as obrigações que para si resultam da garantia atípica que prestaram, porquanto não a cumpriram no momento devido.

40. A atuação dos RR. foi causa adequada – e causou efetivamente – o dano da Autora, que consiste em não ter € 8.964.940,20 em dinheiro resultante do pagamento do papel comercial.

41. Se os RR. tivessem cumprido pontualmente as suas obrigações em 4 de Dezembro de 2013, a Autora não teria sofrido o dano que sofreu.


2. Citadas, as rés apresentaram, cada uma delas, contestação, pugnando pela improcedência da ação, com a consequente absolvição do pedido.


3. A autora, BANCO AA PORTUGUÊS, S.A., respondeu, concluindo como na petição inicial.


4. Em 05.03.2015 foi proferido despacho, que, ao abrigo do art. 590º, nºs 3 e 4 do CPC, convidou a Autora a aperfeiçoar a petição inicial nos termos nele indicados, o que a mesma cumpriu.


5. Notificadas, as rés responderam.


6. Na pendência da acção, a autora outorgou transação, quer com o réu, GG, quer com a ré EE, SGPS, SA, transações essas que foram homologadas, por despachos de 13.03.2015 e de 02.09.2015.


7. Dispensada a realização da audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, no qual relegou-se para decisão final o conhecimento das exceções peremptórias invocadas pelas rés.

Fixado o objecto do litígio, foram elencados os factos provados por acordo e documentos e enunciados os temas da prova, tendo sido atendida a reclamação apresentada contra o elenco dos factos provados.


8. Deduzido articulado superveniente pela ré, BB, S.A. com fundamento na apresentação da II, em 02.02.2015, ao PER, a ele respondeu a ré FUNDO DE CAPITAL DE RISCO GRUPO FF, após o que foi proferido despacho que admitiu este articulado e determinou o aditamento dos factos com relevo para a decisão da causa aos temas da prova.


9. A autora, Banco AA Português, SA, juntou aos autos certidão judicial da sentença, com nota de trânsito, que declarou insolvente a sociedade II – SCR, SA.


10. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que:

I. Julgou a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:

a) condenou a Ré BB – Investimentos Financeiros, SA, a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 2.933.100, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da II (Processo nº 21631/15.9T8LSB da Instância Central de …, 1ª Sec. Comércio, J1) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido;

b) condenou a Ré Companhia de Seguros CC, SA a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 280.800, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da II ( Processo nº 21631/15.9T8LSB da Instância Central de …, 1ª Sec. Comércio, J1) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido;

c) condenou a Ré DD Global Investors, SGPS, SA a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 2.284.200, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da II (Processo nº 21631/15.9T8LSB da Instância Central de …, 1ª Sec. Comércio, J1) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido;

d) condenou o Fundo de Capital de Risco Grupo FF a pagar à Autora montante a liquidar em execução de sentença assim calculado: a quantia de € 1.545.300, acrescida de juros de mora desde 30.11.2013 às taxas legais de 8.5% até 31.12.2013, 7,25% no primeiro semestre de 2014, 7,15% no segundo semestre de 2014, 7,05% no primeiro semestre de 2015 até integral pagamento, sem prejuízo de subsequentes alterações da taxa de juro; sendo deduzida a tal quantia, rateadamente, o valor que a autora vier a receber no âmbito da insolvência da II (Processo nº 21631/15.9T8LSB da Instância Central de …, 1ª Sec. Comércio, J1) por conta do seu crédito do papel comercial aí reconhecido;

II – No mais, julgou a ação improcedente, por não provada, absolvendo os Réus do pedido.

No que tange ao dispositivo I, fixou as custas repartidas provisoriamente em partes iguais entre Autora e Réus, sem prejuízo dos acertos que forem necessários e que resultarem da liquidação que venha a efetuar-se.

No que tange ao dispositivo II, fixou as custas a cargo da Autora na proporção de 25%.


11. Inconformadas com o assim decidido, as rés, CC SEGUROS SA, BB –INVESTIMENTOS FINANCEIROS, S.A., DD GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A.. e FUNDO DE CAPITAL DE RISCO GRUPO FF, S.A.,  interpuseram recurso de apelação, na sequência do que o Tribunal da Relação de … proferiu, em 30 de março de 2017, acórdão  que, sem voto de vencido e fundamentação essencialmente diferente,  julgou improcedentes os recursos interpostos pelas rés, mantendo a decisão recorrida  e condenando as apelantes no pagamento das custas, na proporção dos respectivos decaimentos.


12. Inconformada com este acórdão, veio a ré DD GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A., deduzir revista excepcional, invocando para o efeito, a existência dos pressupostos da mesma referidos nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 672º do CPC, tendo o Coletivo da Formação a que alude o nº 3 deste mesmo artigo, decidido admitir excecionalmente a revista interposta pela recorrente.


13. A ré DD GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A., terminou as suas alegações do recurso de revista excepcional interposto para o Supremo Tribunal de Justiça com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«1. O presente recurso deve ser admitido porque as questões no mesmo suscitadas, designadamente quanto à delimitação do conteúdo das obrigações resultantes das chamadas cartas de conforto e quanto à delimitação e distinção das obrigações e competências entre accionistas e Conselho de Administração, assume relevância jurídica que justifica a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nos termos da alínea a) do nº 1 do Artigo 672º CPC;

2. O presente recurso deve ser admitido porque a decisão recorrida está em contradição com a decisão proferida no Acórdão fundamento supra identificado nos termos da alínea a) do nº 1 do Artigo 672º CPC;

3. O recurso deve ser julgado procedente porque a doutrina do Acórdão fundamento é a correcta: na ausência de garantia de pagamento, ou seja na ausência de declaração expressa de promessa de pagamento pelo patrocinante em caso de incumprimento do devedor, o que deve presumir-se é que as partes não quiseram contratar uma obrigação de resultado;

4. Ora, os Réus comprometeram-se nos estritos termos literais da declaração de compromisso: vincularam-se a subscrever um aumento de capital da II, porém, não se comprometam, em nenhum momento, a pagar à Recorrida em caso de eventual incumprimento por parte da II;

5. Acresce que o que está provado (Pontos 31 a 36, 55 al. c), 56 e 57 da matéria de facto provada) é que a Recorrida negociou os termos da declaração de compromisso e da deliberação que aprovou o aumento de capital com a própria II (e não com os Réus), bem sabendo que a concretização do aumento de capital ficava dependente de decisão do Conselho de Administração da mesma II;

6. A própria Autora aqui Recorrida reconheceu expressamente que a obrigação dos Réus de subscrição do aumento de capital não tinha prazo certo, o que fez por escrito nos documentos por ela juntos com a petição inicial sob os nºs 15-A a 15-G, os quais se mostram subscritos e assinados por dois dos seus administradores, documentos que demonstram, para efeitos do disposto no nº 2 do Artigo 236º do Código Civil, qual o sentido que a destinatária deu à declaração em causa;

7. O Conselho de Administração da II tomou a decisão de não fixar data para a realização do aumento de capital (Pontos 61 e 62 da matéria de facto provada) de acordo com as suas competências legais e, tem de se presumir atenta a matéria de facto provada e não provada, na prossecução dos interesses próprios da II;

8. Contrariamente ao alegado pela Autora, não foi provado que os Réus tenham impossibilitado, obstruído ou sequer influenciado o Conselho de Administração da II para não fixar data para a realização do aumento ou para propor o PER da mesma II (Resposta restritiva ao artigo 33 e resposta negativa ao artigo 73 dos temas da prova).

9. Contrariamente ao decidido os Réus não podiam substituir-se ao Conselho de Administração da II para assegurar a realização do aumento de capital;

10. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 236.º, 405.º, 406.º e 627º e seguintes do Código Civil».


Termos em que requer seja julgado procedente o recurso de revista excepcional interposto com a revogação da decisão recorrida e consequente absolvição integral da Ré relativamente ao pedido da Autora.

  

14. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



***



III. Delimitação do objecto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, as questões a decidir traduzem-se em saber se:


1ª- a designada “Declaração de Compromisso” vincula os seus subscritores a uma obrigação de meios (subscrição e realização de um aumento de capital) ou a uma obrigação de resultado (assegurar o pagamento do BANCO AA);


2ª- os subscritores da referida “Declaração de Compromisso”  podem ser responsabilizados pelo não pagamento da dívida da II S.C.R., S.A. para com o BANCO AA.



***



IV. Fundamentação


4.1. Fundamentação de facto


As instâncias consideraram assentes os seguintes factos:

 

1. A Autora é um Banco autorizado a exercer o comércio bancário em Portugal, tendo resultado da fusão por incorporação do Banco AA Português, S.A. no Banco HH, S.A., tendo este alterado a sua firma para Banco AA Português, S.A..

2. A II tem como administradores:

- NN, que é sócio da Autora e é administrador da Autora.

- OO;

- PP, designado pela Ré FF;

- QQ, designada pela Ré DD; RR, administrador da Ré EE; - GG, ora Réu.

3. A BB - Investimentos Financeiros, S.A., é uma sociedade comercial com sede na Avenida …, nº 8…, 5º esquerdo, 1050 - Lisboa e NIF503…, vincula-se com intervenção:

a) conjunta do presidente do conselho de administração e de um dos vogais;

b) conjunta de um administrador e de um procurador com poderes bastantes;

c) conjunta de dois procuradores com poderes bastantes, tendo como administradores:

- SS, NIF … – Presidente;

- TT, NIF … – Vogal;

- UU, NIF… – Vogal (documento de fls. 827-830,cujo teor se dá por reproduzido).

4. A Companhia de Seguros CC, S.A., é uma sociedade comercial com sede na Avenida …, nº 1…1, 1069 - Lisboa e NIF …, vincula-se pela assinatura conjunta de dois administradores; pela assinatura de um administrador no âmbito dos poderes que lhe tenham sido delegados ou de um ou mais procuradores com poderes para o ato, tendo como administradores:

- VV, NIF … – Presidente;

- XX, NIF: … - Vice-Presidente;

- ZZ, NIF … – Vogal;

- AAA, NIF 158795580 – Vogal;

- BBB, NIF … – Vogal;

- CCC, NIF … – Vogal;

- DDD, NIF … – Vogal;

- EEE, NIF … – Vogal (documento de fls. 831-838, cujo teor se dá por reproduzido).

5. A DD Global Investors, S.G.P.S., S.A., é uma sociedade comercial com sede na Rua …, nº3…0, 4535 - Mozelos e NIF 508…, vincula-se pela assinatura de:

a) um administrador Delegado, dentro dos limites da delegação do Conselho de Administração;

b) dois administradores;

c) um administrador e um procurador com poderes para a categoria de atos na qual se inclua aquele em que intervém;

d) Dois procuradores, conjuntamente, com poderes para a categoria de atos na qual se inclua aquele em que intervêm;

e) um procurador com poderes especiais, tendo como administradores:

- NN, NIF 1… – Presidente;

- QQ, NIF 1… –Vogal;

- FFF, NIF 1… – Vogal (documento de fls. 840-842, cujo teor se dá por reproduzido).

6. A EE, S.G.P.S., S.A., é uma sociedade comercial com sede na Rua …, nº 2…7, 4050 -Porto e NIF 503…, vincula-se mediante a intervenção de: 

a) administrador único, caso exista;

b) dois administradores;

c) um administrador em conjunto com um mandatário com poderes bastantes;

d) um administrador no qual o conselho de administração tenha delegado poderes suficientes e dentro dos limites dessa delegação; e) um ou mais mandatários, em conformidade com os respetivos instrumentos de mandato, tendo como administrador único):

- RR, NIF 1… – Administrador Único (documento de fls. 824-826, cujo teor se dá por reproduzido)

7. A GGG - Sociedade de Capital de Risco, S.A. é uma sociedade comercial, que é a sociedade gestora do Fundo de Capital de Risco Grupo FF (que também usa a sigla MM – Grupo FF) com sede na Rua …, nº … – piso 6, 1250 - Lisboa e NIF 502…, vincula-se pela assinatura de:

a) dois membros do conselho de administração ou da comissão executiva;

b) um membro do conselho de administração ou da comissão executiva e um procurador;

c) um administrador no exercício dos poderes que lhe tenham sido delegados;

d) dois procuradores conjuntamente com poderes bastantes para o ato, tendo como administradores:

- HHH, NIF 1… – Presidente;

- PP, NIF 1… – Vogal;

- III, NIF 1… – Vogal;

- JJJ, NIF 2… – Vogal;

- KKK, NIF 1… – Vogal (documento de fls. 843-846, cujo teor se dá por reproduzido).

8. A MM - Grupo FF é um fundo de capital de risco, que tem como entidade gestora a GGG - Sociedade de Capital de Risco, S.A.. (documento de fls. 847, cujo teor se dá por reproduzido).

9. A DD Global Investors, SGPS, SA é uma empresa que integra um dos maiores grupos empresariais nacionais (o Grupo DD).

10. O Grupo DD é dominado por uma das pessoas mais ricas de Portugal (NN)

11. Os Réus eram, em 30 de Novembro de 2012, sócios da sociedade denominada II, SCR, SA (NIPC 504…) sendo titulares das seguintes participações sociais:     

Réus    Percentagem do capital total
BB (em nome próprio e em representação de KK-Capital Infrastructure Fund, Banco KK, S.A., KK - Banco de Investimento, S.A., LL- Infrastructure Fund, MM e KK Holdings LTD

32,59%

DD25,38%
GGG17,17%
CC3,12%
EE 0,64%
GG0,20%
Total de acções79,1%

12. Em 30 de Novembro de 2012, no seu conjunto, os Réus eram titulares ou representantes de 13.841.151 (treze milhões oitocentas e quarenta e uma mil cento e cinquenta e uma) ações correspondentes a 79,1% (setenta e nove vírgula um por cento) do capital social da II.

13. Em 30 de Novembro de 2012, no seu conjunto matemático, os Réus dominavam a II e tinham a possibilidade de convocar a sua assembleia geral e nela deliberar o aumento do capital.

14. Em 30 de Novembro de 2012, no seu conjunto matemático, os Réus tinham uma maioria na assembleia geral da II que lhes permitia determinar a composição dos seus órgãos eletivos.

15. Em 30 de Novembro de 2012, o Conselho de Administração da II em exercício tinha sido eleito com os votos dos Réus.

16. Em 30 de Novembro de 2012, e com essa data, foi celebrado por documento escrito um contrato denominado “Contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial”, entre a II, S.C.R., S.A., pessoa coletivo nº 504 … representado por JJ e GG na qualidade de seus administradores, e o (então) Banco HH, S.A. ora Autor (por fusão) (documento de fls. 124-158, cujo teor se dá por reproduzido).

17. O contrato referido em 16 tinha por objetivo conceder à II um financiamento intercalar numa conjuntura em que era expectável a venda da participação social que esta detinha na LLL Capital Limited.

18. O papel comercial supra referido tinha como fim o financiamento operacional da II.

19. Em execução do contrato de 30 de Novembro de 2012, a Autora procedeu à organização, montagem, registo e colocação da emissão de papel comercial da II no valor de €8.500.000,00.

20. Em execução do contrato de 30 de novembro de 2012, o papel comercial da II foi emitido pela primeira vez em 17 de dezembro de 2012, pelo valor de €8.500.000,00 (oito milhões e quinhentos mil euros), tendo sido integralmente tomado pela Autora, que entregou essa quantia à II na data de emissão, através de depósito da referida quantia na conta à ordem da titularidade da II com o nº … junto da Autora, com uma taxa de juro de 6,184% e vencimento em 19 de março de 2013.

21. Em execução do contrato de 30 de novembro de 2012, em 19 de março de 2013, a II efetuou uma segunda emissão de papel comercial com uma taxa de juro de 6,318% e vencimento em 13 de setembro de 2013.

22. A segunda emissão de papel comercial foi integralmente tomada pela Autora, tendo sido efetuada uma compensação de créditos entre a Autora e a II em simultâneo com o vencimento da primeira emissão, de tal modo que o pagamento do capital da primeira emissão foi efetuado por compensação com a tomada pela Autora da segunda emissão do papel comercial, no valor de €8.500.000,00.

23. Em execução do contrato de 30 de novembro de 2012, em 13 de setembro de 2013, a II efetuou uma terceira emissão de papel comercial, de €8.500.000,00, à taxa de juro de 6,201%, com vencimento em 29 de novembro de 2013.

24. A terceira emissão de papel comercial foi integralmente tomada pela Autora, tendo sido efetuada uma compensação de créditos entre a Autora e a II em simultâneo com o vencimento da segunda emissão, de tal modo que o pagamento do capital da segunda emissão foi efetuado por compensação com a tomada pela Autora da terceira emissão do papel comercial, no valor de €8.500.000,00.

25. O papel comercial da II no valor de €8.500.000,00 emitido e tomado em 13 de Setembro de 2013 tinha vencimento em 29 de Novembro de 2013 e não foi pago à Autora, nem na data de vencimento nem posteriormente.

26. No contrato de 30 de Novembro de 2012 consta uma cláusula 16ª com o seguinte teor:

CLAUSULA 16ª – Garantias

1 – Em garantia do cumprimento das obrigações emergentes do presente contrato, designadamente capital, juros, despesas judiciais e extrajudiciais que o AGENTE tiver de fazer para se ressarcir do seu crédito, o EMITENTE entrega ao BANCO HH uma livrança por si subscrita que se anexa ao presente contrato dele ficando a fazer parte integrante.

2 – Esta livrança, devidamente subscrita, encontra-se em branco, podendo ser livremente preenchida pelo BANCO HH, designadamente no que se refere às datas de emissão e de vencimento, local de pagamento e pelo valor correspondente aos créditos de que seja titular por força da referida operação, a fim de que possam ser exercidos todos os direitos que emergem desse título de crédito.

3 – Declaração de Compromisso datada de 30 de Novembro de 2012, subscrita por BB-Investimentos Financeiros, S.A., em nome próprio e em nome e representação dos acionistas KK Capital Infrastructure Fund, Banco KK, S.A., KK-Banco de Investimento, S.A. Infra Invest-LL, Infrastructure Fund-MM e KK Holding Ltd; COMPANHIA DE SEGUROS CC, S.A.; DD GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A.; EE, SGPS, SA; GGG-SOCIEDADE DE CAPITAL DE RISCO, S.A. na qualidade de sociedade gestora do acionista MM-Grupo FF e Dr. GG, na qualidade de acionistas da sociedade II, SCR, S.A., titulares e representantes, respetivamente, de participações representativas de 32,59% (titular de 3,68% e representante de 28,91%), de 3,12% de 25,38%, de 0,64%, de 17,17% e de 0,20% do capital social, de procederem à subscrição e realização do aumento de capital social da II, SCR, S.A., no montante de 9.000.000,00 Euros até à totalidade das percentagens do capital detidas e representadas. Este compromisso será suportado na percentagem da participação e representação indicadas (no total de 79,1% do capital social da II, SCR, S.A.) afetando tal montante ao pagamento do presente contrato, na eventualidade de o mesmo não ser integralmente liquidado, por qualquer outra forma, no prazo de um ano a contar da sua celebração.

27. Em 30 de Novembro de 2012, e com essa data, por documento escrito, foi outorgada uma declaração denominada “Declaração de Compromisso”, que foi subscrita pelos ora Réus, com assinaturas reconhecidas, com o seguinte teor:

«BB - Investimentos Financeiros, S.A., representada por Dr. VV e Dra. XX, COMPANHIA DE SEGUROS CC, S.A. representada por Dr. AAA e Engº MMM, DD GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A.. representada por Comendador NN e Dra. QQ, EE, SGPS, S.A. representada por Dr. RR, Administrador único, GGG - SOCIEDADE DE CAPITAL DE RISCO, S.A. na qualidade de sociedade gestora do acionista MM-Grupo FF Capital representada por Dr. PP e Dr. NNN e Dr. GG, na qualidade de acionistas da sociedade II, SCR, S.A., titulares e representantes, respetivamente, de participações representativas de 32,59% (titular de 3,68% e representante de 28,91%), de 3,12% de 25,38%, de 0,64%, de 17,17% e de 0,20% do capital social, cientes do financiamento que a referida sociedade vai contrair junto do Banco HHs, SA, com sede na Avenida …, n.º1…2, …, Lisboa, sob a forma de contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial no montante de 8.500.000,00 Euros, de apoio à tesouraria, vêm pela presente assumir formalmente e sem quaisquer reservas, perante o HH, o compromisso de procederem à subscrição e realização do aumento do capital social da II, SCR, S.A., no montante de 9.000.000,00 Euros até à totalidade das percentagens do capital detidas pelos acionistas signatários desta Declaração. Este compromisso será suportado na percentagem da participação que cada um dos atrás referidos acionistas detém no capital social da II, SCR, S.A. com exceção da BB – Investimentos Financeiros S.A., cujo compromisso de subscrição e realização abrange os direitos e obrigações de subscrição, além da quota-parte que lhe corresponderá, também dos acionistas, KK Capital Infrastrucutre Fund, Banco KK, S.A.., KK - Banco de Investimento, S.A., LL, MM e KK Holdings Ltd, titulares, respetivamente, de 16,20%, de 6,90%, de 1,48%, de 3,12% e 1,21% do capital social, afetando tal montante ao pagamento do financiamento acima referido, na eventualidade de o mesmo não ser integralmente liquidado, por qualquer outra forma, no prazo de um ano a contar da sua celebração.» (documento de fls. 674 V -681, cujo teor se dá por reproduzido).

28. A “Declaração de Compromisso” foi dirigida e entregue à Autora (então denominada HH – Banco HH, S.A.) que a recebeu em 30 de Novembro de 2012.

29. A Autora negociou com a II o “Contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial”, tendo exigido que os Réus prestassem garantias e apenas tendo aceite celebrar o referido contrato, e tomar o papel comercial, porque os Réus aceitaram prestar as garantias acordadas (constantes da “Declaração de Compromisso”), o que era do conhecimento da II e dos Réus.

30. Sem a «Declaração de Compromisso» não teria sido celebrado o contrato de 30 de Novembro de 2012, e não teria a Autora tomado o papel comercial.

31. Antes da celebração da “Declaração de Compromisso”, os Réus conversaram e trocaram várias mensagens com a II, através dos seus administradores e através de seus funcionários.

32. Nas conversas e mensagens trocadas entre a Autora e a II, a Autora manifestou a sua vontade de apenas celebrar o contrato “Contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial” se as ora Réus garantissem o cumprimento por parte da II.

33. A Autora apenas aceitou celebrar o “Contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial” e aceitou tomar o papel comercial porque os Réus outorgaram a “Declaração de Compromisso” de 30 de Novembro de 2012.

34. A Autora recebeu a declaração referida em 27 sem que tenha exigido e obtido outro tipo de garantias das Réus.

35. A Autora conhecia a situação económica difícil da II, em 30.11.2012, correndo esta o risco de rutura de tesouraria e/ou desvalorização de ativos, situação esta que justificava o pedido de financiamento.

36. A Autora, entidade bancária, tinha conhecimento desde o início que não era nem a única nem a principal entidade credora da II.

37. A Ré BB - Investimentos Financeiros, S.A., era à data titular de aproximadamente 0,3% do capital social do Banco KK, SA.

38. A Ré BB - Investimentos Financeiros, S.A., tinha à data um ativo líquido de aproximadamente €69.483.000 (sessenta e nove milhões, quatrocentos e oitenta e três mil euros), constituído fundamentalmente por valores mobiliários.

39. A Ré BB - Investimentos Financeiros, S.A., era à data dominada pela OOO Financeira, SGPS, S.A., que detinha aproximadamente 54% do capital social do Banco KK, SA.

40. A Ré BB - Investimentos Financeiros, S.A., era à data indirectamente dominada pela Herança Indivisa aberta por óbito de PPP, que detinha (direta ou indiretamente) cerca de 59% do capital social do Banco KK, SA.

41. A Ré BB - Investimentos Financeiros, S.A., integrava à data a comissão de remunerações do KK, sendo representada nesse órgão por VV.

42. VV, administrador da BB - Investimentos Financeiros, S.A., era à data também administrador de: 

- KK SGPS, SA;

- Companhia de Seguros CC, S.A.

- OOO Financeira SGPS, SA;

- OOO Indústria SGPS, SA;

- OOO Investimentos SGPS, SA;

- OOO Seguros SGPS, SA.

43. A BB - Investimentos Financeiros, S.A. integrava o grupo empresarial encabeçado por PPP (à data, a sua herança aberta), que era o sócio principal (direta e indiretamente) do Banco KK, SA.

44. A Companhia de Seguros CC, S.A., era à data detida a 100% pela OOO Seguros SGPS, SA.

45. A Companhia de Seguros CC, SA, tinha à data um ativo líquido de cerca de €1.256.294.689 (mil duzentos e cinquenta e seis milhões, duzentos e noventa e quatro mil seiscentos e oitenta e nove euros).

46. A DD Global Investors, SGPS, SA é uma empresa de investimento privado (private equity) e que integra o Grupo DD.

47. O Fundo capital de Risco Grupo FF, (fundo de capital de risco gerido pela GGG - Sociedade de Capital de Risco, S.A.. na qualidade de sociedade gestora) tinha, em dezembro de 2012, investimentos na ordem dos €370.000.000 (trezentos e setenta milhões de euros), incluindo:

· participação de 11% no capital do Grupo QQQ, SGPS, SA

· participação de 10% no capital da RRR – Sociedade de Empreendimentos Turísticos, SA;

· participação de 11% na SSS, SA;

· participação de 19% na ME3I (que integra o grupo TTT);

· participação de 11% no capital da UUU II;

· participação de 15% no capital da VVV, SGPS, SA;

· participação de 1% na XXX, SGPS, SA;

· participação de 13% no Grupo ZZZ – Pousadas;

· participação de 1% na AAAA;

· participação na BBBB, S.A.;

· participação na CCCC - imobiliário e Serviços, S.A..

48. A GGG - Sociedade de Capital de Risco, S.A.. era detida a 100% pela DDDD - Banco de Investimento, S.A. (também conhecida por DDDD), que por sua vez é detida a 99,80% pela EEEE, S.A., sociedade que pertence ao Estado Português.

49. A Autora não tinha informações negativas relativamente a nenhuma das pessoas supra referidas (singulares ou coletivas), quer no que respeita à honestidade dos seus comportamentos quer em relação à sua solvabilidade.

50. A BB – Investimentos Financeiros, SA a Companhia de Seguros CC, SA, a EE, SGPS, SA, o Fundo Capital de Risco Grupo FF (gerido pela GGG – Sociedade de Capital de Risco, SA) são empresas sujeitas a supervisão do Estado (Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Instituto de Seguros de Portugal), quer diretamente, quer por integrarem o perímetro de supervisão de uma outra empresa.

51. Em 30.11.2012, realizou-se uma assembleia geral da II, na qual interveio o presidente do seu conselho de administração, expondo a necessidade de “(…) dotar a II de capitais próprios mínimos para evitar uma rutura de tesouraria e/ou desvalorização dos ativos quer por necessidade de venda força quer por problemas operacionais nas participações decorrentes de restrições financeiras

52. Referiu ainda que a “II conseguiu garantir um financiamento intercalar até à venda da participação na LLL Capital Limites, com garantia dos acionistas a este financiamento intercalar, sendo deste modo que surge a proposta de acções preferenciais remíveis (…)”.

53. Neste contexto, o conselho de administração submeteu à consideração e deliberação dos seus acionistas a celebração do acordo referido em 16, considerando que tinha sido subscrita pelos acionistas (ora Réus) a declaração referida em 27.

54. Na assembleia geral referida em 51 foi estipulado que o aumento de capital seria afeto ao pagamento do financiamento resultantes da celebração do contrato “na eventualidade de o mesmo não ser integralmente liquidado, por qualquer outra forma, no prazo de um ano a contar da sua celebração.”

55. Em 30 de Novembro de 2012 reuniu a assembleia geral da II, com a presença de todos os sócios, tendo sido formuladas as seguintes propostas de deliberação (inter alia):

1 - Discutir e deliberar sobre a celebração de contrato de Organização, Montagem, Registo e Colocação de emissão particular com o Banco HH, relativo à emissão do Programa de Papel Comercial até ao montante de oito milhões e quinhentos mil euros, nos exatos termos da Ficha Técnica com as Condições do Programa apresentados, sendo conferidos poderes ao Conselho de Administração da II para a negociação e celebração deste contrato.

2 - Discutir e deliberar sobre uma proposta de aumento do capital social, por novas entradas em dinheiro até ao montante máximo de € 9.000.000,00 (nove milhões de euros), a realizar nos seguintes termos:

a) emissão e subscrição de até 1.800.000 novas Ações Preferenciais Remíveis com o valor nominal € 5,00 (cinco euros) cada, que formarão uma nova Categoria (Categoria "C), com a finalidade de liquidar o financiamento obtido junto do Banco HH no montante de € 8.500.000;

b) a subscrição das novas Ações Preferenciais Remíveis será reservada aos atuais Acionistas da Sociedade titulares de direito de preferência, e deverá ser, simultaneamente, subscrita e realizada em dinheiro na data da subscrição;

c) a data de subscrição das novas Ações Preferenciais Remíveis será fixada imediatamente pelo Conselho de Administração, com a antecedência devida para a integral realização das Ações até à data de vencimento do financiamento obtido junto do Banco HH, ou mais cedo se a situação de tesouraria da II assim o exigir, no montante de € 8.500.000, caso seja previsível que, até essa data, a Sociedade não conclua com sucesso a venda da sua participada LLL Capital Limited que se encontra em curso.

d) as novas Ações Preferenciais Remíveis conferirão aos seus titulares o direito a receber um dividendo prioritário mínimo de 5% do respetivo valor nominal, retirado dos lucros, que nos termos dos artigos 32° e 33° do referido Código, podem ser distribuídos aos Acionistas;

e) as novas Ações Preferenciais Remíveis serão remidas, no prazo máximo de seis meses após a data da sua subscrição , ao seu valor nominal acrescido de um prémio de 7,5% ao ano, calculado sobre o valor de cada desembolso;

f) as novas Ações serão repartidas entre os atuais Acionistas que exerçam a preferência do seguinte modo:

i) atribui-se, a cada Acionista, o número de ações proporcional àquelas de que for titular na data do aumento ou o número inferior que esse Acionista tenha declarado exercer;

ii) havendo Acionistas que não exerçam, no todo ou em parte, o seu direito de preferência, satisfazem-se posteriormente, na medida que resultar do rateio excedentário, os pedidos superiores ao número de ações a que cada Acionista teria direito.

g) Caso as Ações Preferenciais Remíveis não sejam totalmente subscritas e realizadas, a respetiva emissão e o correspondente aumento de capital ficam limitadas às subscrições e realizações recolhidas, nos termos do disposto no art. 457° do Código das Sociedades Comerciais.

56. Estas propostas de deliberação foram aprovadas com o voto favorável de todos os sócios exceto do sócio Instituto de Estabilização Financeira da Segurança Social, tendo sido deliberado o seguinte :

Colocado à votação, o Ponto 1 foi aprovado por maioria, com o voto contra do accionista Instituto de Estabilização Financeira da Segurança Social.

Entrando-se no Ponto número Dois da Ordem do Dia, tomou a palavra o Presidente do Conselho de Administração para ler aos presentes a proposta do Conselho de Administração, que, depois de rubricada pelos membros da Mesa da Assembleia Geral, é arquivada.

Colocada à votação, esta proposta foi aprovada por maioria, com o voto contra do Acionista Instituto de Estabilização Financeira da Segurança Social.

Foi ainda referido pelo Acionista BB - Investimentos Financeiros, S.A., aqui representado pelo Dr. VV, que foi celebrado Declaração de Compromisso, em que intervieram, para além da Acionista OOO, os Acionistas COMPANHIA DE SEGUROS CC, S.A., DD GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A., EE, SGPS, SA, GGG - SOCIEDADE DE CAPITAL DE RISCO, S.A. na qualidade de sociedade gestora do acionista MM - Grupo FF e Dr. GG. Nos termos desta Declaração de Compromisso estes Acionistas procederão à subscrição das Ações Preferenciais Remíveis na percentagem da participação que cada um detém no capital social da II, SCR, S.A., com exceção da BB, cujo compromisso de subscrição e realização abrange os direitos e obrigações de subscrição, além da quota-parte que lhe corresponderá, também dos Acionistas, KK Capital Infrastructure Fund, Banco KK., KK - Banco de Investimento SA, Infra Invest - LL, Infrastructure Fund - MM e KK Holdings Ltd, afetando tal montante ao pagamento do financiamento acima referido, na eventualidade  de o mesmo não ser integralmente liquidado, por qualquer outra forma, no prazo de um ano a contar da sua celebração.

57. O teor da deliberação de 30 de Novembro de 2012 foi negociado entre a II e a Autora durante o mês de Novembro de 2012, tendo sido proposta pelo Conselho de Administração da II à sua Assembleia Geral, e tendo a Autora recebido cópia da ata com a deliberação pouco tempo depois de esta ser tomada.

58. Consta do contrato de 30 de Novembro de 2012 uma cláusula com o seguinte teor:

21º (Mora e Cláusula Penal)

1 – Em caso de mora da EMITENTE no pagamento de quaisquer quantias devidas ao abrigo deste Contrato, e sem prejuízo da faculdade de decretar o seu vencimento antecipado ou resolução nos termos das Cláusulas Décima Nona e Vigésima, o BANCO HH fará incidir sobre o respetivo montante, pelo período de duração da mora, juros à taxa contratualmente aplicável, acrescida, a título de cláusula penal de uma sobretaxa de 4%, sendo os juros capitalizados nos termos da lei.

2 – Serão também da conta da EMITENTE, todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogados e solicitador que o BANCO HH haja de fazer para garantia e cobrança de tudo quanto constituir o seu crédito, que, a título de cláusula penal, se fixam em 4% do montante de capital que for devido.

3 – Os juros de mora são exigíveis diariamente, independentemente de qualquer interpelação, pelo que a falta de realização desta não implicará qualquer moratória ou renúncia, por parte do BANCO HH, a qualquer direito que assista ao abrigo desde CONTRATO.

4 – Se resultar de disposição legal a possibilidade de aplicação de uma cláusula penal mais elevada, fica o BANCO HH desde já autorizada a aplicá-la de imediato.

59. O aumento de capital deliberado em 30 de Novembro de 2012 nunca foi subscrito e nunca foi realizado.

60. Em virtude do referido em 59, a quantia não foi destinada ao pagamento do papel comercial da Autora.

61. O conselho de administração da II não declarou nem comunicou aos acionistas uma data para estes reembolsarem o financiamento nem a necessidade da realização do aumento de capital para fazer face ao reembolso.

62. O conselho de administração da II nunca fixou data para a subscrição e realização do aumento de capital, facto que foi do conhecimento da Autora que se encontrava a negociar com a II a prorrogação do programa de papel comercial.

63. A Autora encetou negociações com a II, a partir de setembro de 2013, para tentar chegar a um acordo de refinanciamento e reforço de garantias, tendo declarado à II (com cópia para os RR) que aguardaria por 10 dias e que findo esse prazo e na falta de consenso interporia uma ação executiva, não tendo havido acordo no prazo indicado.

64. A II não liquidou o financiamento na data do seu vencimento por não ter meios financeiros para o fazer, circunstância de que foi dado conhecimento à Autora ainda em outubro de 2013.

65. A gravidade da situação económica difícil levou a administração da II a requerer e negociar com a Autora uma prorrogação da operação de financiamento até 30.5.2014.

66. O que levou à realização de negociações entre a Autora e a II iniciadas antes de 30.11.2014, relativas a uma nova emissão de papel comercial destinada a cobrir o montante então em dívida (capital + juros + encargos).

67. Durante as negociações entre a Autora e a II, a Autora sempre informou que - caso não se chegasse a acordo - iria exigir o pagamento ou a compensação pela sua falta à II e aos Réus.

68. Em 29 de Novembro de 2013, os juros vencidos referentes à terceira emissão de papel comercial eram no montante de € 112.737,63 (cento e doze mil, setecentos e trinta e sete euros e sessenta e três cêntimos), sendo que os juros referentes à primeira e segunda emissão foram pagos pela II [provado por acordo das partes aquando da prestação de declarações de parte por FFFF].

69. A Autora enviou à II uma carta a interpelá-la para dar cumprimento ao contrato, e pagar o papel comercial no valor de €8.500.000,00, em 29 de Novembro de 2013 (pelas 18h15), para a Avenida …, nº …, 8º piso, 1050-… Lisboa, por correio registado com AR dos CTT (sob o registo RC 9… 1 PT), tendo sido recebida por esta Ré em 03 de Dezembro de 2013 (pelas 10h30), carta esta que foi também enviada e recebida por fax no dia 29 de novembro de 2013 (pelas 18h27), e ainda enviada e recebida por correio electrónico no dia 29 de novembro de 2013 (pelas 18h07).

70. Em 30 de Novembro de 2013, a Autora era credora da II, em resultado da tomada integral da terceira emissão do papel comercial emitido em 13 de Setembro de 2013 já referido, pelo montante de €8.500.000,00 (oito milhões e quinhentos mil euros) de capital, com data de vencimento em 29 de novembro de 2013, cujos juros remuneratórios na data de vencimento eram no valor de € 112.737,63 (cento e doze mil, setecentos e trinta e sete euros e sessenta e três cêntimos), o que perfaz a quantia de € 8.612.737,63 (oito milhões, seiscentos e doze mil, setecentos e trinta e sete euros e sessenta e três cêntimos).

71. A II nunca pagou à Autora o papel comercial.

72. A Autora enviou à Ré BB uma carta a interpelá-la para dar cumprimento à “Declaração de Compromisso”, em 02 de Dezembro de 2013 (pelas 19h32), para Avenida …, 8…/8…, 1050-… Lisboa, por correio registado com AR dos CTT (sob o registo RC 9….5PT), tendo sido recebida por esta Ré em 03 de Dezembro de 2013 (pelas 11h00).

73. A Autora enviou à Ré DD uma carta a interpelá-la para dar cumprimento à “Declaração de Compromisso”, em 02 de Dezembro de 2013, (pelas 19h32) para Rua …, 3…, 4535-… M…, por correio registado com AR dos CTT (sob o registo RC 9…6 PT), tendo sido colocada ao dispor deste Réu em 03 de Dezembro de 2013 (tendo sido deixado aviso no seu apartado) que não procedeu ao seu levantamento, tendo a carta sido devolvida à Autora em 05 de Dezembro de 2013.

74. A Autora enviou novamente à Ré DD uma carta a interpelá-la para dar cumprimento à “Declaração de Compromisso”, em 03 de Dezembro de 2013, (pelas16h13) para Rua …, 3…, 4535-… M…, por correio registado com AR dos CTT (sob o registo RC 9…3 PT), tendo sido colocada ao dispor desta Ré em 04 de Dezembro de 2013 (tendo sido deixado aviso no seu apartado) e tendo sido recebida em 04 de Dezembro de 2013 (pelas 09h49).

75. A Autora enviou à Ré GGG uma carta a interpelá-la para dar cumprimento à “Declaração de Compromisso”, em 02 de Dezembro de 2013, (pelas 19h32) para Rua …, 3…, piso 6, 1250-042 Lisboa, por correio registado com AR dos CTT (sob o registo RC 96…0 PT), tendo sido recebida por esta Ré em 03 de Dezembro de 2013 (pelas 13h00).

76. A Autora enviou à Ré EE uma carta a interpelá-la para dar cumprimento à “Declaração de Compromisso”, em 02 de Dezembro de 2013, pelas 19h32, para a Rua …, 2…7, 4050-… Porto, por correio registado com AR dos CTT (sob o registo RC 9…7 PT), tendo sido recebida por esta Ré em 03 de Dezembro de 2013 (pelas 11h00).

77. A Autora enviou à Ré CC uma carta a interpelá-la para dar cumprimento à “Declaração de Compromisso”, em 02 de Dezembro de 2013, pelas 19h32, para Avenida …, 1…1, 1069-…, Lisboa, por correio registado com AR dos CTT (sob o registo RC 96….3 PT), tendo sido recebida por esta Ré em 03 de Dezembro de 2013 (pelas 09h00).

78. No início de 2014, a II apresentava uma dívida global aos seus credores de cerca de 220 milhões de euros.

79. A decisão de propor o PER da II foi tomada por deliberação do conselho de administração da II, de 9 de janeiro de 2014, tendo sido votada favoravelmente pelos seguintes administradores da II:

- JJ;

- RR - que (para além de administrador da II) era à data administrador dos sócios da II, EE, S.G.P.S., S.A., e Banco KK, SA – o ora administrador foi representado por JJ;

- GG - que (para além de administrador da II) era à data sócio da II;

- VV - que era à data administrador da II indicado pelo seu sócio KK Capital Infraestructure Fund (constando na ata do conselho de administração, que agia em representação deste sócio), sendo também administrador dos sócios da II, BB – Investimentos Financeiros, SA e Companhia de Seguros CC, SA;

- JJJ – que foi indicado para administrador pelo sócio da II, Fundo de Capital de Risco Grupo FF (constando na ata do conselho de administração, que agia em representação deste sócio), era à data funcionário da GGG – Sociedade de Capital de Risco, SA tendo sido proposto para tratar do comércio desta sociedade relativamente à participação do Fundo de Capital de Risco Grupo FF na II, sendo a pessoa que tratava de todos os assuntos relativos à II.

80. NN – que era administrador do sócio da II, DD Global Investors, SGPS, SA e da ora Autora – o ora administrador foi representado por JJ.

81. O primeiro PER deu entrada em tribunal, em janeiro de 2014, enquanto decorriam negociações entre a Autora e a II.

82. Em 10 de janeiro de 2014 foi requerido o primeiro PER pela II e por um seu pequeno credor (credor de € 208,65) que é seu advogado .

83. Esse processo correu termos no 4º Juízo do Tribunal de comércio de Lisboa sob o nº 50/14.0TYLSB, tendo sido em 13.6.2014 aprovado um plano de recuperação pelo Administrador Judicial Provisório, com o voto contrário da autora.

84. No âmbito do PER da II, a Autora foi reconhecida como credora pelo valor de, pelo menos, € 8.918.200.

85. No âmbito do PER da II foi aprovado com 95,85% de votos favoráveis, com o voto contrário da Autora, um plano de recuperação que foi homologado por sentença apesar de a Autora ter requerido a recusa da homologação.

86. O crédito de € 208,65 do advogado da II que requereu o PER foi liquidado pelo II, após a instauração do Per.

87. Consta do requerimento inicial do Per da II que esta tinha como sócios à data da entrada do PER:

KK CapitaI infrastructure Fund                   4.454.163 ações16,20%
KK, S.A.1.897.665 ações90%
KK, Banco de Investimento, S.A471.164 ações2,70%
BB–Investimentos Financeiros,SA1.1013.281 ações3,68%
LL – Fundo Especial de Investimento  859.320 ações3,12%
Companhia de Seguros CC, SA859.320    ações3,12%           
MM – Grupo FF4.720.436  ações17,17%        
DD Global Investors, SGPS, SA  6.978.900   ações25,38%
Fundo Estabilização Financeira da Seg. Social2.751.752 ações10,01%
GGGG, SGPS, SA1.859.514 ações   6,76%
HHHH711.107 ações2,59%
EE, SGPS, SA176.266 ações0,64%
IIII284.215 ações1,03%
JJJJ126.949 ações0,46%
GG55.948 ações0,20%

88. No âmbito do PER, constam como credores da II:

Banco Comercial Português, SA                  38.613.742,66 (GBP)
KK, SA 28.280.489,27 (GBP)
Banco KKKK, S.A.12.000.000 (Eur)
Caixa LLLL, CRL5.750.000 (Eur)
Caixa MMMM123.755.105 (Eur)
Autoridade Tributária e Aduaneira                 1.418.249,52 (Eur)
HH, SA8.500.000 (Eur)

                                                   

89. A II apenas deu conhecimento da entrada do PER à Autora por carta de 28 de janeiro de 2014, recebida em 31 de janeiro de 2014.

90. A NNNN, SCR, S.A. apresentou-se a processo especial de revitalização no dia 2.2.2015, o qual corre termos na 1ª Secção de comércio da Instância Central de … sob o nº 3248/15.0T8LSB (documento de fls. 1029-1251, cujo teor se dá por reproduzido).

91. No requerimento inicial do processo referido em 90, alegou a II que: «Entre a data da sentença de homologação do Plano de Recuperação, em junho de 2014, e o seu trânsito em julgado, verificou-se uma acentuada desvalorização dos ativos da sociedade e, consequentemente, uma alteração significativa na sua situação patrimonial. (…) Apesar da desvalorização dos ativos da Sociedade, esta mantém o firme propósito de adaptar o Plano de Recuperação da sociedade anteriormente aprovado à sua atual situação patrimonial, bem como às vicissitudes futuras com impacto na mesa, em termos que permitam que o mesmo seja integralmente cumprido. (…) atenta a pré-existência de um Plano de Recuperação aprovado no âmbito do identificado PER e considerando o entendimento já alcançado pela sociedade com a maioria dos seus credores, esta concluiu que a via adequada à sua recuperação/revitalização consiste na apresentação a um novo processo especial de revitalização, por via do qual fica assegurada a recuperação/revitalização da Sociedade num contexto que permite garantir o seu efetivo cumprimento

92. O Per referido em 90 encontra-se em fase de negociações [à data da elaboração dos Temas da Prova].

93. A II foi declarada insolvente por sentença de 5.8.2015, transitada em julgado em 27.8.2015.

94. Até à presente data, a II não conseguiu proceder à venda da LLL Capital Limited.



***



4.2. Fundamentação de direito

4.2.1. Enquadramento preliminar.


As cartas de conforto apareceram na prática financeira norte-americana, da década de sessenta do século XX, no âmbito dos grupos das sociedades e das suas relações com os bancos, correspondendo, inicialmente, as declarações nelas incluídas a meras obrigações morais ou acordos de cavalheiros (“gentlemen’s agreements”), regulados pelas regras do trato social.

Mercê do fenómeno da globalização, foram rapidamente transpostas para os sistemas europeus continentais, tornando-se o seu uso predominante nas relações intersocietárias.

Como nos dá conta Pinto Monteiro, no seu ilustríssimo parecer junto a fls. 1993 a 2082 dos presentes autos, a doutrina tem vindo a caracterizar as cartas de conforto (comfort letters), também denominadas de cartas de patrocínio (lettres de patronage, lettere di patronage, Patronatserklärungen), como documentos subscritos por uma sociedade, que têm por destinatário um banco e que «visam facilitar determinado financiamento a conceder por este a uma outra sociedade, que a primeira controla ou na qual tem, pelo menos, fortes interesses»[2].

Menezes Cordeiro define-as como documentos, normalmente redigidos sob a forma epistolar, nos quais uma entidade (o patrono ou confortante) se dirige a uma outra entidade, em regra um banqueiro (o confortado ou beneficiário), «tranquilizando-o quanto à capacidade, honorabilidade ou à eficácia de um terceiro interveniente (o patrocinado, afilhado ou devedor), assumindo mesmo, em certos casos, deveres próprios nesse sentido»[3].

Para L. Miguel Pestana de Vasconcelos, consistem em «declarações de um ente que, de forma mais ou menos intensa, procura que seja concedido crédito a um terceiro, manifestando determinadas intenções face ao creditado, ou mesmo assumindo determinadas obrigações perante o creditante».[4]

Segundo, Menezes Leitão estão em causa «situações em que alguém por alguma forma presta um conforto ao credor em relação ao facto de outrem vir a cumprir uma obrigação que tem perante aquele»[5].     

São figuras intimamente ligadas à concessão do crédito societário e que, na expressão de Calvão da Silva[6], permitem fazer valer a força negocial que os grupos de sociedades têm junto das entidades bancárias para, no dizer de Menezes Cordeiro[7], se proporcionar crédito a uma entidade que integre esse grupo, sem que se tenha que recorrer às garantias legalmente tipicizadas.

Objetivo precípuo das cartas de conforto é, assim, servir como garantia alternativa prestada pelo confortante e posta à disposição do credor sem que o devedor nem o próprio confortante sejam onerados pelas clássicas formas de garantia pessoais dos negócios jurídicos, designadamente do aval e da fiança, não se estabelecendo entre eles uma regra de solidariedade[8].

Consideradas uma modalidade especial de garantia das obrigações, as cartas de conforto distinguem-se das garantias reais, por implicarem apenas a realização de prestações, constituindo, por isso, garantias pessoais.

Tratam-se, outrossim, de garantias atípicas, cujos traços principais podem ser livremente estipulados pelas partes, mas que, ao contrário da fiança, não são acessórios de uma obrigação principal, nem funcionam à primeira solicitação, ao contrário do que normalmente ocorre na garantia bancária autónoma[9]

E, na medida em que delas resulta um compromisso assumido por uma parte (o confortante) e validamente aceite pela outra (o confortado), nos dias de hoje, é pacificamente aceite a sua juridicidade[10], defendendo até certa doutrina, atento o carácter profissional dos sujeitos que as utilizam (sociedades comerciais e bancos) e a natureza das relações a que se referem, uma presunção de juridicidade destas cartas, no sentido de que existe uma intenção e uma consciência de que as mesmas são produtivas de vínculos jurídicos ou, pelo menos, de efeitos relevantes para o declarante no plano jurídico, cabendo, por conseguinte, à entidade patrocinante, verdadeira interessada na irrelevância jurídica do compromisso assumido, o ónus de provar que, no caso concreto, faltou aquela intenção[11].

Deste modo e ainda que, do ponto de vista estrutural, as cartas de conforto se apresentem como uma epístola dirigida a um destinatário (o confortado), assinada apenas pelo remetente (o confortante), consubstanciando uma única declaração de vontade, a verdade é que delas depreende-se a existência de um acordo entre o emitente e o destinatário, seja ele prévio ou derivado de uma aceitação posterior, ainda que tácita (cfr. art. 217º do C. Civil ), pelo que, segundo a maioria da doutrina, estamos perante contratos unilaterais que apenas criam obrigações para uma  das partes - o autor da carta[12].       

E porque assim é, facilmente se compreende que constitua traço fundamental das cartas de conforto, a imprecisão, a ambiguidade ou a equivocidade do seu conteúdo[13].

É que, enquanto os autores das cartas de conforto evitam assumir vinculações precisas, com vista a minimizar a consistência e o alcance das vinculações assumidas, os bancos destinatários pressionam os emitentes no sentido destes introduzirem expressões fortes que aproximem a declaração o mais possível duma declaração fidejussória ou duma garantia autónoma[14], tudo se desenvolvendo, nas palavras de Calvão da Silva, num autêntico «jogo do gato e do rato» ou do «esconde-esconde»[15].    

Desta relação de forças entre sociedade patrocinante/banco, nascem as cartas de conforto, que, tal como sublinha Pinto Monteiro[16], vivem em boa medida da ambiguidade ou da equivocidade na sua redacção, muitas vezes intencional, permitindo a cada uma das partes envolvidas ler nelas a sua vontade[17] e esperar que, em caso de litígio, a ambiguidade reverta a se favor.  

Dito de outro modo e, na expressão de André Navarro de Noronha[18], a específica formulação das cartas de conforto gravita sob dois aspectos – função de garantia e vinculação atenuada - e é a vontade das partes que gradua a ponderação de cada um desses elementos, resultando a medida da vinculação da preponderância atribuído a um em detrimento de outro.

E tudo isto, aliado à circunstância de, em concreto, serem diversas as razões que fundamentam a utilização das cartas de conforto, explica a grande variedade de cartas de conforto, facto que levou a doutrina e a jurisprudência a apresentar diversas tipologias de cartas de conforto.

Cientes de que devemos ter sempre em conta o sentido das declarações concretamente feitas pelos autores das cartas de conforto para podermos apurar o seu valor e a sua eficácia jurídica, adere-se à classificação proposta por grande parte da doutrina[19] e da jurisprudência[20] e que distingue, no que concerne ao seu conteúdo, entre cartas fracas, médias e fortes, sem prejuízo de, no concreto, poderem surgir figuras mistas.

Assim, secundando António Pinto Monteiro[21], diremos que:

«As cartas de conforto fracas apresentam um conteúdo meramente informativo: comportam, nomeadamente declarações da patrocinante relativas ao conhecimento que tem do crédito a conceder à patrocinado, à sua participação social na patrocinada, à situação empresarial desta e à política do grupo em que ambas se inserem[22]».

No dizer de L. Miguel Pestana de Vasconcelos[23]« limitam-se, simplesmente, a incrementar levemente a expectativa do creditante de que a outra parte irá cumprir as suas obrigações, mas de forma bastante ténue».

Segundo o Acórdão do STJ, de 05.05.2016 (revista nº 3798/13. 2TBBRG.G2.S1), nelas há uma concessão de informações e um dever genérico de diligência.

E porque assim é, a sua subscrição «pode gerar responsabilidade para o emitente - nos termos do art. 485º do C. Civ., no caso de não serem fidedignas as informações delas constantes; nos casos de culpa in contrahendo (art. 227º C Civ.) ou de ser identificado um venire contra factum proprium (art. 334º C Civ)[24]» 

Nas cartas de conforto médias, para além do conteúdo informativo, que nalguns casos pode até nem existir, «o elemento característico é a vinculação da patrocinante a actuações instrumentais dotadas de incidência na patrocinada, v.g. de acompanhamento ou vigilância, de refinanciamento, de angariação de clientes, de influência ou empenho, de manutenção da participação social», respondendo o patrocinante «pelo não cumprimento dos seus deveres instrumentais, assumidos no propósito de acautelar a posição do credor»[25].

Tratam-se, na expressão de L. Miguel Pestana de Vasconcelos[26], de “garantias em sentido amplo”, na medida em que a expectativa do credor de cumprimento por parte da creditada «é certamente maior do que se existisse somente uma carta de conforto fraca, dadas as obrigações assumidas pela patrocinante»

Ou, segundo Menezes Cordeiro[27], de “ garantias impróprias”, porque não se traduzem num acréscimo da massa patrimonial posta ao serviço do credor.

Por sua vez, «nas cartas de conforto fortes o patrocinante assegura à outra parte que a obrigação da patrocinada será cumprida[28], comprometendo-se a cumprir ele próprio, caso o devedor não o faça, ou a indemnizar o banco pelos prejuízos sofridos»[29], caso em que estamos  perante uma verdadeira garantia pessoal  no sentido estrito do termo, embora atípica[30]

Daí afirmar-se que o subscritor de uma carta de conforto forte garante um resultado, ou seja, o pagamento por parte do patrocinado[31], defendendo André Navarro de Noronha[32] que «a emitente, em caso de necessidade, deve providenciar, directa ou indirectamente, quanto ao cumprimento junto do credor».

Tal como escreve Pinto Monteiro, no seu ilustre parecer, estaremos aqui «perante declarações com um conteúdo funcionalmente correspondente ao de uma promessa de facto de terceiro, o que torna o emitente responsável perante o beneficiário pela não verificação do facto garantido».    



*


4.2.2. É, pois, neste quadro que importa analisar o conteúdo da denominada “Declaração de Compromisso”, junta a fls. 674 v a 681, datada de 30 de Novembro de 2012 e subscrita pelos réus, com vista a determinar se a mesma configura uma carta de conforto e, em caso afirmativo, a definir a sua modalidade e regime, o que nos coloca perante a necessidade de interpretar os termos da referida declaração, segundo a doutrina da impressão do destinatário razoável consagrada no art. 236º do C. Civil[33].

Posto que no caso dos autos, é pacífica a qualificação da referida Declaração de compromisso como carta de conforto, centraremos a nossa análise na determinação do sentido a extrair dos respetivos termos, ou seja, da efetiva vontade comum dos patrocinantes e patrocinada, para o que urge atender ao teor literal da mencionada carta, ao contexto em que foi emitida, aos interesses em jogo e à finalidade prosseguida[34].

Nesta conformidade, temos por certo que o significado e alcance da vinculação assumida pelo subscritores da Declaração de Compromisso, junta a fls. 674 v a 681, hão-de ser aferidos em função da articulação funcional dos três negócios celebrados em simultâneo, no dia 30 de Novembro de 2012, ou seja, do denominado “Contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial”, celebrado entre a II, S.C.R., S.A. e o HH - Banco HH, S.A., que tinha por objectivo conceder à II um financiamento (factos dados como provados sob os nºs 16 a 18); da Declaração de Compromisso, subscrita pelos réus e entregue à autora em 30 de Novembro de 2012, sem a qual não teria sido celebrado o contrato de financiamento de 30 de Novembro de 2012 e não teria a autora tomado o papel comercial (factos dados como provados sob os nºs 27, 28, 29 e 30) e da Deliberação de Aumento de Capital, cujo teor foi negociado entre a II e a autora durante o mês de Novembro de 2012 (factos dados como provados sob os nºs 51 a 57), da qual resulta claro que a II necessitava de um financiamento intercalar destinado a fazer face aos encargos de tesouraria até que lograsse vender a participação social que detinha na LLL Capital Limited e que essa liquidez foi-lhe facultada através do Contrato de Financiamento, tendo a BB - INVENTIMENTOS FINANCEIROS, S.A.; COMPANHIA DE SEGUROS CC, S.A.; DD GLOBAL INVESTORS, SGPS, S.A.; EE, SGPS, S.A.; FUNDO DE CAPITAL DE RISCO GRUPO FF S.A. e GG, na qualidade de acionistas da sociedade II, SCR, S.A., titulares e representantes, respetivamente, de participações representativas de 32,59% (titular de 3,68% e representante de 28,91%), de 3,12% de 25,38%, de 0,64%, de 17,17% e de 0,20% do capital social, declarado, através da Declaração de Compromisso junta a fls. a fls. 674 v a 681 que:

« cientes do financiamento que a referida sociedade vai contrair junto do HH – Banco HH, SA, com sede na Avenida …, n.º1…2, …, Lisboa, sob a forma de contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial no montante de 8.500.000,00 Euros, de apoio à tesouraria, vêm pela presente assumir formalmente e sem quaisquer reservas, perante o HH, o compromisso de procederem à subscrição e realização do aumento do capital social da II, SCR, S.A., no montante de 9.000.000,00 Euros até à totalidade das percentagens do capital detidas pelos acionistas signatários desta Declaração.

Este compromisso será suportado na percentagem da participação que cada um dos atrás referidos acionistas detém no capital social da II, SCR, S.A. com exceção da BB – Investimentos Financeiros S.A., cujo compromisso de subscrição e realização abrange os direitos e obrigações de subscrição, além da quota-parte que lhe corresponderá, também dos acionistas, KK Capital Infrastrucutre Fund, Banco KK, S.A.., KK - Banco de Investimento, S.A., LL, MM e KK Holdings Ltd, titulares, respetivamente, de 16,20%, de 6,90%, de 1,48%, de 3,12% e 1,21% do capital social, afetando tal montante ao pagamento do financiamento acima referido, na eventualidade de o mesmo não ser integralmente liquidado, por qualquer outra forma, no prazo de um ano a contar da sua celebração


Quanto ao sentido a dar a esta declaração, o acórdão recorrido, adotando a tipologia das cartas de conforto proposta por André Navarro de Noronha[35], que distingue entre declarações de conhecimento simples ou com aprovação; declarações de participação e declarações de “policy”; declarações de solvência e declarações de garantia e pagamento, e entendendo que só nestes dois últimos grupos «estão em causa as designadas cartas “fortes” ou de garantia, correspondendo o 1º e 2º grupos, respectivamente, às cartas de conforto fracas e médias, concluiu que:

- no 1º§ ( cientes  (…), de apoio à tesouraria), continha  uma declaração de conhecimento com aprovação;

- do 3º § ( Este compromisso (…) do capital social) infere-se  uma  declaração de participação;

- nos 2 § ( vêm pela  a presente assumir  (…) desta Declaração) e 4§ (afetando tal montante (…) da sua celebração), estamos perante uma Declaração de Solvência, comprometendo-se as patrocinantes (as rés) a manter a patrocinada (a sociedade II, de que aquelas são accionistas) numa situação de solvência, através do aumento de capital social, nos termos a que as rés se vincularam a realizar.

E, justificando esta última afirmação, escreveu: «Com efeito, nestes 2º e 4º §§,  as rés não assumem tão somente uma mera obrigação de meios, assim sucedendo se apenas se tivessem vinculado a envidar todos os esforços no sentido de fazer com que a entidade patrocinada (sociedade II) cumprisse a sua dívida perante o banco autor. Mas, as rés vão mais longe, assumindo uma verdadeira obrigação de resultado, ao assegurar, ao cabo e ao resto, que a patrocinada saldaria o financiamento concedido pela autora, através do aumento de capital a que elas se vincularam, mediante a emissão de acções preferenciais remíveis, nos termos aí consagrados.

E, essa emissão de acções tinha, justamente, em vista o pagamento do financiamento à autora, não sendo razoável ou expectável que um declaratário normal, colocado na posição do banco Autor, entendesse de outra forma o respectivo teor da Declaração de Compromisso, conjuntamente com o deliberado na Assembleia Geral da sociedade II.

(…) pelo que se concorda com a sentença recorrida quando nela se afirma que: (…) Os réus obrigaram-se a uma obrigação de facere e de resultado, visando um cumprimento mediato pelas emitentes da declaração/réus perante a autora.

Aliás, a assembleia geral da sociedade II, tendo em consideração a Declaração de Compromisso, discutiu, deliberou e aprovou, com o voto favorável de todos os accionistas, excepto o do Instituto de Estabilização Financeira da  Segurança Social, que votou contra, a proposta da aumento de capital social e os termos em que o mesmo se realizaria, ficando expresso que tal aumento de capital tinha por finalidade o pagamento do financiamento obtido junto da autora, então Banco HH – v. Nºs 51 a 56 da Fundamentação de Facto.»


Diversamente, defende a ré recorrente que a decisão recorrida está em contradição com a orientação seguida no Acórdão do STJ de 18.03.2003 (revista nº 888/02), no sentido de que na ausência de declaração expressa de promessa de pagamento pelo patrocinante em caso de incumprimento do devedor, o que deve presumir-se é que as partes não quiseram contratar uma obrigação de resultado.

Mais argumenta, apoiada no douto parecer junto a fls. 1993 a 2082, que as rés comprometeram-se nos estritos termos literais da declaração de compromisso, ou seja, vincularam-se a subscrever um aumento de capital da II, mas não se comprometeram, em momento algum, a pagar à recorrida em caso de eventual incumprimento por parte da II, tanto mais que o que está provado nos pontos 31 a 36, 55, al. c), 56 e 57, é que a recorrida negociou os termos da declaração de compromisso e da deliberação que aprovou o aumento de capital com a própria II (e não com os réus), bem sabendo que a concretização do aumento de capital ficava dependente de decisão do Conselho de Administração da II.

Que dizer?


Desde logo, que a situação litigiosa dos autos não encontra paralelismo direto com as situações julgadas no Acórdão do STJ, de 18.03.2003 (revista nº 888/02) nem no Acórdão do Tribunal da Relação de …, de 05.12.2013 (processo nº 245/13.3TVLSB.L1-6) dada a diversidade das declarações contidas nas  cartas de conforto analisadas num e noutro processo.

Depois que, não obstante o enorme respeito pela sabedoria do ilustre autor do parecer, junto a fls. 1993 a 2082 e que serve de suporte à tese sustentada pela ré, não subscrevemos a posição nele defendida de que, atento o teor da carta de conforto emitida pelas rés, estas assumiram «uma (e só uma) obrigação precisa e concreta: a de proceder à subscrição e realização do aumento de capital dentro de um quadro cuidadosamente traçado, i. e., caso a patrocinante não liquidasse o financiamento concedido no prazo de um ano a contar da sua celebração. Ou seja, (…), tão só, a uma actuação instrumental[36]em face do resultado (o pagamento pela II até ao termo do prazo) pretendido pelo Banco BIC, e de modo algum se vinculam a conseguir esse resultado (assegurar o pagamento pela II ao Banco AA)».[37]   

Do mesmo modo não subscrevemos a afirmação de que «estamos perante uma promessa de facto próprio», na medida em que «as patrocinantes não prometem que a II cumprirá, mas sim que agirão no âmbito desta sociedade, através do aumento de capital a realizar nos termos previstos, para que fique em condições de cumprir as suas obrigações perante o Banco AA»[38].

É que, com o devido respeito, afigura-se-nos que o parecer “irreleva” o segmento final do texto da Declaração de Compromisso, no qual as rés, na qualidade de acionistas da II, declaram, expressamente, que o aumento de capital será afetado «ao pagamento do financiamento acima referido, na eventualidade de o mesmo não ser integralmente liquidado, por qualquer outra forma, no prazo de um ano a contar da sua celebração».

Ora, interpretando estas declarações negociais à luz do disposto no art. 236º, nº 1 do C. Civil, diremos que as mesmas apontam claramente no sentido de que as rés com esta missiva pretenderam garantir o cumprimento da obrigação que recaia sobre a II de pagamento do financiamento, estabelecendo até uma data limite para a sua liquidação, ou seja, o «prazo de um ano a contar da sua celebração», não sendo razoável ou expectável que um declaratário normal (um normal banco), colocado na posição da ora autora, as entendesse de outra forma, tanto mais que provado ficou, por um lado, ser do conhecimento da autora que, em 30.11.2012, a II encontrava-se numa situação económica difícil, correndo o risco de rutura de tesouraria e/ou desvalorização de activos, situação esta que justificava o pedido de financiamento (factos nº 35), e de que a autora não era nem a única nem a principal entidade credora da II (factos nº 36).

E, por outro lado, que a autora não tinha informações negativas relativamente a nenhuma das rés, quer no que respeita à honestidade dos seus comportamentos, quer em relação à sua solvabilidade (factos nº 49), sendo que a generalidade das rés integram grandes grupos empresarias nacionais (factos nºs 37 a 48), alguns dos quais sujeitos a regulação por Autoridades Públicas (factos nº 50).

Acresce resultar claro dos factos provados nºs 29 a 33 que a autora, ao negociar com a II o “Contrato de organização, montagem, registo e colocação de emissão particular de papel comercial”, não só manifestou a sua vontade de apenas celebrar este contrato se as rés garantissem o cumprimento por parte da II, como apenas aceitou celebrar este contrato porque as rés aceitaram prestar as garantias constantes da “Declaração de Compromisso”, facto que era do conhecimento das rés.            

Daí que, a nosso ver, a referida “Declaração de compromisso”, se apresente como uma carta de conforto forte que garante ou assegura um resultado - o pagamento por parte do patrocinado.

E se seguirmos a classificação das cartas de conforto adotada no acórdão recorrido, dir-se-á que, em nosso entender, esta carta de conforto, não é uma mera “declaração de solvência”, tal como considerou a Relação, antes se aproximando mais de uma “declaração de garantia ou de pagamento”, na medida em que as patrocinantes não se limitam a assumir o compromisso de, através do aumento de capital a realizar nos termos previstos, permitir à beneficiária obter o cumprimento da obrigação consigo assumida pela patrocinada. Mais do que isso, asseguram à beneficiária da carta que, no caso de não se verificar o cumprimento pela patrocinada, a obrigação de pagamento vai ser cumprida através do aumento do capital social da patrocinada, para a mesma destinar essas entradas monetárias ao pagamento do financiamento em causa.

Na verdade, declarando os sócios em causa que o aumento de capital serviria para liquidar o financiamento, se este não fosse pago directamente pela sociedade, no dizer de André Navarro de Noronha[39], estamos aqui perante declarações com um «conteúdo funcionalmente correspondente ao de uma promessa de facto de terceiro que, a não verificar-se, torna o emitente responsável perante o beneficiário pela não verificação do facto garantido».



*



4.2.3. Classificada a “Declaração de compromisso” como sendo uma carta de conforto forte, ou uma declaração de garantia ou de pagamento vejamos, agora, se, nas concretas circunstâncias do caso, os seus subscritores, designadamente a ré recorrente, podem ser responsabilizados pelo não pagamento da dívida da II para com o BANCO AA, o que nos remete para a questão de saber se houve, ou não, incumprimento por parte da rés e/ou incumprimento definitivo por impossibilidade superveniente da prestação.


A este respeito, começa-se por afirmar, no acórdão recorrido, que, não tendo a II liquidado à autora o financiamento na data do seu vencimento – 30.11.2013 - nem tendo as rés subscrito o aumento de capital deliberado pela assembleia geral da II em 30 de Novembro de 2012 (conforme resulta dos factos dados como provados sob os nºs 64 e 71), incorreram as mesmas, a partir daquela data, em incumprimento.


Contrariamente, sustenta a recorrente que as rés nunca entraram em mora posto que está provado (factos 61 e 62) que o Conselho de Administração da II nunca as interpelou para a realização do aumento de capital nem fixou data para o efeito, sendo certo que este era o único órgão social competente para decidir sobre a fixação da data para realização do aumento de capital, que a obrigação de subscrição do aumento de capital não tinha prazo certo e que o aumento de capital, nos termos da Deliberação de Aumento de Capital, ficava dependente da evolução da situação financeira da II, o que era do conhecimento da autora recorrida, conforme resulta da factualidade dada como provada sob os nºs 31 a 36, 55, al. c), 56 e 57.  

E tudo isto, no dizer do parecer junto a fls. 1993 a 2082, permitiria concluir, por um lado, que «a Deliberação de Aumento de Capital ficou, nos próprios termos em que foi aprovada, sujeita a uma condição suspensiva», pois caberia ao Conselho de Administração da II, no caso de surgirem dificuldades ou demoras na venda pela II da sua participação social na LLL Capital Limited, «levar a cabo uma apreciação da situação complexa – com destaque para o estado da tesouraria da II e para a proximidade do prazo de vencimento do financiamento (que ocorreria um ano depois da data em que haviam sido celebrados os três negócios  (…) i. e., a 29 de Novembro de 2013 – e tomar a decisão de emitir o aviso para o exercício do direito de subscrição» de ações preferenciais remíveis[40].

E, por outro lado, que « ultrapassado o dia 29 de Novembro de 2013 sem a emissão do aviso para o exercício do direito de subscrição, deve ter-se por definitivamente não verificada a condição suspensiva a que a Deliberação de Aumento de Capital estava subordinada, com a consequente ineficácia absoluta desta Deliberação: não mais poderá ter lugar aquele aumento de capital»[41].

Ora, salvo sempre o devido respeito, não perfilhamos esta tese.

Desde logo porque, mesmo que a Deliberação de Aumento de Capital seja um dos negócios que deve servir como elemento interpretativo da carta de conforto em causa, este facto bem como a circunstância da mesma ser do conhecimento da autora, por a II ter negociado com ela o respetivo teor (factos provados nºs 57), por si só, não justificam que a condição nela contida - no sentido da obrigação assumida pelas rés através da carta de conforto em causa ficar dependente da apreciação pelo Conselho de Administração da II da situação complexa da II e da decisão de emitir o aviso para o exercício do direito de subscrição das ações preferenciais remíveis com vista ao aumento do capital social da II - , seja oponível à autora, pois tal deliberação nem sequer lhe é destinada.  

E muito menos implicam a estipulação de qualquer condição resolutiva no sentido da obrigação assumida pelas rés, através da carta de conforto em causa, se extinguir no caso do Conselho de Administração da II não fixar data para realização do aumento de capital.  

Por outro lado e contrariamente ao afirmado pela ré recorrente, não se vê que a obrigação de subscrição do aumento de capital, a que as rés estavam vinculadas, não tenha prazo certo.

É que, não obstante não se ter fixado uma data precisa para o cumprimento desta obrigação, a verdade é que, tal como se afirma no acórdão recorrido, estava a mesma balizada pelo prazo de vencimento do financiamento.

Com efeito, na Declaração de compromisso, estipula-se, expressamente, que o aumento do capital social da II realizado através da subscrição pelos respetivos patrocinantes de ações preferenciais remíveis[42] será afetado «ao pagamento do financiamento acima referido, na eventualidade de o mesmo não ser integralmente liquidado, por qualquer outra forma, no prazo de um ano a contar da sua celebração», o que, no fundo, equivale à estipulação de um prazo máximo para a realização da obrigação de subscrição do aumento de capital que, no caso, era de um ano a contar da data da celebração do contrato de financiamento, ou seja, de 29 de novembro de 2012 a 29 de novembro de 2013.

Daí entender-se estarmos perante a estipulação de uma obrigação a prazo ou termo certo, na medida em que se conhecem, de antemão e com rigor, quer o facto apto a desencadear a contagem do prazo, quer o termo do prazo[43], pelo que o vencimento da obrigação de subscrição do aumento de capital ocorreu, automaticamente, em 30.11. 2013 (cfr. art. 805º, nº 2, al. a) do C. Civil).

De salientar que se é certo resultar da factualidade dada como provada ter a administração da II, posteriormente a esta data, encetado negociações com a autora com vista a uma prorrogação da operação de financiamento até 30.05.2014 (factos nºs 65 e 66), certo é também ter ficado provado que durante estas negociações, a autora sempre informou a II que, caso não se chegasse a acordo, iria exigir o pagamento ou a compensação pela sua falta à II e às rés (factos nº 67), o que fez, através das cartas aludidas nos factos provados nºs 69 e a 77.

E nem se diga, como o faz a recorrente, que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada uma vez que o Conselho de Administração, não tomou, como lhe competia, a decisão de fixar data para a realização do aumento de capital.

É que, não obstante reconhecer-se a competência exclusiva do Conselho de Administração da II para decidir sobre a fixação da data para realização do aumento de capital, certo é também que, tendo a recorrente, juntamente com as demais rés patrocinantes, através da carta de conforto em causa, garantido à autora o pagamento do financiamento, no caso de incumprimento por parte da patrocinada, verificado este incumprimento (cfr. factos nºs 64 e 71) e em nome da boa fé na execução dos contrato, tinha a recorrente o dever de providenciar, directa ou indirectamente, pelo cumprimento da obrigação, nada a impedindo de realizar o capital social antes da chamada (caso de antecipação do cumprimento da obrigação) ou até de proceder ao pagamento, directamente à autora/beneficiária, da quantia a que se vinculara nos termos da referida carta[44].

Do mesmo modo, não colhe o argumento avançado pela recorrente no sentido de que o Conselho de Administração tomou a decisão de não fixar a data para a realização do aumento de capital, uma vez que a II encontrava-se numa situação de incumprimento generalizado das suas obrigações, impondo-se, por isso, observar o princípio par conditio creditorum ou princípio da igualdade dos credores subjacente ao regime das insolvências.

E muito menos colhe o argumento de que não foram as rés que impossibilitaram o cumprimento da obrigação, tendo o incumprimento desta resultado, num primeiro momento, da decisão do Conselho de Administração da II de requer a instauração do PER e, finalmente, da declaração de insolvência da II.

Isto porque a obrigação de resultado a que a recorrente se obrigou nos termos da carta de conforto venceu-se em data anterior à instauração do PER (ocorrida em 10.01.2014) e, consequentemente, à declaração da insolvência da II (decretada por sentença de 05.08.2015 e transitada em julgado em 27.08.2015).

Tudo isto a significar que o incumprimento por parte da recorrente da obrigação por ela assumida na Declaração de Compromisso objecto do presente litígio, não poderá deixar de ser tido como culposo, face à presunção de culpa decorrente do art. 799º do C. Civil, que a recorrente não logrou ilidir, sobre ela recaindo a obrigação de indemnizar a autora pelo não pagamento da dívida da II, S.C.R., S.A..


Improcedem, por isso, todas as conclusões da recorrente.



***


III – Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista, confirmando-se o acórdão recorrido ainda que com base em fundamentação não inteiramente coincidente.

As custas do presente recurso ficam a cargo da recorrente.


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Supremo Tribunal de Justiça, 8 de fevereiro de 2018

(Texto elaborado e revisto pela Juíza relatora).


Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

João Luís Marques Bernardo

___________


[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente.
[2] Cfr, ainda Pinto Monteiro/Júlio Gomes, in, “Sobre as Cartas de Conforto na Concessão de Crédito, AB VNO AD OMNES- 75 anos da Coimbra Editora”, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pág. 423. 
[3] In, “ Tratado de Direito Civil”, Vol. X, Almedina, 2015, págs 575 e segs.
[4] In, “ Direito das garantias”, 2ª ed. Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2015,  pág. 145.
[5] In, “ Garantia das Obrigações”, 4ª ed., Almedina, Coimbra, 2012, págs. 133 e 134.
[6] “ Cartas de conforto”, in, Estudos de direito comercial (pareceres), Almedina, Coimbra, 1996, pág. 369.
[7] In “ Das cartas de conforto  no direito bancário”, Lex, Lisboa, 1993, págs. 18 e segs.
[8] Neste sentido, Arnaldo Borges Neto, in, RIDB, Ano 3 (2014), nº10, págs. 7639 e 7646, in, http://www.idb-fdul.cm/ISSN:2182-7567.
[9] Cfr. Menezes Cordeiro, in, “Manual de Direito Bancário”, pág. 773.
[10] A nível da doutrina nacional, cfr. Menezes Cordeiro in, “ Das cartas de conforto no direito bancário”, Lisboa, Lex Edições Jurídicas, 1993, pág. 63; Pinto Monteiro/Júlio Gomes, in, “Sobre as Cartas de Conforto na Concessão de Crédito, AB VNO AD OMNES- 75 anos da Coimbra Editora”, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, págs. 439 a 441; Calvão da Silva,  “Cartas de Conforto”, in Estudos de Direito Comercial ( pareceres), Coimbra, Almedina 1999, pág. 375; Carneiro da Frada, in, “ contrato e deveres de protecção”, 1994, págs. 274 e segs.
[11] Neste sentido, Menezes Cordeiro in, obra citada, pág. 64;  Calvão da Silva, in “Cartas de Conforto”, pág. 376 ( segundo o qual trata-se de uma probatio diabólica, pois o patronus terá de demonstrar que era comum ao destinatário a intenção, ou o conhecimento, de subtrair  a carta à esfera normal e natural da juridicidade) e João Vasconcelos  Barros Rodrigues, in, dissertação de mestrado “A Juridicidade das Cartas de Conforto”, Porto, 2012, pág. 11, acessível in http://repositorio.ucp.pt/.
[12] Cfr. Menezes Leitão, in, “Garantias das Obrigações”, 4ª ed., Almedina, 2012, pág. 136; L. Miguel Pestana de Vasconcelos, in, “ Direito das garantias”, 2ª ed. Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2015,  pág. 150.
[13] Cfr. Menezes Cordeiro, in, “Das cartas de conforto”, págs. 21 e segs; Calvão da Silva, in, “ Cartas de Conforto”, in Estudos de Direito Comercial (pareceres), Coimbra, Almedina 1999, págs. 373 e 374 e “Direito Bancário”, pág. 396
[14] Cfr. Januário Gomes, in, “Assunção fidejussória de dívida. Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador”, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 407 e 408.
[15] Cfr. “ Cartas de Conforto”, in Estudos de Direito Comercial (pareceres), Coimbra, Almedina 1999, págs. 373 e 374.
[16] No citado parecer e in “ Sobre as Cartas de Conforto na Concessão de Crédito, AB VNO AD OMNES- 75 anos da Coimbra Editora”, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pág. 416 e 438. 
[17] Neste sentido Calvão da Silva in, “ Cartas de Conforto”, in Estudos de Direito Comercial (pareceres), Coimbra, Almedina 1999, págs. 373 e 374 e, in, “ Direito bancário”, pág. 396.

[18] In, “ Cartas de Conforto”, Coimbra Editora 2005, págs. 25 a 27.
[19] Cfr. L. Miguel Pestana de Vasconcelos, in “Direito das garantias”, cit., págs. 151 e 152; Menezes Cordeiro, in, “ Tratado de Direito Civil Português, tomo X, Almedina, 2015, pág. 583; Pinto Monteiro/Júlio Gomes, in, “Sobre as Cartas de Conforto na Concessão de Crédito, AB VNO AD OMNES- 75 anos da Coimbra Editora”, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, págs.443 a 450.
Há, todavia, autores que estabelecem apenas a dicotomia entre cartas de conforto fracas e cartas de conforto fortes. Cfr. Romano Martinez/Fuzeta da Ponte, in, “ Garantias de cumprimento”, 5ª ed., Almedina, Coimbra 2006, págs. 162 a 163; Menezes Leitão, in, “Garantias das Obrigações”, 4ª ed., Almedina, 2012, pág. 137 e Januário Gomes, in, “Assunção fidejussória de dívida. Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador”, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 412.
[20] Designadamente nos Acórdãos do STJ, de 05.05.2016 (revista nº 3798/13. 2TBBRG.G2.S1), de 07.12.2005 (revista nº 3558/05) e de 18.03.2003 (revista nº57/03); do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09.06.2016 e de 05.12.2013 e do Tribunal da Relação do Porto, de 05.12.2013, todos publicados in www dgsi.pt.
[21] In, parecer junto aos autos.
[22] No mesmo sentido, L. Miguel Pestana de Vasconcelos, in “Direito das garantias”, cit., págs. 151 e 152; Romano Martinez/Fuzeta da Ponte, in, “ Garantias de cumprimento”, 5ª ed., Almedina, Coimbra 2006, pág. 161; Menezes Cordeiro, in, “ Tratado de Direito Civil Português, tomo X, Almedina, 2015, pág. 583; Menezes Leitão, in, “Garantias das Obrigações”, 4ª ed., Almedina, 2012, pág. 137; Januário Gomes, in, “Assunção fidejussória de dívida. Sobre o sentido e o âmbito da vinculação como fiador”, Almedina, Coimbra, 2000, págs. 411 e 412; Pinto Monteiro/Júlio Gomes, in, “Sobre as Cartas de Conforto na Concessão de Crédito, AB VNO AD OMNES- 75 anos da Coimbra Editora”, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, págs.443 a 450.
[23] In “Direito das garantias”, cit., pág.154.
[24] Cfr. Pinto Monteiro, in, parecer junto aos autos.
[25] Cfr. Pinto Monteiro, in, parecer junto aos autos
[26] In “Direito das garantias”, cit., pág.1545
[27] In, “ Tratado de Direito Civil Português, tomo X, Almedina, 2015, pág. 592.
[28] Cfr. L. Miguel Pestana de Vasconcelos, in “Direito das garantias”, cit., págs. 155 e 156.
[29] Cfr. Pinto Monteiro/Júlio Gomes, in, “Sobre as Cartas de Conforto na Concessão de Crédito, AB VNO AD OMNES- 75 anos da Coimbra Editora”, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pág.461.
[30] Cfr. L. Miguel Pestana de Vasconcelos, in “Direito das garantias”, cit., págs. 156 e 157 e Menezes Cordeiro, in, “ Tratado de Direito Civil Português, tomo X, Almedina, 2015, págs. 584, 586, 597 e 590.
[31] No mesmo sentido, L. Miguel Pestana de Vasconcelos, in “Direito das garantias”, cit., pág. 156 e Romano Martinez/Fuzeta da Ponte, in, “ Garantias de cumprimento”, 5ª ed., Almedina, Coimbra 2006, pág. 162.
[32] Que, segundo a tipologia por ele adotada, correspondem a declarações de garantia e pagamento. Cfr.  “ Cartas de Conforto”, Coimbra Editora 2005, pág.53.
[33] Cfr. Manuel de Andrade, in, “”Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, 1972, pág. 305; Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, págs. 444 e segs e Vaz Serra, in RLJ, ano 111º, pág. 220. A nível da jurisprudência, cfr., entre muitos outros, o Acórdão do STJ, de 02.10.2014 ( proc. nº 319/04.1TCSNT-A.L1.S1), publicado in www dgsi, pt.
[34] Neste sentido, Calvão da Silva, in obra citada, pág. 379.
[35] Cfr. obra cit. , págs. 29 a 53.
[36] Do tipo das que, na perspectiva de Menezes Cordeiro, in, Tratado de Direito Civil Português”, tomo X, cit, pág. 583, caracterizam as cartas de conforto médias.
[37] Cfr. fls. 29 do cit. Parecer.
[38] Cfr. fls. 31 do referido parecer.
[39] In “Cartas de Conforto”, cit., pág. 54.
[40] Cfr. fls.  42 do referido parecer.
[41] Cfr. fls. 49 e  56 do referido parecer.
[42] Tratam-se de ações dotadas de um ou mais privilégios patrimoniais com a especificidade de serem de antemão emitidas para posteriormente serem remidas pela sociedade ao fim de um determinado período, em conformidade com as condições estatutariamente previstas, sem prejuízo das regras impostas pelo art. 345º do CSC. Com a remição, as acções extinguem-se, sendo devida uma contrapartida aos respectivos titulares, sem importar a redução do capital. São, assim, expressão de uma participação temporária, caracterizada por um enfraquecimento do vínculo associativo e por um fortalecimento da vertente do crédito. Mais do que títulos de participação, constituem títulos de investimento ou de financiamento acionário. Cfr. “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, de Alexandre Mota pinto e outros, Vol. V, págs. 719 a 721.
[43] Neste sentido, cfr. Vaz Serra, citado por Pires de Lima e Antunes Varela, em comentário ao artigo 805º do Código Civil, in, “ Código Civil, anotado”, Vol. II, 3ª ed. Coimbra, 1986, págs. 64 e 65 e Pessoa Jorge, n, “ Lições de Direito das Obrigações”, Lisboa 1975/1976, edição policopiada, pág. 294. 
[44] Neste sentido, André Navarro de Noronha, in “Cartas de Conforto”, obra cit., pág. 54.