Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2782/10.2TXPRT-G.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: HABEAS CORPUS
FUNDAMENTOS
MEDIDA DE SEGURANÇA
INTERNAMENTO
PRORROGAÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 03/16/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O direito a não ser detido, preso ou total ou parcialmente privado da liberdade não é um direito absoluto.

II - Comporta as restrições previstas na CRP, entre as quais se inclui a privação da liberdade decretada em sentença judicial que aplica medida de segurança de internamento.

III - Ademais do facto ilícito típico grave, a aplicação da medida de segurança de internamento de inimputável só colhe justificação na sua perigosidade de reiterar na prática de factos constitutivos do mesmo tipologia de crimes.

IV - A duração concreta do internamento depende exclusivamente de se terem alcançado as finalidades de socialização, mas também de segurança prosseguidas pela aplicação dessa medida de segurança.

V - Se o inimputável permanece criminalmente perigoso, seria incompreensível fazer cessar a medida de segurança quando medicamente se tem a certeza de que no próprio dia ou nos que imediatamente se lhe seguem irá perpetrar factos ilícitos criminais do mesmo tipo.

VI - O art. 30.º n.º 2 da CRP admite prorrogações sucessivas e tendencialmente ilimitadas de modo a permitir salvaguardar as finalidades preventivas especiais da medida de segurança de internamento de inimputável perigoso no momento em que judicial ou legalmente deveria ser restituído à liberdade.

VII - Estando o Requerente internado, presentemente, em clínica psiquiátrica afeta a estabelecimento prisional do Estado, prorrogado por decisão judicial proferida há menos de um ano, em execução de medida de segurança, decretada pela prática de factos pelos quais a lei a admite, conclui-se que não se encontra em situação de privação ilegal da liberdade ambulatória, inexistindo abuso de poder.

Decisão Texto Integral:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, acorda: --------

I. RELATÓRIO:

1. a petição:

O arguido: ---------------------

 - AA, de 54 anos e os demais sinais dos autos, --recluso no Estabelecimento Prisional ..., em cumprimento de medida de segurança de internamento à ordem do processo comum coletivo NUIPC 88/02.... do Juízo Central Criminal ... -- Juiz ..., apresentou, através do seu Defensor, a vertente providência de habeas corpus, invocando o disposto nos artigos 222°, n° 2, do Código Processo Penal.

Para tanto argumenta: ------------------------------

1. O aqui peticionante é recluso no Estabelecimento Prisional ... em ... ao abrigo de uma medida de internamento. (Lei 115/2009)

2. Do seu cadastro "nada consta (…)" (Vide doc. 1. em anexo)

3. Do seu registo de nascimento não se encontra averbada interdição ou inabilitação. (Vide doc. 2. em anexo)

4. Para todos os efeitos legais é um cidadão comum, como se costuma dizer "puro e sem mácula".

5. Não se encontrando referência em tal documento a decisões de tribunais portugueses que apliquem medidas de segurança de internamento ou da (in)imputabilidade do requerente.

6. Gozando de todos os direitos civis, descritos na CRP. nomeadamente o direito à liberdade nos termos do artigo 27 daquele diploma fundamental.

Contudo.

7. à luz da "justiça" o peticionante é um individuo perigoso e encontra-se a cumprir uma (segunda) medida de segurança de internamento no Estabelecimento Prisional ..., desde o ano de 2004.

8. Sendo que [o] último ato, ilícito criminal, foi praticado no âmbito de uma das suas avaliações psiquiátricas no Hospital ... no ano de 2005 que lhe determinou uma medida de segurança e internamento, no mínimo de 3 anos e máximo de 13 anos.

9. Medida que se iniciou em 9 de Fevereiro de 2005 e terminou, no seu máximo em 2018.

10. O que leva a concluir que a perigosidade se revelou no âmbito e vivência do estabelecimento prisional, não na sociedade civil enquanto homem livre no ano de 2002 a 2005, ou seja à mais de quinze anos.

11. Segundo o relatório de internamento o último ato ilícito que praticou remonta a 27 de Abril de 2005, já no cumprimento de uma medida de segurança, de 4 meses e 15 dias.

12. A situação de internado foi apreciada em 2007, 2010, 2014, 2016 e 2019, sem concessão de LPP. ou cessação de MSI.

Assim deparamo-nos com duas situações a analisar:

A – encontra-se recluso [h]à mais de 20 anos num estabelecimento prisional em cumprimento de duas medidas de segurança e internamento, tendo sido ultrapassada a medida de internamento máxima.

B - oficiosamente não se ter procedido à revisão das medidas de segurança.

A.  Os limites de duração das medidas de segurança privativas de liberdade não estão fixados na lei. Isto acontece porque o legislador entendeu que, cada caso, deverá ser apreciado de forma independente, entendendo que se deve fazer uma apreciação abstrata da anomalia psíquica para compreender que medida se adequará melhor em cada situação. Porém, existem exceções.

Relativamente aos limites máximos, o internamento findará quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, deixando de haver sentido prático e útil o internamento do paciente (Art.º 92º/1). Por outro lado, o n.º 2 do artigo 92.° do CP., prevê que "o internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime cometido pelo inimputável". Todavia, esse prazo pode ser alvo de prorrogação, por períodos sucessivos de 2 anos até se verificar que o estado de perigosidade criminal se extinguiu.

Essa prorrogação sucessiva poderá originar situações de internamento perpétuas como in casu, o que irá expressamente contra o consagrado constitucionalmente no artigo 30.1 da CRP, que proíbe a prisão com caráter perpétuo.

O requerente é recluso desde 2002, ou seja à 20 anos consecutivos, muitos anos sem uma revisão, sem saídas jurisdicionais, sem concessão de LPP. ou cessação de MSI. Encontra-se a cumprir uma medida de segurança e internamento com máximo de 13 anos, tendo terminado o seu cumprimento no ano de 2018.

O legislador fixou, como regra, um prazo máximo de internamento, findo o qual o internado tem de ser posto em liberdade tenha ou não cessado o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem, e isto em obediência ao princípio constitucional consignado no artigo 32° da Constituição da República Portuguesa.

Pergunta-se qual o prazo máximo do internamento?

Segundo o n. 2 do artigo 92 do Código Penal corresponde ao limite máximo da pena correspondente ao tipo de crime cometido pelo inimputável. Ora o recluso requerente cometeu um ilícito criminal no ano de 2005, tendo-lhe sido aplicada uma medida de segurança mínima entre 3 anos e máxima de 13 anos, por isso que o internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao crime cometido pelo inimputável, ou seja, o prazo de treze anos.

Cito,

I - Sendo o internamento de inimputável um meio de tratamento a que o internado vai ser submetido deveria ele, em tese, cessar apenas quando se alcançasse cessada a perigosidade criminal que lhe deu origem; contudo, o legislador fixou como regra um prazo máximo de internamento, findo o qual o internado tem de ser posto em liberdade tenha ou não cessado o estado de perigosidade criminal (artigo 32, da Constituição da República Portuguesa).

II - Atento o disposto no n. 2 do artigo 92, do CP, o prazo máximo de internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime cometido pelo inimputável,

III - Tendo o arguido inimputável cometido vários crimes, deve entender-se que o internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao crime mais grave cometido. - Acórdão do STJ de 18/3/1998, in http://www.dgsi.pt

Assim, sem prejuízo de uma alegada inconstitucionalidade do artigo 92, nº 3 do CP., numa interpretação extensiva, permitindo a manutenção de medidas de segurança de internamento para alem da pena máxima determinada e infinita, contrariando o artigo 32 do CRP. que para todos os efeitos aqui se alega e invoca;

O requerente está e encontra-se a cumprir uma medida de segurança de internamento, sem qualquer interrupção ou plano de readaptação, para alem do limite a que foi condenado, desde 2018, sem qualquer registo de inimputabilidade, impondo-se assim [a] sua libertação imediata por prisão ilegal, o que se requer!

B. Na continuidade do alegado em 12. do peticionado, o recluso/requerente, não teve qualquer revisão da sua medida de 2007 a 2010 (três anos), de 2010 a 2014 (quatro anos) de 2016 a 2019 (três anos) quando a obrigatoriedade da sua revisão, por lei é de dois anos. (Vide nº 3 do artigo 92 do CP.)

Tal falta de procedimento obrigatório poderia determinar a libertação imediata do recluso, sendo que a omissão de tal procedimento pelas entidades judiciárias jamais pode prejudicar o recluso, mormente quando está em causa a privação da sua liberdade.

A revisão obrigatória do artigo 158 do CEP. de dois em dois anos tem como finalidade não só diagnosticar a saúde mental do recluso como avaliar a sua capacidade de readaptação à sociedade, em suma de [se] terem alcançado as finalidades de socialização e segurança prosseguidas pela aplicação da medida. Isto porque pode o estado de perigosidade cessar antes de esgotado o prazo presumido de duração e manter o internamento nesses casos seria atentar contra o princípio da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.

O princípio da necessidade e subsidiariedade do internamento, que implicam a cessação deste logo que cesse o estado de perigosidade do internado e a sua colocação em liberdade para prova logo que a finalidade do internamento possa ser alcançada em meio aberto.

Nesta senda, [nos] termos do nº 1 do artigo 96.° do CP, procede-se ao reexame da medida de internamento, "não pode iniciar-se a execução da medida de segurança de internamento, decorridos 2 anos ou mais sobre a decisão que a tiver decretado, sem que seja apreciada a subsistência dos pressupostos que fundamentaram a sua aplicação."

In casu, decorreram mais de dois anos, circunstâncias de três, quatro, sem que se procedesse a qualquer reavaliação o que implicaria que a manutenção da execução da medida de segurança e os seus pressupostos não se pudessem manter.

Isto independentemente de posterior reexame, pois a prossecução da medida de segurança ao abrigo do qual está "preso", não tem qualquer validade, considerando que os pressupostos anteriores que determinam a manutenção da medida de internamento não existem e não lhe podem ser desfavoráveis.

Nem se pode presumir que são negativos, pois o ato omissivo do órgão jurisdicional não pode prejudicar o recluso, respeitando como é obvio o princípio in dubio pro reu.

Como em qualquer doença, [n]os intervalos sem a reavaliação dos pressupostos (reexame), poderia ter havido períodos de recuperação clínica que lhe proporcionassem a saída, ainda que programada ou sujeita a um plano de readaptação.

De onde se pode concluir que o recluso/requerente, se encontra a cumprir uma medida de segurança e internamento manifestamente abusiva, que nem sequer deveria ter sido iniciada, sem que estejam reunidos os pressupostos para o cumprimento sucessivo, devendo para o efeito ser decretada a sua libertação imediata.

Ainda e sem prescindir;

Do Estabelecimento Prisional ....

A execuçãos das medidas de segurança privativas de liberdade têm tratamento processual nos artigos 501.° e ss. do CPP. O n.º 1 fala-nos que no momento de decretação da medida de segurança, o juiz terá que especificar o tipo de instituição em que se deve cumprir a medida e. determinar, se for caso disso, a duração máxima e mínima do internamento. (Vide também lei de Saúde Mental (Lei nº 36/98, na redação da Lei nº 101/99).

Em relação aos estabelecimentos em que pode ser cumprido o internamento, temos em primeiro lugar os estabelecimentos de cura ou tratamento que têm como objetivo mor recuperar e normalizar o comportamento do agente de forma a poder haver uma reintegração do mesmo na sociedade.

Se os estabelecimentos de cura ou tratamento não se mostrarem eficazes para a reintegração e reabilitação do agente, o juiz indicará um estabelecimento de segurança de forma que o agente não possa interferir na paz social, afastando-o assim de continuar a cometer condutas danosas para o resto da sociedade.

Esta ideia de condições adequadas está em contradição material com os critérios jurisprudenciais do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que exigem;

(...) "2, adequação material das condições de reclusão (e tratamento) à dignidade humana dos arguidos e aos direitos da defesa".

O Estabelecimento Prisional ... não é um estabelecimento de cura, nem é hospital, não dispondo com certeza das condições materiais adequados para promover /recuperar e normalizar o comportamento do agente de forma a poder haver uma reintegração do mesmo na sociedade.

É patente que o recluso, se encontra num ambiente prisional por excelência, à beira dos demais e comuns reclusos, imputáveis e inimputáveis, perigosos ou não. E ainda que se apelide uma das alas de "clínica psiquiátrica", tal não passa de um eufemismo, já que todo o seu funcionamento é o de um estabelecimento prisional, desde as instalações, aos guardas prisionais, a alimentação, e todos os outros aspetos conexos, tal como tem sido constatado nos relatórios do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e Penas e Tratamentos Desumanos e Degradantes do Conselho da Europa. O próprio relatório do Mecanismo Nacional Prevenção da Provedoria de Justiça", de 2020, refere:

(...) Como tem sido posição recorrente do MNP. a execução de medidas privativas de liberdade aplicadas a inimputável deve ocorrer em unidades de saúde mental não integradas no sistema prisional Há claras vantagens em manter estes reclusos num ambiente não punitivo (...)"

Não podemos deixar de afirmar os princípios gerais da execução e direitos e deveres do recluso que fazem sobressair;

Artigo 2.º

Finalidades da execução

1 - A execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a protecção de bens jurídicos e a defesa da sociedade.

2 - A execução da prisão preventiva e do internamento preventivo visa assegurar a satisfação das exigências cautelares que justificaram a sua aplicação.

Como;

Artigo 3.º Princípios orientadores da, execução

1 - A execução das penas e medidas privativas da liberdade assegura o respeito pela dignidade da pessoa humana e pelos demais princípios fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa, nos instrumentos de direito internacional e nas leis.

2 - A execução respeita a personalidade do recluso e os seus direitos e interesses jurídicos não afectados pela sentença condenatória ou decisão de aplicação de medida privativa da liberdade.

3 - A execução é imparcial e não pode privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum recluso, nomeadamente em razão do sexo, raça, língua, território de origem, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

4 - A execução respeita os princípios da especialização e da individualização do tratamento prisional do recluso, sem prejuízo do disposto no número anterior,

5 - A execução, na medida do possível, evita as consequências nocivas da privação da liberdade e aproxima-se das condições benéficas da vida em comunidade.

6 -A execução promove o sentido de responsabilidade do recluso, estimulando-o a participar no planeamento e na execução do seu /rolamento prisional e no seu processo de reinserção social, nomeadamente através de ensino, formação, trabalho e programas.

7 - A execução realiza-se, na medida do possível, em cooperação com a comunidade.

O ambiente vivido no Estabelecimento Prisional ..., junto com os demais reclusos, não é propicio para alcançar as finalidades definidas pela lei e que devem ser apanágio de qualquer decisão judicial - a reinserção/recuperação e cura do recluso.

Encontra-se o aqui recluso num estabelecimento prisional incompatível com a medida de internamento. Aliás é patente que a repetição dos argumentos para a manutenção das medidas de segurança, há mais de vinte anos é prova da inexistência ou ineficácia destas, sendo por isso tal privação de liberdade ilícita e ilegal.

Sendo tal estabelecimento inadequado ao fim das medidas que o TEP. determinou, considera-se que a decisão de manter o recluso naquele estabelecimento um "abuso de direito" praticado por aquele órgão jurisdicional, privando de liberdade um cidadão que, para alem de não ter cadastro, não deve ter qualquer relação com o sistema prisional comum, sob pena de estar colocada em causa a sua cura ou reinserção.

Isto porque, segundo a decisão de renovação das medidas proferida pelo TEP, este necessita de tratamento diferenciado dos demais, atento a que estamos perante um cidadão, segundo os relatórios, que tem problemas de origem psiquiátrica - com uma personagem impulsiva e agressiva, controlada face à medicação. Não cessando, o estado de inimputabilidade e de perigosidade criminal que deu origem ao internamento (dado que opera inexistências de garantia de diminuição de repetição de ilícitos), força a reiteração do status quo processual do internando.

Imputação se afigura totalmente desacertada e que se impugna para todos os efeitos ilegais, pois o aqui peticionante não tem qualquer acto ou ilícito, disciplinar ou criminal, praticado dentro (e fora obviamente) daquele estabelecimento desde o ano de 2004 (em ...). Pelo que não existe qualquer fundamento para a manutenção e renovação da medida de segurança, ainda que aqui não esteja em causa tal apreciação.

Como também, e face a tal injustiça (da manutenção do recluso fora do quadro legal), com as diferentes manifestações de "afronta à justiça", é erradamente considerado pelos técnicos como "real consequência da sua doença", desconhecendo talvez que, para alem do exercício do direito de liberdade de expressão e pensamento (que não lhe foi retirado)., estamos perante alguém que se sente revoltado contra o justiça que o manteve num sistema prisional em cumprimento de uma pena que ultrapassa largamente a culpa, com referência [ao] ilícito praticado.

Pelo que [a] manutenção do aqui peticionante naquele estabelecimento prisional é ilegal, e não se trata de uma irregularidade, mas da manutenção, por decisão judicial reiterada no tempo, de um cidadão de forma ilícita, num local inadequado, incapaz de promover a cura do cidadão denominado perigoso e que justificou a "declaração de inimputabilidade", que não consta averbada no seu registo criminal.

A manutenção do apelidado cidadão perigoso (que não comete um ilícito desde 2004) naquele estabelecimento prisional é por isso mais prejudicial que a sua libertação, partindo do princípio que a sua reinserção na sociedade promovida naquele estabelecimento é sem dúvida mais prejudicial do que o seu convívio com a sociedade, de forma livre e sem condicionamentos.

Pelo que em nome da liberdade, da justiça e da igualdade, é manifesto que a manutenção do peticionante/recluso é ilegal, injusta e perigosa para a sua reinserção e reintegração, objetivo das medidas de segurança, pelo que a decisão do Tribunal de Execução de Penas é ilegal, um abuso de direito (pois tem conhecimento que tal estabelecimento não é adequado), constituindo um atentado contra a saúde do mesmo, devendo ser promovida a sua libertação imediata.

Nestes termos e nos demais requer a V.(s) Ex.as, a concessão imediata da Providência de Habeas Corpus em razão de prisão ilegal.

2. informação judicial:

O Juiz no Tribunal de Execução de Penas, observando o disposto no artigo 223.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, reproduziu a sua decisão que decretou a prorrogação do internamento do requerente por se manter o seu estado de perigosidade criminal.

Pela utilidade para fixar os dados de facto e processuais relevantes, transcreve-se com pequenas adaptações, eliminando-se apenas as referências teóricas e doutrinárias:

Então, da referida decisão que, cumprindo com o disposto no art. 158.º do CEP, procedeu à revisão obrigatória do internamento mesma consta:

É o seguinte o “circunstancialismo fáctico, [que] descreve o passado criminal do internado, assim como define o seu presente em termos de saúde mental e de apoio social/familiar:

1. por decisão de 20novembro2001, proferida no NUIPC 19/00.... do ...” provou-se que, em 11maio2000, cometeu:

- um (1) crime de dano (art. 212.º/1CP): e

- um (1) crime de detenção de arma proibida (art. 275.º/1/3CP)

tendo sido condenado na pena única de 400D de prisão, suspensa na execução por 4A.

2. “por decisão de 4 novembro 2002, proferida no NUIPC 450/00.... do 1.º...”, provou-se que, em 31 agosto 2000, ter cometido [agressão a Técnicas do então IRS/... (actual DGRSP), no exercício de funções, aquando de avaliação em sede de acompanhamento no ... 1013/96 do TEP/..., factos integrantes de:

- um (1) crime de coação grave na forma tentada (art. 22.º/1ª), 23º, 73.º/1ª)b), 154.º. 155/1a) CP); e

- um (1) crime de coação grave na forma tentada (art. 22.º/1ª), 23º, 73.º/1ª)b), 154.º. 155/1a) CP);

foi condenado na pena de ... de prisão por cada um e na pena única de 2A8M de prisão.

3. Iniciou cumprimento de pena à ordem desse em 25 outubro 2002, com ½ para 25 fevereiro 2004, ⅔ para 4 agosto 2004 e termo para 25 junho 2005.

4. Em cúmulo jurídico das penas aplicadas no NUIPC 19/00.... do ... e no NUIPC 450/00.... do 1.º..., por Ac. de ..., neste último proferido, foi condenado na pena única de 3A6M de prisão.

5. Dada a situação de condenação no NUIPC 88/02.... do 3.ºJCrTJAveiro (cfr. infra) operou desligamento/ligamento, sendo que por força do Princípio do Vicariato essa pena se extinguiu na execução em 25 abril 2006 (situação declarada no despacho de 26 janeiro 2011 – apenso A).

6. por decisão de 18 outubro 2004, proferida no NUIPC 88/02.... (extinto 3.ºJCrTJAveiro) do Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., provou-se que em 21 dezembro 2001 (agressão a ..., no exercício de funções no Serviço de Urgência do Hospital ..., aquando de avaliação em sede de processo de Internamento Compulsivo), cometeu factos integrantes de:

• um (1) ilícito penal de ofensa à integridade física qualificada (art. 144.º/1b); 146.º/1/2   ex vi 132.º/2j)CP)

foi declarado inimputável perigoso e aplicada uma medida de segurança de   internamento   (MSI)  pelo período mínimo legal de 3A, mínimo judicial de 6A e máximo de 13A (prorrogável à face do art. 92.º/3CP).

7. Iniciou esse internamento em 9 fevereiro 2005.

8. O período mínimo legal operou em 9 fevereiro 2008, o judicial em 9 fevereiro 2011 e o máximo legal em 9 fevereiro 2018 (prorrogável à face do art. 92.º/3CP).

9. por decisão de 27 abril 2005, proferida no NUIPC 2599/02.... do 1.ºJCrTJMatosinhos, provou-se ter cometido em 28 novembro 2002 [remessa à Adjunta do Director do ... de um envelope contendo no seu interior um preservativo usado e com vestígios de esperma e, ainda, um impresso do EP onde, pelo seu próprio punho, escrevera “vai em anexo o estromento do vosso trabalho profissionalismo insenção imparcialidade, bom apetite, alimentação equilibrada e naturar” (SIC)] factos integrantes de:

• um (1) ilícito penal de injúria agravada (art. 181.º/1; 182.º; 184.ºCP)

foi declarado inimputável perigoso e viu ser-lhe aplicada uma medida de segurança de internamento (MSI) pelo período mínimo legal de 4M15D, mínimo judicial de 3M e máximo de 4M15D.

10. Por decisão de 17 março 2014, quanto às medidas de segurança de internamento (MSI) aplicadas nos NUIPC 88/02.... e NUIPC 2599/02...., aplicou-se o Princípio do Englobamento ou da Absorção, mantendo-se, apenas a MSI aplicada no primeiro destes NUIPC.

11. A situação do internado foi apreciada em 7 novembro 2007, 26 fevereiro 2010, 17 março 2014, 22 novembro 2016 e 21 fevereiro 2019, sem concessão de LPP ou cessação de MSI, decisões com as quais o internado se conformou.

12. Nesta última decisão (de 21 fevereiro 2019) determinou-se prorrogação de internamento.

13. Teve negação de indulto, por S. Ex.a o Sr. Presidente da República, em 22 dezembro 2009 e 22 dezembro 2010.

14. Por despacho de 17 abril 2020 foi declarado nos autos que o perdão da Lei 9/2020-10 abril não tem aplicação em sede de execução de MSI.

15. O internado padece de deficiência mental - Psicose Esquizofrénica na forma paranóide (com deterioração cognitiva e do comportamento).

16. Permanece inimputável.

17. Apresenta-se vigil, colaborante, orientado na tríplice vertente; revela discurso coerente, pobre em conteúdo, sem alterações da forma do pensamento; revelam as sua funções cognitivas, em avaliação sumária, deterioração global moderada; não se vislumbra sintomatologia ansiosa nem variações patológicas do humor; não se detecta actividade alucinatória; mantém ideação delirante de conteúdo persecutório; mantém, em consequência da sua psicopatologia (em especial face à deterioração cognitiva e à ideação delirante), prejudicada a capacidade de juízo crítico e, consequentemente,  compromete  a  necessidade de tratamento (não apresenta consciência da sua doença, nem da necessidade de tratamento, assim comprometendo a adesão a terapêutica indicada) (constitutivos de factor de perigosidade para comportamentos homótropos - da mesma natureza ou similares).

18. Mantém-se (sem pendor de melhoria, face à sua impregnação da evolução da doença, mesmo que em contexto de tratamento e ambiente protegido) o quadro clínico que justificou a declaração de inimputabilidade, porquanto o mesmo é, pela sua natureza, crónico e irreversível, bem como a sua perigosidade latente, não só pela impulsividade e agressividade manifestada desde logo nos factos praticados (apenas mitigada pela compensação medicamentosa), mas também pela auto-referência e ideação, que o  torna mais vulnerável a novos episódios (desde logo, porque, quando entregue a si próprio, não é autónomo relativamente a necessária manutenção da terapêutica que lhe é prescrita, sendo latamente incapaz de resistir aos apelos eternos).

19. Continua a não possuir adequada crítica mórbida e consciência da doença (não possui mínima compreensão da natureza e gravidade dos factos, bem como de percepção do facto de ser portador de patologia psiquiátrica e da necessidade de tratamento, sequer com mínima e ambivalente avaliação de motivação, assim comprometendo subsequente adesão a terapêutica), bem como da efectiva e imprescindível necessidade de medicação regular [Não revela capacidade plena e duradoura para discernir sobre a sua doença e aceitar de forma reiterada o necessário tratamento psiquiátrico (em regime institucional e cumprindo terapêutica psicofarmacológica regular tem sido capaz de estruturar, ainda que não razoavelmente, o seu comportamento; o conteúdo persecutório e auto-referencial ainda não se encontra minimamente esbatido pela medicação neuroléptica, instituída com rigor em ambiente institucional protegido, face à sua específica impregnação; em liberdade, nada garante que não abandone a medicação, desestruture o comportamento e se revele incapaz de reger adequadamente a sua pessoa e governar os seus bens)].

20. Medicado, mantendo controlo familiar, psiquiátrico e assistido socialmente, a sua inimputabilidade com perigosidade de repetição de actos, somente fica parcamente atenuada (revelando comportamento, do ponto de vista global, calmo e adequado, ainda assim mantém registo habitual tenso e hostil com a equipa técnica).

21. Necessita de uma tutela efectiva e constante no controlo dos seus comportamentos e no cumprimento das prescrições clínicas.

22. Em sede institucional sem evolução, recusa actividades ocupacionais e de psicomotricidade propostas - em adequação com as suas limitadas capacidades - (o que lhe poderia ser altamente benéfico), revelando, ainda assim, relativa autonomia nas actividades básicas da vida diária.

23. O internado não tem competências próprias que lhe permitam um modo de vida autónomo e estruturado, necessitando de permanente orientação e supervisão através de cuidados de terceiros no cumprimento das prescrições clínicas e dos elementares cuidados de alimentação, higiene e vestuário, no controlo dos seus comportamentos e na satisfação das suas necessidades de vida diária.

24. Face à personalidade que apresenta potencia a retoma dos comportamentos dissociais tão logo obtenha liberdade, o que decorre das limitações intelectuais pessoais de que padece.

25. Tem mantido acompanhamento psiquiátrico e tentativa de estabilização clínica, pelo que o seu comportamento no relacionamento interpessoal e no cumprimento das normas instituídas tem sido o minimamente adequado face à sua personalidade.

26. Apresenta comportamento tendencialmente regular no passado recente, não possui sanções disciplinares nem incidentes disciplinares.

27. Dispõe - desde há pouco tempo - de visitas esporádicas de familiares (irmã e cunhado, aquando de permanência em Portugal, porquanto se mostram emigrados) no estabelecimento prisional.

28. Mantém contacto com o núcleo (a mãe faleceu em 2015; actualmente mantendo frequentes e regulares contactos telefónicos com as irmãs).

29. Em meio livre não goza de apoio familiar regular e férreo, estando reportado apoio de familiares emigrados, inexistindo garantias de que os mesmos sejam capazes de controlarem o internado.

30. Inexiste alternativa de enquadramento institucional (a instituição de área, vocacionada e apta à sua situação, recusava veementemente a sua admissão, hodiernamente escudando-se na ausência de vagas).

31. Não apresenta perspectiva de enquadramento profissional (atendendo ao seu perfil psicopatológico e à dificuldade de estabelecer relacionamento interpessoal assertivo).

32. No meio de residência opera latente perigo de conflitualidade, sendo pessoa considerada conflituosa, operando fortíssima subsistência de sentimentos de animosidade, sendo a sua presença no local ainda vista como fonte de insegurança e intranquilidade.

33. Está em Regime Comum, não contando com medidas de flexibilização (mormente LSJ).

34. O internado não dispõe de adequadas condições promotoras da sua reinserção.

35. Apresenta historial de vida que determinou, desde muito jovem, institucionalização   em Sistema Tutelar de Menores, dada a disfuncionalidade do agregado familiar (progenitor agressivo e padecente de alcoolismo) e a adopção de comportamentos de    fuga de casa associada a comportamentos desviantes e a consumos de estupefacientes.

36. Teve a 1.ª reclusão pelos 19A de idade, onde obteve a 4.ª classe.

37. No seu CRC figuram, para além das acima referidas, outras condenações:

a. 335/86 – ... – TJ C... – desobediência – prisão substituída por multa;

b. 68/97 – Sumário – TJ C... – desobediência – prisão substituída por multa;

c. 214 – ... – ... – Homicídio qualificado + furto qualificado + detenção de arma proibida + tráfico de estupefacientes + consumo de estupefacientes + falsificação de documentos – 19A de prisão;

d. 1473/87 – ... – TJC... – furto qualificado (4x) – 30M de prisão;

(foi efectuado cumulo jurídico entre a), b), c) e d), em d) – pena única de 19A11M de prisão + prisão substituída por multa)

(beneficiou de perdões da L 23/91)

(beneficiou de perdões da L 15/94)

(beneficiou de perdões da L 29/99)

e. Por decisão de 18out1996 (3.ªJTEP-Lisboa – 739/96-D), nos termos do art.  105.º do    CP foi declarado inimputável perigoso;

f. Por decisão de 9out2000 [... - ... 1013/96 (substituindo este o 739/96-D do 3.ªJTEP-Lisboa) foi concedida liberdade definitiva.

Esta decisão está transitada em julgado.

Na mesma, ainda que por remissão para antecedente decisão de igual índole (decisão de 22novembro2016 (ref. ...90) - fls. 443ss do 2.º volume deste apenso B), demos nota das características da doença mental de que o internado padece.

Em concreto dissemos nesse momento, o que renovamos:

A Esquizofrenia, que afecta o internado, tal diagnóstico integra as principais classificações psiquiátricas correntemente utilizadas (ICD-10 e DSM-5).

É a representante mais característica das psicoses, é uma doença da personalidade total que afecta a zona central do eu e altera toda a estrutura vivencial. Culturalmente o esquizofrénico representa o estereótipo do "louco", um indivíduo que produz grande estranheza social devido ao seu desprezo para com a realidade reconhecida, agindo como alguém que rompeu as amarras da concordância cultural e que menospreza a razão e perde a liberdade de escapar às suas fantasias.

Consiste na existência, durante um período contínuo de pelo menos seis meses, de sintomas como delírios, alucinações, discurso desorganizado que reflecte desorganização do pensamento, comportamento perturbado ou catatónico, avolição, apatia ou embotamento

Este quadro clínico é crónico, evoluindo por surtos agudos nos quais existe agravamento e em que está presente sintomatologia dita positiva, delirante e alucinatória como a reportada, e que entra em remissão por acção de terapêutica, estabilizando cronicamente, ainda que podendo persistir ideias residuais e um maior ou menor deficit cognitivo, que no caso em apreciação é significativo.

(…)

Aqui chegados, urge, então dizer que:

a) efectivamente o internado o é face a decisão judicial que, fixando o seu estado

de inimputabilidade com perigosidade, determinou a execução de MSI;

b) essa inimputabilidade, com perigosidade, mostra-se presente;

c) o internado continua a não possuir critica mórbida sobre os factos e consciência da doença, bem como da necessidade efectiva e imprescindível da toma de medicação, quadro este essencial a quem padece de esquizofrenia paranóide, como é o caso, acrescida de deterioração cognitiva e do comportamento;

d) não possui suporte familiar/social férreo que lhe garanta viver de forma autónoma; pelo que não é possível – dado estarmos em fase de prorrogação – dizer que cessou a perigosidade.

Daí a razão de prorrogação.

De facto, tal como decorre do regime previsto no art 91.ºCP, a inimputabilidade é uma categoria dogmática que acompanha inescapavelmente a reacção criminal que as medidas de segurança representam.

A lei fixa, no entanto, o prazo máximo do internamento, e o critério é o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime cometido pelo inimputável – art. 92.º/2CP -, só excepcionalmente funcionando a prorrogação do internamento por períodos sucessivos de 2 anos até se verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem – art. 92.º/3CP.

Ora, no caso concreto e enquanto não se havia atingido o limite máximo, como se teve oportunidade de dizer nos autos, os quadros se solução, em sede de revisão seriam vários.

(…)

Já, porém, e uma vez ultrapassada a barreira do limite máximo e entrando no campo da prorrogação, não pode mais falar-se de liberdade para prova.

Neste campo uma de duas situações é a solução.

Ou se mantém a inimputabilidade com perigosidade e se tem que prorrogar a MSI; ou a inimputabilidade com perigosidade cessou e como consequência a execução da MSI cessa.

(…)

O internado não o é no EP ....

É sim internado na Clínica ... afecta ao EP ..., como unidade prisional especialmente vocacionada face ao DL 194/94-19julho.

Quanto à afectação do internado à Clínica ... do EP ..., dir-se-á tão só que a competência messa matéria cabe exclusivamente ao DG DGRSP, como resulta dos art. 20.º e 126.ºCEP, sendo ainda de chamar à colação o DL 70/2019-24maio que sobre a matéria reporta

Mais, sobre tal matéria - mesmo que em quadro paralelo - já o STJ teve oportunidade de se pronunciar em igual sede de Habeas Corpus, como resulta da Base de Dados ECLI:PT:STJ:2019:1609.18.1T9AMD.D.S1.76 (…)

Relativamente ao quadro de prorrogação da MSI, somente se dirá que sendo a MSI um verdadeiro tratamento a que o internado é submetido e que termina quando a perigosidade criminal que o determinou tiver cessado, estando apenas legalmente definido, e em regra, o seu prazo máximo, findo o qual o internado tem de ser posto em liberdade, independentemente de ter ou não cessado aquele seu estado de perigosidade, por imposição constitucional, já que o art. 30.º/1CRP afasta definitivamente as MSI sem duração definida, certo é que é o n.º 3 do mesmo preceito que admite a sua prorrogação sucessiva, mas sempre mediante decisão judicial, nos casos especificamente previstos.

O caso do internado é um desses e daí a razão da decisão em causa.

Por último, há que reportar que após a decisão em causa existe documentação de avaliação clinica que reporta a situação do internado, do mesmo modo que este TEP teve o cuidado -porque conhecedor das vicissitudes de apoio social que existem no quadro de cuidados continuados em saúde mental - de solicitar referenciação bem como informações sobre instituições de suporte.

Em conclusão:

Acompanha-se a execução duma MSI, agora já em fase de prorrogação, o que se compreende porquanto se mantém a necessidade de tratamento em face de doença mental grave determinante de inimputabilidade com perigosidade de que o internado padece.

Não se vislumbra, em consequência, uma qualquer ilegal privação de liberdade.


*


Convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e a Defensora do Requerente, procedeu-se à audiência, de harmonia com as formalidades legais, após o que o Tribunal reuniu e deliberou como segue (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP):

II. FUNDAMENTAÇÃO:

Sumariamente – atenta a extensa reprodução da última decisão judicial que decretou a prorrogação do internamento do Requerente - dos elementos com que vem instruído o procedimento, com relevância para a vertente providência de habeas corpus, extraem-se os seguintes dados essenciais:

1. O Tribunal coletivo do Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., por acórdão de proferido no processo com o NUIPC 88/02...., julgou provado que o Requerente praticou, em 21 dezembro de 2001, factos (agressão a ..., no exercício de funções no Serviço de Urgência do Hospital ..., aquando de avaliação em sede de processo de Internamento Compulsivo) integrantes de um tipo de ilícito penal de ofensa à integridade física qualificada (art. 144.º/1b); 146.º/1/2   ex vi 132.º/2j)CP);

2. Decidiu também declarar o Requerente inimputável perigoso;

3. Pelo que lhe aplicou uma medida de segurança de   internamento pelo período mínimo legal de 3 anos, mínimo judicial de 6 anos e máximo de 13 anos (prorrogável à face do art. 92.º/3CP).

4. O Requerente iniciou a execução desse internamento em 9 de fevereiro de 2005.

5. Medida de segurança do Requerente que tem sido executada com internamento na ala psiquiátrica do Estabelecimento Prisional ....

6. A revisão da situação do internado foi reexaminada em 7 de novembro de 2007, 26 de fevereiro de 2010, 17 de março de 2014, 22 de novembro de 2016 e 21 de fevereiro de 2019, sem concessão de liberdade provisória para prova ou cessação de medida de segurança;

7. O TEP ..., na última decisão de revisão obrigatória, proferida em 20 de junho de 2021, transitada em julgado, decretou a prorrogação do internamento do Requerente com fundamento na manutenção nas suas inimputabilidade criminal e perigosidade.

8. Decisões de revisão com as quais o internado se conformou.

9. O Requerente encontra-se, assim, neste momento, privado da liberdade, na Clínica ... adeta ao EP ....  

a) o direito:

1. direito fundamental à liberdade pessoal:

O direito à liberdade ambulatória é um direito fundamental da pessoa, proclamado em instrumentos legislativos internacionais e na generalidade dos regimes jurídicos dos países civilizados.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos/DUDH, considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça …, no artigo III (3º) proclama a validade universal do direito à liberdade individual.

Proclama no artigo IX (9º) que ninguém pode ser arbitrariamente detido ou preso.

No artigo XXIX (29º) admite que o direito à liberdade individual sofra as “limitações determinadas pela lei” visando assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da ordem pública.

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, no artigo 9.º consagra; todo o indivíduo tem direito à liberdade pessoal. Proibindo a detenção ou prisão arbitrárias, estabelece que ninguém poderá ser privado da sua liberdade, excepto pelos motivos fixados por lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos”.

Estabelece também: toda a pessoa que seja privada de liberdade em virtude de detenção ou prisão tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, com a brevidade possível, sobre a legalidade da sua prisão e ordene a sua liberdade, se a prisão for ilegal”.

A Convenção Europeia dos Direitos Humanos/CEDH, no art. 5º reconhece que toda a pessoa tem direito à liberdade. Ninguém podendo ser privado da liberdade, salvo se for preso em cumprimento de condenação, decretada por tribunal competente, de acordo com o procedimento legal.

Reconhece que a pessoa privada da liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH/) enfatiza desde logo que o artigo 5 consagra um direito humano fundamental, a saber, a proteção do indivíduo contra a interferência arbitrária do Estado no seu direito à liberdade. O texto do artigo 5º deixa claro que as garantias nele contidas se aplicam a “todos”. As alíneas (a) a (f) do Artigo 5 §1 contêm uma lista exaustiva de razões permissíveis sobre as quais as pessoas podem ser privadas de sua liberdade. Nenhuma privação de liberdade será compatível com o artigo 5.º, n.º 1, a menos que seja abrangida por um desses motivos ou que esteja prevista por uma derrogação legal nos termos do artigo 15.º da Convenção, (ver, inter alia, Irlanda v. Reino Unido, 18 de janeiro de 1978, § 194, série A n.º. 25, e A. e Others v. O Reino Unido, citado acima, §§ 162 e 163)[1].

Por sua vez a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reconhece, no art. 6º, o direito à liberdade pessoal.

Não consagrando o habeas corpus, reconhece, no art. 47º, o direito de ação judicial contra a violação de direitos ou liberdades garantidas pelo direito da União.

Assinala E. Maia Costa que os textos internacionais relativos aos direitos humanos preveem genericamente um recurso para os tribunais com carácter urgente contra a privação da liberdade ilegal, mas tal garantia não se confunde com o habeas corpus[2].

A Constituição da República, no artigo 27º n.º 1, reconhece e garante do direito à liberdade individual, à liberdade física, à liberdade de movimentos. 

O direito a não ser detido, preso ou total ou parcialmente privado da liberdade não é um direito absoluto.

À semelhança da CEDH, a Constituição da República, no art. 27º n.º 2, admite expressamente que o direito à liberdade pessoal possa sofrer restrições.

Entre estas sobressai, desde logo (n.º 2), a privação da liberdade decretada em sentença judicial que aplica medida de segurança.

2. a providência da habeas corpus:

A Constituição da República, em linha com CEDH, também de certo modo, na sequência das duas Constituições que a precedem (a de 1911 e a de 1933), aderindo à tradição anglo-saxónica[3], consagra no art. 31º, o habeas corpus como garantia extraordinária, expedita e privilegiada contra a prisão (e a detenção) arbitrária ou ilegal[4].

A privação do direito à liberdade por meio da prisão ou de internamento em execução de medida de segurança aplicada a inimputável perigosos só não configura abuso de poder e, consequentemente, será legal se se contiver nos estritos parâmetros do art. 27º n.ºs 2 e 3 da Constituição. A prisão ou o internamento é ilegal quando não tenha sido decretada/o pelo tribunal competente em sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou com a aplicação de medida de segurança; tiver sido ordenada ou efetuada por autoridade incompetente; tiver sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite ou se mantiver para além dos prazos judicialmente fixado ou legalmente admitido.

 “Não é qualquer abuso de poder que justifica habeas corpus”. A providência de habeas corpus exige a verificação “cumulativa de dois requisitos: o abuso de poder; a existência de prisão ou detenção ilegal”. O “abuso de poder exterioriza-se nomeadamente na existência de medidas ilegais de prisão e detenção decididas em condições especialmente arbitrária ou gravosas[5].

Entre nós, é na Constituição República de 1911[6] que pela primeira vez surge consagrado o habeas corpus –no título II (“Dos Direitos e Garantias Individuais”), art. 3º n.º 31[7] –, por influência da Constituição brasileira de 1891[8], (transcrevendo o § 22º do artigo 72º[9]) que, por sua vez, se inspirou na constituição norte-americana[10] (se bem que o Código de Processo Penal do Brasil de 1832, já previa esta providência (artigo 340º)[11].

A Constituição de 1933 reafirmou o habeas corpus como providência excecional contra o abuso de poder, remetendo a sua regulamentação para lei especial[12] (remissão eliminada na revisão de 1971[13]).

Observando a imposição constitucional, o Decreto-Lei nº 35.043, de 20 de Outubro de 1945[14], estabeleceu o regime jurídico do habeas corpus.

Da exposição de motivos, pela consistência das justificações e da finalidade da providência transcreve-se:

“(…) consiste na intervenção do poder judicial para fazer cessar as ofensas do direito de liberdade pelos abusos da autoridade.

Providência de carácter extraordinário, só encontra oportunidade de aplicação, (…) quando o jogo normal dos meios legais ordinários deixa de poder garantir eficazmente a liberdade dos cidadãos.

O habeas corpus não é um meio de reparação dos direitos individuais ofendidos (…). É antes um remédio excepcional para proteger a liberdade individual nos casos em que não haja qualquer outro meio legal de fazer cessar a ofensa ilegítima dessa liberdade. (…) De outro modo tratar-se-ia de simples duplicação dos meios legais de recurso”.

Instituiu-se o habeas corpus liberatório em duas modalidades, um contra a detenção abusiva e outro, diferenciado, para a prisão ilegal.

Regime que, mantendo a conceção e a arquitetura[15], transitou para o Código de Processo Penal de 1929 – artigos 312º a 324º.

E transitou também para a atual Constituição da República, estabelecendo-se o prazo de 8 dias para a decisão da providência.

Na alteração do CPP de 1929 que se seguiu à proclamação da Constituição de 1976, operada pelo Decreto-Lei n.º 320/76 de 4 de maio, estatuiu-se que o esgotamento do prazo sem decisão, determinava a imediatamente restituição do detido ou preso à liberdade[16].

E, ainda que simplificado (concentrado em dois artigos substantivos, e outros dois procedimentais), o regime passou para o vigente Código de Processo Penal (de 1987), e que, na parte substantivo referente à prisão ilegal (art. 222º) não sofreu qualquer alteração.

O habeas corpus é, pois, uma garantia (direito-garantia”), não um direito fundamental autónomo (“direito-direito). O bem jurídico-constitucional que o habeas corpus visa proteger é o direito fundamental à liberdade[17] pessoal, permitindo reagir, imediata e expeditamente, contra o abuso de poder, por virtude de detenção ou prisão ilegal” .

No habeas corpus discute-se exclusivamente a legalidade da prisão à luz das normas que estabelecem o regime da sua admissibilidade”. “Procede-se necessariamente a uma avaliação essencialmente formal da situação, confrontando os factos apurados no âmbito da providência com a lei, em ordem a determinar se esta foi infringida. Não se avalia, pois, se a privação da liberdade é ou não justificada, mas sim e apenas se ela é inadmissível. Só essa é ilegal”.

“De fora do âmbito da providência ficam todas as situações enquadráveis nas nulidades e noutros vícios processuais das decisões que decretaram a prisão”

“Para essas situações estão reservados os recursos penais, (…). O habeas corpus não pode ser reconvertido num “recurso abreviado”, (…) O processamento acelerado do habeas corpus não se coaduna, aliás, com a análise de questões com alguma complexidade jurídica ou factual, antes se adequa apenas à apreciação de situações de evidente ilegalidade, diretamente constatáveis pelo confronto entre os factos sumariamente recolhidos e a lei[18].

3. regime legal e procedimento:

Dando expressão legislativa ao texto constitucional [19], o art. 222º n.º 2 do CPP estabelece que a petição de habeas corpus deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

Tem como denominador comum configurar situações extremas de detenção ou prisão ou privação da liberdade determinadas com abuso de poder ou por erro grosseiro, patente, grave, isto é, erro qualificado na aplicação do direito.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal vai no sentido de os fundamentos do «habeas corpus» são aqueles que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos susceptíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão”[20].

Tem sublinhado que a providência de habeas corpus constitui uma medida expedita perante ofensa grave à liberdade com abuso de poder, sem lei ou contra a lei. Não constitui um recurso sobre atos de um processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais. Esta providência não se destina a apreciar erros de direito e a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes de privação da liberdade[21].

Atento o carácter extraordinário da providência, para que se desencadeie exame da situação de detenção ou prisão em sede de habeas corpus, há que deparar com abuso de poder, consubstanciador de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável – integrando uma das hipóteses previstas no art. 222.º, n.º 2, do CPP”[22].

O habeas corpus contra a prisão ou a medida de segurança de internamento ilegais é um procedimento especial, no qual se requer ao tribunal competente o restabelecimento do direito constitucional à liberdade pessoal, vulnerado por  abuso de poder.

É também um procedimento de cognição limitada e instância única no qual somente é possível valorar a legitimidade de uma situação de privação de liberdade, a que [o Juiz] pode por fim ou modificar em razão das circunstâncias em que a prisão se produziu ou se está realizando, mas sem extrair destas -do que as mesmas têm de possíveis infracções ao ordenamento- mais consequências que a da necessária finalização ou modificação daquela situação da privação da liberdade[23] .

Não é um recurso, - ordinário ou extraordinário. É uma providência que visa colocar perante o Supremo Tribunal de Justiça a questão da ilegalidade da prisão ou do internamento do inimputável perigoso em que o requerente se encontra nesse momento ou do grave abuso com que foi imposta/o. Visa apreciar se a prisão ou o internamento referido foi determinada pela entidade competente, se o foi por facto pelo qual a lei a admite, se se mantém pelo tempo decretado e nas condições legalmente previstas. Para o que pode ser necessário equacionar da legalidade formal ou intrínseca do ato decisório que determinou a privação de liberdade, mas não mais que isto.

Não é uma via procedimental para submeter ao STJ a reapreciação da decisão da instância que determinou a prisão ou decretou o internamento à ordem da qual o requerente está privado da liberdade. Não se destina a questionar o mérito do despacho judicial ou da sentença condenatória que impôs ou manteve a prisão ou o internamento nem a sindicar eventuais nulidades ou irregularidades de que aquelas decisões possam enfermar.

Na conformação constitucional e no seu desenho normativo, o habeas corpos é uma providência judicial urgente, visando reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal” decretada ou mantida com violação “patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação[24].

O Juiz decide-a em 8 dias, em audiência contraditória –art. 31º n.º 3 da Constituição.

Conhecendo da petição de habeas corpus, o STJ, nos termos do art. 223º (procedimento) n.º 4 do CPP, delibera no sentido de:

a) Indeferir o pedido por falta de fundamento bastante;

b) Mandar colocar imediatamente o preso à ordem do Supremo Tribunal de Justiça e no local por este indicado, nomeando um juiz para proceder a averiguações, dentro do prazo que lhe for fixado, sobre as condições de legalidade da prisão;

c) Mandar apresentar o preso no tribunal competente e no prazo de vinte e quatro horas, sob pena de desobediência qualificada; ou

d) Declarar ilegal a prisão e, se for caso disso, ordenar a libertação imediata.

Peso embora o preceito constitucional e o regime processual que o regulamento utilizem apenas os termos prisão e detenção, entendemos – como tem vindo a suceder – que o habeas corpus se aplica as restrições à liberdade ambulatória expressamente admitidas no art.º 27º da Lei Fundamental. O internamento de inimputáveis perigosos em estabelecimento de cura, tratamento e segurança é, sem dúvida, uma das restrições à liberdade ali enunciadas. Podendo, pois, reagir-se contra a ilegalidade da mesmo por abuso de poder, através da providência de habeas corpus

4.  pressuposto da atualidade:

Na arquitetura traçada pela Constituição da República e na conformação normativa do CPP, a providência em apreço pressupõe a efetividade e atualidade da prisão ilegal. A doutrina vai maioritariamente neste sentido[25], havendo, contudo quem sustente que a nossa Magana Carta não exclui o denominado habeas corpus preventivo[26].

A Jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sido unanime[27] na exigência da verificação do pressuposto da atualidade da prisão ilegal. No Ac. de 18/07/2014[28] sustenta-se: A procedência do pedido de habeas corpus pressupõe, além do mais, uma actualidade da ilegalidade da prisão aferida em relação ao tempo em que é apreciado aquele pedido”.

E no Ac de 11/02/2016[29] entendeu-se que: A viabilidade do habeas corpus, como meio direccionado exclusivamente para a tutela da liberdade, exige uma privação de liberdade actual, não servindo, por isso, como mecanismo declarativo de uma ultrapassada situação de prisão ilegal. Do mesmo modo, também o habeas corpus não pode ser utilizado como meio preventivo de uma eventual futura prisão ilegal. Só a efectiva privação de liberdade pode fundamentar aquela providência”.

Entende-se que é esta a interpretação que melhor se conjuga com a evolução desta providência na nossa ordem constitucional. Como se referenciou, a Constituição de 1911 previa expressamente o habeas corpus preventivo, estabelecendo: Dar-se-á o habeas corpus sempre que o individuo sofrer ou se encontrar em iminente perigo do sofrer violência, ou coacção, por ilegalidade, ou abuso de poder”.  Modalidade que a Constituição de 1933 não manteve: E que a Constituição de 1976 também não adotou. Seguramente que o legislador constituinte não desconhecia o texto e, consequentemente, as modalidades daquela primeira inscrição constitucional do habeas corpus e também não ignorava a modificação conformada pela Constituição de 1933. Neste quadro histórico-constitucional certamente que se a sua vontade tivesse sido a de admitir o habeas corpus preventivo ter-se-ia servido de uma fórmula igual ou equivalente aquela que era dada à providência na Constituição da primeira República. Mas não adotou, nem na versão de 1976, nem nas quatro subsequentes alterações. pelo que não existe base constitucional, para sustentar o referido entendimento.

É também essa a interpretação que o legislador ordinário fez daquele comando constitucional. Como alguns autores reconhecem, no regime do Código de Processo Penal, a providência dirige-se contra a prisão ilegal, isto é, a efetiva privação da liberdade, pois que somente a atualidade da prisão ilegal pode justificar qualquer dos atos que podem decorrer do seu deferimento: mandar colocar imediatamente o preso à ordem do STJ; mandar apresentar o preso ao juiz em 24 horas; ordenar a libertação imediata.

Evidentemente que só pode libertar-se quem já está encarcerado, privado da liberdade ambulatória, seja porque a ilegalidade da prisão ou do internamento resulta de ter sido ordenada ou executada por entidade incompetente, seja porque o foi por facto que não admite essa medida de coação ou essa sanção, seja porque foi mantida para além do prazo legal ou judicialmente fixado ou fora das condições legalmente estabelecidas.

A colocação do preso ou internado à ordem do Supremo Tribunal de Justiça, tal como a apresentação do preso ao juiz determinado, somente tem sentido (jurídico e prático) se a pessoa está efetivamente privada da liberdade ambulatória. Não sendo assim, o habeas corpus requerido em favor da conservação da sua liberdade era-lhe penosamente prejudicial. Nessa situação (se está em liberdade), deferida que fosse a providência – e estando fora de causa a libertação imediata pela simples razão de não estar encarcerado -, tinha de ser preso para, nessa situação, ser colocado à ordem do STJ ou para ser apresentado em 24 horas ao juiz determinado. A lei não prevê, nem teria qualquer sentido, que o requerente ou beneficiário da providência seja colocado em liberdade à ordem do STJ, ou que em liberdade se apresente perante o juiz em 24 horas.

Consequentemente, se a pessoa não está presa ou privada da liberdade, nomeadamente por internamento em execução de medida de segurança, não se verifica um dos pressupostos nucleares da providência de habeas corpus.

5. limite e reexame da medida de segurança de internamento:

.A Constituição da República, no art.º 30º n.º 1, proíbe a existência de “medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.”

Não se pode perder de vista, conforme se expende no acórdão de 7.02.2018, deste Supremo Tribunal, proferido no processo 248/14.0GBCNT.C1.S1, da 3ª secção, que “uma coisa é a prisão aplicada com medida concreta da pena; outra, mero apontamento de limites de duração da medida de segurança, do que resulta uma pena abstrata, não concretizada, não determinada no seu exato quantum.

Pela sua própria natureza, as medidas de segurança não permitem uma determinação judicial em função da duração da perigosidade criminal que as justifica - Jornadas de Direito Criminal, CEJ, volume II, 1998, pág. 128

Consagrando no n.º 2 do citado art.º 30º que “em caso de perigosidade baseada em grave anomalia psíquica, e na impossibilidade de terapêutica em meio aberto, poderão as medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade ser prorrogadas sucessivamente enquanto tal estado se mantiver, mas sempre mediante decisão judicial.”

Este preceito permite prorrogações sucessivas e tendencialmente ilimitadas que permitam salvaguardar as finalidades preventivas especiais da medida de segurança de internamento de inimputáveis perigosos no momento em que judicial ou legalmente deveria ser devolvido à comunidade das pessoas respeitadoras dos bens jurídicos criminalmente protegidos.

Ademais do facto ilícito típico grave, a aplicação da medida de segurança de internamento do inimputável só colhe justificação na sua perigosidade de reiterar na prática de factos constitutivos do mesmo tipologia de crimes. Se o internamento fosse improrrogável, se obrigasse à libertação do internando no termo judicialmente ou legalmente fixado, mesmo que subsista a sua perigosidade, o Estado, desconsiderando – ou nem sequer querendo ouvir – os laudos periciais das ciências da vida, mormente da psiquiatria, mais do que expunha ou, - pode dizer-se com a crueza que o termo exprime – “ofereceria” para serem sacrificadas pelo inimputável que permanece perigosos, a vida, a integridade física, a liberdade ambulatória, a liberdade e autodeterminação sexual de pessoas da comunidade. É esse fortemente provável “sacrifício”, brutal e inecessário, que aquele comando da Constituição da República visa salvaguardar, entregando e confiando exclusivamente à e na justiça judicial a conciliação dos direitos e valores fundamentais que neste âmbito se confrontam. E, seguramente não olvida que a duração concreta do internamento depende exclusivamente de se terem alcançado as finalidades de socialização, mas também de segurança prosseguidas pela aplicação da medida de internamento.

Comando constitucional que responde, plenamente, a questão desta natureza suscitada pelo Requerente.

Embora tenha incidido sobre questão diversa – a da aplicação do perdão às medidas de segurança de internamento – o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 42/2002, parece admitir “a prorrogação sucessiva da medida de segurança originariamente decretada quando a gravidade do crime cometido pelo inimputável e o perigo de cometimento de novos factos da mesma espécie foram de modo a desaconselhar a libertação, sem que esteja efectivamente extinto o estado de perigosidade criminal subjacente. Assim o atestam a peculiariedade do regime e a teleologia que o assiste”.  

O legislador penal no art.º 92º n.º 2, dispõe que “o internamento não pode exceder o limite máximo da pena correspondente ao tipo do crime cometido pelo inimputável”.

Estabelecendo no n.º 3 que “se o facto praticado pelo inimputável corresponder a crime punível com pena superior a 8 anos e o perigo de novos factos da mesma espécie for de tal modo grave que desaconselhe a libertação, o internamento pode ser prorrogado por períodos sucessivos de 2 anos até se verificar a situação prevista no n.º 1.

O n.º 1 para que remete a parte final do que vem de citar-se estatui que “o internamento finda quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem.

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal, no acórdão de 12.01.2017, tirado no processo n.º 408/15.7JABRG.G1.S1, da 5.ª Secção, sustentou-se que “o limite mínimo do internamento é de 3 anos, salvo se a libertação for compatível com as necessidades de prevenção geral positiva de pacificação social e o limite máximo da medida de internamento corresponde ao limite máximo da pena, pelo crime de homicídio, o qual pode ser indefinidamente prorrogado se se verificarem os pressupostos enunciados no n.º 3 do art. 92.º” (sublinhamos nós para realçar).

No caso, o Requerente cumpre medida de segurança de internamente por ter praticado factos integrantes de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto no art.º 144º n.º 1 e 145º n.º 2, que é punido pelo n.º 1 al.ª c) deste último, ambos do Cód. Penal, com pena de prisão de 3 a 12 anos.

O regime criminal do internamento de inimputáveis obriga, periodicamente, ao reexame judicial da perigosidade do internado. Se o limite mínimo da medida for de 3 anos, o reexame obrigatório deve ocorrer nessa data. Nos demais casos, a cada dois anos, contados do início da respetiva execução ou da decisão que o tiver mantido – art.º 93º n.º 2 do Cód. Penal.

O reexame pode ter lugar a todo o tempo, a requerimento ou, sobrevindo motivos, mesmo oficiosamente.

Dito isto e repetindo a advertência de que esta providência não permite, pela sua excecionalidade, urgência e finalidade, entrar na apreciação do mérito da decisão judicial que prorrogou o internamento da medida de segurança do inimputável perigoso aqui Requerente, vejamos se a sua privação da liberdade em cumprimento de tal medida judicialmente prorrogada se mantêm ilegalmente e com abuso de poder.

6. no caso:

O Requerente invoca a ilegalidade da privação da liberdade aduzindo, em síntese, três razões: --------

- entende, como principal argumento, que o seu internamento ultrapassou há muito (em 2018) o limite máximo judicialmente fixado – de 13 anos - à medida de segurança daquela espécie que lhe foi aplicada no processo supra identificado;

- argumenta ainda que os reexame da sua situação não ocorreram no período legalmente estabelecido – decorridos os 3 anos iniciais e depois disso a cada dois anos; e

- alega ainda que não se encontra num estabelecimento de cura e tratamento adequado à sua inimputabilidade.

Esta última alegação do Requerente não é, desde logo, situação suscetível de de configurar algum dos motivos tipificados no art.º 222º n.º 2 do CPP para poder legitimar e amparar a providência de habeas corpus.

Por outro lado, consta da decisão que prorrogou o internamento do Requerente que a “Clínica ... afeta ao EP ...” é uma “unidade prisional especialmente vocacionada face ao DL 194/94-19 julho” para a execução das medidas de segurança de internamento de inimputáveis perigosos.

De todo o modo, ao par da judicialização do acompanhamento do cumprimento, também a equivalência ou aproximação dos regimes de execução da medida de segurança de internamento dos inimputáveis perigosos e de execução das penas, ademais de lhe conferir idêntica garantia, pode, em alguma medida, contribuir para a sua socialização.

Acresce que a colocação dos inimputáveis perigosos em estabelecimentos de cura, tratamento ou segurança – e esta não é aspeto que possa descurar-se atenta a finalidade da medida de segurança em causa – constitui questão de natureza não criminal, da competência da Direção-Geral dos Serviços Prisionais, como resulta dos art. 20.º e 126.º do CEPMPL. Admitindo recurso ordinário o indeferimento de pretensão do internado para transferência para “hospital psiquiátrico” com ala específica para execução de medidas de segurança dessa espécie.

Finalmente deve ter-se presente que a medida de segurança de internamento de inimputáveis ao abrigo do artigo 91.º, n.º 1, do Código Penal é uma reação criminal bem distinta do internamento compulsivo, por decisão judicial, ao abrigo da Lei de saúde mental, em hospital ou instituição análoga, que visa unicamente o tratamento coercivo destinado a “assegurar ou restabelecer o equilíbrio psíquico” de portador de anomalia psíquica grave que crie, por força dela, uma situação de perigo para bens jurídicos, de relevante valor, próprios ou alheios, de natureza pessoal ou patrimonial, e recuse submeter-se ao necessário tratamento médico ou que não possua o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento, quando a ausência de tratamento deteriore de forma acentuada o seu estado.

 A respeito dos reexames ocorridos consta da decisão judicial transcrita terem ocorrido em “7novembro2007, 26fevereiro2010, 17março2014, 22novembro2016 e 21fevereiro2019” e o último em 20 de junho de 2021.

A alegação do Requerente parece pressupor que o reexame tem de ocorrer até ao limite dos dois anos.

Não é assim. A lei é clara e expressa, estabelecendo que o reexame judicial obrigatório de faz “decorridos 2 anos sobre o início do internamento ou sobre a decisão que o tiver mantido”. Pode, pois, fazer-se antes, designadamente a requerimento. Mas, o que a lei impõe é que o tribunal reavalie transcorridos que sejam esses períodos. E com o fito de averiguar, pericialmente, se, nesse momento, ainda subsiste a inimputabilidade e a perigosidade do internando e se, com isso, deve concluir-se, judicialmente, que se mantêm as exigências de prevenção especial que determinaram a aplicação da medida de segurança. Evidentemente que a decisão judicial não pode ser imediata, como bem se compreenderá, porque carece, indispensavelmente, de perícia psiquiátrica atualizada,cuja realização está legalmente deferida aos serviços oficiais do Estado.

De qualquer modo, mesmo que se entendesse que o reexame deveria coincidir com os prazos judicial e legalmente fixados, algum atraso no reexame não constituiria fundamento legal de habeas corpus. Tratar-se-ia de irregularidade que a prorrogação, logo adiante, veio suprir.

Quanto à alegação nuclear – consistente na manutenção do internamento para além do prazo máximo judicialmente fixado – decorre do que se expôs no número antecedente não lhe assistir razão.

Como se salientou, a medida de segurança de internamento, pela sua própria natureza e finalidades, não convive bem com a predeterminação, seja legal, seja judicial, do seu termo final. Ressalvado o período mínimo legalmente imposto deve cessar logo que o internado adquiriu a capacidade de se determinar de acordo com o direito ou, logo que deixou se ser perigoso. Não apenas no imediato, mas também no período imediatamente seguinte à sua restituição à liberdade. Se permanece inimputável e perigoso, seria incompreensível fazer cessar a medida de segurança quando medicamente se tem a certeza de que no próprio dia ou nos que imediatamente se lhe seguem irá perpetrar factos ilícitos criminais do mesmo tipo.   

No caso, o TEP, reexaminado a situação do Requerente, por decisão judicial de 20 de junho de 2021, não impugnada por recurso ordinário - e que, por isso, se tornou definitiva -, decretou a prorrogação da medida de segurança de internamento que lhe foi aplicada e tem vindo a ser executada, com fundamento na subsistência da sua inimputabilidade e da perigosidade, ali bem fundamentadas.

De qualquer modo, repete-se, não é este o procedimento adequado a reexaminar decisão judicial que manteve a inimputabilidade e perigosidade do Requerente nem da verificação dos pressupostos da prorrogação do internamento. Essas são questões atinentes ao mérito daquela decisão judicial que aqui não cabe sindicar.

Nesta providência meramente liberatória, importa somente verificar, perfunctoriamente, se a manutenção do internamento do Requerente na Clínica Psiquiátrica do EP ... persiste “para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”.

A resposta decorre do exposto, com especial acuidade do estabelecido na Constituição da República que, conforme realçado, exceciona, expressamente, ao comando do n.º 1 do artigo 30º os casos “de perigosidade baseada em grave anomalia psíquica, e na impossibilidade de terapêutica em meio aberto” estabelecendo que quando assim seja “poderão as medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade ser prorrogadas sucessivamente enquanto tal estado se mantiver, mas sempre mediante decisão judicial.

Ora, a decisão judicial, - a última -, que decretou a manutenção do internamento é aquela de junho de 2021. Sem discutir aqui do seu mérito, a decisão de prorrogação do internamento do requerente, funda-se na evidenciação dos pressupostos fácticos que juridicamente o podem suportar.

Ademais que os factos constitutivos do crime pelo qual o Requerente foi condenado na medida de segurança de internamento é punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos.

Sobre a data da última prorrogação decorreu menos de um ano.

E vindo assente – repete-se, sem que se possa discutir aqui – que o caso do Requerente se subsume aquele preceito constitucional, excluída fica, liminarmente, a possibilidade de se poder concluir que a decisão judicial que prorrogou o seu internamento, possa enfermar de inconstitucional, ou que seja ilegal por abuso de poder.

Estando o Requerente internado, presentemente, em clínica psiquiátrica afeta a estabelecimento prisional do Estado, prorrogado por mais dois anos – conforme expressamente admite a Constituição da República no art.º 30º n.º 2 -, por decisão judicial relativamente recente – com menos de um ano -  em execução de medida de segurança, por factos pelos quais a lei a admite, conclui-se que não se encontra, pois, em situação de privação da liberdade ambulatória ilegal, inexistindo abuso de poder ou qualquer situação suscetível de integrar o disposto no art.º 31º n.º 1 da Constituição da República ou alguma das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal, normas essas que consagram o regime que delimita o âmbito da procedência do habeas corpus contra a medida de segurança de internamento de inimputáveis perigosos.

Não se verificando no caso situação fáctica ou jurídica que possa subsumir-se na previsão de qualquer daquelas disposições, conclui-se pelo indeferimento do habeas corpus em apreço por manifesta falta de fundamento - artigo 223.º, n.º 4, alínea a) e n.º 6, do Código de Processo Penal.

Finalmente nota-se que as afirmações tecidas pelo Requerente em discordância da decisão judicial que prorrogou o internamento até poderiam ter algum sentido no âmbito de um recurso ordinário, destinado à reapreciação da regularidade e, sobretudo, do mérito da mesma, em suma, contestando a aplicação do direito substantivo criminal e do regime processual de execução das medidas de segurança de internamento, mas, já não tanto assim no âmbito desta providência, expeditamente, destinada unicamente a avaliar se se verificam os pressupostos constitucional e legalmente definidos para a determinação e manutenção da privação da liberdade ambulatória, determinada por decisão judicial.

III. DECISÃO:

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça -3ª secção criminal delibera, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 223.º do CPP: -------

- indeferir, por falta de fundamento bastante, a petição de habeas corpus, apresentada pelo Requerente.

- condenar o Requerente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3UCs (art. 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais).

- condenar o Requerente na sanção processual cominada no art.º 223º n.º 6 do CPP, que se fixa em 4UCs.


*


Supremo Tribunal de Justiça, 16 de março de 2022.


Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)

Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro adjunto)

António Pires da Graça (Juiz Conselheiro Presidente da Secção)

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[1] GRAND CHAMBER, CASE OF AL-JEDDA v. THE UNITED KINGDOM, (Application no. 27021/08). Judgment, in 7 July 2011
[2] Habeas corpus: passado, presente, futuro, revista JULGAR - n.º 29 – 2016, pag. 223.
[3] Iniciada ou pelo menos desde o «Habeas corpus Act» de 1679.
[4] Autores e obra citada, pag. 508.
[5] Autores e obra citada, pag 508.
[6] Aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte, na sessão do 19 de Junho do 1911.
[7] 31.º Dar-se-á o habeas corpus sempre que o individuo sofrer ou se encontrar em iminente perigo do sofrer violência, ou coacção, por ilegalidade, ou abuso de poder.
A garantia do habeas corpus só se suspende nos casos do estado do sítio por sedição, conspiração, rebelião ou invasão estrangeira.
Uma lei especial regulará a extensão desta garantia e o seu processo.
[8] Jorge Miranda, O constitucionalismo liberal luso-brasileiro, Lisboa, 2001, págs. 51/52.
[9] § 22. Dar-se-ha o habeas-corpus sempre que o individuo soffrer ou se achar em imminente perigo de sofrer violencia, ou coacção, por illegalidade, ou abuso de poder.
[10]  Jorge Miranda, ob. cit. pág. 48/49;
[11] E. Maia Costa, HABEAS CORPUS: PASSADO, PRESENTE, FUTURO, Revista Julgar, N.º 29 – 2016.
[12] Artigo 8º, § 4º: “Poderá contra o abuso de poder usar-se da providência excepcional do habeas corpus, nas condições determinadas em lei especial
[13] Lei nº 3/71, de 16 de Agosto.
[14] Diário do Govêrno n.º 233/1945, Série I de 1945-10-20.
[15] Na exposição de motivos do DL n.º 185/72 fez-se constar: “Em virtude de as garantias da legalidade da prisão deverem inserir-se no sistema do Código de Processo Penal, incluiu-se nele, substancialmente inalterada, a regulamentação do habeas corpus, a que procedera o Decreto-Lei n.º 35043, de 20 de Outubro de 1945, para dar cumprimento à parte final do § 4.º do artigo 8.º da Constituição. Quer dizer: realiza-se, neste ponto, uma pura e simples «codificação» de normas vigentes, e não qualquer mudança de conteúdo (…)”.
[16] Funcionando a secção do STJ com todos os Juizes em exercício.
[17] E. Maia Costa, publicação cit., pag. 236.
[18] E. Maia Costa, publicação cit., pag.
[19] Ao art. 31º da Constituição da República.
[20] Ac. STJ de 19-05-2010, CJ (STJ), 2010, T2, pág.196
[21] Ac. STJ de 20/09/2017, Proc. 82/17.6YFLSB, e jurisprudência aí citada (máxime: por remissão para o Ac. de 4.02.2016, proc. 529/03.9TAAVR-E.S1), ECLI:PT:STJ:2017:82.17.6YFLSB.D4.
[22] Ac. STJ de 10/08/2018, Proc. 398/17.1PASXL-B.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[23] Tribunal Constitucional de Espanha (Sala Primeira), Sentença 21/2018 de 5.03.2018 (recurso de amparo 3766-2016), in BOE (Boletim Oficial do Estado) n.º 90 de 12.04.2018
[24] Ac. STJ de 9/08(2017 cit.
[25] Assim Maia Costa In Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça 2016. Almedina -2ª edição revista, pág. 854; Paulo Pinto de Albuquerque, inComentário do Código de Processo Penal, 4º ed., pág. 638.
Também assim Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada I, 2010, pág. 346 para quem, “a providência de habeas corpus é, desde a sua efectiva introdução na nossa ordem jurídica, uma providência meramente conservatória, liberatória ou desconstitutiva e não também preventiva. Reage a uma detenção ou prisão efectiva e actual, e não ao simples perigo iminente de detenção ou de prisão” -
[26] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada (artigos 1º a 107º), Coimbra Editora, 4ª ed. Revista (2007), pag. 510.
[27] Cfr Ac. de 8/02/2017, proc. 404/11.3PULSB-A; Ac. de 7/11/2012, proc. 19996/97.1TDLSB-H.S1; Ac. de 11/11/2010, proc. 610/08.8PBSXL-B.S1, in www.dgsi.pt.
[28] 211/12.6GAMDB-A.S1. in www. Dgsi.pr
[29] Proc. 741/12.0TXPRT-F, in www. dgsi.pt