Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA ALIENAÇÃO INCUMPRIMENTO DEFINITIVO RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO ILICITUDE CONCORRÊNCIA DE CULPAS RESTITUIÇÃO DO SINAL | ||
Data do Acordão: | 09/12/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES EM GERAL / MODALIDADE DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO / ACÇÃO DE CUMPRIMENTO E EXECUÇÃO. | ||
Doutrina: | -ADRIANO VAZ SERRA, em anotação ao Acórdão do STJ de 14 de Maio de 1976, artigo 570.º do Código Civil, 186; -JOÃO CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Separata do Vol. XXX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Coimbra, 1995, 130, 134, 292-293; -JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral, A Dualidade Execução Específica – Resolução, 2.ª ed., Separata do número especial do Boletim da faculdade de Direito de Coimbra, Estudos em Homenagem ao professor Doutor António de Arruda Ferrer Correia, Coimbra, 1996, 102 e 103. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 570.º E 830.º, N.º 3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 14/05/1976, PUBLICADO NA RLJ N.º 3597, 180 E SS.; - DE 18/12/1998, PROCESSO N.º 4/98, ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA; - DE 08/05/2013; | ||
Sumário : | I - O promitente-vendedor que aliena a fracção prometida vender a um terceiro incumpre o contrato-promessa de compra e venda. II - Na responsabilidade contratual a culpa do promitente-vendedor no incumprimento presume-se. III - O promitente-comprador que resolveu ilicitamente, antes daquela alienação, o contrato-promessa, colocou-se culposamente numa situação de recusa injustificada da celebração do contrato prometido. IV - O incumprimento do contrato pelo promitente-vendedor referido em I deveu-se, por isso, à conduta culposa de ambas as partes. V - Neste contexto, deve proceder o pedido de resolução do contrato formulado pelo autor, promitente-comprador, e ser-lhe restituído o valor do sinal prestado, em singelo. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 148/14.4TVPRT.P1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6.ª Secção) Relatório AA, SA, com sede em ..., ..., ..., intentou na Comarca do ...– ...– Instância Central – 1.ª Secção Cível a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra BB, Ld.ª, com sede na Rua …, n.º 0 no …, pedindo que fosse declarado resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre autora e ré, devido a impossibilidade definitiva e culposa de cumprimento por parte desta; fosse condenada a ré a devolver o sinal prestado, no montante de €116.850,00, em dobro; e a pagar juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento. Alegou em síntese que entre a Autora (como promitente-compradora) e a Ré (como promitente-vendedora) foi celebrado o contrato promessa de compra e venda a que se referem os autos, estando a ré definitivamente impossibilitada de cumprir a obrigação prometida por, entretanto, ter vendido a(s) fracção (fracções) a terceiros. A Ré veio contestar por excepção, invocando caso julgado anterior, impugnando a versão dos factos tal como apresentada pela Autora e fornecendo a sua própria versão dos mesmos, que deveria conduzir à absolvição dos pedidos formulados. Deduziu, também, reconvenção, pedindo que fosse declarado o incumprimento definitivo e culposo, por parte da Autora, do contrato, e o consequente direito a fazer suas as quantias pagas a título de sinal, no valor de €116.850,00 ou, se assim não se entendesse, fosse a Autora condenada a pagar á Ré as despesas em que esta incorreu - e venha a incorrer, até ao cumprimento ou resolução do contrato - com a mora da Autora, no valor, até à data, de €38.224,01, e dos restantes danos, a apurar em execução de sentença, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, desde os respectivos vencimentos e até efectivo e integral pagamento. A Autora respondeu à contestação. Foi subsequentemente proferido despacho saneador/sentença, com o seguinte teor: “Em conclusão, tudo ponderado e ao abrigo das disposições legais supra referidas, nesta acção em que é autora/reconvinda AA, SA, e em que é ré/reconvinte BB, Ld.ª, ambas com os demais sinais dos autos, julgo improcedentes tanto a acção como a reconvenção e, em consequência, decido: A- julgar improcedente a excepção dilatória de caso julgado invocada pela ré, dela absolvendo a autora; B- Absolver a ré de todos os pedidos contra ela formulados pela autora em sede de acção, bem como absolver a autora de todos os pedidos contra si formulados pela ré em sede de reconvenção”. Inconformada a Autora recorreu. O Tribunal da Relação proferiu Acórdão revogando a decisão recorrida, declarando resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes, por incumprimento definitivo e culposo por parte da promitente-vendedora, ora Ré/Apelada e condenando a Ré/Apelada a devolver à Autora/Apelante o sinal prestado, no montante de €116.850,00, em dobro e ainda no pagamento de juros moratórios desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Inconformada a Ré veio interpor recurso de revista em que pediu a revogação do Acórdão recorrido e a confirmação da sentença de 1.ª Instância. A Autora contra-alegou, pedindo que o recurso não fosse recebido porque extemporâneo e por deficiente redacção das conclusões e defendendo a improcedência do recurso.
Fundamentação De Facto
De Direito O presente recurso é interposto pela Ré BB, Ldaª do Acórdão do Tribunal da Relação que, revogando a sentença de 1.ª Instância, declarou resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes, por incumprimento definitivo e culposo por parte da Ré/Apelada, condenando esta última à devolução do sinal em dobro e ao pagamento de juros moratórios desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento. Nas suas contra-alegações o Autor/Recorrido defende que o recurso é extemporâneo e não pode, por conseguinte, ser admitido. E isto porque a notificação às partes do Acórdão recorrido foi feita a 12 de Janeiro de 2017 e o recurso apenas foi interposto a 22 de Fevereiro de 2017. Não lhe assiste, contudo, razão. É que consultando a 1.ª notificação enviada por carta registada que foi devolvida (f.397) verifica-se que na mesma a morada indicada era “Centro …., rua …, 000, X-00, 0000-000 …”. Não era essa, no entanto, a morada que constava de várias peças juntas ao processo: assim, por exemplo o requerimento a ff. 258 e ss. aonde se indica “Rua … 000, X-0” ou a f.321 onde se refere “Rua … 000, Edif. X-0”. Assim a primeira notificação enfermava de lapso do Tribunal, lapso esse que não pode prejudicar o ora Recorrente. E também não há razão para rejeitar o recurso só porque o Recorrente formula 60 Conclusões que são em parte a reprodução do alegado. A técnica de formulação das conclusões poderia levar este Tribunal a pedir que as mesmas fossem mais concisas ou formuladas de modo tecnicamente mais adequado, mas tal não foi reputado necessário. Do recurso resultam as seguintes questões: Relativamente à primeira questão, a venda a um terceiro pelo promitente-vendedor da fracção que este prometeu vender ao promitente-comprador representa por parte daquele um incumprimento do contrato-promessa, ao contrário do que afirmou o Acórdão recorrido que o configurou como uma mera recusa ilegítima de incumprimento. O nosso ordenamento admite a figura da promessa de venda de coisa alheia, mas essa é uma figura distinta, sendo que o promitente-vendedor ao alienar a fracção que prometeu vender a outrem se colocou em uma situação em que já não pode legitimamente dispor da coisa que anteriormente prometeu vender. O AUJ n.º 4/98 de 18 de Dezembro afirma expressamente que “o promitente-vendedor [que] em lugar de cumprir a obrigação assumida no contrato-promessa, aliena a terceiro a coisa objecto do contrato prometido (…) cai na situação de impossibilidade de cumprimento”. Esta impossibilidade de cumprimento será, em regra, culposa, sendo que, de resto, a culpa do devedor se presume na responsabilidade contratual. Mas terá o promitente-vendedor no caso dos autos ilidido a presunção? Recorde-se que esta é uma situação em que entre as mesmas partes correu a acção n.º13/09.7TVPRT que foi definitivamente julgada por Acórdão do STJ de 8 de Maio de 2013, o qual decidiu que o Autor nesse processo – que é também o Autor deste – não tinha direito à resolução do contrato nem à indemnização correspondente ao dobro do sinal, pelo que “o contrato-promessa continua a vincular ambas as partes” e considerou tal contrato repristinado. Em suma, a resolução do contrato pelo promitente-comprador foi considerada ilícita porque não foi precedida de interpelação admonitória, tendo o Tribunal aderido á tese de que a resolução ilícita é ineficaz. No entanto, é preciso atender a que a mora do promitente-vendedor passou a ser acompanhada de uma resolução a qual, ainda que ineficaz, foi ilícita por parte do promitente-comprador e que significou que o promitente-comprador não estava disponível, pelo menos pela duração da acção anterior, para celebrar o contrato prometido. O Tribunal sublinhou, é certo, que “não pode a inércia do promitente-comprador ser interpretada como uma conduta concludente, reveladora de uma deliberada e definitiva intenção de não cumprir a obrigação contratual de celebrara a escritura, não sendo subsumível o caso á situação do não cumprimento definitivo, não tendo, por outro lado, o promitente vendedor demonstrado que perdeu o interesse na prestação, objectivamente apreciado, nem procedido à interpelação admonitória do promitente-comprador” (Conclusão II). Nada disto afasta, todavia, a conclusão de que embora subsistindo o contrato passou a existir uma violação do mesmo por ambas as partes e à mora do promitente-devedor passou a acrescer um comportamento culposo do promitente-comprador – uma resolução ilícita – que o colocou temporariamente em uma situação de recusa injustificada da celebração do contrato prometido, com a concomitante violação do seu dever de colaborar na realização do contrato pelo devedor[1]. E mesmo repristinado o contrato-promessa não parece que fosse exigível ao promitente-vendedor manter durante anos a fio a propriedade da fracção. Com efeito, esta terá sido alienada antes da anterior decisão do STJ (cfr. facto n.º 7: a fracção correspondente ao apartamento em causa acha-se registada na Conservatória do Registo Predial a favor de terceira pessoa desde 05 de Julho de 2012, data, portanto, anterior a 8 de Maio de 2013) em um momento em que a aparência criada pelo promitente-comprador ao resolver (ilicitamente) o contrato-promessa em vez de exigir a sua execução específica como podia (n.º 3 do artigo 830.º do Código Civil) era a de que não estava primordialmente interessado na transmissão da propriedade. Ao que acresce que seria excessivo para o promitente-vendedor o prejuízo de manter nessas condições “imobilizado” o activo. Em suma, o incumprimento pelo promitente vendedor deve-se, no fim de contas, à conduta culposa de ambas as partes, a uma violação recíproca do contrato, resultante da mora do promitente vendedor, mas também da resolução ilícita do contrato pelo promitente-comprador que não sendo eficaz, nem por isso deixou de ser ilícita. A jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça – sirva de exemplo já o Acórdão do STJ de 14 de Maio de 1976[2] – e uma parte importante da doutrina têm-se orientado no sentido de que é possível pedir a resolução do contrato nestas situações[3] e, sobretudo, que, em tais situações, se justifica a aplicação do artigo 570.º do Código Civil[4]. Com efeito, não é por ter existido uma primeira situação de mora do devedor que a resolução ilícita do promitente-comprador deixa de relevar para este efeito. As condutas das partes equivalem-se, atendendo não só ao grau de culpa, mas também às suas consequências. Com efeito, se o promitente-vendedor não compareceu ou se atrasou reiteradamente às escrituras de celebração do contrato definitivo, a resolução ilícita do promitente-comprador, porque não eficaz, impediu o cumprimento do contrato durante anos. Assim sendo, a solução deverá ser a da procedência do pedido de resolução apresentado pelo Autor, promitente-comprador, com a restituição pelo promitente vendedor do sinal recebido, mas em singelo. Quanto ao pedido de juros feito pelo Autor este reporta-se à restituição do sinal relativamente á qual o ora Recorrente se acha efectivamente em mora pelo menos desde a data da citação (e é a essa data que se reporta o pedido). Decisão: Concedida parcialmente a revista, revogando-se o Acórdão recorrido e decidindo-se que procede o pedido de resolução do contrato pelo promitente-comprador, ficando o promitente-vendedor obrigado à restituição do sinal em singelo, com juros desde a data da citação na presente acção. Custas a dividir igualmente pelas Partes Lisboa, 12 de Setembro de 2017 Júlio Gomes – Relator José Rainho Salreta Pereira
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