Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
414/13.6TYLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE INSOLVÊNCIA
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI
Data do Acordão: 11/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO.
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO - PLANO DE INSOLVÊNCIA.


Doutrina:
- “Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas” Anotado, Colecção PLMJ, 2012, 128/129;
- Bertha Parente Esteves, “Da aplicação das normas relativas ao plano de insolvência ao plano de recuperação conducente à Revitalização”, in II Congresso de Direito da Insolvência, 2014, Almedina, 267/280.
- Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, 2013, 139/145, 174, 303/305.
- Catarina Serra, “Revitalização - A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE”, in I Congresso de Direito da Insolvência, 2013, Almedina, 85/106.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, 3ª edição, 124/131.
- Isabel Alexandre, “Efeitos processuais da abertura do processo de revitalização”, in II Congresso de Direito da Insolvência, 2014, Almedina, 235/254;
- Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 5ª edição, 275/276.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 9.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 1º, Nº2, 17º-A A 17º-I, 17º-F, Nº5, 46º, Nº1 E 2, 195º, 215.º, 216.º
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 13.º.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA PROPOSTA DE LEI 39/XII, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2011.
Sumário :

I. A Lei disponibiliza aos devedores que se encontrem numa situação de insolvência meramente eminente dois meios judiciais: o processo de insolvência e o processo especial de revitalização.

II. O PER aplica-se apenas naquelas situações em que ainda é possível a recuperação da empresa através da negociação com os respectivos credores com vista a com eles estabelecer um acordo nesse sentido de harmonia com o preceituado no artigo 17º-A do CIRE, visando privilegiar, sempre que possível, a manutenção do devedor no giro comercial.

III. É um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, focalizado na obtenção de um acordo para a revitalização da empresa, ao qual são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras especificas que pautam a homologação do plano insolvencial, maxime, as decorrentes do normativo inserto no artigo 195º do CIRE, constante do Titulo IX, para o qual nos remete o artigo 17º-F, nº5, do mesmo diploma.

IV. A unidade do sistema jurídico, impõe que as leis se interpretem umas às outras, o que no caso em apreço conduz à asserção de que não contendo as regras especificas relativas ao PER – constantes dos artigos 17º-A a 17º-I, qualquer dispositivo especifico de onde deflua quais os items a observar aquando da elaboração do «plano» e remetendo aquele normativo, para o Titulo IX, respeitante ao «Plano de Insolvência», embora se destacando o que preceituam os artigos 215º e 216º, igualmente insertos naquele Titulo, mas não descartando a aplicação de todos os outros que o enformam, parece não se poder concluir que as regras respeitantes àquele plano insolvencial não tenham aplicação no PER.

V. Embora sejam realidades diversas, porque o Plano de Revitalização é uma demarche pré-insolvencial e o Plano de Insolvência, insere-se já neste processo declarativo, não se anulam quer na forma, quer na substância, nem obedecem a um critério pré-definido, porque as situações variam, resultando daquele artigo 195º do CIRE a enunciação dos elementos que o «plano» deverá conter, por forma a elucidar todos os intervenientes, com vista á sua aprovação e subsequente homologação pelo juiz.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I P, SA, instaurou processo especial de revitalização, alegando para o efeito encontrar-se em situação económica difícil.

Foi nomeado Administrador Judicial provisório e apresentada a Lista Provisória de Créditos foi a mesma publicada no Portal Citius, tendo sido objecto de impugnações entretanto decididas.

O prazo para conclusão das negociações foi prorrogado por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre Administrador Judicial provisório nomeado e a devedora, aqui Requerente.

Concluídas as negociações, foi junto aos autos o “plano de recuperação conducente à revitalização do devedor” bem como os restantes documentos relativos à votação do mesmo.

Face a tal plano de revitalização, veio a credora C, S.A., aqui Recorrida, requerer a não homologação oficiosa do plano, alegando em síntese:

- A título de questão prévia o plano de recuperação enviado para o tribunal não corresponde àquele que foi objecto de votação por parte dos credores, com aditamento de cláusulas, sendo entre elas a de “Salvo Regresso de Melhor Fortuna”;

- Sob a epígrafe “da violação não negligenciável de regras procedimentais”:

a) O prazo para votação do plano terminou em 8 de Julho de 2013 e o voto da Credora Reclamante X só foi enviado para o Senhor Administrador Judicial Provisório no dia 25 de Julho;

b) O voto da credora reclamante X foi enviado para o Administrador Judicial Provisório depois do final do prazo para a conclusão das negociações (25 de Julho de 2013);

c) Não existiram quaisquer negociações entre os credores e a Devedora nas quais estivesse presente o Senhor Administrador Judicial Provisório, que assim - pelo menos presencialmente não orientou ou fiscalizou os trabalhos, não obstante a referida incumbência legal;

d) A Devedora pretende através deste Plano de Recuperação tão só e apenas (i) dilatar o prazo de liquidação da sociedade e (ii) fazê-lo com o favorecimento expresso de um credor (CGD) em detrimento do outro (Requerente);

e) O Sr. Administrador Judicial Provisório faz tábua rasa da natureza destes créditos da Requerente (alegadamente garantidos pelo direito de retenção) e classifica-os a todos como comuns, assim favorecendo ilegal e injustificadamente um credor em detrimento do outro (credor X);

- Pretende-se com este procedimento garantir-se a aprovação do plano pelo credor maioritário (X), único graduado como garantido, que assim sairia beneficiado por todo este processo em detrimento do Requerente, que vem exercendo o direito de retenção desde a construção do empreendimento, assegurando e pagando a vigilância e manutenção do empreendimento, evitando assim a sua absoluta vandalização e consequente diminuição do seu valor patrimonial, dada a insuficiência financeira da Devedora desde a conclusão do empreendimento pela Requerente para assegurar a manutenção do empreendimento (nem sequer os consumos de electricidade tem pago à EDP).

- Da violação das regras que regem o conteúdo do plano (artigo 195.º do CIRE):

a) O Plano de Recuperação não apresenta “plano de investimentos, conta de exploração previsional e demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos, e balanço pró-forma”;

b) A devedora também deixa claro que “apenas com o arranque do funcionamento será possível encontrar meios financeiros para fazer face às responsabilidades”;

 c) O plano não contempla o impacte expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano;

d) O Plano de Recuperação aprovado nos autos não visa revitalizar qualquer empresa, antes a intenção da Devedora é alienar a terceiros o empreendimento construído pela Requerente (único património que detém), não tendo qualquer intenção de o explorar e rentabilizar para assim poder efectivamente revitalizar ou recuperar a sociedade;

e) A Devedora pretende através deste Plano de Recuperação é tão só e apenas dilatar o prazo de liquidação da sociedade, garantindo simultaneamente uma redução de 90% da dívida à Requerente.

- Da violação do Princípio da Igualdade (artigo 194.° do CIRE):

a) Do Plano de Recuperação aprovado não consta qualquer razão ou motivo justificativo do tratamento diferenciado conferido aos credores;

b) Embora se planeie efectuar a venda do empreendimento, não se prevê a distribuição entre os credores do produto da venda do empreendimento;

c) O Plano de Recuperação apresentado aos credores para votação não consta nenhuma cláusula “salvo regresso de melhor fortuna” relativa ao pagamento dos credores comuns.

- Da violação do disposto no número 3 do artigo 209º do CIRE:

- Em face da manifestação de vontade de apresentação de recurso, o Plano de Recuperação elaborado deveria ter acautelado o efeito da possível alteração, em sede de recurso a ser interposto a final, da qualificação do crédito da Recorrente.

- Da violação dos Princípios da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011 o Plano de Recuperação não reflecte a posição relativa da Requerente, uma vez que não considera o seu crédito como garantido.

Responderam ao pedido de não homologação do plano a credora X e a Requerente, aqui Recorrente.

Pela credora X, foi declarado que a declaração de voto foi enviada ao Sr. AJP no dia 25 de Julho de 2013, sendo igualmente verdade que o prazo para conclusão das negociações terminou em 24 de Julho de 2013, altura em que o Sr. AJP, comunicou verbalmente à X que o prazo para votar por escrito era de 10 dias contados do final do prazo para conclusão das negociações, ou seja, apenas terminava em 3 de Agosto de 2013.

A credora C optou por titular o seu crédito por letras de câmbio, não podendo, por isso, crédito fruir da garantia em que se traduz o direito de retenção que sustenta ter em relação à obra.

Do mesmo passo, a Requerente pugnou pela tempestividade da apresentação do voto da Credora X e pela não violação de normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação.

Consta do plano remetido pelo Sr. Administrador Judicial Provisório:

«(…) 4-INDICAÇÃO DAS PERSPECTIVAS DE MANUTENÇÃO DA EMPRESA DEVEDORA

PLANO DE PAGAMENTOS

«O empreendimento está concluído e pronto para funcionar e que o objectivo é "deferir o passivo por forma a facilitar a compra da empresa por um investidor capaz de colocar o projeto em funcionamento”»

5-RAZÕES QUE CONTRIBUÍRAM PARA A SITUAÇÃO DE INCUMPRIMENTO.

«A Devedora tinha como objetivo promover a construção do empreendimento e vende-lo a uma cadeia do ramo hoteleiro internacional

(...)

apenas com o arranque do funcionamento será possível encontrar meios financeiros para fazer face às responsabilidades.

7-PROPOSTA DO MEIO DE RECUPERAÇÃO MAIS ADEQUADO À SUA VIABILIZAÇÃO E À PROTECÇÃO DOS INTERESSES DOS CREDORES

- Credor Garantido X com um crédito de € 11.671.816,13

- Pagamento de 100%; 2 anos de carência de capital e juros; Taxa de Juro para os vincendos de Euribor a 3M + 2,5%; Perdão dos juros vencidos; Pagamento em 144 prestações constantes e postecipadas de capital e juros.

- Credores Comuns num total de € 2.917.544,61 (em que € 2.916.689,55 são da Requerente e € 855,06 da EDP Serviço Universal, S.A.):

- Pagamento de 10% DO CAPITAL INSCRITO em 10 anos com prestações mensais constantes de capital; Carência das primeiras 24. Taxa de Juro “0”.(…)».

A final foi produzida sentença a não homologar a deliberação dos credores que aprovou o plano de recuperação da devedora P, SA, e ordenou o encerramento do processo.

Inconformada a Requerente recorreu, tendo a Apelação sido julgada improcedente e confirmada a sentença sob recurso.

De novo irresignada com tal desfecho, vem agora a Requerente recorrer de Revista, com fundamento em oposição de Acórdãos, apresentando as seguintes conclusões:

- O Presente recurso deve ser admitido, tendo em conta o disposto no artigo 14º, nº 1 do CIRE, uma vez que o douto acórdão impugnado está em oposição com o douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo nº 4257/12.6TBVFR-B.Pl, de 13/05/2013, no domínio da mesma legislação, tendo decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito, ou seja, considerou que não ter aplicação, no PER, o estatuído no art.º 195º, do CIRE;

- No douto acórdão impugnado, o Tribunal a quo não homologou a deliberação dos credores que aprovou o plano de recuperação, por este não ter sido elaborado mediante o estrito cumprimento do preceituado no artigo 195º do CIRE, o qual é aplicável por força da remissão que é feita no art. 17º-F, nº 5;

- Noutro sentido o douto acórdão-fundamento que estabelece que não tem aplicação no PER, o estatuído no art. 195º do CIRE, sendo que o quadro normativo específico do processo de revitalização apenas prevê a aplicação, com as necessárias adaptações, do preceituado nos arts 211º, 212º, 215º e 216º, do CIRE (Capítulo II, do Título IX), relativas à aprovação e homologação do plano de insolvência (ver arts 17º-F e 17º-I);

- De facto, Plano de Recuperação e Plano de Insolvência são realidades jurídicas perfeitamente distintas, detendo cada um deles regras próprias e específicas e pressupostos e finalidades distintas.

- A conclusão que se retirou no douto acórdão impugnado no sentido de não homologação do plano de recuperação por este não ter sido elaborado mediante o estrito cumprimento do preceituado no artigo 195º do CIRE, enquanto o douto acórdão-fundamento se decidiu pela não aplicação no PER do estatuído no art. 195º do CIRE;

- Ora, no PER, diversamente do que sucede no Processo de Insolvência, pretendeu-se conferir primazia à vontade dos credores, o que se reflecte nas diversas soluções adaptadas quer de índole procedimental quer de índole substantiva, onde se atribui um controlo efectivo do processo pelos credores.

- Tendo, o Plano de Recuperação apresentado aos credores, sido devidamente aprovado, tendo obtido uma percentagem de votos positivos que satisfez os requisitos exigidos pelo nº 3 do artigo 17º-F e nº 1 do artigo 212º, ambos do CIRE;

- Consequentemente, e não tendo aplicação no PER o estatuído no art. 195º do CIRE, e não se tendo verificado qualquer violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis (arts. 17º-F, nº 5 e 215º do CIRE), e tendo o Plano sido aprovado por reunir a maioria dos votos prevista no nº1 do art. 212º do CIRE, deveria o Plano de Recuperação ter sido homologado.

- Salvo o devido respeito pelo que vem decidido no douto acórdão impugnado, a solução que vem consagrada no douto acórdão-fundamento é a que deve prevalecer, uma vez que é a única que garante a possibilidade de manter a actividade económica da Recorrente, facultando-lhe a possibilidade de se manter activo no giro comercial, bem como, aplicar o Plano de Recuperação aprovado pelos credores.

- Pelo que, ao interpretar a aplicação do art. 195º do CIRE, por força da remissão que é feita no art. 17º-F, nº 5, no sentido em que o fez o Tribunal a quo, bem como a lª Instância, implica a violação grave do direito constitucional da igualdade, previsto no art. 13º da Constituição da República Portuguesa, importando assim, a inconstitucionalidade de tal previsão legal, o que aqui se invoca expressamente e para todos os efeitos legais.

- Por outro lado, por força do princípio da proporcionalidade, numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, seria desproporcional que o processo especial de revitalização fosse

inviabilizado pelo não cumprimento do disposto no art. 195º do CIRE, quando este não é aplicável ao processo especial de revitalização.

Nas suas contra alegações, C, SA, conclui pela improcedência da Revista.

II A única questão a decidir no âmbito do presente recurso é a de saber se tem aplicação na especie o disposto no artigo 195º do CIRE.

Mostra-se assente com interesse para a decisão do pleito a seguinte factualidade:

Consta do plano de recuperação que faz fls 1649 a 1669 o seguinte:

«(…) 4-INDICAÇÃO DAS PERSPECTIVAS DE MANUTENÇÃO DA EMPRESA DEVEDORA

PLANO DE PAGAMENTOS

«O empreendimento está concluído e pronto para funcionar e que o objectivo é "deferir o passivo por forma a facilitar a compra da empresa por um investidor capaz de colocar o projeto em funcionamento”»

5-RAZÕES QUE CONTRIBUÍRAM PARA A SITUAÇÃO DE INCUMPRIMENTO.

«A Devedora tinha como objetivo promover a construção do empreendimento e vende-lo a uma cadeia do ramo hoteleiro internacional

(...)

apenas com o arranque do funcionamento será possível encontrar meios financeiros para fazer face às responsabilidades.

7-PROPOSTA DO MEIO DE RECUPERAÇÃO MAIS ADEQUADO À SUA VIABILIZAÇÃO E À PROTECÇÃO DOS INTERESSES DOS CREDORES

- Credor Garantido X com um crédito de € 11.671.816,13

- Pagamento de 100%; 2 anos de carência de capital e juros; Taxa de Juro para os vincendos de Euribor a 3M + 2,5%; Perdão dos juros vencidos; Pagamento em 144 prestações constantes e postecipadas de capital e juros.

- Credores Comuns num total de € 2.917.544,61 (em que € 2.916.689,55 são da Requerente e € 855,06 da EDP Serviço Universal, S.A.):

- Pagamento de 10% DO CAPITAL INSCRITO em 10 anos com prestações mensais constantes de capital; Carência das primeiras 24. Taxa de Juro "0".(…)»

Vejamos.

O processo de Insolvência constitui um procedimento universal e concursal, cujo objectivo é a obtenção da liquidação do património do devedor, por todos os seus credores: concursal (concursus creditorum), uma vez que todos os credores são chamados a nele intervirem, seja qual for a natureza do respectivo crédito e, por outro lado, verificada que seja a insuficiência do património a excutir, serão repartidas de modo proporcional por todos os credores as respectivas perdas (principio da par conditio creditorum); é um processo universal, uma vez que todos os bens do devedor podem ser apreendidos para futura liquidação, de harmonia com o disposto no artigo 46º, nº1 e 2 do CIRE, normativo este que define o âmbito e a função da massa insolvente.

A massa abrange assim, a totalidade do património do devedor insolvente, susceptível de penhora, que não esteja excluído por qualquer disposição especial em contrário, bem como aqueles bens que sejam relativamente impenhoráveis, mas que sejam por aqueles apresentados voluntariamente (exceptuam-se apenas os bens que sejam absolutamente impenhoráveis), e que existam no momento da declaração da insolvência ou que venham a ser adquiridos subsequentemente pelo devedor na pendência do processo, cfr Código Da Insolvência E Da Recuperação De Empresas Anotado, Colecção PLMJ, 2012, 128/129; Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª edição, 2013, 303/305.

O processo de insolvência tem como finalidade a liquidação do património do um devedor insolvente por forma a que o respectivo produto, resultante da venda dos bens da massa insolvente, seja repartido por todos os credores que reclamem os seus créditos, repartição essa que se faz em função da graduação dos créditos fixada na sentença de verificação e graduação de créditos ou pelo modo estabelecido num plano de insolvência baseado na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, constituindo este plano um meio alternativo à liquidação.

O processo especial de revitalização (vulgo PER), introduzido pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, regulado nos artigos 1º, nº2, 17º-A a 17º-I do CIRE pretendeu «(…) assumir-se como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente eminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência actual.(…)», cfr Exposição de Motivos da Proposta de Lei 39/XII, de 30 de Dezembro de 2011.

Daqui resulta que a Lei disponibiliza aos devedores que se encontrem numa situação de insolvência meramente eminente dois meios judiciais: o processo de insolvência e o processo especial de revitalização, sendo que este se aplicará apenas naquelas situações em que ainda é possível a recuperação, através da negociação com os respectivos credores com vista a com eles estabelecer um acordo nesse sentido de harmonia com o preceituado no artigo 17º-A do CIRE, cfr Carvalho Fernandes e João Labareda, ibidem, 139/145; Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 5ª edição, 275/276.

 

Este processo pré-insolvencial, tem como pressuposto substantivo a recuperabilidade do devedor e visa privilegiar, sempre que possível, a manutenção do devedor no giro comercial, gizando-se soluções eficazes de combate ao desaparecimento e desmantelamento, cfr Exposição de Motivos da Proposta de Lei supra indicada.

É um processo negocial extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, focalizado na obtenção de um acordo para a revitalização da empresa, permitindo que esta regularize os seus compromissos para com os seus credores de forma preventiva, isto é, antes de entrar numa situação irreversível de insolvência.

O aporema daqui consiste em dilucidar se a este processo especial podem ou não ser aplicáveis, as regras especificas que pautam a homologação do plano insolvencial, maxime, as decorrentes do normativo inserto no artigo 195º do CIRE.

Como se lê na sentença de primeiro grau

«(…) V-2 Da violação das regras que regem o conteúdo do plano

Estabelece o art. 195° n° 1 do CIRE que o plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência.

E, prossegue o n° 2, "o plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos

os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente: (…)

Assentando o plano no deferimento do passivo por forma a facilitar a compra da empresa por um investidor, não salvaguarda outras possibilidades, mormente o pagamento imediato do mesmo.

Não é feita qualquer referência ao impacte expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência. É, também, omisso quanto à indicação dos preceitos legais derrogados.(…)

Em face do litígio quanto à natureza dos créditos reclamados pela C, S.A., o plano submetido a votação apenas tinha que distinguir a forma de pagamento dos créditos garantidos e comuns, salvaguardando a possibilidade dos daquela credora virem a ser considerados como garantidos, devendo para o efeito dar cumprimento ao disposto no n° 3 do art. 209° do CIRE, caso o plano tivesse sido, que não foi, elaborado mediante o estrito cumprimento do preceituado na al. c) do n° 195° do mencionado diploma.(…)»

Por seu turno o segundo grau, seguindo a mesma orientação concluiu deste modo:

«(…) Por assim ser, a elaboração do plano não tem de obedecer a um modelo estereotipado, comum a todas as situações.

Deve é ser preparado em termos de, conforme os casos e as circunstâncias, contemplar a análise de diversos aspectos considerados na lei, exactamente porque se supõe que isso é necessário para permitir a necessária compreensão das diversas propostas».

Já vimos, no essencial, qual é a função do plano e, o que se pode dizer relativamente àquele que foi apresentado pela apelante, é que ele se resume a três ideias: «( ... ) crescimento  sustentado ao nível das encomendas» e «(         ) mudança na estrutura de custos, aliada a uma consolidação e deferimento do passivo ( ); «( ... ) empreendimento ( ... ) quatro estrelas, pretende atingir uma clientela alvo rigorosa e exigente».

De que modo se propõe concretizar aqueles objectivos é que a recorrente não esclarece. Não será, certamente, apenas com o deferimento do passivo pois, «o arranque do funcionamento» do empreendimento, ideia a que a apelante também se refere, não se fará sem trabalhadores, sem rendimentos, sem investimentos.

Trabalhadores a recorrente não tem pois, assim, o declarou; sobre investimentos e rendimentos a recorrente nada diz. No fundo, o que a apelante se propõe, é vender o seu património imobiliário sem que, no entanto, esclareça o impacte expectável desse seu objectivo, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de revitalização.(…)»

O Acórdão recorrido, como vimos, aplicou o sobredito artigo, confirmando, em consequência aquela decisão de primeiro grau que não homologou o plano de revitalização por omissão das especificações ali aludidas, sendo que no Acórdão fundamento, ex adverso se porfia que não tem aplicação no PER, o estatuído no artigo 195º do CIRE, sendo que o quadro normativo específico do processo de revitalização apenas prevê a aplicação, com as necessárias adaptações, do preceituado nos artigos 211º, 212º, 215º e 216º, daquele diploma, relativas à aprovação e homologação do plano de insolvência, sendo que «Plano de Recuperação» e «Plano de Insolvência» são realidades jurídicas perfeitamente distintas, detendo cada um deles regras próprias e específicas e pressupostos e finalidades distintas.

Afigura-se-nos sem razão esta tese, sempre s.d.r.o.c..

Se não.

O artigo 195º do CIRE encontra-se inserido no seu Titulo IX, para onde nos remete directamente o preceituado no artigo 17º-F, nº5, onde se predispõe o seguinte:

«O juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, (…), aplicando com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no titulo IX, em especial o disposto nos artigos 215º e 216º.».

O Acórdão fundamento assenta numa interpretação restritiva daquele ínsito, não consentânea com o preceituado no artigo 9º, nº1 e 2 do CCivil, ignorando, por um lado a unidade do sistema jurídico e por outro, desconsiderando o pensamento legislativo que encontra na letra da Lei a sua correspondência, expressa, por sinal.

Explicitando.

A unidade do sistema jurídico, impõe que as leis se interpretem umas às outras, o que no caso em apreço conduz à asserção de que não contendo as regras especificas relativas ao PER – constantes dos artigos 17º-A a 17º-I, qualquer dispositivo especifico de onde deflua quais os items a observar aquando da elaboração do «plano» e remetendo o artigo 17º-F, nº5, para o Titulo IX, respeitante ao «Plano de Insolvência», embora se destacando o que preceituam os artigos 215º e 216º, igualmente insertos naquele Titulo, mas não descartando a aplicação de todos os outros que o enformam, parece não se poder concluir, como se conclui no Acórdão fundamento, cfr sobre a aplicação ao PER das regras do processo de insolvência, Catarina Serra, Revitalização-A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE, in I Congresso de Direito da Insolvência, 2013, Almedina, 85/106; Isabel Alexandre, Efeitos processuais da abertura do processo de revitalização, in II Congresso de Direito da Insolvência, 2014, Almedina, 235/254; Bertha Parente Esteves, Da aplicação das normas relativas ao plano de insolvência ao plano de recuperação conducente à Revitalização, ibidem, 267/280.

Embora sejam realidades diversas, porque o Plano de Revitalização é uma demarche pré-insolvencial e o Plano de Insolvência, insere-se já neste processo declarativo, não se anulam quer na forma, quer na substância, nem obedecem a um critério pré-definido, porque as situações variam, resultando daquele artigo 195º que nos ocupa, a enunciação dos elementos que o «plano» deverá conter, por forma a elucidar todos aqueles que nele irão intervir, com vista á sua aprovação e subsequente homologação pelo juiz.

É esta a leitura que trespassa dos segmentos normativos decorrentes dos nºs 1 e 2, que passamos a transcrever:

«1- O plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência.

2- O plano de insolvência deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente:

a) (…)

b) (…)

c) (…)

d) (…)

e) (…)»,

sendo certo que como deflui do artigo 17º-F, aí se encontra estabelecido um iter negocial, com vista à elaboração do acordo, o qual deverá ser exaustivo e esclarecedor, de molde a permitir ao juiz efectuar sobre o mesmo o seu pronunciamento positivo ou negativo, cfr Carvalho Fernandes e João Labareda, ibidem, 174.

Daqui decorre, que o plano de revitalização deverá ser elaborado tendo como pano de fundo o normativo inserto no artigo 195º, devendo seguir com as devidas adaptações, tendo em atenção a situação particular de cada empresa, as especificações aí propostas, não se vislumbrando qualquer violação do principio da igualdade prevenido no artigo 13º da CRPortuguesa, a interpretação assim efectuada do supra mencionado normativo, tendo em atenção que a base social do mesmo é a igual dignidade social dos cidadãos, sendo que a vinculação da jurisdição neste conspectu, envolve três vectores fundamentais, constituídos pela igualdade dos cidadãos perante os Tribunais, igualdade de acesso daqueles à jurisdição e a igualdade da aplicação do direito aos mesmos, cuja orientação não se mostra tolhida no caso concreto, cfr Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 124/131.

III Destarte, nega-se a Revista, confirmando-se a decisão ínsita no Acórdão sob impugnação.

Custas pela Recorrente.

Oportunamente a primeira instância tomará em atenção o expediente de fls 2133 a 2185.

Lisboa, 25 de Novembro de 2014

(Ana Paula Boularot)

(Pinto de Almeida)

(Nuno Cameira)