Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
902/14.7TBVCT.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
DUPLA CONFORME
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 10/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA DA RÉ, NEGADA A DA AUTORA E NÃO SE TOMOU CONHECIMENTO DO OBJECTO DA REVISTA DO AUTOR
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 615.º, N.º 1, ALÍNEA E).
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.º 1 E 496.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 6/2014, DE 16-01-2014, IN DR. I SÉRIE, DE 22-05-2014;
- DE 17-09-2009, PROCESSO N.º 292/1999-S1;
- DE 25-11-2009, PROCESSO N.º 397/03.0GEBNV.S1;
- DE 10-10-2012, PROCESSO N.º 632/2001.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-02-2016, PROCESSO N.º 31/12.8TTVFR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-11-2016, PROCESSO N.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 01-03-2018, PROCESSO N.º 773/07.0TBALR.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT.

-*-

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 04-04-1995, IN CJ, ANO XX, TOMO II, P. 23 E SS..
Sumário :
I - Em recurso de revista, a sindicância dos valores de indemnização fixados com base em juízos de equidade não constitui a resolução de uma questão de direito; por esta razão, os valores devem ser alterados apenas no caso em que o julgador se afastou da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade.

II - O défice funcional ou dano biológico é susceptível de desencadear danos no lesado de natureza patrimonial e/ou de natureza não patrimonial.

III - A indemnização por danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que o lesado ficou privado e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base em critérios de verosimilhança ou de probabilidade (v.g. esperança média de vida, flutuação do valor do dinheiro, expectativas de aumentos salariais e de progressão na carreira) e com recurso à equidade.

IV - O valor de € 350 000 mostra-se adequado a indemnizar o lesado pelos danos patrimoniais futuros, na consideração do seguinte quadro: (i) à data do acidente, o lesado tinha 54 anos; (ii) exercia a actividade de serralheiro naval, mecânico e civil; (iii) por força do acidente, ficou a padecer de um défice funcional permanente de 72 pontos incompatíveis com a actividade profissional habitual; (iv) o grau de incapacidade e as graves limitações funcionais associadas dificultarão ou impossibilitarão o exercício de outra actividade profissional na respectiva área, traduzindo, na prática, uma situação de incapacidade total permanente.

V - No caso de pedidos múltiplos ou cumulativos, a conformidade ou desconformidade da decisão da Relação com a decisão de 1.ª instância relevante para efeitos de admissibilidade do recurso de revista, deve ser aferida em relação a cada um dos segmentos da decisão final.

VI - O choque emocional sofrido pela autora com a notícia do acidente do pai e a saturação psicológica decorrente de ter acompanhado diariamente o seu sofrimento, sem que as sequelas do lesado directo impliquem sofrimento intenso na vivência relacional de ambos, não merecem compensação a título de dano não patrimonial.

VII - O acórdão da Relação que atribui valor indemnizatório à autora pela assistência prestada ao lesado, facto não alegado inicialmente mas apenas no recurso de apelação, é nulo por conhecer objecto diverso do pedido – art. 615.º, n.º 1, al. e) do CPC.
Decisão Texto Integral:

                PROC. N.º 902/14.7TBVCT.G1

            REL. 44[1]

                                                                       *

                          ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO


A. AA intentou contra “BB – Sucursal em Portugal” acção declarativa de condenação, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global líquida de € 796.310,34, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efectivo pagamento, e na indemnização ilíquida que, por força dos factos alegados nos artigos 283º a 347º da petição inicial, vier a ser fixada em decisão ulterior, nos termos do artigo 564º, nº 2, do Código Civil, ou vier a ser liquidada em execução se sentença, nos termos do artigo 378º, nº 2, do Código de Processo Civil, na sequência de um acidente de viação de que o Autor foi vítima quando era transportado como passageiro num veículo segurado na Ré.

 

A Ré contestou.

Defendeu-se por excepção, invocando a incompetência internacional do Tribunal e a ineptidão da petição inicial, tendo também impugnado os factos alegados pelo Autor.

            Em sede de audiência prévia foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu pela improcedência das excepções invocadas.


B. CC propôs[2] também contra “BB -           - Sucursal em Portugal” acção declarativa de condenação, que inicialmente foi tramitada sob o número 1563/14.9T8VCT, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 309.830,54, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efectivo pagamento.

    

    A Ré contestou nos mesmos termos em que o fizera na acção proposta pelo Autor AA, com o mesmo resultado quanto às excepções dilatórias deduzidas.

 

     Posteriormente, esta acção foi apensada à acção proposta por AA, procedendo-se ao julgamento conjunto.

    

     No final, proferiu-se sentença que decidiu julgar a acção referida em A., proposta por AA contra “BB–Sucursal em Portugal”, parcialmente procedente, e, consequentemente condenou-se a Ré a pagar ao Autor a quantia global líquida de € 488.872,00, acrescida de juros contados desde data da citação sobre a quantia de € 338.872,00, e desde a data da prolação da decisão sobre a quantia de € 150.000,00, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento, e, ainda, a quantia cuja fixação se remeteu para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, correspondente às despesas que o Autor comprovar que teve com os medicamentos, os tratamentos médicos, as cirurgias e as despesas com os bens e serviços elencados, até ao fim da vida, incluindo-se aqui a ajuda de uma terceira pessoa para fazer a higiene dos pés, para cortar as unhas dos dedos dos pés, vestir as meias e para calçar os sapatos, durante, para estes fins, uma hora diária, tudo conforme discriminado nas alíneas sssss) a yyyyy), do ponto II.1.; julgou ainda a acção aludida em B., proposta por CC contra “BB –Sucursal em Portugal” improcedente, por não provada e, consequentemente, absolveu-se a Ré do pedido.

           Inconformados com a sentença, dela recorreram o Autor e a Autora.

           A Ré seguradora, por seu turno, apresentou recurso subordinado.

           O Tribunal da Relação de Guimarães julgou parcialmente procedentes os recursos do Autor e da Autora e, em consequência, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 418.600,00, a título de dano patrimonial futuro, e a pagar à Autora as quantias de € 26.000,00 por danos patrimoniais e de € 4.000,00 por danos não patrimoniais, acrescidas dos juros calculados à taxa de 4% ao ano, respectivamente, desde a citação e da data da sentença, até efectivo e integral pagamento, mantendo o mais decidido.

           Julgou também improcedente o recurso subordinado apresentado pela Ré BB.

           Ainda inconformados recorrem agora, de revista, a Ré BB e a Autora CC, tendo o Autor AA apresentado recurso subordinado.

           A Ré BB remata as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
1. A Relação de Guimarães, ao aumentar a indemnização atribuída ao Autor AA, a título de dano patrimonial futuro, para o valor de € 418.000  interpretou/aplicou mal o vertido nos artigos 562.º, 563.º e 564.º, todos do Código Civil.
2. O referido Tribunal, ao assim decidir, andou muito para além quer do espirito quer da letra da Lei, no que respeita à indemnização atribuída, bem como andou muito para além dos princípios fundamentais que têm orientado a jurisprudência maioritária designadamente a deste STJ.
3. Os princípios fundamentais adotados pelo Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria estão plasmados no Acórdão do STJ de 5 de Julho de 2007.
4. O valor do rendimento do Autor, que resultou provado em sede de 1ª instância, não tendo sido alterada a matéria de facto provada, era de € 1.250,00/mês. 
5. Tendo por base a formula comummente utilizada por este Supremo Tribunal de Justiça, o rendimento provado do autor e a sua idade (54 anos) o valor da indemnização por danos futuros e perda de ganho seria de € 268.053,00, por ser o valor que o autor/recorrido deixou efetivamente de auferir.
6. Uma condenação acima daquele valor destas é totalmente surreal e injustificada, e vai muito para além do que preveem as normas legais, nomeadamente os referidos artigos 562.º, 563.º e 564.º, todos do Código Civil
7. Mais se diga que, tal pedido por parte do autor e respetiva decisão nesse sentido, configuram um abuso de direito (art.º 334º do Código Civil) contra a Ré/recorrente e até mesmo de um caso de enriquecimento sem causa no que respeita ao autor AA (art.º 473º do Código Civil).
8. Está provado, ao contrário do que consta da fundamentação do acórdão de que se recorre, e a Relação de Guimarães não alterou a matéria de facto provada, que as sequelas sofridas pelo autor são incompatíveis com a atividade habitual, mas compatíveis com outras áreas da sua área técnico-profissional.
9. Na fundamentação do acórdão de que se recorre, referem os Venerandos Desembargadores que ficou demonstrado que o recorrido irá necessitar de medicação e outros tratamentos até ao fim da vida para evitar o agravamento das sequelas, e isto foi contabilizado para aumentar o valor da indemnização a titulo de dano patrimonial futuro. Sendo certo que, em sede de sentença em 1ª instância e que foi mantida tal decisão no referido acórdão, foi a Ré condenada a pagar ao recorrido AA (em sede de execução de sentença) todas as despesas médicas e medicamentosas que o autor venha a ter comprovadamente para se tratar e evitar o agravamento das sequelas causados pelo sinistro em apreço.          
10. O acórdão proferido pela Relação de Guimarães é nulo porque os fundamentos (matéria de facto provada) estão em flagrante contradição com a decisão proferida – vide artigo 615.º, nº 1 c) ex vi artigo 674.º, nº1 c) do Código de Processo Civil.
11. E, é ainda nulo, ao condenar em duplicado a Ré pela mesma coisa (despesas medicas e medicamentosas futuras) nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 615.º ex vi artigo 674.º, nº1 c), ambos do Código de Processo Civil.
12. O ressarcimento dos danos futuros depende da sua previsibilidade e determinabilidade (art.º 564º, nº2 do Código Civil). São danos futuros previsíveis, a que a lei se reporta, essencialmente, os certos ou suficientemente previsíveis, como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha.
13. Ainda assim, entendemos que esta fórmula de cálculo também não é a mais correcta por considerar, no cálculo, os anos de expetativa de vida ativa, contabilizando-se 23 anos, isto é, até o autor perfazer os 77 anos de idade equivalentes à esperança média de vida
14. Ao contabilizar 23 anos (até aos 77 anos de idade) o Tribunal está a violar o art.º 564º do Código Civil, pois, a partir da idade da reforma, no presente 66 anos de idade, deixa de ter qualquer relevância a perda de diminuição da capacidade produtiva por já não ser mais exercida qualquer atividade profissional, e como tal, a partir de então não há perda de capacidade de ganho.
15. Assim, a indemnização, devidamente calculada atendendo à vida ativa (mais 12 anos, até aos 66 anos de idade), pois, a partir da reforma o individuo deixa de ter prejuízo pela incapacidade de que padece, resultaria num valor indemnizatório nunca superior a € 127.065,00 (Ac. STJ – CJ, Ano II, Tomo II – 1994 – pagina 87).
16. Quanto aos danos não patrimoniais, mais uma vez, há uma errada interpretação das normas, in casu do artigo 496.º do Código Civil.
17. Na fórmula de cálculo da indemnização por danos não patrimoniais devem ser incluídos os seguintes critérios: de equidade - mas fundados nas circunstâncias do caso concreto -, de proporcionalidade - em função da gravidade do dano -, de prudência, de senso prático, de ponderação das realidades da vida (Ac. Relação de Coimbra, 28/05/2013, Desembargador Relator José Avelino Gonçalves).
18. Nos termos do art.º. 496, nº 1, do Código Civil são apenas ressarcíveis os danos não patrimoniais suficientemente graves para merecerem a tutela do direito (Acórdão do STJ de 12.7.1988).
19. Nesta questão da fixação dos danos não patrimoniais, deveremos, desde logo e como modo de comparação, lançar mão das indemnizações fixadas pelos Tribunais a propósito do dano morte. Todos os outros, naturalmente – salvo casos muito excecionais – serão sempre de montante inferior (Acórdão do STJ de 31.1.2012).
20. Segundo o que resultou provado em julgamento e não foi alterado pela Relação de Guimarães, entendemos que, neste caso, comparativamente com outras situações e decisões jurisprudenciais, e com recurso a critérios de equidade, entendemos que uma indemnização por danos não patrimoniais com valor máximo de € 100.000,00 seria a decisão justa e equitativa!
21. Relativamente à indemnização atribuída à Autora/recorrida CC, quer a titulo de dano não patrimonial, quer patrimonial, andou muito mal a Relação de Guimarães ao alterar a decisão proferida em 1ª instância na qual a aqui recorrente havia sido totalmente absolvida.
22. A título de danos não patrimoniais da autora a Relação de Guimarães atribui à autora/recorrido o valor de € 4.000,00.
23. Entendemos, à semelhança do decidido pelo Meritíssimo Juiz de 1ª instância que não é devido a esta autora qualquer valor a este título (nem a qualquer outro titulo).
24. Quanto aos danos não patrimoniais, e atendendo ao texto e interpretação sistemática dos artigos 483º e 496º do Código Civil, consideramos que o ordenamento jurídico português não reconhece qualquer direito indemnizatório aos filhos da vítima de facto ilícito danoso quando esta sobreviva ao evento.
25. Este é o entendimento deste STJ que, em decisão (AC. Uniformizador de Jurisprudência) de 16-01-2014, nos diz: “(…) artigo 496.º, nº2 do Código Civil, que apenas prevê indemnização por danos não patrimoniais a familiares da vitima no caso de morte desta”. E ainda acrescentou que: “o legislador (…) pura e simplesmente não previu qualquer critério para determinação da indemnização devida a familiares da vítima de ofensas corporais das quais não adveio a morte”.  E remata dizendo a este respeito que: “tal direito não existe à luz do nosso ordenamento jurídico”.
26. A Relação de Guimarães andou mal, mais uma vez, ao invocar este acórdão de 16/01/2014 para fundamentar a decisão de indemnizar a autora CC, quando não é essa a situação do Acórdão citado, pois, ao decidir em sentido contrário, violou a Relação de Guimarães as normas dos artigos 496.º, nº1 e 2 do Código Civil.
27. Quanto aos danos patrimoniais, consta da sentença proferida em 1ª instancia que: “Existiria matéria de facto para indemnizar a Autora, ainda que a liquidar posteriormente, pelo tempo que assumiu as funções de enfermeira e de auxiliar de seu pai entre 1 de Novembro de 2012 e 30 de Setembro de 2013 – cfr. alíneas iiiiii) e jjjjjj), do ponto II.1.. No entanto, a este título, ou melhor, com este fundamento, a Autora nada peticiona, peticionando apenas a perda do seu rendimento como enfermeira com o enquadramento do contrato que tinha com a referida DD – cfr. artigos 268º, 269º e 288º da petição inicial do apenso A. Assim, sob pena de ultrapassarmos de forma inadmissível o peticionado, não poderemos satisfazer a pretensão indemnizatória da Autora. Nestes termos, improcede a acção proposta por CC.”
28. Mais uma vez, a decisão de indemnização a este título proferida pela Relação de Guimarães está ferida de nulidade nos termos alínea e) do nº1 do artigo 615.º ex vi artigo 674.º, nº1 c), ambos do Código de Processo Civil. Pois, mais uma vez, a Relação de Guimarães está a ir para além do que lhe foi pedido.
29. Não se percebe onde aquele Venerando Tribunal “arranjou” um valor mensal de € 2.000,00 de salário, pois nada disto consta da matéria dada como provada e a Relação não alterou a matéria de facto.
30. O Supremo Tribunal de Justiça (em Ac. de 26 de fevereiro de 2004) num caso semelhante ao aqui em apreço, decidiu que “alguém que abandona o seu emprego para prestar auxílio permanente a um familiar que foi vítima de acidente de viação não pode peticionar, face ao responsável civil pelo dito acidente, o prejuízo que esse abandono lhe causou, porque não existe nexo de causalidade adequada entre os dois factos”.
31. Não há fundamento para a decisão proferida, nomeadamente para o valor atribuído, pelo que é nulo, ainda, o acórdão nos termos do artigo 615.º, nº 1 c) ex vi artigo 674.º, n.º 1 c) do Código de Processo Civil.
32. Acrescente-se, ainda, que a autora/recorrida, sendo filha do sinistrado, abandonou o emprego que tinha na ... por livre e espontânea vontade, e a própria afirmou em julgamento que se tratava de um dever moral.
33. Diz-nos o artigo 402.º do Código Civil que a obrigação diz-se natural quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.
34. Resultou provado em julgamento que a seguradora de acidentes de trabalho quis colocar uma pessoa para auxiliar o sinistrado e este e a filha recusaram!
35. Não resultou provado que o autor AA precisasse de uma terceira pessoa a tempo inteiro, menos, ainda que precisasse de uma enfermeira especialista (conforme o salário atribuído pela Relação), pelo que existe, nesta condenação uma manifesta falta de fundamento legal.

            A Autora CC concluiu as suas alegações de recurso da seguinte forma:
1. O acidente de trânsito que deu origem à presente acção ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel segurado na Recorrida “BB … – Sucursal em Portugal;
2. Por força do contrato de seguro referido na presente acção, deve, pois, a Ré/Recorrida BB – Sucursal em Portugal” ser condenada a pagar, à Autora/Recorrente, a indemnização global líquida e ilíquida que, a final, for fixada, na presente acção;
3. A Autora/Recorrente CC reclamou, na presente acção compensação por danos de natureza não patrimonial e indemnização por danos de natureza patrimonial;
4. Relativamente aos danos de natureza não patrimonial, tem aplicação, no presente caso, o estatuído nos artigos 483º., nº. 1 e 496º., nº. 1, do Código Civil;
5. Mas, as referidas normas legais foram redigidas há mais de cinquenta (50) anos, altura em que a realidade social do nosso país era diametralmente diversa da que na presente data caracteriza a sociedade portuguesa actual.
6. (…)
7. As referidas normas legais devem ser objecto de uma interpretação extensiva e actualista.
8. Neste caso, a ora Autora/Recorrente CC passa a ter – como efectivamente tem - direito à compensação, pelos danos de natureza não patrimonial por si sofridos – cfr. acórdãos da Relação do Porto, de 7 de Fevereiro de 2017, processo nº. 1896/13.1TBPVZ.P1, JTRP000, da Relação de Coimbra, de 1 de Abril de 2014, processo nº. 498/12.4TBTNV.C1 e Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça -  Acórdão do S.T.J., de 9 de Janeiro de 2014;
9. Remete-se para os factos provados e supra-transcritos, que se dão por reproduzidos, para todos os efeitos legais;
10. As lesões sofridas, pelo pai da Autora/Recorrente (cfr. factos a este propósito, provados e supra-descritos), ora Recorrente, e as sequelas delas resultantes reputam-         -se da máxima gravidade;
11. E os factos relativos aos padecimentos sofridos pela própria Autora/Recorrente, que culminaram com a necessidade do recurso a consultas da especialidade e de apoio psicológico, reputam-se, também eles, da máxima gravidade, a merecerem a tutela do direito – artigo 496º., nº. 1, do Código Civil;
12. Peticionou, a este propósito, a Autora/Recorrente a quantia de 50.000,00 €;
13. O douto acórdão recorrido fixou, a este título, a compensação apenas de 4.000,00 €.
14. Tal quantia de 4.000,00 € é manifestamente insuficiente.
15. É o montante de 50.000,00 €, que se acha justo e equitativo, para ressarcir/compensar os gravíssimos prejuízos que, a este título, sofreu a ora Autora/Recorrente CC;
16. Deve, pois, em via de recurso, ser fixado o montante de 50.000,00 €, a título de compensação pelos danos de natureza não patrimonial sofridos pela Autora, ora Recorrente;
17. Sobre esse montante, devem incidir os juros moratórios, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efectivo pagamento;
18. A este propósito, estatui o artigo 495º., nº. 2, do Código Civil;
“Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima”.
19. A este propósito ficou provado que a Autora/Recorrente CC é filha do Autor AA;
20. À data da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, encontrava-se a exercer a sua referida profissão de enfermeira, na cidade de ..., na ... ... e auferia, além de outros acréscimos, o ordenado de 4.280,00 USD;
21. Por via do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, a Autora regressou a Portugal e prestou o acompanhamento e toda a assistência de que o seu pai carecer, incluindo cuidados e serviços de enfermagem;
22. O que fez até ao dia 30 de Setembro de 2013, após a extinção da sua relação profissional com a sua entidade patronal, em 28 de Agosto de 2012;
23. Ou seja, durante um período de tempo de treze (13,00) meses (por defeito);
24. Peticionou a Autora o pagamento da quantia mensal de 4.280,00 USD – Dólares Americanos -, a título de indemnização pelo tempo despendido em serviços de acompanhamento e de tratamento do seu pai AA, por ser esse o rendimento do seu trabalho, como enfermeira, na ... ... e sem contar os demais acréscimos, viagens, alojamento, alimentação, seguros, etc.);
25. De acordo com o estatuído no artigo 495º., nº. 2, do Código Civil, deve, pois, ser atribuída, à Autora CC, a este título, a indemnização de (13 meses x 4.280,00 USD) 55.640,20 USD, com a sua conversão em Euros;
26. Na verdade, a Autora não alegou “quebra da sua relação contratual”, mas sim que terminou a sua relação laboral, por via do sinistro dos presentes autos;
27. Alegou prejuízos salariais, correspondentes ao seu ordenado, como enfermeira, na ... ...;
28. De qualquer modo, se for perfilhado douto entendimento no sentido de não ser devido aquele valor mensal de 4.280,00 USD, sempre deverá ser fixado um montante mensal, de acordo com critérios de equidade, tendo em conta a natureza dos serviços prestados pela Autora CC, como enfermeira, em valor nunca inferior a 2.000,00 € mensais;
29. Neste caso, fixando-se, a este título, uma indemnização de (13,00 meses x 2.000,00 €) 26.000,00 €;
30. Tal decisão – no sentido da primeira ou da segunda – impõe-se por obediência ao estatuído no artigo 495º., nº. 2, do Código Civil, mas, também, por critérios de Justiça, que o Ordenamento Jurídico Português (e Comunitário) quer, sempre e em qualquer, caso salvaguardar;
31. Foi esse o montante, a esse título, fixado pelo tribunal recorrido – Tribunal da Relação de Guimarães;
32. Pelo que deverá manter-se, nos seus precisos termos;
33. Sobre o montante a fixar, a este título, devem, também, ser atribuídos juros moratórios, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo pagamento.
34. Decidindo de forma diversa, fez, com o subido e inexcedível respeito, o Tribunal de primeira instância má aplicação do direito aos factos alegados e provados e violou, além outras, as normas dos artigos 493º., nº.1, 495º., nº. 2, 496º., nºs. 1 e 2 , 562º., 564º. e 805º., do Código Civil.

No recurso subordinado, o Autor AA conclui nos seguintes termos:
1. O recurso interposto pela R Companhia de Seguros “BB – Sucursal em Portugal” não tem fundamento factual, nem jurídico;
2. Ao recurso interposto pela Ré Companhia de Seguros “BB … – Sucursal em Portugal” deve, pois, ser negado provimento;
3. Com a manutenção – que se deve manter – da indemnização de 418.600,00 €, fixada a título de indemnização pelos danos futuros – perda de capacidade de ganho;
4. O acidente de trânsito que deu origem à presente acção ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel segurado na Recorrida “BB – Sucursal em Portugal”;
5. Por força do contrato de seguro referido na presente acção, deve, pois, a Ré/Recorrida BB – Sucursal em Portugal” ser condenada a pagar ao Autor/Recorrente, a indemnização global líquida e ilíquida que, a final, for fixada, na presente acção;
6. O Autor/Recorrente reclamou a quantia de 250.000,00 €, a título de indemnização/compensação pelos danos de natureza não patrimonial, por si sofridos;
7. O acórdão recorrido fixou, a este título, a quantia de apenas 150.000,00 €;
8. Tal quantia, porém, é insuficiente;
9. Pelo que, a este título, deve ser fixada a quantia peticionada, de 250.000,00 €;
10. Tendo em conta as lesões sofridas, as sequelas delas resultantes, de entre as quais sobressai a impotência sexual, para toda a vida do Autor;
11. Os juros de mora são devidos desde a data da citação sobre todas as quantias indemnizatórias e compensatórias, quer relativas a danos de natureza patrimonial, quer relativas a danos de natureza não patrimonial;
12. Devem, pois, ser fixados os juros incidentes sobre a quantia compensatória fixada e a afixar a título de danos de natureza não patrimonial, a partir da data da citação, até efectivo pagamento;
13. Decidindo de forma diversa, fez o tribunal de primeira instância má aplicação do direito aos factos alegados e provados e violou, além outras, as normas dos artigos 496º., nº. 1, 562º., 564º. e 805º., do Código Civil
14. Quanto ao restante decidido pelo Tribunal a quo e não posto em crise nas presentes alegações de recurso, deve confirmar-se o já decidido pelo Tribunal de Primeira Instância – Juízo Central Cível de ..., Juiz 4 - e pelo Tribunal de Segunda Instância – Tribunal da Relação de Guimarães.

            Foram apresentadas contra-alegações.

                                                                       *

           Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões dos recorrentes, as questões a dirimir são:

            No recurso principal da Ré BB:

            - O acórdão recorrido é nulo?

           - A indemnização atribuída ao Autor AA pelo dano patrimonial futuro deve ser reduzida para € 127.065,00?

           - A indemnização fixada ao mesmo Autor pelos danos não patrimoniais não deve exceder os € 100.000,00?

            - Os pedidos indemnizatórios da Autora CC devem improceder, tal como decidido na 1ª instância?

            No recurso subordinado do Autor AA:

            - A indemnização pelos danos não patrimoniais deve ser elevada para € 250.000,00?

           - Os juros de mora sobre essa indemnização devem ser contados desde a data da citação?

            No recurso da Autora CC:

            - A indemnização pelos danos não patrimoniais deve ascender a € 50.000,00 €?

           - Os juros de mora sobre essa indemnização devem ser contados desde a data da citação?

           - Os danos patrimoniais devem ser fixados no montante equivalente a 4.280 USD x 13 meses?

                                                                       *

 
II. FUNDAMENTAÇÃO

            OS FACTOS

a)        No dia 20 de Julho de 2012, pelas 07,13 horas, ocorreu um acidente de trânsito, na Auto-Estrada A 10, ao quilómetro “PK” 358+129, na área do concelho de ..., França;

b)       Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos automóveis: 1º. – o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, de marca “Mitsubishi”, de matrícula (portuguesa) -IO; 2º. – o veículo automóvel pesado de mercadorias (tractor), de marca “...”, de matrícula (francesa) -AT, com reboque, de marca “...”, de matrícula (francesa) -85;

c)         O veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO era, como é, propriedade da sociedade “EE, Lda.”, com sede na Rua da ..., nº. …, … ..., ...;

d)        E, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, era conduzido por FF, residente na Rua …, nº. …. lugar de ..., … …, ...;

e)         O FF era empregado da sociedade “EE, Lda.”, com sede na Rua da ..., nº. …, … ..., ...;

f)         Desempenhava para essa sociedade comercial - “EE, Lda.” – a profissão de motorista;

g)        Conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO, em cumprimento de ordens e instruções que a referida sociedade comercial - “EE, Lda.” – lhe havia, previamente, transmitido;

h)        E seguia, também, por um itinerário que a referida sociedade comercial - “EE, Lda.” – lhe havia, previamente, determinado;

i)         Na altura da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, o FF conduzia, assim, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO, à ordem, com conhecimento, com autorização, por conta, no interesse e sob a direcção efectiva da sociedade comercial “EE, Lda.”, com sede na Rua da ..., nº. …, …. ..., ...;

j)         A Auto-Estrada A 10, no local do sinistro que deu origem à presente acção, configura um traçado rectilíneo, com um comprimento superior a 1.000,00 metros;

k)        A visibilidade, no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, era, como é, muito boa;

l)        Pois, para quem circula pela Auto-Estrada A 10 no sentido nascente-poente, ou seja, Paris-..., consegue avistar-se a sua faixa de rodagem, em direcção ao preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, numa altura em que se encontra, ainda, a uma distância superior a 1.000,00 metros, antes de lá chegar;

m)      A faixa de rodagem da Auto-Estrada A 10, no local da deflagração do sinistro que deu origem aos presentes autos – como, de resto, sucede ao longo de todo o seu traçado -, encontra-se dividida em duas pistas de tráfego;

n)       Através de um separador central, em terra batida arborizada, com cerca de quatro (04,00) metros de largura;

o)        Uma das referidas pistas de tráfego destina-se ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido nascente-poente, ou seja, Paris-...;

p)        A outra dessas pistas de tráfego destina-se ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido poente-nascente, ou seja, ...-Paris;

q)        A faixa de rodagem da sua pista de tráfego, destinada ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido nascente-poente, ou seja, Paris-..., tem uma largura útil de 07,00 metros;

r)         E encontrava-se, como se encontra, dividida ao meio, em dois corredores de trânsito;

s)         Através de uma linha, pintada a cor branca, com soluções de continuidade;

t)         Cada um desses dois (02,00) corredores de trânsito – resultante da supra-referida subdivisão - tem uma largura de 03,50 metros;

u)        O piso da referida faixa de rodagem da Auto-Estrada A 10 e, portanto, também, o piso de toda a faixa de rodagem da sua pista de tráfego destinada ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido nascente-poente, ou seja, Paris-..., era, como é, pavimentado a asfalto;

v)         O tempo estava nebuloso e chuvoso, pois precipitavam-se águas pluviais;

w)       O pavimento asfáltico da faixa de rodagem da pista de tráfego da Auto-Estrada A 10, encontrava-se limpo e em bom estado de conservação, mas molhado e escorregadio em consequência das águas pluviais que, na altura, se precipitavam;

x)         Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção era já dia alto: 07,13 horas, da manhã, do dia 20 do mês de Julho de 2012;

y)         O sol, que era inexistente, não perturbava, de qualquer modo a condução do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO;

z)         De resto, à hora do acidente, o sol, embora totalmente encoberto pelas nuvens, encontrava-se na fase nascente e apresentava-se, além disso, pela parte traseira (retaguarda) do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO;

aa)       Pela sua margem direita, tendo em conta o sentido de marcha nascente-poente - ou seja, Paris-... -, a faixa de rodagem asfáltica da pista de tráfego da Auto-Estrada A 10 apresentava e apresenta uma berma, também pavimentada a asfalto, com uma largura de 02,50 metros;

bb)      A dividir essa faixa de rodagem da Auto-Estrada A 10 da berma asfáltica situada do seu lado direito – tendo em conta o sentido nascente-poente, ou seja, Paris-... -, existia e existe uma linha, pintada a cor branca, sem soluções de continuidade;

cc)       A marginar essa berma do lado direito, existiam, como existem, rails de protecção metálicos laterais;

dd)     Junto ao separador central – em terra batida -, a faixa de rodagem da referida pista de tráfego, apresentava e apresenta uma outra berma, também pavimentada a asfalto, com uma largura de 01,20 metros;

ee)      Também, delimitada, em relação à faixa de rodagem da referida pista de tráfego, através de uma linha, pintada a cor branca, sem soluções de continuidade;

ff)       A marginar essa berma do lado esquerdo, existiam, como existem, rails de protecção metálicos;

gg)       O plano configurado pelo pavimento asfáltico das duas (02,00) referidas bermas asfálticas situa-se ao mesmo nível do plano configurado pelo pavimento asfáltico da faixa de rodagem da pista de tráfego da referida via – Auto-Estrada A 10;

hh)      No local do sinistro, a faixa de rodagem da Auto-Estrada A 10 apresentava-se e apresenta-se em plano horizontal – patamar -, para quem circula no sentido de marcha supra-indicado – nascente-poente, ou seja, Paris-... -, como, de resto, sucede para quem circula em sentido inverso;

ii)       No dia 20 de Julho de 2012, pelas 07,13 horas, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO transitava pela Auto-Estrada A 10;

jj)        Havia partido de ..., França, às 02,00 horas do dia 20 de Julho de 2012 e dirigia-se para a região de ..., Portugal, ao longo de um percurso de 1.600,00 quilómetros;

kk)     O veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO desenvolvia a sua marca, no sentido nascente-poente, ou seja, Paris-...;

ll)       O veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO transitava sobre o corredor ou pista de tráfego situada mais à direita da Auto-Estrada A10, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha: nascente-poente, ou seja, Paris-...;

mm)   O condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO – FF – conduzia de forma completamente distraída, pois, não prestava qualquer atenção à actividade – condução – que executava, nem aos restantes veículos automóveis que, na altura, transitavam pela Auto-Estrada A10;

nn)     Além disso, o condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO – FF– imprimia ao referido veículo automóvel - -IO, que tripulava, uma velocidade superior a cento e sessenta quilómetros por hora;

oo)       Por outro lado, o FF conduzia em estado de intenso cansaço, pois, não havia dormido na noite anterior ao acidente, de 19 para 20 de Julho de 2012;

pp)     Deixou-se, por essa razão, tomar pelo sono, adormeceu completamente e ficou em estado de inconsciência, em consequência do sono pelo qual se deixou dominar;

qq)      Desse modo, o FF, sem travar, o ligeiro de mercadorias de matrícula -IO e sem reduzir a velocidade que imprimia ao veículo automóvel que tripulava ligeiro de mercadorias de matrícula -IO, foi embater com o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO, contra o semi-reboque de matrícula -85, acoplado e puxado pelo tractor de matrícula -AT;

rr)       O qual – -AT/-85 – era propriedade da empresa “GG”, com sede em ..., …, França;

ss)      E, na altura da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, era conduzido por ..., empregado da referida empresa “GG”, com sede em ..., …, França;

tt)        Na verdade, o referido veículo automóvel pesado de mercadorias de matrícula -AT/-85, na altura da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, transitava, também, pela Auto-Estrada A10, no sentido Nascente-Poente, ou seja, Paris-..., numa posição situada à frente do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matricula -IO, tripulado pelo FF e animado de uma velocidade moderada, não superior a noventa (90,00) quilómetros por hora;

uu)      O embate ocorreu, assim, totalmente sobre o corredor ou pista de tráfego situada mais à direita da Auto-Estrada A10, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha: nascente-poente, ou seja, Paris-...;

vv)      E essa colisão verificou-se entre a parte frontal do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO e a parte traseira do semi-reboque de matrícula -85, acoplado e tirado pelo tractor de matrícula -AT;

ww)    Após esta colisão, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO – tripulado pelo FF – continuou a sua marcha, de forma desgovernada, inflectiu, para o seu lado direito, E sem que o seu condutor – FF – tenha travado ou reduzido a velocidade da marcha foi embater contra os rails metálicos, situados na margem direita do corredor ou pista de tráfego situada mais à direita da Auto-Estrada A10, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha: nascente-poente, ou seja, Paris-...;

xx)       E, em consequência desse embate, o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO ficou com a parte frontal da sua cabine encaixada e encastrada nos rails de protecção lateral da pista de tráfego situada mais à direita da Auto-Estrada A10, tendo em conta o sentido de marcha - nascente-poente, ou seja, Paris-...;

yy)       Onde – o -IO – ficou imobilizado, sobre a berma da referida via;

zz)       O veículo automóvel pesado de mercadorias, com semi-reboque, de matrícula -AT/-85, por sua vez, imobilizou a sua marcha, à frente do local da colisão sobre a berma – faixa de emergência – situada do lado direito da pista de tráfego situada mais à direita da Auto-Estrada A10, tendo em conta o sentido de marcha nascente-poente, ou seja, Paris-..., onde o seu motorista – ... - pediu ajuda às entidades policiais;

aaa)     O limite máximo de velocidade permitida na Auto-Estrada A10 é de cento e vinte (120) quilómetros por hora;

bbb)   Já que, para quem entra na área de circulação da referida Auto-Estrada A10, o condutor do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO – FF - deparava, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, como depara, na presente data, com um sinal, fixo em suporte vertical, de forma circular, com a sua orla pintada a cor vermelha e com o seu fundo branco, sobre o qual se encontrava, como se encontra, pintada, a cor preta, a inscrição “120”;

ccc)     O Autor – AA -, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, seguia, como passageiro, no veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO;

ddd)   Seguia, sentado, no assento da frente, ao lado direito do respectivo condutor;

eee)     E levava, apertado e justo ao seu corpo, o cinto de segurança;

fff)     Como consequência directa e necessária do embate resultaram para o Autor lesões corporais, nomeadamente, fractura múltipla da bacia, à direita e à esquerda, em seis locais distintos, com luxação da anca direita associada a um hematoma retroperitoneal (realizou tracção cutânea), fractura da diáfise do fémur do membro inferior esquerdo (tratado com osteossíntese, com placa e parafusos), fractura dos ossos tibiais direitos, fractura do terço superior da fíbula esquerda (tratado com fixador externo, traumatismo grave dos membros inferiores, desencadeado por mecanismo pesado com elevada cinética, solução de fracturas da bacia, fractura exposta dos ossos do joelho direito, fractura do fémur esquerdo, com tracção, com fixadores externos sobre o joelho direito e osteossíntese, com placa de fémur esquerdo, instabilidade hemodinâmica corrigida, fractura do joelho esquerdo, luxação coxo-femural do fémur do membro inferior direito, deslocação para fora do lugar da articulação coxo-femural direita, luxação do joelho direito, luxação do joelho direito, lesão severa do nervo ciático, fractura Schatzker tipo II da eminência intercondiliana da tíbia direita, fractura do côndilo tibial direito, rotura do ligamento colateral medial do joelho direito, erosão da cartilagem na face poero-inferior do côndilo femoral do membro inferior direito, numa área com 10-15 mm de diâmetro, fractura dos ramos isqui-púbicos, artroplastia total da anca direita, com protrusão acetabular desta artroplastia, apreciável fractura com exuberante calo periósseo no terço inferior da diáfise do fémur esquerdo, lesão axonal grave incompleta e proximal do nervo ciático comum direito, com atingimento preferencial do feixe lateral e com alterações neurogéneas (sem reinervação) do território muscular dependente, lesão também axonal severa mais proximal (plexo lombo-sagrado–acima dos nadegueiros), com alterações de condução e neurogéneas mais moderadas e já com reinervação dos músculos dependentes, rotura dos ligamentos do joelho direito, rotura dos tendões do joelho direito, lesão severa do nervo ciático, lesão severa do plexo superior à esquerda, junto à anca, pé esquerdo equino (pendente), derivado da lesão do nervo ciático, fractura de múltiplos ossos do pé direito, traumatismo da coluna lombar, traumatismo da coluna dorsal, traumatismo da coluna cervical, traumatismo do rim direito, com compromisso de funcionalidade, feridas múltiplas no joelho direito, resultante de fractura exposta, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo todo;

ggg)    O Autor ficou encarcerado, no interior da cabine do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO, ao longo de um período de tempo de duas horas;

hhh)    De onde foi desencarcerado pela equipa dos bombeiros da área do acidente de trânsito que deu origem à presente acção: “SAMU” – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência;

iii)       Após o que transportado, de ambulância, para o Hospital de ..., França;

jjj)       Foi aí recebido no Serviço de Urgência;

kkk)    Mas, dada a gravidade das lesões sofridas, o Autor foi, de imediato, transferido, de helicóptero, para Hospital Universitário de ..., França;

lll)       Foi recebido no serviço de urgência desta unidade hospitalar, onde lhe foram efectuados exames radiológicos, TACs e Ressonâncias Magnéticas às regiões do seu corpo atingidas;

mmm) O Autor manteve-se, internado, no Hospital Universitário de ..., desde o dia da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção – 20 de Julho de 2012 -, até ao dia 11 de Setembro de 2012;

nnn)    Durante os primeiros quatro dias de internamento nesta Unidade Hospitalar, o Autor manteve-se na Unidade de Cuidados Intensivos;

ooo)     Durante o restante período de internamento, o Autor manteve-se no Serviço de Ortopedia;

ppp)    No dia 21 de Julho de 2012, o Autor foi sujeito a uma intervenção cirúrgica, no Hospital Universitário de ..., França, consubstanciada na redução da anca direita, com a aplicação de dois fixadores metálicos externos, que não logrou obter o resultado pretendido;

qqq)    Essa intervenção cirúrgica consubstanciou-se, ainda, na redução dos ossos do joelho direito, com a aplicação de fixadores metálicos externos, tracção, com a aplicação de um peso de dez quilogramas e aplicação de uma tala lateral, com dois pesos de cinco quilogramas cada um;

rrr)      No Hospital Universitário de ..., o Autor foi, ainda, sujeito a uma intervenção cirúrgica ao fémur esquerdo, com a aplicação de uma placa de platina e cinco parafusos;

sss)     Como preparativo dessas intervenções cirúrgicas, o Autor fez análises clínicas e foi-lhe ministrada uma anestesia geral;

ttt)       Ao longo do período de internamento, no Hospital Universitário de ..., o Autor manteve-se permanentemente no leito, medicado com analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos e soro, sempre deitado, na mesma posição, de costas, sem se poder – como não podia e não pôde – virar, na cama;

uuu)    Ao longo do referido período de tempo de internamento no Hospital Universitário de ..., o Autor tomou todas as suas refeições no leito que lhe foram servidas por uma terceira pessoa de que não pôde prescindir;

vvv)     Ao longo do referido período de tempo de internamento no Hospital Universitário de ..., o Autor fez todas as suas necessidades na cama com o auxílio de uma arrastadeira que lhe foi proporcionada por uma terceira pessoa de que o Autor, também, não pôde prescindir;

www) No Hospital Universitário de ..., o Autor foi, ainda, operado, mais uma vez, para retirar uma das tracções;

xxx)     E outra, para retirar os restantes fixadores metálicos – nessa altura, foram efectuadas limpezas, desinfecções e remoção dos fixadores metálicos.

yyy)    Como preparativos destas duas intervenções cirúrgicas, o Autor fez análises clínicas;

zzz)    No Hospital Universitário de ..., foram efectuadas múltiplas limpezas cirúrgicas às feridas do joelho direito, desinfecções às feridas do joelho direito e curativos às feridas do joelho direito;

aaaa)   No dia 11 de Setembro de 2012, o Autor obteve alta do Hospital Universitário de ... e foi transportado, de ambulância, para o Hospital da ..., em ..., por conta e a expensas da Companhia de Seguros “HH.”, ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho;

bbbb)  O Autor chegou ao Hospital da ..., em ..., no dia 12 de Setembro de 2012, pelas 03,00 horas da manhã;

cccc)    E ficou internado nesta Unidade Hospitalar, até ao dia 2 de Novembro de 2012, sempre deitado na cama na mesma posição, de costas, sem se poder virar, na cama;

dddd)  Tomou as suas refeições no leito que lhe foram servidas por uma terceira pessoa, de que não pôde prescindir e fez as suas necessidades no leito, com o auxílio de uma arrastadeira, que lhe era servida por uma terceira pessoa, de que, também, não pôde prescindir, até conseguir deslocar-se à casa de banho com o auxílio de uma terceira pessoa;

eeee)   No dia 16 de Outubro de 2012, o Autor foi sujeito a uma intervenção cirúrgica, no Hospital da ..., consubstanciada na aplicação de uma prótese metálica total da anca direita;

ffff)    Como preparativo desta intervenção cirúrgica, o Autor fez análises clínicas e foi-lhe ministrada uma anestesia parcial – epidural;

gggg)   No dia 2 de Novembro de 2012, o Autor obteve alta do Hospital da ..., de … e foi transportado para a sua casa de habitação, sita na Rua do ..., freguesia de ..., comarca de ..., onde se manteve, doente, combalido e retido no leito, ao longo de um período de tempo de um mês e de onde apenas se levantava para a obtenção de consultas médicas e tratamentos;

hhhh)  Ao fim deste período de tempo de acamamento, na sua casa de habitação, o Autor passou a locomover-se de cadeira de rodas, com o auxílio permanente de uma terceira pessoa, de que não pôde prescindir;

iiii)      A qual se viu na necessidade de usar ao longo de um período de tempo de dois meses, até Fevereiro de 2013;

jjjj)      O Autor, após a sua alta do Hospital da ..., de ..., passou a frequentar tratamento de fisioterapia no Hospital Particular de ..., em sessões diárias, com excepção de alguns sábados e todos os domingos;

kkkk)  O Autor manteve-se em tratamento de fisioterapia, no Hospital Particular de ..., até ao dia 9 de Setembro de 2013;

llll)     A partir do mês de Fevereiro de 2013, o Autor passou a locomover-se a pé;

mmmm)Não dispensava, nem dispensa, porém, um par de canadianas, como auxiliar de locomoção, as quais passou a ver-se na necessidade de usar, a partir do mês de Fevereiro de 2013;

nnnn)Vê-se na necessidade de as usar, na presente data;

oooo)E vai ver-se na necessidade de as usar ao longo de toda a sua vida;

pppp)Após 16 de Setembro de 2013, o Autor, apesar de lhe ter sido dado ‘alta’ na especialidade de ortopedia pela Companhia de Seguros HH., continuou a frequentar os serviços clínicos desta seguradora, na especialidade de urologia, ficando com consulta marcada para o dia 4 de Dezembro de 2013;

qqqq)No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o Autor sofreu um enorme susto, perante a iminência do sinistro e a sua incapacidade de lhe escapar;

rrrr) E, dada a violência do embate e a circunstância de ter ficado encarcerado no interior do veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula -IO, o Autor receou pela própria vida, sendo que, durante o desencarceramento, esteve sempre consciente;

ssss) O Autor sofreu dores nas regiões do corpo atingidas, dores que o afectaram, posteriormente, durante cerca de um ano e meio, sendo que, actualmente, é afectado por dores frequentes nos membros inferiores;

tttt) Sempre que faz força, com essas regiões do seu corpo, sempre que se mantém na posição de pé, sempre que caminha e nas mudanças de tempo;

uuuu)Tendo o quantum doloris atingido o grau 5 numa escala de 1 a 7;

vvvv)Em consequência das lesões sofridas, o Autor (i) ficou com ausência total de erecção peniana, com impossibilidade de atingir o orgasmo, (ii) no membro inferior direito ficou com paralisia do grande nervo ciático, gonalgia com sequelas de lesões ligamentares do joelho e limitação da flexão, cicatriz de 18 centímetros e outra de 36 centímetros na face lateral da coxa, onde mantém material de osteossíntese, cicatriz de 12x12 centímetros na face interna do joelho, cicatriz transversal de 12 centímetros no cavado poplíteo, sendo obrigado a usar palmilha por dismetria ligeira dos membros e tala por lesão neurológica (pé pendente – equino), e, (iii) no membro inferior esquerdo, ficou com gonalgia esquerda, cicatriz lateral da coxa com 26 centímetros, atrofia gemealar de 2 centímetros, seis cicatrizes na face anterior da coxa e perna próprias da aplicação de fixadores metálicos e edema vespertino;

wwww)Consequentemente, o Autor está impossibilitado de se deslocar por longas caminhadas, tem dificuldade em subir e descer escadas, não pode correr, não pode andar de bicicleta (a paralisia do grande nervo ciático impede-o de fazer, com o pé, o movimento rotativo completo necessário ao movimento da roda pedaleira) e deixou de conduzir motociclos em que a mudança de velocidade é feita com o pé direito;

xxxx) Apenas conduz veículos automóveis com mudanças automáticas;

yyyy) Necessita da ajuda de uma terceira pessoa para determinados gestos que impliquem inclinar-se para a frente, como, por exemplo, cortar as unhas dos pés ou calçar as meias;

zzzz) À data do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, o Autor praticava actividades e desportos vários, nomeadamente, ciclismo em estrada e em montanha, caminhadas ao ar livre, motociclismo porque era coleccionador de motociclos antigos e automobilismo porque era coleccionador de veículos automóveis antigos;

aaaaa)A partir do acidente, o Autor deixou de poder praticar estes desportos e actividades;

bbbbb)Toda esta situação levou-o a desenvolver um quadro depressivo que o levou a tomar medicamentos antidepressivos apesar de, neste momento, já não tomar;

ccccc)Mas, ainda assim, tornou-se uma pessoa triste, facilmente irritável e que chora quando fala do acidente de que foi vítima;

ddddd)A impossibilidade de manter relações sexuais completas deteriorou o relacionamento conjugal do Autor e é causa de sofrimento psicológico;

eeeee)A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 22.08.2014;

fffff)As lesões e sequelas sofridas pelo Autor determinaram-lhe:
· Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 180 dias;
· Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 584 dias;
· Um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 764 dias;
· Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 72 pontos;
· Um dano estético permanente de grau 4, numa escala de 1 a 7;
· Uma repercussão permanente na actividade sexual com base na ausência de erecção;
· As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, incompatíveis com a sua actividade profissional, mas compatíveis, do ponto de vista médico-legal, com outras áreas, desde que dentro da sua área técnico-profissional e desde que compatíveis com as suas sequelas;
ggggg)No processo nº 658/13.0TTVCT, do Tribunal do Trabalho de ..., foi atribuída ao Autor uma incapacidade permanente parcial de 86,1015% com IPATH (incapacidade permanente e absoluta para a actividade profissional habitual);
hhhhh)O Autor nasceu no dia … de … de 19…;
iiiii)À data do embate, o Autor era sócio-gerente da sociedade “II, Lda.”, com sede no lugar de ..., freguesia de ..., comarca de ...;
jjjjj)E exercia a profissão de serralheiro naval, serralheiro mecânico e serralheiro civil auferindo, em média, a quantia de líquida de € 1.250,00;
kkkkk)Desde a data do embate que o Autor deixou de receber o seu ordenado;
lllll)O Autor exercia a sua profissão, maioritariamente, de pé;
mmmmm)Subia e descia as escadas das embarcações e dos edifícios de outras obras a construir e reparar;
nnnnn)Sopesava, carregava e transportava todas as ferramentas e equipamentos necessários ao desempenho da sua referida profissão de serralheiro;
ooooo)O Autor, por causa das lesões e sequelas de que ficou a padecer, já não pode permanecer de pé para trabalhar, nem executar as tarefas supra descritas;
ppppp)Em consequência do acidente dos autos, o Autor despendeu em consultas médicas, medicamentos, uma certidão de nascimento e uma certidão da Conservatória do Registo Automóvel, a quantia € 537,00;
qqqqq)Viu danificados e completamente inutilizadas as peças de vestuário que vestia e usava na altura do embate - 1 par de calças, 1 camisa, 1 par de ténis e toda roupa interior - no valor de € 240,00 (€ 100,00 + € 40,00 + € 100,00 + € 30,00);
rrrrr) O Autor é, actualmente, portador do material de osteossíntese que lhe foi aplicado no fémur do membro inferior esquerdo;
sssss)Vai necessitar de realizar, até ao fim da sua vida, um número ainda indeterminado de cirurgias, sendo que pelo menos duas será obrigado a realizar: uma para a extracção do material de osteossíntese existente no membro inferior esquerdo, outra, para execução da artroplastia do fémur, uma vez que a prótese aplicada tem uma duração entre 10 e 15 anos;
ttttt) Vai necessitar de ser internado clinicamente para os fins mencionados na alínea anterior;
uuuuu)Vai necessitar, até ao fim da sua vida, de ser consultado medicamente nas áreas da urologia, da cirurgia vascular e da ortopedia e de realizar tratamentos de fisioterapia;
vvvvv)Vai necessitar, até ao fim da sua vida, de realizar exames complementares de diagnóstico;
wwwww)Vai necessitar, até ao fim da sua vida, de ingerir medicamentos analgésicos, antiespasmódicos e antiepilépticos de forma a atenuar ou debelar as dores que sente nas zonas do corpo atingidas pelas lesões e pelas sequelas;
xxxxx)Vai necessitar, até ao fim da sua vida, de adquirir um par de muletas, de 18 em 18 meses, e de adquirir uma tala de protecção tibial, também, de 18 em 18 meses;
yyyyy)Vai necessitar, até ao fim da vida, da ajuda de uma terceira pessoa para a higiene dos pés, para cortar as unhas dos dedos dos pés, vestir as meias e para calçar os sapatos;
zzzzz)A Autora CC é filha do Autor AA;
aaaaaa)A Autora CC, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente acção era, como é na presente data, licenciada em Enfermagem, pelo Instituto Politécnico de ..., desde 11 de Julho de 2008 e encontrava-se, como se encontra, na presente data, inscrita na Ordem dos Enfermeiros, portadora da cédula profissional nº ---;
bbbbbb) À data da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção – de que foi vitima o seu pai AA – encontrava-se a exercer a sua referida profissão de enfermeira, na cidade de ..., na ...-..., por conta da sociedade DD International Inc, com sede em ... e com serviços administrativos nas ...;
cccccc)E auferia o ordenado de 4.280,00 USD;
dddddd) Além disso, a entidade patronal da Autora concedia-lhe doze dias de descanso, de oitenta em oitenta dias, com viagem de avião de ida e volta a Portugal, um mês de férias por ano, também, com viagem de avião de ida e volta a Portugal, alojamento individual, em apartamento, na cidade de ..., na ... ..., um seguro de saúde e de acidentes pessoais, e alimentação diária completa, nomeadamente, pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar, na cantina da empresa;
eeeeee)Após a ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, a Autora regressou a Portugal, com a intenção de fazer companhia ao seu pai, cuidar dele e prestar-lhe os cuidados de saúde de que o seu pai carecia;
ffffff) Chegada a Portugal, deslocou-se para ..., França, onde o seu pai se encontrava hospitalizado, onde se manteve durante 5 dias;
gggggg)Depois de o pai da Autora CC, AA, ser transferido para o Hospital da ..., em ..., a Autora, em 28 de Agosto de 2012, terminou a sua relação laboral com a supra referida sociedade DD, com a intenção mencionada na alínea dddddd);
hhhhhh) O pai da Autora manteve-se internado no Hospital da ..., em ..., até ao dia 1 de Novembro de 2012 e a Autora visitou-o com frequência;
iiiiii)A partir do dia 1 de Novembro de 2012 – data da alta hospitalar do seu pai e do regresso à sua casa de habitação, na freguesia de ..., comarca de ... -, a Autora (i) passou a fazer a companhia ao pai, (ii) ministrou-lhe a medicação – analgésicos e anti-inflamatórios (Paracetamol, Ibuprofenos, etc.), três vezes ao dia (às 8h, 16 h e 00 h), (iii) confeccionou-lhe e serviu-lhe as refeições, (iv) deu-lhe banho e prestou todos os restantes cuidados de higiene, (v) fez-lhe as limpezas, desinfecções e curativos periódicos às feridas sofridas, (vi) aplicou-lhe e substituiu-lhe os pensos na feridas, nomeadamente na anca direita e no joelho direito), (vii) colocou-a na cadeira de rodas, (viii) auxiliou-o na locomoção de cadeira de rodas, (ix) levantou-o da cama e colocou-o num cadeirão, na sua casa de habitação, (x) fez-lhe massagens nos dois membros inferiores, diária e constantemente, (xi) fez-lhe e mudou-lhe a roupa da cama, (xii) deu-lhe banho, (xiii) transportou-o e acompanhou-o, para as consultas médicas, para tratamentos médicos e cirúrgicos e para sujeição a tratamentos de fisioterapia, (xiv) auxiliou-o, na locomoção, na sua casa de habitação e na via pública;
jjjjjj)O que fez até ao dia 30 de Setembro de 2013;
kkkkkk)A Autora, ao receber a notícia do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, de que foi vítima o seu pai, sofreu um intenso golpe psicológico e emocional e receou pela própria vida daquele;
llllll)E acompanhou, dia a dia, o sofrimento inerente à convalescença de seu pai;
mmmmmm)E a saturação psicológica sofrida levou-a a ter necessidade de ser consultada psicologicamente e acompanhada posteriormente em 4 sessões de psicologia médica no Hospital Particular de ...;
nnnnnn)Para a Ré, BB – Sucursal em Portugal, estava transferida, à data do embate, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo IO, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ….

                                                           

               O DIREITO


a) Das nulidades do acórdão

 Há que começar por decidir se procede alguma das nulidades apontadas ao acórdão recorrido nas conclusões 10ª, 11ª, 28ª e 31ª da revista da Ré BB.

A primeira dessas nulidades (a da conclusão 10ª), identificada como sendo a da alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC, radica, ao que se percebe, na circunstância de as sequelas sofridas pelo Autor serem compatíveis com outras áreas da sua área técnico-profissional, pelo que, tendo a Relação de Guimarães considerado a impossibilidade de o mesmo Autor exercer, na prática, qualquer actividade, decidiu em oposição com os fundamentos de facto; a segunda (a da conclusão 11ª), identificada com a nulidade da alínea e), do citado n.º 1, consiste na circunstância de o acórdão recorrido ter contabilizado, para aumentar a indemnização pelos danos patrimoniais futuros do Autor, as despesas com a medicação e tratamentos necessários até ao fim da sua vida, sendo certo que essas despesas já constavam da condenação da Ré, em sede de liquidação de sentença, condenação essa que a Relação manteve; a quarta (a da conclusão 31ª), inserível também na alínea c) do n.º 1, traduz-se no facto de o acórdão recorrido ter tomado o valor mensal € 2.000,00 como referência para calcular os danos patrimoniais da Autora CC, quando o certo é que não existe nenhum facto provado que tal permita.

Todas estas nulidades (a 1ª, a 2ª e a 4ª) improcedem, porquanto a argumentação que sustenta a sua alegação reconduz-se, nitidamente, a meros erros de julgamento e não a vícios relacionados com a estrutura ou limites da decisão.

Já o mesmo não sucederá quanto à nulidade invocada na conclusão 28ª, como veremos mais à frente, reservando para esse momento a sua apreciação.

                
b) A indemnização pelo dano patrimonial futuro do Autor AA

           Por causa do acidente de que saiu vítima, o Autor AA pediu nesta acção: € 250.000,00 a título de danos não patrimoniais; € 45.333,34, a título de perda de rendimentos desde a data do acidente até 31.12.2013; € 500.000,00, a título de perda de rendimento futuro; e € 927,00 a título de danos emergentes.

            A sentença da 1ª instância fixou os seguintes valores: € 150.000,00 para os danos não patrimoniais; € 38.095,00 pela perda de rendimento desde a data do acidente até 30.09.2013; € 300.000,00 pela perda de rendimento futuro; e € 777,00 pelos danos emergentes.

               Na sequência dos recursos apresentados pelo Autor e pela Ré (recurso subordinado), nos quais apenas se questionavam os valores indemnizatórios correspondentes aos danos não patrimoniais e à perda de rendimento futuro, o acórdão da Relação de Guimarães manteve o primeiro daqueles valores (€ 150.000,00) e aumentou para € 418.600,00 o montante relativo à perda de rendimento futuro do Autor AA.

             A Ré continua a manifestar frontal discordância quanto a estes dois valores.

             Focar-nos-emos, para já, na vertente do recurso de revista da Ré seguradora dirigida ao valor fixado a título de dano patrimonial futuro, decorrente da incapacidade permanente atribuída ao lesado. 

           Será de manter a indemnização de € 418.600,00?

           Como melhor explicitaremos adiante, os valores indemnizatórios fixados pelas instâncias basearam-se em juízos de equidade.

          Ora, estando esses juízos alicerçados na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, a sua discussão, por não se fundar em estrito critério normativo, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito. Por tal razão, o juízo prudencial e casuístico das instâncias só não será mantido se o julgador se tiver afastado da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – “muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e , em última análise, o princípio da igualdade”[3].

           Dito isto, é sabido que o défice funcional, ou dano biológico, é representado pela incapacidade permanente resultante das lesões sofridas, sendo susceptível de desencadear danos no lesado de natureza patrimonial e/ou de natureza não patrimonial.

Os do primeiro tipo, que são os que aqui interessam, ocorrem quando a incapacidade, total ou parcial, se repercute negativamente no exercício da actividade profissional habitual do lesado, e, consequentemente, nos rendimentos que dela poderia auferir; serão ainda desse primeiro tipo quando, embora sem repercussão directa e imediata na actividade profissional habitual e na obtenção do ganho dela resultante, implique um maior esforço no exercício dessa mesma actividade ou limite significativamente, por via do elevado grau de afectação funcional, as possibilidades de o lesado optar por outras vias profissionais, susceptíveis de ganhos materiais.

Conforme se ajuizou no acórdão deste STJ de 10.10.2012[4], a compensação do dano biológico, dentro das consequências patrimoniais da lesão físico-psíquica, “tem como base e fundamento quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe [ao lesado], de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais (…)”.

E, nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (…), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal (…)”.

O que a variada jurisprudência dos tribunais superiores tem sistematicamente considerado é que a indemnização pelos danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que o lesado ficou privado e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida, e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado[5], até este atingir a idade normal da reforma, pois, como se diz no acórdão acima citado “as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas , com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito”.

Uma vez que não há modo de se apurar o valor exacto dos danos, a indemnização em dinheiro terá de encontrar-se com recurso à equidade, como modo adequado de conformação dos valores legais às características do caso concreto – artigo 566º, nºs 1 e 3.

Porque a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas, nomeadamente no que diz respeito à esperança média de vida, à flutuação do valor do dinheiro, às expectativas de aumentos salariais e de progressão na carreira, etc.

Já se vê que este é um exercício difícil, sujeito sempre a alguma dose de subjectivismo, podendo dar azo a resultados muito diferentes em situações análogas.

Para mitigar esse risco costumam ser usadas tabelas matemáticas, mais ou menos complexas, que permitem alcançar um valor referencial correspondente ao citado capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado, com ponderação das demais circunstâncias do caso (idade da vítima, rendimento anual, taxa de juro de remuneração do capital, progressão na carreira, inflação, etc.).

Passando à análise do caso concreto.

           A sentença da 1ª instância, tomando por base o rendimento anual de € 18.200,00 auferido pelo Autor, o tempo de vida laboral expectável de 23 anos, o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 72 pontos, uma taxa de juro de remuneração do capital de 2% ao ano, uma taxa de inflação de 1% ao ano para os ganhos de produtividade, e uma taxa de 1% ao ano para a progressão profissional, calculou a indemnização do dano patrimonial futuro no montante de € 268.053,00, mediante a utilização da forma matemática introduzida pelo acórdão da Relação de Coimbra de 04.04.1995[6].

    E acrescentou:

    “A questão que deve colocar-se agora, face ao caso concreto e à matéria de facto dada por provada é saber se este montante é justo e adequado a indemnizar os reais danos do Autor. Estamos a considerar o quadro factual real do Autor, ou seja, a sua idade e a impossibilidade prática de reconversão profissional, a profissão que exercia, com uma componente eminentemente física, sendo impossível ao Autor largar as muletas para trabalhar de pé, ajoelhar-se e baixar-se, e tendo presente que o valor global e integral do rendimento do Autor ascenderia, em 23 anos, à quantia de € 418.600,00”.

     Considerando, então, que, em face da matéria de facto dada como provada, [designadamente a que emerge da alínea oo)], aquele valor € 268.053,00 não indemnizava adequadamente o Autor (na medida em que se torna extremamente penoso (…) a continuação da sua actividade profissional, e fica reduzida ou eliminada a possibilidade de outras entidades empregadoras o contratarem para a mesma actividade),  o Ex.º Juiz da 1ª instância, recorrendo a critérios de equidade, fixou a indemnização em € 300.000,00.

Por sua vez, o acórdão recorrido justificou o aumento da indemnização para € 418.600,00 da seguinte forma:

“Interessa, essencialmente, obter um valor que satisfaça o esforço suplementar que o lesado terá de suportar, tendo em conta as especificidades do caso concreto.

Para esse efeito, cumpre relembrar as sequelas que advieram para o Autor, da ocorrência do acidente de que foi vítima.

O Autor exercia a profissão de serralheiro naval, serralheiro mecânico e serralheiro civil, maioritariamente, de pé; subia e descia as escadas das embarcações e dos edifícios a construir e reparar; sopesava, carregava e transportava todas as ferramentas e equipamentos necessários ao desempenho da sua referida profissão de serralheiro.

Por causa das lesões e sequelas de que ficou a padecer, já não pode permanecer de pé para trabalhar, nem executar as tarefas supra descritas.

Acresce que, até ao fim da vida, tem de utilizar canadianas, para se deslocar diariamente, e necessita da ajuda de uma terceira pessoa para determinados gestos que impliquem inclinar-se para a frente, como, por exemplo, cortar as unhas dos pés ou calçar as meias ou sapatos.

Ficou ainda demonstrado que até ao fim da vida, necessita de medicamentos analgésicos, anti-inflamatórios, antiespasmódicos, antiepilépticos, para atenuar as dores e sem os quais não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária; de tratamentos médicos regulares, incluindo-se aqui consultas médicas de ortopedia, urologia e cirurgia vascular, consulta da dor, cirurgia vascular, cirurgias e inerentes internamentos e realização de exames complementares de diagnóstico, e, ainda, fisioterapia, para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas.

O Autor, de 54 anos de idade, em virtude das gravíssimas sequelas acima descritas, entre as quais destacamos a locomoção diária com a ajuda de canadianas, a impossibilidade de permanecer de pé, as dores, e face às cirurgias, aos tratamentos médicos e de fisioterapia que terá de ser sujeito, ao longo da sua vida, encontra-se, na prática, impossibilitado de continuar a exercer a sua profissão e de conseguir encontrar uma actividade profissional compatível com as graves limitações físicas que apresenta.

Por conseguinte, a impossibilidade de, fisicamente, continuar a exercer a sua profissão de serralheiro e de qualquer outra atendendo ao seu estado de saúde, aliada às reais dificuldades do mercado de trabalho principalmente no seu caso específico, que inviabilizam quase seguramente a respectiva empregabilidade, conduz à evidência de que a incapacidade do Autor, para este efeito, de perda de rendimento futuro, é total.

Assiste, pois, razão ao Autor, na reclamação de uma indemnização no montante de 418.600,00 € pois é aquela que satisfaz integralmente o dano futuro”.

O valor encontrado para ressarcir o dano patrimonial futuro corresponde, segundo o acórdão recorrido, ao valor do somatório das remunerações salariais que o lesado obteria até ao fim da sua vida, a partir da consideração de que as sequelas sofridas implicam a incapacidade total do Autor para a sua actividade habitual de serralheiro e a impossibilidade de se empregar numa outra actividade compatível com as sequelas sofridas.

Não foi feito qualquer ajustamento ou filtragem do montante indemnizatório, nomeadamente por efeito da antecipação do seu recebimento por inteiro e da taxa de juros remuneratórios desse capital, ao contrário do que fariam supor as seguintes considerações preliminares do acórdão recorrido, citando jurisprudência do STJ:

“Relativamente à problemática do cálculo da indemnização do dano patrimonial futuro, o Acórdão do STJ de 15.07.2007, expôs as ideias generalizadas da jurisprudência daquele Tribunal Superior:

1º- A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;

2º- No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equi­dade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso nor­mal das coisas, é razoável;

3º- As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;

4º- No caso de morte do lesado, deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio gastaria consigo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos);

5º- Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que per­mitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um des­conto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;

6º- E deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de traba­lhar por vir­tude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 76 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta)”.

           O acórdão recorrido fixou a indemnização equivalente à pura soma das retribuições salariais não recebidas pelo lesado até completar 77 anos, considerando a incapacidade total para o trabalho habitual ou geral.

           Ou seja: enquanto que a Relação apurou o valor da indemnização partindo da constatação da perda total de rendimentos do Autor, a 1ª instância usou a tabela financeira para ajudar ao cálculo da indemnização pela incapacidade permanente geral de 72 pontos e modelou esse valor, adaptando-o e melhorando-o, de acordo com as outras circunstâncias apuradas (maior penosidade e enorme dificuldade ou impossibilidade de empregabilidade).

            Cremos que, num e noutro caso, foram inobservados os limites e os pressupostos do juízo segundo a equidade. 

            Tentaremos explicar porquê.

Vem provado da 1ª instância, e não foi alterado na Relação, que as sequelas das lesões sofridas pelo Autor lhe determinaram um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 72 pontos e que essas “sequelas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, incompatíveis com a sua actividade profissional, mas compatíveis, do ponto de vista médico-legal, com outras áreas, desde que dentro da sua área técnico-profissional e desde que compatíveis com as suas sequelas” – cfr. alínea fffff) dos factos provados.

Está, portanto, assente que as sequelas resultantes das lesões provocadas pelo acidente impedem o Autor de desenvolver o seu trabalho habitual de serralheiro naval, serralheiro mecânico e serralheiro civil. Essa actividade profissional era exercida, maioritariamente, de pé: subia e descia escadas das embarcações e dos edifícios, sopesava, carregava e transportava todas as ferramentas e equipamentos – cfr. alíneas jjjjj) a nnnnn) dos factos provados.

Está igualmente provado que, por causa das lesões e sequelas, o Autor já não pode permanecer de pé para trabalhar, nem exercer essas tarefas, tem dificuldade em subir e descer escadas, e vai ter de usar, durante toda a vida, um par de canadianas como auxiliar da locomoção – cfr. alíneas ooooo), wwww), mmmm) e oooo).

Estando adquirido que a área técnico-profissional do Autor AA corresponde à de serralheiro, e que o exercício dessa actividade exige destreza, mobilidade e força física, não é difícil concluir que o grau de incapacidade traduzido nas graves limitações funcionais descritas tem consequências profundamente negativas na possibilidade efectiva de vir a exercer outra actividade profissional. Será, com certeza, muito difícil, ou mesmo impossível, conseguir emprego na sua área técnico-profissional, compatível com as sequelas que apresenta, tanto mais que, à data do acidente, já tinha 54 anos de idade. Nesta medida, parece-nos correcto o entendimento vertido no acórdão recorrido de que o dano futuro terá de ser calculado a partir desta realidade, ou seja, de que a situação do Autor corresponde, na prática, a uma situação de incapacidade total permanente para o trabalho[7].

Destas palavras já se infere que o cálculo indemnizatório formulado na 1ª instância não é aproveitável, na medida em que tem por base o grau de incapacidade indiferenciada de ganho (défice permanente funcional de 72 pontos).

Mas se isto é verdade, também a Relação parece ter subestimado aquilo que é normal ponderar-se na atribuição da indemnização por danos futuros: por um lado, a taxa de remuneração do capital, a progressão na carreira profissional e/ou o normal aumento da remuneração; por outro lado, a dedução correspondente ao benefício resultante da antecipação total do recebimento do capital.

Usando a tabela financeira a que a 1ª instância deitou mão, que é a mais completa, por agregar toda uma série de factores com impacto directo na definição do capital indemnizatório, e considerando a remuneração anual do lesado, a sua idade e a esperança média de vida, bem como uma taxa de juro de remuneração do capital de 2% ao ano, uma taxa de inflação de 1% para os ganhos de produtividade, e uma taxa de 1% ao ano para a progressão profissional, o valor final rondaria os € 370.000,00. Sublinhe-se que este é um simples valor de referência, meramente indicativo para o juízo de equidade.

A dedução de que acima se falou, cuja finalidade é evitar o enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia, não deve atingir os valores de outrora, noutros contextos macroeconómicos, que chegavam a ultrapassar os 30% do capital[8].

Pensamos que hoje, sendo muito mais baixos os valores das remunerações resultantes da aplicação do capital, essa dedução, considerando os anos por que durará a perda do rendimento reflectida na prestação anual, não deverá ultrapassar 10% do capital a receber.

Reconstruindo, nestes termos, o juízo de equidade, entende-se adequada a indemnização de € 350.000,00 pelos danos patrimoniais futuros.


c) A indemnização pelos danos não patrimoniais do Autor AA

            Conforme se vem entendendo, no caso de pedidos múltiplos ou cumulativos, a conformidade ou desconformidade da decisão da Relação com a decisão da 1ª instância relevante para efeitos de admissibilidade do recurso de revista, deve ser aferida isoladamente em relação a cada um dos segmentos da decisão final em que há pronúncia sobre esses pedidos[9].

            Como o acórdão recorrido confirmou o valor da indemnização pelos danos não patrimoniais atribuído da sentença da 1ª instância (€ 150.000,00), verifica-se uma situação de dupla conformidade quanto a esse específico pedido.

            Em consequência, visto o disposto no artigo 671º, n.º 3, do CPC, não é admissível o recurso de revista da Ré nessa parte, o que nos desobriga do conhecimento do correspondente objecto, o mesmo ocorrendo com a revista subordinada interposta pelo Autor AA, cujo objecto se limitava a essa específica questão.


d) Os pedidos indemnizatórios da Autora CC

           A sentença da 1ª instância havia julgado improcedentes os pedidos de indemnização deduzidos pela Autora contra a Ré BB.

No seguimento do recurso de apelação apresentado por aquela Autora, o acórdão da Relação de Guimarães atribuiu-lhe a indemnização de € 26.000,00 por danos patrimoniais (serviços prestados como enfermeira) e a indemnização de € 4.000,00 por danos não patrimoniais (resultantes do choque emocional provocado pela notícia do acidente e pelo sofrimento inerente ao acompanhamento do Autor na recuperação física e psicológica).

Começando por estes últimos:

A 1ª instância recusou a atribuição de indemnização, dizendo:

“Quanto aos danos não patrimoniais, e atendendo ao texto e interpretação sistemática dos artigos 483º e 496º do Código Civil, consideramos que o ordenamento jurídico português não reconhece qualquer direito indemnizatório aos filhos da vítima de facto ilícito danoso quando esta sobreviva ao evento”.

A Relação de Guimarães, escorada no acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 6/2014, de 16.01.2014[10], defende a “compensabilidade dos danos não patrimoniais sofridos por outrem, designados por danos reflexos”, mas com o pressuposto de que se tratem de “danos particularmente graves determinando no outrem sofrimento muito relevante, não se cingindo ao cônjuge do lesado”.

Referindo-se ao caso concreto referiu:

“Ao receber a notícia do acidente de trânsito de que foi vítima o seu pai, sofreu um intenso golpe psicológico e emocional e receou pela própria vida daquele.

Acompanhou, dia a dia, o sofrimento inerente à convalescença de seu pai e a saturação psicológica sofrida, levou-a a ter necessidade de ser consultada psicologicamente e acompanhada posteriormente em 4 sessões de psicologia médica no Hospital Particular de ....

Os danos não patrimoniais sofridos pelo seu pai são, como já tivemos oportunidade de concluir, extremamente graves e o choque emocional que o acidente causou à sua filha, aqui Autora, bem como todo o sofrimento inerente ao acompanhamento daquele na recuperação física e psicológica constituem danos não patrimoniais efectivamente relevantes, pelo que merecem ser compensados com uma quantia de € 4.000,00, actualizada, atendendo à desvalorização monetária, à data da sentença de 1.ª instância, e não de € 50.000,00, como foi peticionado”.

O segmento uniformizador do aresto acima citado reza assim:

“Os arts.483º, n.º 1 e 496º, n.º 1 do Código Civil devem ser interpretados no sentido de abrangerem os danos não patrimoniais, particularmente graves, sofridos por cônjuge de vítima sobrevivente, atingida de modo particularmente grave”.

Embora a situação concreta dos autos não seja directamente abrangida pelo AUJ – na medida em que o que aqui se discute é a indemnização da filha do lesado num contexto factual absolutamente diverso –  aceitam-se como bons os princípios vertidos na sua fundamentação[11], de que se respigam as seguintes passagens:

“Importa saber se a autora tem direito a compensação e fixar jurisprudência no que concerne à existência ou inexistência do direito que está na base desta. Não interessa já determinar se os danos que ela invoca devem ser classificados como ‘directos’ ou ‘reflexos’.

(…)

Relativamente ao entendimento de que este tipo de danos tem natureza indirecta, reflexa ou por ricochete, a interpretação actualista encerra interpretação extensiva, que, todavia, não é vedada, atento o disposto no artigo 11º”.

Quanto à delimitação subjectiva da interpretação actualista do n.º 1 do artigo 483º e do n.º 1 do artigo 496º, o AUJ admitiu que “não pode ‘abrir-se a compensabilidade a todos os que, chegados ao lesado, sofram com o que aconteceu a este”, deixando, no entanto, “bem claro (…) que a nossa referência ao cônjuge não pode ser interpretada como excluidora de outros”.

No que respeita à delimitação objectiva, refere: “Assim como não podemos abrir a compensabilidade a todo um ‘coro de chorosos’, também não a podemos abrir a todo o dano não patrimonial que, no caso do lesado, justificaria a tutela do direito”. Reconhece, finalmente, que ao adoptar-se uma interpretação actualista do n.º 1 do artigo 483º e do n.º 1 do artigo 496º, se está “a abrir uma brecha na dogmática geral de que é a vítima, se sobreviver, a pessoa a indemnizar”, e, por esse motivo, entende que se deve reservar a extensão compensatória apenas para os casos de particular gravidade, vista esta em duas vertentes: uma quanto aos ferimentos da vítima sobrevivente e outra quanto ao sofrimento do chegado ao lesado (no caso do AUJ, o cônjuge do lesado).

A doutrina exposta no AUJ (se bem que o segmento uniformizador se dirija expressamente, como se disse, à situação de compensabibilidade do dano não patrimonial sofrido pelo cônjuge do lesado sobrevivente) considera, assim, compensável o dano não patrimonial lateral, enquanto fenómeno psíquico do indivíduo afectado mediatamente (com origem, portanto, no dano primário do lesado imediato), desde que assuma particular gravidade naquela dupla perspectiva. Para isso é fundamental que à especial gravidade dos ferimentos do sobrevivente se junte um intenso sofrimento do chegado ao lesado devido à profunda alteração ou perturbação do convívio relacional com este.

Não nos parece, salvo o devido respeito, que isso se verifique no presente caso, pelo menos quanto à segunda vertente enunciada.

Com efeito, os factos provados das alíneas ffffff) a mmmmmm) não permitem inferir a particular gravidade de que se falou.  

Assume-se como natural o choque emocional sofrido pela Autora com a notícia do acidente do pai, sendo esse choque comum, infelizmente, na esfera dos familiares mais próximos dos milhares de sinistrados graves que todos os anos se registam em acidentes rodoviários e noutros. Aceitar a compensabilidade desse dano conduziria à “pulverização indemnizatória” que o AUJ quis declaradamente evitar.

Tem-se igualmente por natural a saturação psicológica que a levou a 4 sessões de psicologia médica, em consequência provável de ter acompanhado diariamente o sofrimento de seu pai, durante o tempo por que durou a recuperação possível.

O que não se vê é que as sequelas do lesado directo impliquem um sofrimento intenso na vivência relacional da Autora com ele, degenerando o quotidiano da sua vida.

Deste modo, procede esta parte da revista, negando-se à Autora CC qualquer compensação a título de dano não patrimonial.

Passando agora à apreciação do dano patrimonial, vimos já que a Relação o fixou em € 26.000,00, sendo que a sentença da 1ª instância havia decidido, quanto a esta matéria, o seguinte:

“Em face da matéria dada por provada, inexiste factualidade para indemnizar a Autora nos aspectos relacionados com a quebra da sua relação contratual com a sociedade DD, nas viagens que realizou e nas despesas que suportou com estas.

Existiria matéria de facto para indemnizar a Autora, ainda que a liquidar posteriormente, pelo tempo que assumiu as funções de enfermeira e de auxiliar de seu pai entre 1 de Novembro de 2012 e 30 de Setembro de 2013 – cfr. alíneas iiiiii) e jjjjjj), do ponto II.1. No entanto, a este título, ou melhor, com este fundamento, a Autora nada peticiona, peticionando apenas a perda do seu rendimento como enfermeira com o enquadramento do contrato que tinha com a referida DD – cfr. artigos 268º, 269º e 288º da petição inicial do apenso A. Assim, sob pena de ultrapassarmos de forma inadmissível o peticionado, não poderemos satisfazer a pretensão indemnizatória da Autora”.

O acórdão recorrido, por sua vez, fundando-se na disposição do n.º 2 do artigo 495º, atribuiu à Autora a mencionada quantia de € 26.000,00, dizendo:

“A Autora prestou assistência à vítima, seu pai, durante cerca de treze meses, tendo deixado de receber o seu vencimento, por ter terminado a relação laboral para poder regressar a Portugal e cuidar do Autor.

Os cuidados que a Autora prestou ao pai, deixando de trabalhar, por esse motivo, constituem prejuízos enquadráveis no mencionado artigo 495.º, n.º 2 do C.Civil, calculados com recurso a critérios de equidade, tendo em conta, como refere a Recorrente, a natureza dos serviços prestados, continuados, como enfermeira, e que se estimam em € 2.000,00 mensais (13 meses x € 2.000,00 = € 26.000,00)”.

Compulsada a petição inicial, verifica-se que os danos patrimoniais reclamados pela Autora vêm assim descritos (artigo 288º):
a) Viagens de avião e TGV da ... ... a Portugal, a França, regresso a Portugal e regresso a ... ...    -                                     1.600,00 €
b) Despesa na “Casa de Família” do Hospital de ...  -                325,00 €
c) Viagem de regresso à ... ... e regresso a Portugal           800,00 €
d) Deslocações em veículo próprio                                                        1.152,00 €
e) Perda de rendimentos do trabalho, em dinheiro e em espécie
até ao dia 30 de Novembro de 2013                                                156.003,54 €
f) Perda definitiva do emprego, como enfermeira, na ...
...                                                                                   100.000,00 €

Ora, como se vê das várias parcelas discriminadas, nenhuma delas se reporta a despesas com os cuidados de assistência prestados ao Autor AA, sendo certo, por outro lado, que nenhum dos factos articulados na petição inicial, relacionados com as parcelas acima descritas, logrou demonstração (cfr. fls. 915 dos autos).

            Por essa razão, a decisão da 1ª instância negou procedência ao pedido de indemnização por esses danos patrimoniais, não deixando de dizer que “existiria matéria de facto para indemnizar a Autora, ainda que a liquidar posteriormente, pelo tempo que assumiu as funções de enfermeira e de auxiliar de seu pai entre 1 de Novembro de 2012 e 30 de Setembro de 2013”, se o tivesse pedido.

           Nas alegações do recurso que interpôs para a Relação, e decerto motivada por esse excerto da sentença, a Autora procurou reorientar a sua pretensão, dizendo ser-lhe devida uma indemnização pelo tempo despendido com os serviços de acompanhamento e de tratamento de seu pai, de acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 495º do CC, computando-a em 55.640,20 USD (com a respectiva conversão em euros).

Salvaguardando a hipótese de não se atender ao valor do seu vencimento mensal de 4.280,00 USD, pediu que, segundo critérios de equidade, se fixasse o valor de € 2.000,00 por cada um dos treze meses do período de assistência (cfr. fls. 31 e 32 das alegações da apelação, a fls. 957, verso, e 958 dos autos).

           O acórdão recorrido acolheu este entendimento da recorrente e estabeleceu, precisamente esse valor de € 2.000,00 por mês, com recurso à equidade, para a prestação dos cuidados de assistência, multiplicando-o pelos referidos treze meses.

            Em nosso entender, não o deveria ter feito. Ao fazê-lo, incorreu na nulidade que a recorrente BB aponta na conclusão 28ª: a do conhecimento em objecto diverso do pedido, prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea e), do CPC.

           Consequentemente, e de acordo com o que dispõe o artigo 684º, n.º 1, do CPC, supre-se essa nulidade ficando a prevalecer a decisão da 1ª instância que negou procedência a esse pedido.

           
e) Os Juros de mora

 

Tanto Autor como a Autora reclamam que os juros de mora sobre as indemnizações atribuídas pelos danos não patrimoniais sejam contados desde a citação.

Para além da situação de dupla conformidade, acima constatada, quanto à indemnização pelos danos não patrimoniais atribuídos ao Autor e à correspondente contagem dos juros (a Relação manteve os precisos termos da condenação da Ré BB na indemnização de € 150.000,00 e juros contados a partir da decisão), no que concerne à Autora essa questão fica prejudicada, em função da improcedência do seu pedido de indemnização por danos não patrimoniais.

Termos em que improcede também este segmento do recurso.

                                                           *


III. DECISÃO

Tudo visto, e na revogação parcial do acórdão recorrido, decide-se:


A. Não conhecer do objecto da revista da Ré BB e do objecto da revista subordinada do Autor AA quanto ao valor da indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais.


B. Conceder parcial provimento à revista da Ré BB, fixando-se em € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) a indemnização ao Autor AA, a título de dano patrimonial futuro, e absolvendo-se a mesma Ré dos pedidos indemnizatórios contra si deduzidos pela Autora CC.

*

Custas da revista da Autora CC Daniela e do recurso subordinado do Autor AA pelos respectivos recorrentes.

Custas da revista da Ré BB, por esta e pelos recorridos, na proporção de vencidos.


*


LISBOA, 23 de Outubro de 2018

Henrique Araújo (Relator)

Maria Olinda Garcia

Catarina Serra

_________________________
[1] Relator:      Henrique Araújo
  Adjuntas:   Maria Olinda Garcia
                       Catarina Serra
[2] Cfr. apenso A.
[3] Cfr. acórdão deste STJ de 10.11.2016, no processo n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1 (Conselheiro Lopes do Rego), em www.dgsi.pt.
[4] No processo n.º 632/2001.G1.S1 (Conselheiro Lopes do Rego), em www.dgsi.pt.
[5] Contrariamente ao que defende a recorrente BB nas conclusões 12. a 15. da revista.
[6] Colectânea de Jurisprudência, Ano XX, Tomo II, páginas 23 e seguintes.
[7] Cfr., neste mesmo sentido, o acórdão do STJ de 01.03.2018, no processo n.º 773/07.0TBALR.E1.S1 (Conselheira Maria Graça Trigo), em www.dgsi.pt.
[8] Conforme se dá notícia no acórdão deste Tribunal de 25.11.2009, no processo n.º 397/03.0GEBNV.S1 (Conselheiro Raul Borges), com abundantes referências jurisprudenciais.
[9] É este o entendimento do STJ, como consta, entre outros, o acórdão de 11.02.2016, no processo n.º 31/12.8TTVFR.P1.S1 (Conselheiro Gonçalves Rocha), em www.dgsi.pt.
[10] Publicado no DR. I Série, de 22.05.2014.
[11] Já no acórdão de 17.09.2009, no processo n.º 292/1999-S1 (Conselheiro João Camilo), desta mesma secção do STJ, não obstante se ter negado a indemnização ali pedida, alertou-se para a necessidade de se poder considerar a compensabilidade de alguns danos reflexos: “[s]ão geralmente apontados dois tipos de danos indirectos nesta discussão: i. o primeiro tipo de danos é o dano de cariz não patrimonial dos pais que vêem o seu filho menor saudável em que depositavam as maiores esperanças num promissor futuro, ficar estropiado de forma irreversível, ficando reduzido a uma vida de qualidade muito limitada e/ou até dependente de terceiros para a satisfação das mais elementares necessidades físicas; ii. o segundo tipo de danos é o dano de igual natureza decorrente para a mulher casada que viu o seu jovem e saudável cônjuge ficar em situação igualmente dependente de terceiros para a satisfação das mais elementares necessidades físicas e ficar, ainda, também impotente, frustrando, assim, as suas legítimas expectativas de uma vida conjugal rica e plena de satisfação e de felicidade”.