Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
57/15.0JBLSB.1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: RECURSO PER SALTUM
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CÚMULO JURÍDICO
FURTO QUALIFICADO
ROUBO
DANO
EXPLOSÃO
RESISTÊNCIA E COAÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO
CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
PENA ÚNICA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 06/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - A pena conjunta do concurso superveniente será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, de acordo com os critérios gerais de medida da pena contidos nos artigos 71.º, n.º 1 e 77.º, a que acrescem os do art. 78.º, todos do CP.
II - O legislador ao estabelecer os critérios de determinação da pena única, seja no âmbito do mesmo processo, seja no concurso superveniente, não manda atender a quaisquer critérios aritméticos, matemáticos.
III - Sintetizando esta corrente jurisprudencial, pode ler-se no acórdão do STJ, de 16 de maio de 2019 (proc. n.º 790/10.2JAPRT.S1):
Como em qualquer outra pena, é a justiça do caso que se procura, e ela só é atingível com a criteriosa ponderação de todas as circunstâncias que os factos revelam, sendo estes, no caso do concurso, avaliados globalmente e em relação com a personalidade do agente, como se referiu. Rejeita-se assim qualquer critério objetivo na fixação da pena conjunta mediante a agravação da pena parcelar mais grave somando uma fração das restantes penas parcelares, e ainda menos por fórmulas matemáticas. Esses critérios conduzem afinal à aplicação de um sistema de pena conjunta que a lei não consagrou: o da “exasperação”, ou seja, aquele que pune o concurso no quadro da pena mais elevada, agravada em função das restantes penas.”.
Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 57/15.0JBLSB.1.S1

Recurso Penal

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Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I- Relatório

1. Nos presentes autos de processo comum coletivo n.º 57/15.0JBLSB, o Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Central Criminal de Setúbal - Juiz 3, procedeu à audiência de julgamento do arguido AA, nos termos do art.472.º do Código de Processo Penal, e no seu final, por acórdão de 18 de fevereiro de 2022, decidiu:

- operar o cúmulo jurídico das penas aplicadas nos presentes autos e no processo n.º 804/17.5PLSNT do Juízo Central Criminal de Sintra, e em consequência, condenar o arguido AA na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão; e

- manter a sua condenação na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por 12 (doze) meses, nos termos do art.69.º do Código Penal.

2. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora o arguido AA, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição):

1. Em cúmulo jurídico, em virtude dos processos nº 122/17.9PFCSC e 804/17.5PLSNT foi aplicada uma pena de 16 anos de prisão ao recorrente.

2. A pena única aplicada em cúmulo sofreu uma taxa de compressão de cerca de 55,21%.

3. Esta taxa de compreensão traduziu-se na diminuição de apenas 1 ano do tempo de prisão efetiva, em comparação ao tempo de reclusão que o arguido sempre teria que cumprir se as penas únicas supra enunciadas fossem executadas em separado.

4. É certo que o arguido não teve um percurso de vida exemplar, no entanto, consideramos que o Tribunal sobrepesou o seu registo criminal.

5. Há que ter em consideração, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral, os pontos de vista de prevenção especial de socialização.

6. Assim, é de extrema importância o contexto social da vida atual do arguido, que tem feito esforços para se tentar integrar na sociedade.

7. Em virtude da interiorização da necessidade de levar uma vida conforme à lei, realizou ações de investimento pessoal, tendo inclusivamente terminado o 12º ano de escolaridade.

8. Completou ainda com sucesso as formações de multimédia, inglês e informática, tendo ainda participado nas atividades desportivas disponíveis.

9. Em liberdade, inscreveu-se no Centro de Emprego de ..., e mais tarde, laborou enquanto empregado de mesa numa pastelaria, função que manteve até ser preso.

10. Está inserido familiarmente e em reclusão recebe o apoio dos seus familiares e da sua companheira.

 11. O arguido é jovem, tem apenas 35 anos e deseja ter uma vida conforme à lei, afastando-se da zona onde residia e do seu anterior grupo de pares.

12.O arguido tem um filho com 4 anos de idade e deseja acompanhar o seu crescimento e     demonstrar-lhe ser capaz de mudar os seus comportamentos e levar uma vida digna.

13. O arguido está arrependido do seu percurso e perspetiva vir a ter uma vida calma e conforme ao direito.

14. Na operação do cúmulo jurídico, deverá sempre que sobrepesar todos os factos pelo que a pena aplicada ao arguido deveria ser mais diminuta, sofrendo uma maior taxa de compreensão.

15. É possível expectar um prognóstico mais favorável do que aquele que foi realizado em relação ao arguido.

16. No que à pena única proferida no âmbito destes autos, o arguido não recorreu da decisão em sede de primeira instância, no entanto, todos os arguidos que recorreram destes autos, viram as suas penas diminuídas.

17. Não obstante o carácter iminentemente pessoal da decisão condenatória, não se poderá deixar de concluir que os factos pelos quais os arguidos vinham acusados poderiam merecer menos censurabilidade do que aquela que lhes foi atribuída em sede de primeira instância.

18. Uma pena inferior aquela que foi estabelecida e que é bastante longa – 16 anos de prisão – permitirá tutelar de forma suficiente os bens jurídicos atingidos, permitindo uma mais célere reintegração do arguido na sociedade.

19. Tendo em linha de conta todos os argumentos supra explanados, assim como, o percurso do arguido, entendemos que se justifica, no limite, uma taxa de compressão de 75% relativamente à pena aplicada ao arguido.

20. Para o efeito e tendo em consideração que o limite mínimo e máximo da moldura penal neste caso concreto se encontram tão distantes, somar-se-ia 1/4 do peso quantitativo conjunto das penas menores, à moldura penal mínima.

21. Tal raciocínio foi baseado no entendimento do Senhor Juiz Conselheiro Carmona da Mota que refere que nos casos em que “os limites mínimo e máximo da pena conjunta distem significativamente), a representação das penas menores na pena conjunta não deve exceder um terço do seu peso quantitativo conjunto”.

22. Neste caso em concreto, estamos precisamente perante esta situação, pelo que se afigura pertinente aplicar a critério da aplicação de 1/4 do peso quantitativo conjunto das penas menores, à moldura penal mínima.

23. Já justificado o nosso entendimento, consideramos que deverá fixar a determinação da pena única, no limite, numa pena de 12 anos e 4 meses de prisão, nos termos do art.77º e 78º do Código Penal.

NORMAS VIOLADAS: Artigos 40º nº 1 e nº 2 e 71º nº 1 e nº 2 do Código Penal Artigos 18º e 32º da Constituição da República Portuguesa

Nestes termos e nos demais de Direito, deverá o recurso obter provimento e ser aplicada uma pena única de 12 anos e 4 meses ao arguido.

3. O Ministério Público, junto do Juízo Central Criminal de Setúbal, respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

1. Interpôs o arguido AA recurso do douto acórdão prolatado a fls. 16676-16695 dos autos supra epigrafados, que, operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas nos autos supra epigrafados e no Processo n.° 804/17.5PLSNT, condenou aquele na pena única de 16 (dezasseis) anos de prisão, sendo que pugna o primeiro, a final, no sentido de dever ser-Ihe aplicada uma pena única de 12 (doze) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

2. Estará aqui em causa, no essencial e no que ora interessa relativamente ao douto acórdão recorrido, aquilatar da justeza da pena única de prisão aplicada, designadamente, da sua correspondência, ou não, à medida da culpa do arguido AA;

3. Invoca o ora recorrente no sentido de dever ser condenado numa pena única de 12 (doze) anos e 4 (quatro) meses de prisão, e não de 16 (dezasseis) anos de prisão, que: muito embora não tenha tido “um percurso de vida exemplar” “o Tribunal sobrepesou o seu registo criminar; a ponderação das exigências de prevenção especial de socialização farão “expectar um prognóstico mais favorável do que aquele que foi realizado em relação ao arguido”; os factos pelos quais os arguidos vinham acusados (e o mesmo recorrente foi condenado) no âmbito do Processo n.º 57/15.0JBLSB “poderiam merecer menos censurabilidade do que aquela que lhes foi atribuída”, pois que, não obstante “o carácter iminentemente pessoal da decisão condenatória”, é certo que não tendo recorrido da decisão que o condenou em primeira instância todos os outros arguidos que o fizeram “viram as suas penas diminuídas”; e justifica-se, “no limite, uma taxa de compressão de 75% relativamente à pena aplicada ao arguido”, “tendo em consideração que o limite mínimo e máximo da moldura penal neste caso concreto se encontram tão distantes”, na esteira do entendimento sufragado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Carmona da Mota;

4. Relativamente à alegação do arguido AA, em matéria de antecedentes criminais, de que “o Tribunal sobrepesou o seu registo criminal”, quando apenas “não teve um percurso de vida exemplar”, perfilhamos, ao invés, o entendimento sufragado pelo tribunal a quo no que tange a considerar, in casu, que "o arguido tem dedicado a sua vida a cometer crimes e a cumprir, em reclusão, as que correspetivamente e em consequência dos seus atos lhe são impostas, sendo atualmente uma de 15 anos de prisão", sucedendo, assim, que “a sua trajetória revela uma personalidade com (absoluta) propensão para a prática de crimes”, não podendo, pois, o mesmo tribunal deixar de, em sentido desfavorável ao primeiro, efectuar a devida valoração do respectivo certificado de registo criminal e dos (à data) 23 boletins dele constantes;

5. No que concerne ao sopesar das correspondentes exigências de prevenção especial (que temos, in casu, como extremamente elevadas), tal se conexionando com aquele que possa ser o “prognóstico” do comportamento futuro do arguido AA, também nesta parte o mencionado sujeito processual (sem prejuízo de alguns aspectos positivos que ora refere e que o próprio acórdão recorrido assinalou/considerou) desvaloriza em absoluto, como não era lícito ao tribunal fazer, todo o seu trajecto de vida, mesmo o posterior à prática dos factos e, inclusive, quando já em meio prisional;

6. De facto, e como bem, nomeadamente, é referido no douto acórdão ora recorrido, com reporte ao arguido AA, “não tendo qualquer das condenações sofridas anteriormente o feito infletir ou repensar as que veio, quase em imediato da concessão da liberdade condicional, a repetir”, “evidenciou claramente uma impreparação social e para viver de acordo com as normas estabelecidas”, “personalidade precoce e divergente das regras e que não é permeável a autocrítica ou a arrependimento”, “lamentavelmente, o seu passado e a adesão a um projeto de vida que parece apenas passar pela prática de crimes, praticados num momento em que podia valorizar o filho e o relacionamento com a companheira e a integração que, restituído à liberdade significaria o seu trabalho numa pastelaria de um familiar, o arguido ao invés demonstrou que não interiorizou a censurabilidade do seu comportamento, voltando a reincidir através da prática de novos factos talqualmente graves e atentatórios da vida de terceiros e de bens a que busca facilmente aceder”, e “em cumprimento de pena, o arguido não tem apresentado um comportamento adequado às regras do estabelecimento prisional, mas antes sofrido punições disciplinares, tendo inclusivamente, no Estabelecimento Prisional ... estado em cela de segurança”;

7. No que tange à (anterior) condenação sofrida no âmbito do supra epigrafado Processo n.° 57/15.0JBLSB que o arguido AA tem como “excessiva”, como é óbvio, em face do correspondente trânsito em julgado, sempre teria o tribunal a quo de levar em conta como ponto de partida para efeitos de determinação da pena única aplicada por via do douto acórdão ora recorrido as concretas penas parcelares impostas naquele processo, sem prejuízo de, claro está, o que de resto caberia efectuar, ter tido lugar a devida apreciação da globalidade dos factos provados nos dois processos objecto de consideração no âmbito do mesmo acórdão;

8. Quanto à questão alusiva à “taxa de compressão de 75% relativamente à pena aplicada ao arguido”, “tendo em consideração que o limite mínimo e máximo da moldura penal neste caso concreto se encontram tão distantes”, designadamente, na esteira do entendimento sufragado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Carmona da Mota, desde já se refira que não acompanhamos, de todo, semelhantes entendimento e conexa posição do mesmo arguido AA, aliás, sem suporte legal, porquanto desconsideradores, em medida intolerável, do disposto no art.° 77.°, n.° 1, 2.» parte, do Código Penal, onde se menciona que “na medida da pena (única - parêntesis nosso) são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”;

9. A título meramente exemplificativo, veja-se a crítica (muito pertinente e vincada) que dirige àquele entendimento o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Artur Rodrigues da Costa, in “O cúmulo jurídico na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça”, Revista JULGAR, n.° 21, págs. 177-181, Ano 2013, Coimbra Editora;

10. Ora, não é possível deixar de concordar, em absoluto, com as considerações então expendidas, em tom muito crítico, pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Artur Rodrigues da Costa, designadamente, quando refere que “não corresponde ao critério da lei” a existência de “um acquis jurisprudencial de adição à pena parcelar mais alta de um terço das demais penas e reconduzindo toda a tarefa de determinação da pena única a uma função residual em que só haveria que proceder a uma reordenação cronológica dos factos e a uma actualização da história pessoal do agente dos crimes”, sem “interligar os factos e conexioná-los uns com os outros, de modo a obter-se um sentido do conjunto em termos de ilicitude global e de culpa referida ao todo, conjugando-os com a personalidade única e unitária do agente”, prescindindo “de saber quais são, em concreto, os factos cometidos e as circunstâncias em que foram praticados, tudo se reconduzindo a apurar quais os crimes em jogo, por referência às disposições legais atinentes e as penas aplicadas, para efeitos de se somarem, segundo uma dada proporção/compressão, à pena parcelar mais elevada”, e fazendo “praticamente tábua rasa das características da personalidade do agente, em termos de revelar ou não tendência para a prática de crimes ou de determinado tipo de crime, devendo a pena única reflectir essa diferença em termos substanciais”, sendo que “ainda que a fórmula possa fornecer um mínimo, um máximo e uma média, a variação entre eles é muito pequena (para não dizer diminuta) e, para além disso, os dados fornecidos são sempre produto de um cálculo matemático, incompatível com a avaliação complexa da personalidade de um determinado agente”, pelo que “o critério usado é fundamentalmente um critério de adição de penas, sem consideração pelo tipo de criminalidade em causa e sem uma conveniente avaliação da totalidade dos factos como unidade de sentido, enquanto reportada a um determinado contexto social, familiar e económico e a uma determinada personalidade”;

11. Para além de se abstrair, de modo absolutamente não satisfatório das exigências legais existentes nesta matéria, da apreciação do supra referenciado binómio factos - personalidade do agente, o entendimento ora sustentado pelo arguido AA não será, efectivamente, de aceitar, pois que semelhante “taxa de compressão” tão elevada apenas pela circunstância de os limites "mínimo e máximo da moldura  penal"  se encontrarem  “tão  distantes”  beneficiaria precisamente, sem mais, e de forma in totum injustificada, aquele agente que, denotando uma personalidade assaz desconforme com as mais elementares regras da vida em sociedade, viria cometendo reiteradamente ilícitos criminais de já considerável gravidade;

12. Por último, refira-se, no mais, que mantemos o entendimento já explicitado nas nossas alegações orais no sentido de ser de adoptar, porquanto manifestamente razoável e ponderado, e, como tal, acertado, o seguinte critério enunciado por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, em anotação ao art.°77.° do  mesmo diploma  legal,  que temos  como  considerador da personalidade do agente em conexão com a globalidade dos factos: «Em regra, a ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade é feita nos seguintes termos: tratando-se de uma personalidade mais gravemente desconforme com o Direito o tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave metade (ou, em casos excepcionais, dois terços) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso; tratando-se de uma personalidade menos gravemente desconforme ao Direito o tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave um terço (ou, em casos excepcionais, um quarto) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso»;

13. Ora, considerando todos os aspectos já sobejamente expendidos supra, e sendo certo que, in  casu,  com  reporte  à pena  única  a  aplicar,  o  «mínimo corresponderá ao da pena máxima aplicada, ou seja, de 7 anos de prisão e o máximo o correspondente à soma das penas concretas, ou seja, 23 anos e 3 meses de prisão», foi entendido, «ponderando todas as circunstâncias», ser

«adequado fixar a pena única ao arguido AA em 16 (dezasseis) anos de prisão», importando, neste ponto, fazer aqui notar que, segundo entendemos, aplicou o tribunal pena única de prisão não excessivamente severa, que assim sempre se deverá ter como justa.

Face a todo o exposto, e sufragando, in totum, quanto à questão aqui ora controvertida, alusiva ao quantum da pena (única) aplicada ao arguido AA, o constante do douto acórdão prolatado a fls. 16676-16695 dos autos supra epigrafados, somos de entendimento de que deverá o recurso improceder.            

4. Por despacho de 23 de maio de 2022, a Ex.ma Juíza do processo determinou que os autos em recurso subam ao Supremo Tribunal de Justiça.

5. O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de que o douto acórdão recorrido qualificou e sancionou de forma adequada e criteriosa a matéria fáctica fixada, pelo que o recurso não deverá merecer provimento.

6. Tendo sido dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P., veio o arguido responder ao douto parecer, renovando o entendimento de que o recurso por si apresentado deve ser julgado procedente, com redução da pena única aplicada.

7. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - Fundamentação

8. A matéria de facto apurada e respetiva fundamentação constante do acórdão recorrido é a seguinte :

2.1 Factos provados:

a. Por acórdão proferido no âmbito dos presentes autos, em 09 de Junho de 2020 e transitado em julgado em 25 de Março de 2021, o arguido foi condenado pela prática de 1 (um) crime de Incêndio, explosões e outras condutas especialmente perigosas, p. e p. pelo artigo 272.º nº 1 al. b) do Cód. Penal (NUIPC’s 122/17.9PFCSC – apenso AC) na pena de 7 (sete) anos de prisão; pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204.º nº 2 al. e) do Cód. Penal (NUIPC’s 122/17.9PFCSC – apenso AC) na pena de 4 (quatro) anos de prisão.

Em cúmulo jurídico, nos termos do art. 77º do Cód. Penal, foi o arguido condenado na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

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Os factos que ditaram a sua condenação são os que se descrevem:

153. No dia 7 de fevereiro de 2017, o arguido AA (alcunha BB) juntamente com indivíduos que não foi possível identificar, ao volante de um veículo de marca e modelo não concretamente determinados, deslocaram-se às instalações do Banco Millenium BCP sito na Praça ..., ... onde se encontrava instalado o ATM, marca e modelo ... LA RUE ... que continha no seu interior notas do BCE, no valor de €19.750.

154. Aí chegados, pelas 03h08m, forçaram o shutter daquela máquina de ATM e aí colocaram uma mangueira a qual ligaram a uma botija de gás.

155. De seguida, colocaram um fio de cor branca na porta do shutter, desenrolaram o fio a fim de o ligar a uma bateria e consumar a explosão.

156. Consumada a explosão, o arguido e terceiros, com recurso a objeto não identificado, forçaram a porta de entrada da referida agência bancária e acederam ao seu interior.

157. Aí, abeiraram-se, da máquina ATM (que devido à força da explosão tinha a porta do cofre arrombada) e daí retiraram todos os cacifos que continham no seu interior, €24.000,00 em nota do BCE.

158. Na bateria utilizada foi recolhida uma impressão do dedo polegar da mão direita do arguido AA.

159. No local dos factos foram recolhidos vestígios bidimensionais de rastos de calçado.

160. De seguida abandonaram o local.

161. Cerca das 03h19m, o veículo de marca ... com a apostada matrícula ...-LM-... transpôs o pórtico da Via ..., ....

162. A matrícula ...-LM-... pertence ao veículo de marca ..., modelo ..., com o número de chassis ..., propriedade de CC.

165. O arguido AA e os outros indivíduos que o acompanhavam com a sua conduta agiram com o único propósito de se apropriaram dos valores monetários guardados na referida caixa ATM, conscientes do elevado perigo que seria criado e para a integridade física, vida e património de terceiros, pela explosão provocada.

166. Ainda assim agiram prosseguindo os seus intentos provocando explosão descrita, bem sabendo que ao utilizarem o engenho construído pelos mesmos, este seria suscetível de causar necessariamente a destruição por completo da caixa ATM, do edifico onde esta se encontrava, tal como efetivamente se verificou.

167. O arguido AA e os outros indivíduos que o acompanhavam agindo contra e sem o consentimento do seu legítimo proprietário, fizeram suas as quantias monetárias existentes na caixa ATM.

(…)

434. Os arguidos A, B, D, J, M, N, AA, (…)  agiram de modo consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das suas condutas e tinham a liberdade necessária para se conformar com essa atuação.

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b. No processo n.º 804/17.5PLSNT do Juízo Central Criminal de Sintra, por acórdão proferido 22-06-2018, transitado em julgado em 07-02-2019, o arguido foi condenado pela prática, em coautoria material, na forma consumada e como reincidente, de um crime de roubo qualificado, previsto e punido nos termos do art.º 210.º, n.º 1, e 2 alínea b), com referência ao art.º 204.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão; pela prática, em coautoria material, na forma consumada e como reincidente, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, previsto e punido nos termos do art. 347.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; pela prática, em autoria material, na forma consumada e como reincidente, de um crime de dano qualificado, previsto e punido nos termos do art.º 212.º, n.º 1 e 213.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;  pela prática, em coautoria material, na forma consumada, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido nos termos do art.291.º, n.º 1, alínea b), e 69.º, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares referidas, o arguido foi condenado na pena única de 8 (oito) anos de prisão efetiva.

O arguido AA foi ainda condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor por 12 (doze) meses, nos termos do art.º 69.º do Código Penal.

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Os factos que ditaram a sua condenação são os que se descrevem:

1. No dia 9 de junho de 2017, pelas 00h44m, o arguido AA e um individuo de identidade não apurada, dirigiram-se à Estrada ..., na ..., local onde DD, acabara de parquear o veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-OE-..., no valor de €45000,00.

2. Nessa sequência, o indivíduo de identidade não apurada encostou-se a DD, ao mesmo tempo que efetuava um gesto com o dedo em frente à boca apontado para cima e lhe disse “Schiu” e “Dá cá as chaves”.

3. Em seguida, o arguido AA colocou-se atrás de DD e deu-lhe um empurrão na direção do indivíduo de identidade não apurada, tendo ambos projetado DD que caiu no chão.

4. Ato contínuo, o indivíduo de identidade não apurada colocou o braço à volta do pescoço de DD, ao mesmo tempo que repetia por várias vezes “Dá-me as chaves”.

5. Ao se aperceber da atuação do arguido AA e do indivíduo de identidade não apurada, EE, cônjuge de DD, correu para junto dele tendo o arguido AA e o indivíduo de identidade não apurada empurrado EE que caiu no chão onde embateu.

6. Por se sentir com falta de ar, DD entregou a chave ao indivíduo de identidade não apurada, que a atirou na direção do arguido AA ao mesmo tempo que lhe disse “Põe o carro a trabalhar e vamos”.

7. Após, o arguido AA abriu o veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-OE-..., sentou-se no banco reservado ao condutor e ligou a ignição, enquanto o indivíduo de identidade não apurada, que ainda se encontrava a agarrar DD no chão, lhe disse “Arranca”, “Arranca” ao mesmo tempo que se levantou e se dirigiu para o veículo automóvel, onde entrou, após o que abandonaram o local com o veículo automóvel.

8. DD tinha no interior do automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-OE-... vários objectos, designadamente, três pares de óculos de sol, da marca ..., no valor de € 80,00 cada, um par de óculos graduados, da marca ..., no valor de € 75,00, ma guitarra da marca ..., no valor de € 30,00.

9. Como consequência da atuação do arguido AA e do indivíduo de identidade não apurada EE sofreu dores e lesões, designadamente “duas cicatrizes rosadas na metade inferior da face anterior do joelho, horizontais com cerca de 1x0,5cm cada, com região envolvente hipercrómica acastanhada, ocupando uma área total de 4x2cm de maiores dimensões, de maior eixo oblíquo ínfero- medialmente, subjetivos dolorosos à palpação a nível da face lateral do joelho, tendo carecido de receber tratamento hospitalar.

10. Pelas 01h15m do referido dia 9 de Junho de 2017, o veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-OE-... foi localizado através do sistema de cartracking na Avenida ..., junto do tabuleiro da Ponte ..., em ....

11. Ao se aperceberem do percurso efetuado pelo veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-OE-..., os Agentes da P.S.P., FF, GG e HH que se encontravam em exercício de funções, decidiriam abordá-lo, tendo-lhe iniciado perseguição.

12. Após terem localizado o veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-OE-..., no tabuleiro da ponte ..., km não apurado, sentido Norte/Sul, conduzido pelo arguido AA, os Agentes da P.S.P, supra- identificados que se faziam transportar num veículo automóvel de marca ... modelo ... com a matrícula ...-JA-..., sem qualquer sem qualquer elemento identificativo da P.S.P., decidiram abordá-lo.

13. Para o efeito, o Agente da P.S.P., FF que assumia a condução do veículo automóvel de marca ... modelo ... com a matrícula ...-JA-... atravessou o referido veículo automóvel na dianteira do veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-OE-..., encostando a parte da frente do veículo automóvel ao separador central, tendo o agente do P.S.P, GG, saído do interior do mencionado veículo automóvel.

14. Nessa sequência, o agente da P.S.P., GG empunhou a arma de fogo adstrita ao serviço, dirigiu-se para a traseira do veículo automóvel de marca ... modelo ... e dirigindo-se ao arguido e ao indivíduo de identidade não apurada disse “Alto polícia, desliga o carro”.

15. O arguido AA, ao invés de desligar o veículo automóvel e acatar a ordem, acelerou a fundo, avançou na direção do veículo automóvel de marca ... modelo ... com a matrícula ...-JA-... e embateu no mesmo, um número indeterminado de vezes, o que fez com que o referido veículo automóvel se movimentasse.

16. Ao empurrar o veículo automóvel de marca ... modelo ... com a matrícula ...-JA-... o veículo automóvel de marca ..., modelo ... conduzido pelo arguido AA ganhou algum espaço e fez nova investida contra o veículo automóvel adstrito à P.S.P., embatendo na traseira daquele.

17. Nesse momento, de forma a impedir a fuga do arguido, o agente da PSP FF que conduzia o veículo automóvel de marca ... modelo ... com a matrícula ...-JA-... engrenou a marcha atrás, acelerou e entalou o veículo conduzido pelo arguido contra a proteção do lado direito da ponte, puxando de seguida o travão de mão.

18. Após o arguido AA acelerou a fundo o fez que o veículo automóvel por si conduzido subisse o separador da ponte bem como a traseira do veículo automóvel de marca ... modelo ... com a matrícula ...-JA-...

19. HH saiu do interior do veículo automóvel de marca ... modelo ... com a matrícula ...-JA-... e dirigiu-se para a porta do lado do passageiro da frente do veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-OE-... e gritou de imediato “arma”.

20. Ao mesmo tempo o agente da PSP GG recorreu à arma de fogo que se lhe encontra adstrita e efetuou sete disparos na direção do motor e da roda dianteira esquerda do veículo automóvel com a matrícula ...-OE-..., com vista a imobilizá-lo.

21. Um dos disparos veio a atingir o arguido AA que conduzia o referido veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-OE-...

22. De seguida, o arguido AA imprimiu velocidade ao veículo automóvel e projetou-o na direção do agente da PSP GG, tendo-se conseguido colocar em fuga, passando a escassos 20 ou 30cm dos membros inferiores do referido agente.

23. Pelas 01h15m do referido dia 09 de Junho de 2017, encontravam-se a decorrer obras no tabuleiro da ponte ..., sentido Norte/Sul, ao km 2,350, existindo corte das duas vias mais à direita no tabuleiro, sendo que apenas a faixa mais encostada ao separador central se encontrava livre ao trânsito.

24. As faixas cortadas ao trânsito estavam divididas da faixa livre por pinos sinalizadores com as cores laranja e branco.

25. A velocidade máxima permitida no local onde se encontravam a decorrer as obras era de 30km/hora.

26. No local encontravam-se II, JJ, KK, LL, e MM, em exercício de funções.

27. JJ, como técnica de segurança da empresa de construção civil. “F.…” e os restantes como trabalhadores da M....

28. Após o arguido AA ter fugido aos Agentes da P.S.P., supra- identificados imprimiu velocidade ao veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-OE-...

29. O veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-OE-... conduzido pelo arguido AA que circulava a velocidade não apurada mas superior aos 30km/hora embateu nos pinos sinalizadores com as cores laranja e branco que se encontravam a dividir a faixa livre das faixas cortadas ao trânsito, tendo o referido veículo automóvel passado rente aos corpos de LL e MM e embatido numa grua automóvel, propriedade da empresa M....

30. Em virtude da atuação do arguido AA, LL, e MM tiveram de se desviar da trajetória seguida pelo veículo automóvel de marca ..., modelo ..., com a matrícula ...-OE-...

31. O arguido AA e o indivíduo de identidade não apurada vieram a despistar-se com o mesmo, uns quilómetros mais à frente, ao quilómetro 10 da Auto-estrada n.º ..., tendo-se ambos colocado em fuga apeada.

32. O arguido AA veio a ser localizado pela G.N.R., pela 01h45m.

33. Como consequência da atuação do arguido AA, o veículo automóvel de marca ... modelo ... com a matrícula ..-JA-.., propriedade da P.S.P.,

sofreu estragos na parte lateral esquerda, havendo necessidade de pintar a lateral esquerda, substituir a porta da frente da lateral esquerda, porta traseira da lateral esquerda, ilharga traseira esquerda, guarda-lamas frente esquerda, pára-choques frente e traseira esquerda, pilar B, substituir braço e rótula axial direcção esquerda,

manga eixo esquerda, cubo roda frente esquerda, amortecedor esquerdo e manga de eixo frente esquerda.

34. Estragos que importam uma reparação no valor global de €6248,82 (seis mil duzentos e quarente e oito euros e oitenta e dois cêntimos).

35. O arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente. 36. O arguido a AA agiu em comunhão de esforços com um indivíduo de identidade não apurada, tendo combinado previamente entre si fazerem seus os bens, designadamente o veículo automóvel, que DD tivesse na sua posse, com recurso à força física e/ou ameaça contra a sua integridade física, bem sabendo que o faziam contra a sua vontade, o que lograram conseguir, não se coibindo de actuar de modo súbito e fazer uso da força física, provocando-lhe receio pela sua integridade física.

37. O arguido AA sabia que os Agentes que PSP que o abordaram nas circunstâncias descritas, eram agentes da PSP em exercício de funções.

38. Ao atuar conforme descrito, o arguido AA teve em vista impedir que os Agentes da PSP levassem a cabo a função que lhes estava confiada, bem sabendo que se encontravam em exercício de funções, facto que não o coibiu de agir conforme supra- descrito, projetando o veículo automóvel contra o veículo da PSP e contra os agentes.

39. Tendo-se assim conseguido esquivar à detenção.

40. Ao atuar conforme descrito, arguido bem sabia que o veículo automóvel de marca ... modelo ... com a matrícula ..-JA-.. era pertença do Estado Português, e que ao amolgá-lo atuava sem o consentimento do seu legítimo dono e contra a vontade deste.

41. O arguido AA na sua conduta descrita, agiu com particular inconsideração pelas regras de condução rodoviária, designadamente pela regra definidora do limite de velocidade em zona de obras no tabuleiro da ponte ..., desse modo colocando em perigo a vida e/ou a integridade física de outros condutores que circulassem na ponte ... norte/sul e bem assim de LL, e MM que ali se encontravam a trabalhar.

42. E, não obstante atuou conforme supra-descrito.

*

c. Mais se provou:

- Do passado criminal do arguido

O arguido AA regista ainda para além das presentes condenações os seguintes antecedentes criminais:

Por acórdão proferido no processo nº 375/03.... do ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ... em 14.10.2004, transitado em julgado em 29.10.2004, por factos reportados a 10.09.2003, foi condenado pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo art.  210º do Cód. Penal na pena de 4 anos de prisão.

Por sentença proferida no processo nº 65/03.... do ... Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ..., em 11.02.2005, transitada em julgado em 28.02.2005, por factos reportados a 11.09.2013, foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 204º do Cód. Penal na pena de 3 anos e 9 meses de prisão.

Por despacho de 09.07.2007 foi tal pena declarada extinta.

Por acórdão proferido no processo nº 584/03.... da ... Vara Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ... em 27.01.2005, transitado em julgado em 14.02.2005, por factos reportados a 22.10.2013 foi condenado pela prática de um crime de falsidade de depoimento ou declaração p. e p. pelo art. 359º do Cód. Penal na pena de 7 meses de prisão.

Por despacho de20.04.2009 foi tal pena declarada extinta.

Por acórdão proferido no processo nº 991/03.... da ... Vara Criminal , ... Secção do Tribunal Judicial da Comarca ... em 04.01.2006, transitado em julgado em 24.01.2006, por factos reportados a 20.10.2003, foi condenado pela prática de 3 crimes de roubo p. e p. pelo art. 210, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 202º, nº 2, al. a) do Cód. Penal  do Cód. Penal na pena de 3 anos de prisão por cada um dos crimes e pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 275º, nº 3 do Cód. Penal na pena de 9 meses de prisão de prisão. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão.

Por sentença proferida no processo nº 1320/03.... do ... Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ..., em 02.03.2006, transitada em julgado em 14.07.2006 por factos reportados a 16.07.20013, foi condenado pela prática de um crime de furto p. e p. pelo art. 203º do Cód. Penal na pena de 7 meses de prisão.

Por acórdão de realização do cúmulo jurídico de diversas penas, proferido em 24. -04.2007, transitado em julgado em 09.05.2007 foi condenado na pena única de 9 anos de prisão.

Por acórdão de realização do cúmulo jurídico de diversas penas, proferido em 04.03.2009, transitado em julgado em 23.03.2009, foi condenado na pena única de 13 anos de prisão.

Por acórdão proferido no processo nº 1289/03.... do ... Juízo Criminal, do Tribunal Judicial da Comarca ... em 20.02.2006, transitado em julgado em 09.10.2016, por factos reportados a 11.10.2003, foi condenado pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210, do Cód. Penal na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.

Por acórdão proferido no processo nº 952/04.... do ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca ..., em 06.10.2008, transitado em julgado em 27.10.2008, por factos reportados a 25.09.2003 foi condenado pela prática de 3 crimes de roubo p. e p. pelo art. 210º, do Cód. Penal na pena de 3 anos e 3 meses de prisão por cada um deles. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 5 anos de prisão.

Por acórdão de realização do cúmulo jurídico de diversas penas, proferido em 08.11.2010, transitado em julgado em 14.12.2010, foi condenado na pena única de 15 anos de prisão.

Por acórdão proferido no processo nº 453.11.... do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., em 21.03.2014, transitado em julgado em 29.10.2014, por factos reportados a 2012, foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 24º, al. h) do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de janeiro, com referência às tabelas I-A, I-C, II-A, anexas a este diploma, na pena de 7 anos de prisão.

Por decisão proferida no processo nº 6225/10.... do Tribunal de Execução de Penas ... em 26.10.2016, transitada em julgado em 28.11.2016, foi-lhe concedida a liberdade condicional com efeitos a 28.10.2016 28.10.2021.

Por decisão proferida no processo nº 6225/10.... do Tribunal de Execução de Penas ..., em 05.04.2019, transitada em julgado em 16.05.2019, foi-lhe revogada a liberdade condicional.

Por sentença proferida no processo nº 3379/09.... do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., em 04.06.2015, transitada em julgado em 06.07.2015 por factos reportados a 14.09.2009 foi condenado pela prática de um crime de ameaça agravada p. e p. pelo art. 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. c) do Cód. Penal na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

Por despacho de 17.10.2016 foi tal pena declarada extinta.

Por sentença proferida no processo nº 25/17.... do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., em 13.04.2017, transitada em julgado em 18.05.2017, por factos reportados a 25.03.2017, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art. 3º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução, subordinada a regime de prova.

Por despacho de 25.06.2019 foi revogada a suspensão de execução da pena.

*

d. No que respeita à sua história pretérita e atual de vida

Do seu relatório social consta:

O processo de desenvolvimento de AA decorreu no seio de uma família de origem cabo-verdiana, constituída pelos pais e cinco irmãos, mantendo um relacionamento familiar com afetividade entre os vários membros, ainda que sem supervisão parental por parte dos progenitores.

A situação familiar agravou-se com a separação dos progenitores, quando o arguido contava cerca de 14 anos de idade, tendo ficado com os irmãos aos cuidados da mãe, que se viu confrontada com um quotidiano com maiores dificuldades económicas.

O arguido abandonou a escola após a conclusão do 4.º ano de escolaridade, altura em que passou a manifestar comportamentos de risco, em parte devido a um contexto de vivências de rua em convívio com o seu grupo de pares, que determinaram a intervenção da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens ..., quando o arguido contava 8 anos de idade.

O arguido permaneceu posteriormente, num centro educativo em regime de internamento entre os 14 e 17 anos de idade.

Durante esse período de institucionalização registou várias saídas não autorizadas, que implicaram transferências entre centros educativos e a assunção de comportamentos juntamente com o seu grupo de pares aquando de uma das saídas não autorizadas do Centro Educativo ... que ditaram a sua primeira reclusão em 06/11/2003, sofrendo a referida condenação a 15 anos de prisão, após cúmulo jurídico, pelo cometimento de crimes de roubo, roubo agravado, furto, furto qualificado, falsidade de testemunho e detenção de arma proibida; a esta condenação juntou-se a outra referida de 7 anos 6 meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado em meio prisional.

O arguido esteve preso ininterruptamente entre novembro de 2003 até 28/10/2016, altura em que lhe foi concedida a liberdade condicional.

O seu percurso institucional foi marcado por fases de instabilidade comportamental a que se sucederam períodos de maior estabilidade e mesmo de ações de investimento pessoal e escolar, com a conclusão do 12.º ano de escolaridade em 2015.

Completou com sucesso as formações modelares certificadas de multimédia, inglês e informática e participou nas atividades desportivas disponíveis.

No plano laboral trabalhou como faxina e mais tarde integrou uma brigada de trabalho no exterior, após a colocação no regime aberto no interior.

Usufruiu ainda de licenças de saída, tanto jurisdicionais como de curta duração no agregado materno.

Em 2010 casou com NN quando cumpria a pena no Estabelecimento Prisional ....

No decurso desta privação de liberdade beneficiou sempre de apoio familiar, nomeadamente da mãe, cônjuge e irmãos.

Em liberdade condicional reintegrou o agregado materno, residente na ....

Da relação com NN nasceu um filho, atualmente com 4 anos de idade. Porém, apesar de casados, o casal nunca chegou a coabitar por falta de recursos económicos. No entanto à data da prisão, embora a morada oficial do arguido fosse em ..., casa da mãe, o arguido pernoitava em casa do cônjuge, residente com os pais na ....

No plano laboral, numa fase inicial apresentou problemas de inserção no mercado de trabalho, embora tenha efetuado inscrição para o efeito no Centro de Emprego de Cascais. Posteriormente, desenvolveu atividade como empregado de mesa numa pastelaria gerida por um familiar, função que manteve até ser de novo preso em 14/06/2017.

O arguido evidencia dificuldades ao nível do estabelecimento de um relacionamento interpessoal ajustado, assumindo, tendencialmente, comportamentos agressivos e de desconfiança. A sua personalidade é marcada por traços de imaturidade,

fragilidades ao nível da avaliação da gravidade do interdito social e parca capacidade de empatia e de descentração.

O seu principal suporte no exterior é proporcionado pela mãe, irmãs e pela atual companheira, OO, residente na ....

A relação com NN terminou em agosto de 2019.

O arguido AA revela dificuldades na avaliação dos bens jurídicos protegidos e de reflexão acerca do impacto em vítimas no que concerne ao seu comportamento criminal.

Ao longo da reclusão, AA tem apresentado um comportamento irregular, pautado por incidentes disciplinares, principalmente decorrentes de ameaças, agressões e insultos a terceiro, comportamento que determinou o seu internamento em regime de segurança no E. P. ....

Encontra-se no Estabelecimento Prisional ... há cerca de um ano; neste período sofreu três punições disciplinares. Encontra-se inativo, a aguardar uma oportunidade de colocação laboral, permanece em regime comum e sem o usufruto de medidas de flexibilização da pena.

*

2.2. Fundamentação de Facto:

O Tribunal fundou a sua convicção tendo por base a análise dos fundamentos do acórdão proferido nos presentes autos, assim como nas certidões respeitante ao processo onde se aplicaram as penalidades que se encontram em relação de concurso, e que se encontram juntas aos autos, como indicado supra.

Fundamentou ainda o Tribunal a sua convicção no relatório social junto aos autos solicitado para determinação da pena única, assim como no certificado de registo criminal do arguido atualizado, que se juntou antes de ser designada data para a realização da audiência de cúmulo.

Bem assim se fez fé nas palavras trazidas pelo arguido em audiência para determinação da pena de cúmulo (artigo 472.º do Código de Processo Penal) que, perguntado sobre as perspetivas para futuro, nos confirmou o apontado no relatório social cuja junção se promoveu, isto é, que não encontra apoios ou alternativas no estabelecimento prisional a que se encontra afeto em cumprimento de pena, não vendo caminhos que nos possa apontar que contribuam para a sua reabilitação ou preparação para o regresso à comunidade um dia que seja libertado.

                                                                      

*

8. O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (artigos 403.º e 412.º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Face às conclusões da motivação do recorrente AA a questão a decidir é a seguinte:

Se o acórdão recorrido ao aplicar-lhe uma pena única de 16 anos de prisão, violou o disposto nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 71.º, n.ºs 1 e 2, 77.º e 78 do Código Penal e os artigos 18.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, pois que a pena deveria ter-lhe sido fixada em 12 anos e 4 meses de prisão.

9. Apreciando.

           

9.1 Previamente ao conhecimento do objeto do recurso, impõe-se fazer uma breve consideração sobre a competência do Supremo Tribunal de Justiça para o conhecimento do recurso, na medida em que o arguido dirigiu o mesmo ao Tribunal da Relação de Évora, mas a Ex.ma Juíza da 1.ª instância, determinou a sua remessa ao Supremo Tribunal de Justiça.
O atual Código de Processo Penal, na sua versão originária, estabelecendo como pedra de toque para a determinação da competência do tribunal de recurso a natureza do tribunal recorrido, atribuía a competência ao Tribunal da Relação para conhecer das decisões de tribunais singulares e a competência ao Supremo Tribunal de Justiça para conhecer das decisões de conhecer das decisões dos tribunais coletivos e do júri.  
Perante as críticas desta solução legislativa, no que respeita ao recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça para conhecer das decisões de conhecer das decisões dos tribunais coletivos e do júri, na medida em que eliminaria a garantia de recurso relativamente à reapreciação da matéria de facto por um tribunal de recurso, foram introduzidas alterações no regime dos recursos pela  Lei n.º 59/98 de 25 de agosto e pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, estabeleceram-se novas vias de recurso para a Relação e para o STJ.
A Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, alterou o texto da alínea c), n.º 1, do art.432.º do C.P.P. e aditou-lhe n.º 2.
O art. 432.º do Código de Processo Penal, que estabelece taxativamente os casos em que tem lugar recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, passou a estabelecer, designadamente:
«1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:
 (…)
c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito[3];
(…)
2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º

A revisão do Código Penal de 2007, em função do estabelecido no n.º 2 do artigo 432.º do CPP, evidencia claramente a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a 5 anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.
A Relação só tem competência para o conhecimento do recurso de pena aplicada em medida superior a 5 anos de prisão se o recorrente, ao provocar a reapreciação do caso penal, quiser abranger a própria matéria de facto.

No caso em apreciação, o objeto do recurso é um acórdão condenatório, proferido por um tribunal coletivo, em que foi aplicada ao recorrente uma pena de 16 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material –, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal coletivo, visando o recurso apenas o reexame de matéria de direito (circunscrita à redução da medida única da pena aplicada em cúmulo jurídico superveniente), cabe efetivamente ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer do recurso.

Conclui-se assim que, neste caso, o recurso interposto pelo arguido é direto, per saltum, sendo o Supremo Tribunal de Justiça o competente para o conhecer, nos termos do art.432.º, n.ºs 1, alínea c) e 2, do Código de Processo Penal.

9.2. O recorrente AA defende que o acórdão recorrido ao aplicar-lhe uma pena única de 16 anos de prisão, violou o disposto nos artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, 71.º, n.ºs 1 e 2, 77.º e 78 do Código Penal e os artigos 18.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, pois que a pena deveria ter-lhe sido fixada em 12 anos e 4 meses de prisão, argumentando para o efeito e em síntese: (i) situando-se a moldura penal do cúmulo jurídico entre os 7 anos e os 23 anos e 3 meses, a pena única aplicada em cúmulo sofreu uma taxa de compreensão de cerca de 55,21%; (ii) na prevenção especial de socialização, anota que, apesar de não ter tido um percurso exemplar, o Tribunal sobrepesou o seu registo criminal, sendo possível expetar um prognóstico mais favorável do que aquele que foi realizado, pois não voltou a delinquir após a prática dos factos ora em causa, está arrependido e perspetiva uma vida calma e conforme ao direito, encontra-se inserido quer em contexto familiar, tendo um filho com 4 anos de idade, quer laboral, tendo realizado ações de investimento pessoal, tendo inclusivamente terminado o 12.º ano de escolaridade; (iii) o arguido não recorreu da decisão em 1.ª instância, mas todos os arguidos que recorreram viram diminuídas as suas penas, pelo que não poderá deixar de se concluir que merecia menos censurabilidade do que aquela que lhe foi atribuída; e (iv) tendo em  conta o entendimento do Juiz Conselheiro Carmona da Mota, que refere que nos casos em que “os limites mínimo e máximo da pena conjunta distem significativamente, a representação das penas menores na pena conjunta não deve exceder um terço do seu peso quantitativo conjunto”, justifica-se neste caso, “ no limite, uma taxa de compressão de 75% relativamente à pena aplicada” ou seja, a aplicação do critério da soma de 1/4 do peso quantitativo conjunto das penas menores, à moldura penal mínima.

Vejamos.

9.3. Invocando o recorrente um conjunto de normas que terão sido violadas no acórdão recorrido, importa, antes do mais, fazer-lhes uma breve referência, com incidência sobre as partes circunstancialmente adequadas ao caso concreto.

Como afloramento do «Estado de Direito Democrático», consagrado no art. 2.º da C.R.P., o n.º 2 do art. 18.º da Lei Fundamental, estabelece que «A lei só pode restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.».

A última parte do n.º 2, do art. 18.º, da Constituição da República Portuguesa, estabelece como um dos pressupostos materiais para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias, o chamado princípio da proporcionalidade.

Doutrinariamente, este princípio vem sendo desdobrado em três subprincípios:

- princípio da necessidade ou da exigibilidade (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);

- princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); e

- princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou da racionalidade (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).[4].

O princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou critério de justa medida, está estritamente ligado ao princípio da necessidade da pena criminal e, em face do mesmo, a pena criminal será constitucionalmente admissível se for necessária, adequada e proporcional.

O Tribunal Constitucional tem entendido, em jurisprudência uniforme e constante, designadamente nos acórdãos n.ºs 574/95, 958/96, 329/97 e 108/99, que só devem censurar-se as soluções legislativas que contenham sanções que sejam manifesta e claramente excessivas, já que, se “fosse além disso, estaria a julgar o mérito da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que aí há-de gozar de uma razoável liberdade de conformação”.[5]

O princípio da necessidade da pena criminal surge também por vezes referido como princípio da intervenção mínima do direito penal ou como princípio da subsidiariedade do direito penal.

O Estado apenas pode limitar direitos fundamentais fazendo intervir a sanção penal quando tal for indispensável para assegurar a defesa de bens jurídicos constitucionais e dessa forma contribuir para a segurança e paz social.

O princípio da proporcionalidade em sentido amplo ou, noutra formulação, o princípio da proibição do excesso, deve ser respeitado tanto pelo legislador, ao definir as sanções penais pelos crimes que tipifica, como pelo Tribunal, ao determinar concretamente essas sanções penais dentro dos limites definidos na lei.

O art. 32.º, da C.R.P., epigrafado de «Garantias de processo criminal», dispõe no seu n.º 1, que «o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso

Observam, a este respeito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, que a fórmula do n.º 1 é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes do art. 32.º da lei fundamental, uma vez que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. No entanto serve ainda de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da proteção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal. 

Nos termos do art. 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.

Culpa e prevenção são os dois vetores através dos quais é determinada a medida da pena.

Sintetizando o entendimento da jurisprudência deste Supremo Tribunal, a propósito destes vetores, pode ler-se no acórdão de 14 de setembro de 2016, que “o modelo do CP é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de proteção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto”.

A pena serve “finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena”.

A culpabilidade aqui referida não se confunde com a intensidade do dolo ou a gravidade da negligência; é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal. Como observa Figueiredo Dias, o facto punível não se esgota com a ação ilícita-típica, necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “…isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sociocomunitário.”[6]

O requisito de que sejam levadas em conta, na determinação da medida concreta da pena, as exigências de prevenção, remete-nos para a realização in casu das finalidades da pena.

De acordo com o art. 40.º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas (e de medidas de segurança) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração [7]do agente na sociedade.

O objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.

Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

A prevenção geral radica no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito.

É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial.

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º 2 do art. 71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art. 72.º-1; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.”.

Os fatores da medida da pena podem ser divididos em: 1) Fatores relativos à execução do facto, considerando-se a “execução do facto” num sentido global e complexo, capaz de abranger “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência” e ainda “os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e os motivos que o determinaram”... 2) Fatores relativos à personalidade do agente,  onde se incluem as condições pessoais e económicas do agente, a sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto; e 3) Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior aos factos.[8]

Podem ser agrupados nas alíneas a), b) c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º do C.P., os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), do mesmo preceito, os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), ainda, os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior aos factos.[9]

Nas situações em que o agente praticou vários crimes, o concurso efetivo de crimes impõe que se tenham em consideração as regras da punição do concurso.

O regime de concurso efetivo ou real de crimes, em termos de consequências jurídicas, é tratado em dois grandes sistemas: a) sistema da acumulação material; e b) sistema da pena única ou conjunta.

O sistema da pena única é o adotado pela generalidade das legislações, pois é político-criminalmente aceitável à luz das exigências de culpa e de prevenção, sobretudo de prevenção especial. Este sistema pode assumir, ainda, duas formas diferentes:

(i)  de pena unitária; ou (ii) de pena conjunta.

Em termos muito sucintos, seguindo aqui ainda Figueiredo Dias, a «pena unitária» “existirá quando a punição do concurso sobrevenha sem consideração pelo número de crimes concorrentes e independentemente da forma como poderiam combinar-se as penas que a cada um caberiam. Os crimes concorrentes perdem aqui toda a sua autonomia, não se tornando sequer necessário determinar a pena de cada um: elas não têm relevo decisivo (…) para a pena do concurso.”. [10]

No sistema de pena unitária tudo se passa como se o conjunto dos factos praticados pelo agente, que integram o concurso de crimes, constituísse um só crime a punir tendo em conta a culpa e as exigências de prevenção que deles resulta.

Era este o sistema previsto no Projeto do Código Penal de 1963, defendido por Eduardo Correia, que no seu art. 91.º, estabelecia que «Quando alguém houver praticado vários crimes será punível na moldura de uma pena que tem como limite superior a soma das que correspondem a cada crime, sem que, porém, possa ultrapassar o seu máximo legal.».[11]

As alterações posteriores ao Projeto do Código Penal, tornaram clara a necessidade de exigência de referência às penas concretamente aplicadas aos vários crimes, como o exigia, na altura em que foi elaborado o Projeto, o § 2.º do art. 102.º do Código Penal de 1986 então em vigor.

O sistema da pena unitária previsto naquele Projeto não foi consagrado pelo legislador no Código Penal de 1982, que no seu art. 77.º Código Penal, na atual redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março, estabelece, com interesse para a presente decisão:

«1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

 2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.».

O art.77.º do Código Penal perfilha, sem dúvidas possíveis, o «sistema da pena conjunta», na medida em que a punição do concurso de crimes supõe a discriminação das penas concretas que o integram.

Na lição de Figueiredo Dias “Pena conjunta existirá sempre que as molduras penais previstas, ou as penas concretamente determinadas, para cada um dos crimes em concurso sejam depois transformadas ou convertidas, segundo um «princípio de combinação» legal, na moldura penal ou na pena do concurso.”.

Dentro deste sistema, é habitual configurar-se um princípio de absorção puro, em que a punição do concurso será constituída simplesmente pela pena mais grave dentre as penas parcelares, e um princípio da exasperação ou agravação, em que “a punição do concurso ocorrerá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade dos crimes (sem que, todavia, possa ultrapassar a soma das penas que concretamente seriam aplicadas aos crimes singulares).”.

A doutrina vem entendendo que o modelo de punição do concurso de crimes consagrado no art.77.º do Código Penal, sendo um sistema de pena conjunta, não é construído, porém, de acordo com o princípio de absorção puro, nem com o princípio da exasperação ou agravação, nos termos definidos, mas sim de acordo com um sistema misto, que vem sendo chamado de sistema do cúmulo jurídico.[12]

Também a jurisprudência segue este caminho, consignando-se, entre outros, no acórdão do S.T.J. de 3 de outubro de 2012, que o modelo de punição do nosso Código Penal é um sistema misto de pena conjunta “erigido não de conformidade com o sistema de absorção pura por aplicação da pena concreta mais grave, nem de acordo com o princípio da exasperação ou agravação, que agrega a si a punição do concurso com a moldura do crime mais grave, agravada pelo concurso de crimes.”[13].    

Doutrina e jurisprudência coincidem em especificar que no cúmulo jurídico, a pena conjunta é definida dentro de uma moldura cujo limite mínimo é a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e o limite máximo resulta da soma das penas efetivamente aplicadas, emergindo a medida concreta da pena da imagem global do facto imputado e da personalidade do agente.

O agente é sancionado, não apenas pelos factos individualmente considerados, numa visão atomística, mas especialmente pelo conjunto dos factos, enquanto reveladores da gravidade da ilicitude global da conduta do agente e da sua personalidade.

A pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 71º, n.º 1, um critério especial estabelecido no art. 77.º, nº 1, 2ª parte, ambos do Código Penal.[14]

Os parâmetros indicados no art. 71.º do Código Penal, servem apenas, porém, de guia para a operação de fixação da pena conjunta, não podendo ser valorados novamente, sob pena de se infringir o princípio da proibição da dupla valoração, a menos que tais fatores tenham um alcance diferente enquanto referidos à totalidade de crimes.[15]

Na busca da pena do concurso, explicita Figueiredo Dias, na obra que vimos seguindo, que “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. E acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).”

Como refere ainda, na doutrina, Cristina Líbano Monteiro, com o sistema da pena conjunta, perfilhado neste preceito penal, deve olhar-se para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.[16]

As conexões ou ligações fundamentais na avaliação da gravidade da ilicitude global, são as que emergem do tipo e número de crimes, dos bens jurídicos individualmente afetados, da motivação, do modo de execução, das suas consequências e da distância temporal entre os factos.

É evidente que condutas muito gravosas para a comunidade, como as integradas no terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade especialmente violenta ou criminalidade altamente organizada, [definidas no art. 1.º, alíneas f) a m)] exigem, por respeito do princípio da proporcionalidade e exigências de prevenção, uma menor compressão das penas parcelares, na formação da pena única, do que condutas de agentes inseridas na chamada média ou pequena criminalidade 

Ínsita nos factos ilícitos unificados no âmbito da pena de concurso, a personalidade do agente, é um fator essencial à formação da pena única.

A revelação da personalidade global do agente, o seu modo de ser e atuar em sociedade, emerge essencialmente dos factos ilícitos praticados, mas também das suas condições pessoais e económicas e da sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado.

A interiorização das condutas ilícitas e consequentes penas parcelares que lhe foram aplicadas traduzidas na vontade clara de alteração do comportamento antissocial violador de bens jurídico criminais, assente em factos que o demonstrem, relevam assim, particularmente, no apuramento das exigências de prevenção no momento de determinar a pena única. 

Sendo as necessidades de prevenção mais exigentes quando o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, do que quando esse ilícito se reconduz a uma situação de pluriocasionalidade, a pena conjunta deverá refletir esta singularidade da personalidade do agente.

Por razões variadas que, em regra, decorrem do desconhecimento da existência de outro ou outros processos em que o arguido foi acusado ou por dedução de acusações em tempos diversos, são frequentes os casos em que os crimes, em concurso efetivo ou real, não são julgados no mesmo processo.

Nestas circunstâncias, o legislador admitindo que não seria justo, por violação, desde logo, dos princípios da igualdade, da culpa e da proporcionalidade, estabeleceu no art. 78.º, n.º 1 do Código Penal, que «Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.».

Resulta desta norma, além do mais, que as regras da punição do concurso de crimes previstas art. 77.º do Código Penal, se aplicam igualmente ao conhecimento superveniente do concurso efetivo de crimes, desde que os crimes sejam praticados antes da primeira condenação transitada em julgado.

Tudo se passa então como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projetando-o retroativamente.[17]

Também a pena conjunta do concurso superveniente será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, de acordo com os critérios gerais de medida da pena contidos nos artigos 71.º, n.º 1 e 77.º, a que acrescem os do art. 78.º, todos do Código Penal.

Neste sentido, sublinha o acórdão do S.T.J. de 15 de novembro de 2012 (proc. n.º 178/09.8PQPRT-A.P1.S1), que “a determinação da medida da pena conjunta num caso de conhecimento superveniente do concurso, nos termos do art.78.º do CP, é feita em função dos critérios gerais da culpa e das exigências de prevenção estabelecidas nos arts. 40.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1, do CP, a que acresce a necessidade de consideração do critério especial da 2.ª parte do n.º 1 do art. 77.º do mesmo Código, isto é, que na medida da pena do concurso são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”[18]

É medianamente claro, do exposto, que o legislador ao estabelecer os critérios de determinação da pena única, seja no âmbito do mesmo processo, seja no concurso superveniente, não manda atender a quaisquer critérios aritméticos, matemáticos.

O recorrente AA também não indica qualquer norma que estabeleça critérios aritméticos, matemáticos, na determinação da pena única.

No entanto, indica a existência de um critério sustentado pelo Juiz Cons. Carmona da Mota, que transcreve, nos termos do qual e em síntese, nos casos “…(em que os limites mínimo e máximo da pena conjunta distem significativamente), a representação das penas menores na pena conjunta não deve exceder um terço do seu peso quantitativo conjunto (acquis jurisprudencial conciliatório da tendência da jurisprudência mais «permissiva» - na procura desse terceiro termo de referência – em somar à «maior» ¼ ou menos das demais com a jurisprudência mais «repressiva» que àquela usa – com o mesmo objetivo – adicionar metade ou mais das outras)”.   

Existe, efetivamente uma corrente jurisprudencial, que perante a constatação de grande amplitude na moldura penal do concurso, estabelece uma fração variável nas penas parcelares a somar à pena mais grave, com vista a consagrar uma alegada objetividade e igualdade entre os arguidos nas operações de fixação de penas conjuntas, tal como defende o Conselheiro Carmona da Mota.

No sentido de que para determinação da pena única a aplicar, se torna necessário começar por definir um ponto, que fixe o encontro entre o limite máximo e o mínimo da pena do concurso, consigna-se no acórdão do STJ de 18 de junho de 2009 (proc. n.º 660/07. 1TDLSB.S1):

Em muito recente colóquio efectuado neste Supremo Tribunal sobre o tema Direito Penal e Processo Penal, o Conselheiro Carmona da Mota defendeu, em comunicação que apresentou, que a pena conjunta, no quadro das penas singulares, é uma pena pré-definida pelo jogo de forças das próprias penas singulares, que, esgotantemente, representam (numericamente) todos os factores legalmente atendíveis, sendo possível, através de um critério ainda jurídico, mas que, na sua operacionalidade, recorre ao auxílio da ciência matemática, encontrar, através dum algoritmo, o terceiro termo de referência, o qual mesmo que possa não constituir um «ponto de chegada», será certamente um importante «passo» na difícil operação jurídica de fixação da pena conjunta. A um critério «matemático» – referiu – recorre o legislador quando agrava determinadas penas em determinada fracção, quando fixa a pena máxima do cúmulo na «soma» das penas parcelares, e/ou quando determina que condenado possa beneficiar da liberdade condicional, a meio ou 2/3 da pena, ou mesmo, quando considera «valor elevado» «aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto», etc.

Na busca desse ponto de referência, o Conselheiro Carmona da Mota indica como principais parâmetros:

I) A representação das penas singulares na pena conjunta é, em regra, parcial, só se justificando que esta se aproxime ou atinja a sua soma material nos casos em que todas as penas singulares co-envolvidas correspondam a crimes de gravidade similar (puníveis, por exemplo, com penas de 1 a 5 anos de prisão) e a sua soma material se contenha dentro da moldura penal abstracta dos crimes concorrentes (no exemplo, 5 anos de prisão);

II) A pena conjunta só deverá conter-se no seu limite mínimo ou na sua vizinhança em casos de grande disparidade entre a gravidade do crime mais grave (representada por uma pena, por exemplo, de 15 anos de prisão) e a gravidade dos demais (representadas por penas que, somadas, não excedam, por exemplo, um ano);

III) Nos demais casos (em que os limites mínimo e máximo da pena conjunta distem significativamente), a representação das penas menores na pena conjunta não deve exceder um terço do seu peso quantitativo conjunto (acquis jurisprudencial conciliatório da tendência da jurisprudência mais «permissiva» – na procura desse terceiro termo de referência - em somar à «maior» ¼ ou menos das demais com a jurisprudência mais «repressiva» que àquela usa – com o mesmo objectivo - adicionar metade ou mais das outras);

IV) O tratamento, no quadro da pena conjunta, da pequena criminalidade deve divergir do tratamento devido à média criminalidade e o desta do imposto pelo tratamento da criminalidade muito grave, de tal modo que a pena conjunta de um concurso (ainda que numeroso) de crimes de menor gravidade não se confunda com a atribuída a um concurso (ainda que menos numeroso) de crimes de maior gravidade: E daí, por exemplo, que um somatório de penas até 2 anos de prisão – ainda que materialmente o ultrapasse em muito - não deva exceder, juridicamente, 8 anos, por exemplo; que um somatório de penas até 4 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 10 anos, que um somatório de penas até 6 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 12 anos; que um somatório de penas até 10 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 16 anos, etc.;

V) A medida da pena conjunta só deverá atingir o seu limite máximo absoluto em casos extremos (quatro penas de 20 anos de prisão, por exemplo), devendo por isso o efeito repulsivo/compressor desse limite máximo ser, proporcionalmente, tanto maior quanto maior o limite mínimo imposto pela pena parcelar mais grave e maior o somatório das demais penas parcelares.”.[19]

Ainda no âmbito desta corrente, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de dezembro de 2020 (proc. n.º 388/16.2PHLRS.L2.S1, 3.ª Secção), que “A. G. Lourenço Martins, estudando a jurisprudência deste Supremo sobre a medida da pena, defende a adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5 e acrescenta que se bem que a corrente, que se poderia designar do «factor percentual de compressão», possa relutar a um julgador cioso do poder discricionário (aqui, aliás, mais vinculado que discricionário), desde que o seu uso não se faça como ponto de partida mas como aferidor ou mecanismo de controlo, não nos parece que deva, sem mais, ser rejeitada. Representa um esforço de racionalização num caminho eriçado de espinhos, desde que afastada uma qualquer «arbitrariedade matemática» ou uma menor exigência de reflexão sobre os dados. O direito, como ciência prática e não especulativa, nunca atingirá a certeza das matemáticas ou das ciências da natureza, mas a jurisprudência deve abrir-se ao permanente aperfeiçoamento, que há-de ser encontrado na pena conjunta.”.[20]

Se na doutrina Paulo Pinto de Albuquerque segue esta corrente, ao escrever que “… o tribunal determina a pena conjunta somando à pena concreta mais grave um terço (ou, em casos excecionais, um quarto) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso.”[21], já Cristina Líbano Monteiro e Nuno Brandão a repudiam, ao comentarem o acórdão do S.T.J. 12 de maio de 2005.[22]

Esta corrente foi já de algum modo ensaiada quando entrou em vigor o Código Penal de 1982, para as penas singulares.

Alguma jurisprudência, de que são exemplos os acórdãos do S.T.J. de 30 de novembro de 1983 e de 19 de dezembro de 1984[23], também seguiu o entendimento de que face à maior amplitude dos limites máximos das penas relativamente ao Código Penal anterior, se devia definir um ponto para determinação das penas singulares, fixando esse ponto como a média entre os limites mínimo e máximo. Assim, no caso de ausência de circunstâncias que agravem ou atenuem a conduta do agente ou, havendo-as, os respetivos agravativo e atenuativo, por serem iguais, se anularem, a pena deveria ser graduada em concreto à volta da média entre os limites mínimo e máximo estabelecidos em abstrato no preceito incriminatório,

Essa corrente jurisprudencial não vingou muito tempo, consolidando-se na jurisprudência e na doutrina, o entendimento de que a fixação das penas singulares deve fazer-se de acordo com os critérios de determinação da pena estabelecidos no Código Penal, onde não há referência a qualquer ponto médio entre os limites mínimo e máximo da pena estabelecida no tipo penal, como ponto de partida para fixação concreta dessa pena.  

Em sentido contrário à corrente jurisprudencial a que se arrima o recorrente, existe uma outra, que seguimos, de que a utilização de critérios rígidos, com fórmulas matemáticas ou critérios abstratos de fixação da sua medida, não é compatível com os critérios legais.[24]

Sintetizando esta corrente jurisprudencial, pode ler-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de maio de 2019 (proc. n.º 790/10.2JAPRT.S1):

Como em qualquer outra pena, é a justiça do caso que se procura, e ela só é atingível com a criteriosa ponderação de todas as circunstâncias que os factos revelam, sendo estes, no caso do concurso, avaliados globalmente e em relação com a personalidade do agente, como se referiu. Rejeita-se assim qualquer critério objetivo na fixação da pena conjunta mediante a agravação da pena parcelar mais grave somando uma fração das restantes penas parcelares, e ainda menos por fórmulas matemáticas. Esses critérios conduzem afinal à aplicação de um sistema de pena conjunta que a lei não consagrou: o da “exasperação”, ou seja, aquele que pune o concurso no quadro da pena mais elevada, agravada em função das restantes penas.” 

Reconhecendo que a amplitude que geralmente assume a moldura penal do concurso de penas ou seja, a distância entre os limites máximo e mínimo dessa moldura, pode provocar, e muitas vezes provoca dificuldades na determinação da pena, potenciando a produção de desigualdades ou pelo menos disparidades evidentes nas decisões de tribunais diferentes, e até do mesmo tribunal, acrescenta-se, assertivamente, nesta decisão “que essas dificuldades, embora maiores por vezes, não são diferentes das que os tribunais enfrentam quando se trata de aplicar uma qualquer pena cujos limites sejam também afastados. O que importa é proceder a uma aplicação muito ponderada e exigente, rigorosamente fundamentada, do critério legal da determinação da pena do concurso, com referência às circunstâncias dos crimes em presença, no seu relacionamento com a personalidade do condenado, e considerando os fins das penas.

Ou seja: o critério adotado pelo legislador português é mais maleável do que as “propostas matemáticas”, impondo ao julgador uma ponderação mais profunda e fundamentada de todos os fatores em presença, permitindo-lhe, pois, fixar a pena dentro de todo o arco da moldura concurso, de acordo com o juízo formulado a final sobre a personalidade do agente. É uma solução que apela a um juízo simultaneamente mais rigoroso e prudencial, mais adequado a uma solução justa de cada caso concreto, apreciado na sua singularidade.”[25].

Também António Artur Rodrigues da Costa, em estudo elaborado sobre “O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e na Jurisprudência do STJ” afirmando que o uso de fórmulas conduz aparentemente a penas conjuntas mais adequadas, conclui que a intervenção de tal algoritmo na realização do cúmulo jurídico não lhe parece “…ter a suficiente solvabilidade jurídica, sobretudo em atenção à teologia que enforma as regras da punição do concurso de crimes.”, apresentando, entre outros argumentos, os transcritos pelo Ministério Público no ponto 10 da resposta ao recurso do arguido.[26] 

10.2.3. Presentes os critérios e finalidades que se acabam de expor, regressemos ao acórdão recorrido e aos argumentos formulados pelo recorrente visando a redução da pena única em que foi condenado em cúmulo jurídico.

No recurso em apreciação, o arguido AA não questiona a adequação da moldura penal abstrata do concurso de crimes que, tal como refere o Tribunal a quo, tem como limiar mínimo 7 anos de prisão e como teto máximo 23 anos e 3 meses de prisão, embora não deixe de mencionar que se tivesse recorrido da decisão da 1.ª instância, não obstante o caráter iminente pessoal da decisão condenatória, poderia ter sido menos severamente sancionado.

Para além desta afirmação não passar de uma hipótese que não é possível comprovar, certo é que não recorreu e as penas parcelares e única fixadas no processo transitaram em julgado, pelo que são essas as penas que devem ser tomadas em consideração na moldura penal, de acordo com o estatuído no art.77.º, n.º 2 do Código Penal. 

Observando o ilícito global, que emerge da análise unificada dos factos dados como provados nos processos n.ºs 57/15.0JBLSB (NUIPC 122/17.PPFCSC- apenso AC) e 804/17.5PLSNT, não se pode deixar de qualificar o mesmo como de elevada gravidade.

Assim:

- Os crimes em concurso são predominantemente contra as pessoas e o património (crimes de furto qualificado, roubo qualificado e dano qualificado) a que acresce um crime de perigo comum (crime de explosão), um crime contra a autoridade pública (crime de resistência e coação sobre funcionário) e um crime contra a segurança das comunicações (crime de condução perigosa de veículo rodoviário).  

O crime de roubo qualificado praticado pelo arguido integra o conceito de “criminalidade especialmente violenta”, o que os afasta da média criminalidade.

- A distância temporal entre todos os crimes em concurso (uns em fevereiro de 2017 e outros em 9 de junho de 2017), é de cerca de quatro meses;

- No grau de violação dos heterogéneos bens jurídicos nos crimes em concurso, sobressai o modo como foram levados a cabo e o grau intenso de dolo colocado pelo arguido na sua prática.

A culpa global do arguido AA, que se retira da intensa e prolongada vontade de praticar os factos em concurso, é acentuada.

Quanto à personalidade unitária do recorrente, o acórdão recorrido, para além de acentuar o passado criminal do arguido, ponderou criticamente a personalidade que se retira dos factos que praticou, em termos que, merecendo a nossa adesão, aqui transcrevemos:

“(…) o arguido tem dedicado a sua vida a cometer crimes e a cumprir, em reclusão, as que correspetivamente e em consequência dos seus atos lhe são impostas, sendo atualmente uma de 15 anos de prisão.

A sua trajetória revela uma personalidade com (absoluta) propensão para a prática de crimes, não tendo qualquer das condenações sofridas anteriormente o feito infletir ou repensar as que veio, quase em imediato da concessão da liberdade condicional, a repetir.

Se, na verdade, bastará alinhar os factos que conduziram às condenações que lhe foram impostas no âmbito destes dois processos para se concluir pelas consequências gravosas para os ofendidos, a espelhar uma personalidade muito violenta –capaz de atentar contra a vida de outrem de modo injustificado e com desprezo pelo sofrimento causado e uma postura distante, fria quanto aos factos praticados, calculista quanto ao raciocínio de desresponsabilização e indiferença com o sofrimento da vítima por parte do arguido, não é menos irrelevante que eles espelham uma evidente ausência de valores, juízo que não foi afastado pelo arguido na audiência para a determinação do cúmulo de penas.

Nesta sede, o arguido evidenciou claramente uma impreparação social e para viver de acordo com as normas estabelecidas, encostando-se ao jargão de que os seus problemas são culpa de terceiros. Que a sua não evolução, o fazer diferente ou o pensar diferente é culpa de outros, é culpa das regras estabelecidas e das orientações do estabelecimento prisional em que se encontra em reclusão, mantendo sempre a postura de desafio e de insurgência.

Por isso, seja pelos antecedentes criminais que já possuía, antes das condenações que se relacionam concursalmente, seja pela ausente interiorização do seu comportamento censurado pela pena, o arguido revela uma clara propensão para a prática de crimes, condutas que surgem associadas a uma personalidade precoce e divergente das regras e que não é permeável a autocrítica ou a arrependimento.

Lamentavelmente, o seu passado e a adesão a um projeto de vida que parece apenas passar pela prática de crimes, praticados num momento em que podia valorizar o filho e o relacionamento com a companheira e a integração que, restituído à liberdade significaria o seu trabalho numa pastelaria de um familiar, o arguido ao invés  demonstrou que não interiorizou a censurabilidade do seu comportamento, voltando a reincidir através da prática de novos factos talqualmente graves e atentatórios da vida de terceiros e de bens a que busca facilmente aceder.”.

As exigências de prevenção especial, que são por si muito elevadas, tornam-se ainda mais prementes quando, como bem refere ainda o acórdão recorrido, “… em cumprimento de pena, o arguido não tem apresentado um comportamento adequado às regras do estabelecimento prisional, mas antes sofrido punições disciplinares, tendo inclusivamente, no Estabelecimento Prisional ... estado em cela de segurança.”.

Dos factos provados resulta que, encontrando-se há cerca de um ano no EP ..., depois de estar em regime de segurança no E.P. ..., sofreu já três punições disciplinares; encontra-se inativo, a aguardar uma oportunidade de colocação laboral, permanece em regime comum e sem usufruto de medidas de flexibilização da pena.

Nestes termos, a circunstância do arguido AA, em meio prisional, ter em tempos trabalhado como faxina, realizado ações de investimento pessoal e haver terminado o 12.º de escolaridade, não altera significativamente a personalidade global do mesmo que emerge dos factos praticados em concurso, nem afasta as fortes necessidades de ressocialização já atrás descritas.

Importa ainda não esquecer “as necessidades de prevenção geral”, que no entender do acórdão recorrido, e bem, são consideradas como “… muitíssimo expressivas, face ao forte alarme social sempre associado aos crimes pelos quais foi, efetivamente, condenado…”.

Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a deficiente formação da personalidade do recorrente AA que resulta dos factos, entendemos que se mostra justa, por adequada às finalidades de prevenção, proporcional à culpa e à personalidade do arguido/recorrente, a pena conjunta fixada em 16 anos de prisão – um pouco acima do limite médio da moldura abstrata do concurso (de 7 anos a 23 anos e 3 meses de prisão).

Assim, não se reconhecendo a violação de qualquer das normas invocadas pelo recorrente, mantém-se a pena conjunta fixada em cúmulo jurídico pelo Tribunal a quo, improcedendo, consequentemente, o recurso.

III- Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

*

(Certifica-se que o acórdão foi  processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.P.). 

                                                                                             

*

Lisboa, 23 de junho de 2022

                                                                                    

Orlando Gonçalves (Relator)

Adelaide Sequeira (Adjunta)

Eduardo Loureiro (Presidente da Secção)

___________________________________________________


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]A Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, acrescentou na parte final desta alínea: «…ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;»
[4] Cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, inConstituição da República Portuguesa anotada”, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 392, e Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pág. 162.    
[5] In www.tribunalconstitucional.pt.

[6] Cf. Prof. Fig. Dias, in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.
[7] In www.dgsi.pt
[8]  Cf. Figueiredo Dias, inAs consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Notícias, pág. 245 e seguintes.
[9]  Cf. Maria João Antunes, in Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra, Lições 2010-2011, págs. 32 e 33.   
[10] Cf. a citada obra “As consequências jurídicas do crime”, págs. 280-281.
[11] Cf.  “Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal”, Ministério da Justiça, Parte Geral, Vol. II, Lisboa 1965, pág. 151.
[12] Cf. Figueiredo Dias, obra cit. págs. 282 a 284 e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 283
[13] Cf. proc. n.º 900/05.1PRLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.

[14]  Cf. “Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág.290/2. 

[15] Cf. Figueiredo Dias, obra cit., pág. 292.

[16]  Cf. “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 16, n.º 1, pág. 155 a 166 e acórdão do STJ, de 09-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1.  

[17] Cf. neste sentido o acórdão do STJ, de 2-6-2004, in CJ, STJ, II , pág. 221.
[18] In, www.dgsi.pt.
[19] In, www.dgsi,pt.
[20] In, www.dgsi.pt

[21] Cf. “Comentário do Código Penal”, UCE, 2.ª ed., pág.283.
[22] Cf. RPCC, ano 16.º, n.º 1, pág.151 e segs.
[23] Cf., respetivamente, BMJ n.º 331, pág. 363 e BMJ n.º 342, pág.233.
[24] Com este relator e Juíza Conselheira Adjunta, foi proferido, neste sentido, o acórdão do S.T.J. de 11 de novembro de 2021, proc. n.º 129/13.5TASEI.C1.S1, in www.dgsi.pt
[25] In, www.dgsi.pt
[26] Cf. texto publicado na internet.