Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S835
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BRAVO SERRA
Descritores: INFRACÇÃO DISCIPLINAR
PRESCRIÇÃO
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
FALTAS INJUSTIFICADAS
Nº do Documento: SJ2008062508354
Data do Acordão: 06/25/2008
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - O comportamento exemplificativo de justa causa de despedimento consagrado na alínea g) do nº 3 do artº 396 do Código do Trabalho [cinco faltas injustificadas ou dez interpoladas, em cada ano civil], não é traduzido numa dada ou concreta ausência ao trabalho, mas sim numa actuação que desencadeou os somatórios das ausências ali mencionadas.
II - Por isso, estando em causa a instauração de processo disciplinar com fundamento naquelas faltas ao trabalho, haverá que ter como referência o ano civil em que as faltas ocorreram para, alcançado que seja, pelo seu decurso, o conhecimento do comportamento do trabalhador quanto às faltas interpoladas e não justificadas dadas nesse período de tempo, se aquilatar da verificação no número das mesmas, em termos de se saber se ele consubstancia o específico comportamento integrador de justa causa.
III - Assim, não se verifica a prescrição do procedimento disciplinar se, fundando-se a nota de culpa e a decisão de despedimento nas faltas dadas pela autora no ano civil de 2004, esta vem responder à nota de culpa em 27 de Fevereiro de 2005.
IV - A circunstância de o trabalhador ter dado, num ano civil, cinco faltas injustificadas seguidas, ou dez interpoladas, não determina, de forma automática, a verificação de justa causa de despedimento: torna-se também necessário que se alegue e prove que tais faltas assumiram tal gravidade e consequências que se verifica a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho nos termos exigidos pelo nº 1 do artº 396º do Código do Trabalho.
V - Configura justa causa de despedimento o comportamento da autora, trabalhadora de limpeza, que, ao longo do ano de 2004, deu 20 faltas injustificadas interpoladas, tendo sido por diversas vezes alertada para esse comportamento faltoso e, não obstante, persistiu na mesma atitude, obrigando a ré a ter que suprir a sua falta, distribuindo o trabalho pelos restantes trabalhadores a exercerem funções naquele local (estação de metropolitano com muito movimento), ou, quando possível, deslocando para o local outro trabalhador.
Decisão Texto Integral:
I


1. Em 2 de Setembro de 2005 e pelo 5º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa intentou AA contra BB – Serviços de Limpeza, Ldª, acção de processo comum, peticionando a condenação da ré a reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo de vir a optar pela indemnização por despedimento – caso em que a esta deveria aditar-se o quantitativo referente a férias, subsídio de férias e de Natal –, e a pagar-lhe as remunerações vencidas, no montante de € 1.890,80, acrescidas das vincendas até decisão final, e juros.

Para tanto, em síntese, invocou que: –
– foi admitida ao serviço da ré em 1 de Fevereiro de 2004, por transferência das sucessivas empresas prestadoras de serviços de limpeza (de acordo com a cláusula 7ª do Contrato Colectivo de Trabalho outorgado entre a Associação de Empresas Prestadoras de Serviços de Limpezas e Actividades Similares e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas – de quem a autora é associada –), tendo uma antiguidade reportada a 1 de Outubro de 2001 e vindo a desempenhar as suas funções na estação do Cais do Sodré do Metropolitano de Lisboa;
– por carta datada de 17 de Março de 2005, a autora foi despedida, na sequência de um processo disciplinar, sendo-lhe imputado o cometimento de faltas injustificadas ao serviço, que não foram comunicadas à ré;
– contudo, o despedimento de que a autora foi alvo é ilícito, pois que, para além de estar prescrito o procedimento disciplinar, não só os factos não ocorreram como consta da nota de culpa e da decisão de despedimento, como também, ainda que eles se provassem, não foram invocadas quaisquer circunstâncias que legitimassem a imposição da sanção de despedimento.

Seguindo os autos seus termos, e após ter a autora optado, na audiência que teve lugar em 2 de Novembro de 2006, pela indemnização por despedimento, veio, em 15 de Maio de 2007, a ser proferida sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu a ré do pedido.

Inconformada, apelou a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Sem sucesso, porém, já que aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 13 de Dezembro de 2007, julgou improcedente a apelação.


2. Mantendo o seu inconformismo, veio a autora pedir revista, rematando a alegação adrede produzida com o seguinte quadro conclusivo: –

1.
A A. intentou acção contra a R. alegando em suma que:
a) Trabalhou por conta da R. desde 1 de Fevereiro de 2004, exercendo as funções de trabalhadora de limpeza, e prestava o seu trabalho nas instalações do Metropolitano de Lisboa, estação do Cais do Sodré;
b) Por carta datada de 4 de Fevereiro de 2005, a R. remeteu-lhe a nota de culpa com intenção de despedimento, acusando-a de faltar ao trabalho [ ] inju[ ]stificadamente;
c) Contestou as acusações e invocou a prescrição do processo disciplinar. Não obstante, a R. veio a proceder ao seu despedimento com invocação de justa causa;
d) Ocorreu a prescrição do procedimento em relação aos factos que lhe são imputados como tendo ocorrido até ao dia 20 de Novembro de 2004 a R. teve imediato conhecimento dos factos que lhe imputou e na data em que foi expedida a nota de culpa, já tinha decorrido o prazo prescricional previsto no art. 372º do C. T.
e) Não faltou ao trabalho nos dias que vêm mencionados na nota de culpa e sempre que faltou justificou as faltas junto da R.
f) Acresce que, ainda que tivesse praticado esses factos, não invocou a R. qualquer consequência da prática dos mesmos que legitimasse a aplicação de uma sanção de despedimento.
2.
Pedia por isso a condenação da R. a reintegrá-la no seu posto de trabalho, sem prejuízo de eventual opção pela indemnização por despedimento e ainda a pagar ­lhe todas as remunerações já vencidas, no montante de € 1.890,80, acrescidas das que se vencerem até decisão final, e em juros, à taxa anual de 4 % até integral pagamento.
3.
O douto ac[ó]rdão considerou improcedente a excepção da caducidade invocada pela A., na resposta à nota de culpa quanto a todos os factos ocorridos até ao dia 20 de Novembro de 2004, uma vez excedido estava o prazo para instauração do processo disciplinar, nos termos do art. 372º do Contrato de Trabalho.
4.
É verdade, que em sede de matéria de facto foi provado que a Ré em 4 de Fevereiro de 2005, enviara aquela nota de culpa à A.
5.
Parece inequívoco que em 4 de Fevereiro de 2005 a nota de culpa só podia reportar-se a factos ocorridos a partir de 20 de Novembro anterior, porquanto para além de sessenta dias contados retroactivamente a 4 de Fevereiro de 2005, as infracções teriam prescrito e, não poderiam ser objecto de qualquer procedimento disciplinar.
6.
O douto acórdão recorrido ao considerar que não ocorrera a prescrição de infracção disciplinar violou por isso o art. 372º do Código do Trabalho.
7.
O douto acórdão recorrido considerou que nos termos do nº 3, al. g), do art. 396º do Código do Trabalho, o simples facto de o trabalhador (neste caso a A.) dar mais de cinco faltas consecutivas ou dez faltas interpoladas, constitui justa causa de despedimento, por tal facto tornar imediata e praticamente impossível a subsistência do contrato de trabalho, por comportamento culposo do trabalhador
8.
Como se lê no Ac[ó]rdão do S.T.J., de 2.07.97, publicado nos Acs. Douts., 434, pag. 243, ‘Sempre diremos, mesmo assim, que se fossem de considerar como injustificadas as faltas dadas nos dias 13 a 18 de Agosto, a Ré não demonstrou um outro elemento essencial para que fosse lícito o despedimento, ou seja, a impossibilidade prática de subsistir a relação laboral (art. 9º nº 1, do Dec.-Lei 64- A/89), portanto, mesmo na inaceitável tese da Ré, nunca ela teria demonstrado a existência de todos os requisitos para que o despedimento pudesse ser tido como lícito.
9.
A tese daquele acórdão é, pois totalmente oposta à interpretação defendida pela sentença recorrida, defendendo antes claramente a posição de que no caso de faltas injustificadas, mesmo que o seu número exceda cinco faltas consecutivas ou dez faltas interpoladas, no decurso de um ano não existe justa causa de despedimento [a] menos que o empregador alegue e prove que tais faltas assumir[a]m tal gravidade e consequências que se verifica[ ] a impossibilidade da manutenção do contrato de trabalho, de acordo com os requisitos exigidos pelo nº 1 do art. 396º do Código do Trabalho.
10.
Essa tese é aliás defendida também pelo S.T.A., no que toca ao regime de faltas injustificadas dos funcionários públicos e, quanto [à] necessidade de alegação e prova de factos coexistentes com essas faltas que determinem a inviabilidade do v[í]nculo funcional.
11.
No mesmo sentido do acórdão citado, vejam-se também os acórdãos do S.T.J. de 9.02.93, publicados nos Acds. Dout., 379, 836, e [Co]lectânea de Jurisprudência, 1993, 1º, pág. 249, e Ac. da R.C. de 7.07.94, Colect. De Jurisp. De 1994, IV, pág. 63.
12.
O douto ac[ó]rdão recorrido ao considerar o simples somatório das faltas injustificadas era justa causa de despedimento, fez incorrecto entendimento da al. g), nº 3, do art. 396º do Código do Trabalho, violando o nº 1 daquele normativo.
13.
Deve ser anulada a douta decisão recorrida e, considerada procedente a acção com as legais consequências.”.

Respondeu a ré à alegação sustentando a improcedência do recurso, finalizando essa resposta com as seguintes «conclusões»: –

1. O recurso ora apresentado, constitui uma mera renovação do anterior, não trazendo qualquer nova questão ou argumento, o que pode equivaler a falta de alegação.
2. Não se verificou a prescrição da infracção disciplinar da Recorrente.
3. Constitui justa causa de despedimento o facto do trabalhador, em cada ano, apresentar cinco faltas seguidas ou dez interpoladas, nos termos da alínea g), do nº 3 do artigo 396º do Código do Trabalho.
4. A expressão ‘em cada ano’, reporta-se ao ano civil, sendo que apenas no final do mesmo se computam as faltas dadas.
5. Como tem sido entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência, o prazo de prescrição apenas começa a correr em 1 de Janeiro do ano seguinte (Cfr. Ac. STJ de 24/04/82, proc. 280: BMJ, 316º – 191, Ac. RP de 1/10/84, rec. Nº 3218: Col. Jur., 1984, 4º – 264).
6. A Recorrente faltou injustificadamente, durante um ano, 20 dias.
7. Sendo que 5 dessas faltas, são consideradas como infracções graves atendo o disposto no nº 2 do art. 231º do Código do Trabalho.
8. A Recorrente bem sabia que o seu comportamento era ilícito e que ao actuar assim estava a lesar a Recorrida.
9. Os comportamentos da Recorrente revel[aram] um elevadíssimo grau de culpa e, pela sua gravidade e consequências, tornou prática e imediatamente impossível a subsistência das relações de trabalho.
10. O comportamento da Recorrente constituiu justa causa disciplinar de despedimento nos termos do art. 396º, nºs 1,2 e 3, alínea g) do C.T.
11. O douto acórdão recorrido decidiu de forma correcta e muito bem fundamentada a questão em apreço.


A Ex.ma Magistrada do Ministério Público neste Supremo exarou «parecer», no qual propugnou pela improcedência da revista.

Notificado tal «parecer» às partes, não vieram elas a, sobre ele, efectuar pronúncia.

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II


1. Sem questionamento, vem dada por apurada a seguinte matéria de facto, a qual, por não ocorrer qualquer situação das previstas no nº 2 do artº 722º do Código de Processo Civil, este Supremo tem de acatar: –

– a) a ré é uma empresa que se dedica à prestação de serviços de limpeza;
– b) a autora foi admitida ao serviço da ré em 1 de Fevereiro de 2004, mas a sua antiguidade reporta-se a 31 de Outubro de 2001, por transferência das sucessivas empresas a quem, em cada momento, o Metropolitano de Lisboa adjudica a limpeza das suas estações;
– c) a autora possuía a categoria profissional de trabalhadora de limpeza e tinha como local de trabalho as instalações do Metropolitano de Lisboa, na estação do Cais do Sodré;
– d) ultimamente, auferia a retribuição ilíquida de € 246,48, acrescida de € 9,08, a título de horas nocturnas com o acréscimo de 30%, de € 105,96, a título de horas nocturnas com o acréscimo de 50%, e de € 16,64, a título de subsídio de alimentação, perfazendo o montante de € 378,16, para um horário de trabalho da 1 hora e 30 minutos às 5 horas e 30 minutos, de 2ª feira a Sábado;
– e) a autora é associada do Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas (STAD);
– f) no início do mês de Janeiro de 2005, a ré instaurou à autora um processo disciplinar com intenção de despedimento;
– g) com data de 20 de Janeiro de 2005, a ré remeteu à autora a carta registada com aviso de recepção junta a fls. 13, cujo teor se dá aqui por reproduzido, acompanhada da nota de culpa, para Rua Rio do Judeu, nº 9-A, Quinta do Major, Seixal;
– h) a referida carta veio devolvida com a indicação de “não reclamado”;
– i) tendo a ré remetido nova carta, junta a fls. 12, cujo teor se dá aqui por reproduzido, para a mesma morada, datada de 4 de Fevereiro de 2005, acompanhada da nota de culpa, junta a fls. 14 a 16, cujo teor também se dá aqui por reproduzido, constando dessa carta a intenção de despedir a autora com justa causa;
– j) a autora respondeu à nota de culpa nos termos constantes de fls. 93 a 98, cujo teor se dá aqui por reproduzido;
- k) a ré remeteu à autora a carta datada de 17 de Março de 2005, registada com aviso de recepção, acompanhada de cópia da decisão final, junta a fls. 100 a 104, cujo teor se dá aqui por reproduzido, na qual lhe comunicava que a decisão de “despedimento com alegação de justa causa, produz efeitos imediatos à recepção da presente carta”;
– l) a mencionada carta foi recebida em 18 de Março de 2005;
– m) no ano civil de 2004, no período compreendido entre 29 de Março e 28 de Dezembro, a autora faltou ao trabalho nas seguintes datas:
– Março – dia 29;
– Abril – dias 1 e 20;
– Julho – dias 6 e 26;
– Agosto – dia 25;
– Outubro – dias 1, 7, 11, 14 e 27;
– Novembro – dias 3, 5, 11, 13 e 20;
– Dezembro – dias 4, 15, 16 e 28;
– n) a autora não apresentou justificação para as faltas dadas, nem comunicou com qualquer antecedência à ré que ia faltar, tendo sido alertada para o seu comportamento e para as consequências do mesmo, por diversas vezes, pelo supervisor da ré, LG;
– o) como a ré não sabia, com antecedência, que a autora ia faltar, o trabalho que ela ia desempenhar e não desempenhou ou [era] distribuído entre os demais trabalhadores que exercem funções no local, ou a ré, quando possível, [deslocava] outro trabalhador para aquele local de trabalho;
– p) o local onde a autora prestava o seu trabalho é uma estação do Metropolitano, com muito movimento, e a falta de qualquer um dos trabalhadores adstritos àquele local de trabalho dificulta a limpeza do espaço;
– q) a ré utiliza, em regra, o procedimento [de acordo com o qual] as faltas que os seus trabalhadores dão até ao dia 15 de cada mês e que são descontadas na retribuição, são descontadas nesse mês; e, se as faltas ocorrerem de 16 ao final do mês, são descontadas no mês subsequente;
– r) os supervisores da ré visitam os locais de trabalho que lhe estão adstritos várias vezes por mês e têm conhecimento das faltas dadas pelos trabalhadores no próprio dia;
– s) o Metropolitano de Lisboa controla, efectivamente, o número de trabalhadores que limpam as suas instalações, no âmbito do acordo que celebrou com a ré, corresponde ao número de trabalhadores que acordaram para cada local.


2. Como resulta das «conclusões» apresentadas no vertente recurso de revista, as questões que incumbe apreciar cifram-se em saber: –
– se estava excedido o prazo para instauração de procedimento disciplinar relativo a faltas dadas antes de 20 de Novembro de 2004;
– se, para além disso, foi esteado em justa causa o despedimento da autora.

Referentemente ao primeiro problema, discreteou do seguinte jeito o acórdão impugnado: –

“(…)
Nas suas conclusões de recurso a Autora suscita duas questões distintas.
A primeira consiste em saber se em 4 de Fevereiro de 2005 as infracções imputadas à Autora na nota de culpa se deviam reputar prescritas, tal como sustenta a recorrente, nos termos do disposto no artigo 372º do CT.
(…)
Cumpre, pois, conhecer da primeira questão.
O artigo 372º do CT (exercício da acção disciplinar) regula:
‘1 – O procedimento disciplinar deve exercer-se nos sessenta dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção.
2 – A infracção disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar, salvo se os factos constituírem crime, caso em que são aplicáveis os prazos prescricionais da lei penal’.
Esta norma corresponde aos artigos 31º nº 1º e 27º nº 3º da anterior LCT, sendo certo que a primeira norma foi integralmente reproduzida no nº 1º do artigo 372º do CT.
No tocante à natureza dos prazos referidos na norma não se suscitam dúvidas relativamente ao prazo previsto no nº 2º que a própria lei reputa de prescrição.
Já não sucede o mesmo em relação ao prazo previsto no nº 1º.
Todavia atendendo ao disposto nos artigos 430º nº 1º (se tiverem decorrido os prazos de prescrição estabelecidos no artigo 372º), 411º nº 4º, 412º e 436º nº 2º todos do CT cumpre concluir que o prazo de sessenta dias contemplado na norma também é de prescrição (vide neste sentido Código do Trabalho, Anotado, Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos. Pedro Madeira de Brito, Guilherme Dray, Luís Gonçalves da Silva, 5ª edição, pág 650).
O prazo referido no nº 1 tem como justificação o exercício atempado e actual da acção disciplinar por forma a satisfazer os resultados e objectivos pretendidos (vide Código do Trabalho, Anotado e Comentado, Paula Quintas e H[é]lder Quintas, 2003, pág 633).
Porém, quando como, no caso concreto, se está perante processo disciplinar intentado com fundamento em cinco faltas injustificadas seguidas ou dez interpoladas (vide artigo 396º nº 3º al g) do CT), dadas durante um ano civil o início do prazo tem de se considerar reportado ao primeiro dia do novo ano.
Nos termos do preceito em apreço constituem justa causa de despedimento do trabalhador, nomeadamente, faltas não justificadas ao trabalho que determinem prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas.
Assim, afigura-se que, tal como referiam Carlos Antunes e Amadeu Guerra (embora na vigência do DL nº 372-A/75, de 16.7) ‘é dentro do ano civil em que são dadas que as faltas assumem particular relevância pelo que se compreende, perfeitamente, que só decorrido um ano se inicie a contagem do prazo’, então reputado como de caducidade – Despedimentos e outras formas de cessação do Contrato de Trabalho, pág 76.
Neste sentido apontam também os seguintes acórdãos:
– STJ de 23.4.82, BMJ nº 316, pág 197;
– Relação do Porto de 1.10.1984, CJ, Ano IX, Tomo, 4, pág 264;
– Relação de Lisboa de 18.12.2002, CJ, 2002, Tomo 5, pág 160.
Por outro lado, ao abrigo do actual CT não se vislumbram motivos susceptíveis de alterar tal entendimento, sendo certo que de outra forma estar-se-ia a inutilizar parte da al g) do nº 3º do artigo 396º do CT.
É que a al g) do nº 3º do artigo 396º do CT continua a apontar para um determinado número de faltas injustificadas dadas em cada ano civil.
Ora, como é evidente, só no termo deste se pode avaliar do número de faltas, nomeadamente as interpoladas.
E nem se venha argumentar com o aresto do STJ de 2.7.97 (AD nº 434, pág 243), visto que o mesmo versa sobre questão distinta, a apurar em momento posterior, que é a da relevância da impossibilidade prática da subsistência da relação laboral no apuramento da justa causa de despedimento.
Constata-se, assim, que, no caso concreto, em 4 de Fevereiro de 2005 (vide 9) ainda não havia transcorrido o prazo mencionado no nº 1º do artigo 372º do CT sobre as faltas ocorridas ao longo do ano civil de 2004.
Resumindo, neste particular, afigura-se que o prazo prescricional de procedimento disciplinar fundado em faltas injustificadas dadas durante um ano civil só se deve reputar iniciado no primeiro dia do ano civil seguinte.
(…)”


2.1. Na vertente revista, continua a recorrente a brandir com o argumento segundo o qual as faltas que foram por ela dadas antecedentemente a 20 de Novembro de 2004 têm de considerar-se como «prescritas». Para tanto, socorre-se, de um lado, do comando ínsito no nº 1 do artº 372º do Código do Trabalho e, de outro, que foi notificada da nota de culpa por intermédio de carta emitida pela recorrida em 4 de Fevereiro de 2005.

De acordo com nº 1 daquele artigo (anotando-se que o caso em apreço deverá reger-se pelo corpo normativo em que ele se encontra inserido, atenta a temporalidade dos factos) o procedimento disciplinar deve exercer-se nos sessentas dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção e, segundo o nº 4 do artº 411º do mesmo Código, a comunicação da nota de culpa interrompe os prazos estabelecidos no artº 372º.

Não se exige, porém, no citado nº 4 do artº 411º, ao menos com esteio na sua literalidade, o conhecimento, pelo trabalhador, do que consta da nota de culpa, pois que o preceito tão só se reporta a que a comunicação da nota de culpa desencadeia – para o que agora releva – a interrupção do prazo aludido no nº 1 do artº 372º.

Simplesmente, tendo em conta que a postura doutrinal e jurisprudencial defende que à nota de culpa deve ser conferida a característica de uma declaração receptícia, aplicando-se, pois, o disposto no artº 224º do Código Civil (cfr., a este propósito, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3ª edição, 968), não é forçoso perfilhar o entendimento de que, para a respectiva produção de efeitos – e, no que ora releva, saber em que termos se opera a interrupção da contagem dos prazos a que se reporta o já aludido artº 372º –, se deverá ter em conta a circunstância de ela chegar ao poder do trabalhador ou dele ser conhecida.

Convém sublinhar que, tal como se extrai da matéria de facto [cfr. item supra elencado em II 1. g)], a nota de culpa foi remetida para a morada da autora por meio de carta, registada com aviso de recepção em 20 de Janeiro de 2005.

Essa carta não foi recebida pela recorrente, já que por ela não foi reclamada, sendo que, em face dessa circunstância, a recorrida, de novo e para a mesma morada, veio a enviar-lhe, em 4 de Fevereiro de 2005, nova carta, acompanhada da nota de culpa, carta esta que, efectivamente, veio a ser recebida pela autora.

Em face de um tal contexto, até se poderia convocar o que foi decidido por este Supremo no seu Acórdão de 1 de Abril de 1998 (in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Tomo II, 259 e segs), conquanto se reconheça que, no caso aí decidido, a carta enviada para a anterior morada do trabalhador, que não comunicou a nova morada à entidade empregadora, não veio a ser devolvida.

Na situação em análise, e como se disse já, a carta enviada pela ré à autora – envio esse efectuado sob registo e com aviso de recepção em 20 de Janeiro de 2005 – não veio a ser recebida por aquela última, pois que não foi reclamada, desconhecendo-se os motivos da não reclamação. Consequentemente, porventura não seria, nesta situação, totalmente aplicável a tese que, no indicado Acórdão, foi sufragada.


2.2. Seja como for, o que estava em causa, quer na nota de culpa, quer na decisão de despedimento, era um acervo de faltas não justificadas dadas pela autora no ano de 2004.

Da factualidade provada extrai-se que, efectivamente, a recorrente, nesse ano civil, faltou ao trabalho no dia 29 de Março, nos dias 1 e 2 de Abril, nos dias 6 e 26 de Julho, no dia 25 de Agosto, nos dias 1, 7, 11, 14 e 27 de Outubro, nos dias 3,5, 11, 13 e 20 de Novembro e nos dias 4, 15, 16 e 28 de Dezembro, não apresentando justificação para a sua ausência no local de trabalho durante o período em que devia desempenhar a actividade a que estava adstrita (cfr. a noção de falta constante do nº 1 do artº 224 do Código do Trabalho), nem comunicando com qualquer antecedência que ia faltar, não obstante ter sido alertada para o seu comportamento e para as consequências do mesmo, por diversas vezes, pelo supervisor da recorrida.

Poderá sustentar-se, como o faz a impugnante, que às faltas dadas no espaço temporal situado para além de sessenta dias contados regressivamente desde o envio da carta que continha a nota de culpa (e independentemente de se saber o que foi considerado no antecedente ponto) se não poderá atender em face das prescrições legais nesse mesmo ponto indicadas?

Adianta-se, desde já, que não.

Na realidade, de entre os exemplificados comportamentos do trabalhador que o legislador considerou como constituindo justa causa de despedimento, surpreende-se o enunciado na alínea g) do nº 1 do artº 396º do Código do Trabalho, que assim reza: –

g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas.

Perante esta norma, se se sufragasse o ponto de vista defendido pela recorrente, numa situação hipotética em que, num dado ano civil, um trabalhador, sem justificação, se ausentasse do local de trabalho e durante o horário durante o qual estava vinculado a desempenhar o seu labor, um dia em cada mês, não seria, de todo, possível o desencadeamento de procedimento disciplinar no prazo consignado no nº 1 do já aludido artº 372º. De facto, numa tal hipotética situação – e porque o número de faltas interpoladas, para se atingir o exemplificado conceito de comportamento culposo susceptível de se entendido como justa causa de despedimento, tem de cifrar, pelo menos, na dezena –, aquando da formulação da nota de culpa, não poderiam ser tidos em conta as ausências não justificadas referentes aos meses que se situassem antes dos sessenta dias antecedentes a essa formulação.

Haverá, desta sorte, que ter como referência o ano civil em que as faltas ocorreram para, alcançado que seja, pelo seu decurso, o conhecimento do comportamento do trabalhador quanto às faltas interpoladas e não justificadas dadas nesse período de tempo, se aquilatar da verificação no número das mesmas, em termos de se saber se ele consubstancia o específico comportamento integrador do conceito de justa causa.

Dito de outro modo: o comportamento exemplificativo consagrado na alínea g) do nº 3 do artº 396º não é traduzido numa dada ou concreta ausência ao trabalho, mas sim numa actuação que desencadeou os somatórios das ausências ali mencionadas.

De qualquer modo, no caso em apreço, muito embora até fosse possível à recorrida, a partir da falta dada pela autora em 14 de Outubro de 2004, instaurar procedimento disciplinar, já que, nesse ano, ela faltou injustificadamente ao trabalho, interpoladamente, durante dez dias (29 de Março, 1 e 20 de Abril, 6 e 26 de Julho, 25 de Agosto, 1, 7, 11 e 14 de Outubro), o que é certo é que, ainda no mesmo ano, a partir daquele dia 14, ainda a recorrente veio a dar dez faltas interpoladas, correspondentes aos dias 27 de Outubro, 3, 5, 11, 13 e 20 de Novembro e 4, 15, 16 e 28 de Dezembro, sendo que, na nota de culpa, não deixam de estar referidas estas últimas faltas.

Ora, reportando-se a nota de culpa e a decisão de despedimento às faltas dadas pela autora no ano civil de 2004, tendo em conta que a resposta àquela nota ocorreu em 27 de Fevereiro de 2005, torna-se claro que o seu envio e recepção pela agora impugnante ocorreu antes de passado o prazo de sessenta dias contado desde o último dia do antecedente ano, razão pela qual não poderá, no caso, falar-se na ultrapassagem do prazo de sessenta dias subsequentes àquele em que o empregador teve conhecimento da infracção que, como se viu, se consubstancia na actuação da autora desencadeadora do somatório das ausências referidas na alínea g) do nº 1 do artº 396º do Código do Trabalho.

Improcedem, assim, as «conclusões» 3, 4, 5, e 6 da alegação de recurso.


3. Manifesta ainda a recorrente o seu inconformismo quanto à decisão impugnada, agora em sede de apreciação da justa causa, defendendo que, ainda que se atenda a um número de dez faltas interpoladas, mister era que se demonstrasse que, perante elas, a relação laboral firmada entre a autora e a ré se tornou praticamente impossível de subsistir, o que o acórdão impugnado não ponderou.

Ora, aquele aresto, quanto a este particular, teve oportunidade de assim discorrer: –

“(…)
Cabe agora apreciar a questão de saber se a conduta da Autora justifica (ou não) – a sanção de despedimento com invocação de justa causa – que lhe foi aplicada.
Cumpre a tal título referir o texto da lei e alguns ensinamentos que se afiguram relevar no caso em apreço.
Segundo o nº 1º do artigo 224º do CT falta é a ausência do trabalhador no local de trabalho e durante o período em que devia desempenhar a actividade a que está adstrito, sendo certo que as faltas podem ser justificadas ou injustificadas (artigo 225º nº 1º do CT).
São consideradas injustificadas as faltas não previstas no nº 2º do supra citado preceito.
O actual artigo 396º do CT (que com algumas alterações corresponde ao artigo 9º do anterior DL nº 64-A/89, de 27- 2 ou seja o RJCCT) estatui:
‘1 – O comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento.
2 – Para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
3 – Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
b) Violação repetida de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;
c) Provocação repetida de conflitos com outros trabalhadores da empresa;
d)Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho que lhe esteja confiado;
e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;
f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;
g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano, cinco seguidas ou dez interpoladas;
h) Falta culposa de observância das regras de higiene e segurança no trabalho;
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, de injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhadores da empresa, elementos dos corpos sociais ou sobre o empregador individual não pertencente aos mesmos órgãos, seus delegados ou representantes;
j) Sequestro e em geral crimes contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;
l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisões judiciais ou administrativas;
m) Reduções anormais de produtividade’.
Continua, pois, a resultar deste preceito que as condutas nele previstas são meramente exemplificativas e não taxativas.
No âmbito da vigência do RJCCT a jurisprudência apontava no sentido de que para se poder invocar validamente a justa causa de despedimento era necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) comportamento culposo do trabalhador;
b) a impossibilidade de subsistência da relação laboral;
c) a relação de causalidade entre aquele comportamento e a referida impossibilidade.
E afigura-se que a nova lei aponta em sentido idêntico.
Por outro lado, tal como anteriormente, a culpa e a gravidade da infracção disciplinar hão-de apurar-se na falta de critério legal definidor, pelo entendimento de um ‘bom pai de família’ e em face do caso concreto, segundo critérios de razoabilidade e objectividade, só se podendo considerar como grave o que resultar da aplicação destes critérios.
Por sua vez, a sanção disciplinar aplicada ao trabalhador deve ser proporcionada à gravidade da infracção e ao grau de culpa do mesmo, tal como resulta do disposto no art 367º do CT.
Cabe frisar que para a apreciação da justa causa o Tribunal deve atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – vide nº 2º do artº 396º do CT.
Tal como referia Menezes Cordeiro (in Manual de Direito de Trabalho, Almedina, obra citada, pág 824-825) em face da lei anterior – sendo certo que se continuam a reputar de inteiramente válidos tais ensinamentos em face do teor do CT – a concretização da justa causa exige sempre uma actividade criativa da decisão, na qual além dos elementos mencionados no aludido preceito devem ainda tomar-se em conta outros factores ambientais como sejam:
‘– elementos normativos, como os usos e costumes a observar, os valores morais em jogo, a justiça distributiva, a igualdade dos trabalhadores e a coerência disciplinar;
– elementos fácticos ambientais como a linguagem de meio e o ‘animus injuriandi’, a posição do trabalhador, possível fonte do dever agravado de não cometer a infracção, os reflexos na empresa de crimes praticados fora dela e a falta de ligação ou de reflexos entre essa conduta e a própria empresa;
– elementos relativos às consequências da decisão, sendo de ponderar a necessidade de assegurar na empresa um bom ambiente, a ordem e a disciplina, o bom nome da entidade empregadora, a organização produtiva, evitando-se um clima de agitação e desassossego’.
Resta acrescentar que a nossa jurisprudência considera que, só por si, a quebra do princípio da confiança torna impossível a subsistência da relação laboral (vide sobre o assunto Menezes Cordeiro, ob.cit, pág 826 a 828,o qual se refere a exemplos reais, nomeadamente: a falta de honestidade do trabalhador e a inobservância de directrizes da entidade patronal).
É que tal como refere o Professor Lobo Xavier:
‘a entidade, inserindo um trabalhador, como que um estranho, na organização de que é titular suporta um risco incalculável de violação dos seus interesses.
Ora aceitar este risco contratado implica confiança.
Como diz Mansini o contraente que penetra na esfera jurídica de outro como que se confia a si e aos seus próprios bens à diligência deste; quanto a este, faz por sua vez confiança do que entrou acreditando, que o salvaguarde a si e à sua esfera jurídica (Da justa causa do despedimento no contrato de trabalho, página 19).
***
[A]cerca da justa causa de despedimento a recorrente sustenta que mesmo no caso de verificação de um número de faltas injustificadas que exceda 5 seguidas ou 10 interpoladas no decurso de um ano não existe justa causa de despedimento a menos que se alegue e prove que tais faltas assumiram tal gravidade e consequências que se verifica a impossibilidade de manutenção do contrato de trabalho nos termos exigidos pelo nº 1º do artigo 396º do CT.
Por outro lado, entende que não foi esse o entendimento perfilhado na decisão recorrida.
Cumpre consignar que se concorda com o entendimento jurídico defendido pela recorrente, mas não com a interpretação que faz da decisão recorrida e com as conclusões que extrai.
Tal como salienta Júlio Manuel Vieira Gomes ‘o artigo 396º nº 1 contém uma cláusula geral que é, como refere Menezes Leitão concretizada por duas vias: por um lado, a indicação de factores a atender na apreciação da justa causa, e por outro, uma enumeração meramente exemplificativa.
Relativamente à enumeração exemplificativa contida no nº 3º, parece-nos que nenhuma dessas alíneas dispensa a verificação da cláusula geral contida no nº 1º.
Haverá apenas que fazer uma ressalva: na parte final da alínea g) do nº 3º considera-se existir justa causa ‘independentemente de qualquer prejuízo ou risco’ a hipótese de o número de faltas injustificadas perfazer num ano civil 5 seguidas ou 10 interpoladas.
Há aqui um certo desvio ao princípio geral consagrado no nº 1º, mas apenas na medida em que 5 faltas injustificadas seguidas ou 10 interpoladas constituirão justa causa de despedimento sem necessidade de provar que as faltas tiveram consequências graves.
Contudo, não se segue daqui automaticamente, que 5 faltas injustificadas seguidas ou 10 interpoladas no mesmo ano civil sejam necessariamente justa causa de despedimento: é que sempre se exige culpa grave e, da mera circunstância de as faltas serem injustificadas nem sempre se pode inferir culpa grave’ – Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, pág 958/959.
Trata-se do entendimento perfilhado pelo STJ em acórdão de 15.2.2006 (doc SJ200602150028444 in www.dgsi.pt) no sentido de que o comportamento previsto no artigo 9º, n.º 2, al. g) da LCCT (‘faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou riscos, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano, cinco seguidas ou dez interpoladas’) não implica a verificação automática da justa causa de despedimento, impondo-se averiguar do preenchimento da cláusula geral contida no nº 1 do mesmo preceito (no mesmo sentido aponta ac. do STJ de 9.4.2003 in ADSTA nº 504, pág 1857 e segs).
Cabe contudo salientar que a sentença recorrida também procedeu a tal ponderação.
A título da verificação de justa causa de despedimento consignou-se na decisão recorrida que:
‘A alínea g) do nº3 do artº 396 CT prevê duas situações:
. faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, independentemente do número;
. e independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas’.
Cumpre referir que se subscreve tal entendimento.
Todavia a decisão recorrida prossegue:
‘A A. deu 20 faltas interpoladas.
Dado o número de faltas, a lei não exige quaisquer prejuízos ou riscos graves para a empresa. A lei considera que dado o elevado número de faltas, a relação laboral está definitivamente comprometida.
A A. foi por diversas vezes alertada para o comportamento que estava a ter e, não obstante, persistiu na mesma atitude. Vinte faltas é mais do que 3 semanas de trabalho, atento que a A. trabalhava 6 dias por semana.
Ao não comparecer ao trabalho num número tão elevado de dias no ano de 2004, sem apresentar qualquer justificação, ano em que tinha sido admitida na R., a A. revelou muito pouco interesse na manutenção do seu posto de trabalho, obrigando a R. a ter que suprir a sua falta, distribuindo o seu serviço pelos restantes trabalhadores a exercerem funções naquele local ou, quando possível, deslocando para o local outro trabalhador. Note-se que se trata de uma estação de metropolitano com muito movimento.
Ao agir do modo descrito, a A. com o seu comportamento culposo tornou impossível a manutenção da relação de trabalho que mantinha com a R., o que constitui justa causa de despedimento’ (sublinhado nosso).
É, pois, evidente que a sentença recorrida – e bem – considerou que o comportamento que justificou a cessação da relação laboral não foi a verificação pura e simples das faltas, mas o comportamento culposo da Autora que tornou impossível a manutenção da relação de trabalho que mantinha com a R.
Na situação em exame é patente que a Autora violou o seu dever de assiduidade (artigo 121º nº 1º al b) do CT), sendo certo que a sua culpa se presume (vide artigo 799º do Código Civil).
Ora é evidente que as reiteradas faltas que se apuraram (vide 13), que a Autora não comunicou com antecedência e para as quais não apresentou justificação (14), além de significarem redução do tempo de trabalho, tiveram implicações ao nível da organização do trabalho na Ré (vide 15 e 16) constituindo até mau exemplo para colegas e quebra da disciplina da empresa.
E a Autora foi alertada por diversas vezes para o seu comportamento e para as consequências do mesmo pelo supervisor da R. LG (14), o que não só intensifica a sua culpa, como agrava a ilicitude disciplinar da sua conduta.
E cumpre recordar o número (20 – vide 13) de faltas injustificadas…, sendo certo que nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2004 atingiram cerca de ¼, 1/5 do número de dias úteis de trabalho do mês em causa!.
Em face desta matéria dir-se-á que a Ré deixou de saber quando é que podia (ou não) contar com a presença da trabalhadora.
Concorda-se, pois, que, no caso concreto, as faltas injustificadas apuradas tornaram impossível a manutenção da relação laboral justificando a sanção disciplinar aplicada à Autora.
(…)”

Dos termos do que agora se extractou, limpidamente se extrai que não corresponde à realidade que, para o acórdão sindicado, bastou a objectiva ocorrência de dez faltas interpoladas para justificar a sanção disciplinar que veio a ser imposta à autora.

Efectivamente, naquela peça processual foram efectuadas considerações sobre a gravidade do comportamento da recorrente e das consequências que um tal comportamento reflectiria no âmbito das relações laborais havidas entre ela e a recorrida, perspectivada esta como um «empregador» normal e razoável.

Sufragam-se as considerações exaradas no aresto impugnado que, no ponto em causa, têm a anuência deste Supremo Tribunal.

De onde a improcedência das «conclusões» 7 a 12 da alegação.

III


Perante o exposto, nega-se a revista.

Custas pela impugnante.


Lisboa, 25 de Junho de 2008


Bravo Serra (Relator)
Mário Pereira
Sousa Peixoto (com declaração de voto)*


*DECLARAÇÃO DE VOTO

Não subscrevemos a fundamentação do acórdão na parte em que se diz que o n.º 4 do art.º 411.º do Código do Trabalho (C.T.) não exige, ao menos na sua literalidade, o conhecimento pelo trabalhador do que consta da nota de culpa, para efeitos da interrupção do prazo aludido no n.º 1 do art.º 372.º do mesmo Código, ou seja, para efeitos de caducidade do procedimento disciplinar.

Na verdade, dispondo o n.º 4 do art.º 441.º que “[a] comunicação da nota de culpa interrompe a contagem do prazos estabelecidos no art.º 372.º”e tendo essa comunicação um destinatário, não vemos como possa haver dúvidas acerca da natureza receptícia de tal comunicação, face ao disposto no art.º 224.º, n.º 1, do C.C, nos termos do qual “[a] declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida (..)”.

No sentido de que a comunicação da nota de culpa constitui uma declaração recipienda, vide, por ex., Pedro Romano Martinez (citado no acórdão) e Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, Cascais 1999, p. 87).

Se o legislador tivesse querido que a data relevante para a interrupção dos prazos do art.º 372.º (prazo de prescrição da infracção disciplinar e prazo de caducidade do procedimento disciplinar) era a da expedição da comunicação, certamente que o teria dito de forma bem diferente, por ser de presumir sabe exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9.º, n.º 3, do C.C.).

Deste modo, em nossa opinião, o prazo de caducidade do procedimento disciplinar só se interrompe quando a nota de culpa chega ao conhecimento do trabalhador ou quando é dele conhecida (art.º 224.º, n.º 1, do CC), ou, ainda, quando só por culpa dele não foi oportunamente recebida (art.º 224.º, n.º 2, do CC).

E, sendo assim, a primeira carta, envida à autora em 4.2.2005 e por ela não reclamada, não seria suficiente para julgar improcedente a excepção de caducidade do procedimento disciplinar invocada pela autora, uma vez que a factualidade dada como provada não permite concluir que a carta não foi reclamada por culpa sua, sendo que o ónus de alegar e provar que a carta não foi reclamada por culpa da autora impedia sobre a ré, por constituir um facto impeditivo da caducidade do procedimento disciplinar invocada pela autora (art.º 342.º, n.º 2, do C.C.).

Todavia, o mesmo não acontece relativamente à segunda carta, pois, embora se desconheça a data em que a data em que a mesma foi efectivamente recebida pela autora, é indiscutível que tal aconteceu, como se diz no acórdão, antes do aludido prazo de caducidade ter decorrido completamente, uma vez que a resposta por ela apresentada à nota de culpa está datada de 17.2.2005 (vide fls. 93 dos autos, para que a al. j) da matéria de facto remete).

Lisboa, 25.6.2008


(Sousa Peixoto)