Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5248/17.6T8BRG.G1.S2
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
RESOLUÇÃO BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
JUROS DE MORA
CRÉDITO ILÍQUIDO
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

II. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa).

III. Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na omissão de informação e/ou prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente ao capital investido com a subscrição do produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

IV. É aplicar a 2ª parte do n.º 3 do art.º 805º do Código Civil, importando a condenação em juros de mora a contar desde a citação, quando está em causa a violação dos deveres de informação que convoca a aplicação das regras da responsabilidade extracontratual, todavia, mesmo concebendo que se está no âmbito da responsabilidade contratual, importa ter presente o direito substantivo civil - 1ª parte do n.º 3 do art.º 805º do Código Civil – ao estabelecer que não há mora enquanto o crédito não se tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

1. AA, BB, CC e DD intentaram a presente ação declarativa comum, contra Novo Banco, S.A., pedindo a condenação deste a pagar-lhes: a) O montante ilíquido correspondente à diferença entre € 571.250,00 e o valor que os AA. venham a receber no processo de liquidação do BES; b) O montante ilíquido pelos danos na indisponibilidade do dinheiro, correspondente à taxa média anual de juro de depósitos a prazo de particulares contado: desde 15/01/2016 a 14/01/2017, sobre o montante de € 23.750,00; desde 15/01/2017 a 14/01/2018, sobre o montante de € 47.500,00 e desde 15/01/2018 até à data da liquidação do montante referido na alínea a), sobre o montante de € 571.250,00; c) Juros de mora cíveis, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Articularam, com utilidade, que em Reunião Extraordinária do Conselho de Administração de 3 de agosto de 2014, deliberou o Banco de Portugal a aplicação da medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A. (doravante BES) e a constituição de um banco de transição, o Novo Banco, S.A. (doravante NB), ficando o Fundo de Resolução como detentor único do capital social dessa nova instituição, a quem caberia a respetiva capitalização, com financiamento do Estado;

Deliberou-se, ainda, transferir a totalidade da atividade prosseguida pelo BES para o NB, bem como um conjunto dos seus ativos e passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, identificados no Anexo 2 da referida deliberação do Banco de Portugal, no qual se incluíam as obrigações de dívida não subordinada emitidas originariamente pelo BES;

Na referida deliberação do Banco de Portugal ficou previsto um Poder de Retransmissão, através do qual “o Banco de Portugal podia a todo tempo transferir ou retransmitir, entre o BES e o NB, ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do artigo 145º-H, número 5”;

Face ao apuramento da real situação do BES, em Reunião do Conselho de Administração de 29 de dezembro de 2015, o Banco de Portugal viria a fazer uso daquele Poder de Retransmissão, tendo deliberado retransmitir do NB para o BES os instrumentos de dívida não subordinada originariamente emitidos pelo BES, diretamente a investidores qualificados e não a investidores a retalho (obrigações sénior), enunciados no art.º 8º da petição inicial;

Sempre foi do conhecimento do Réu que as referidas obrigações sénior estavam sujeitas a ser retransmitidas do NB. para o BES, bem como era conhecimento daquele que, pelo menos desde o final de 2014, havia uma probabilidade séria do Banco de Portugal fazer uso do Poder de Retransmissão de determinados passivos do NB para o BES;

Ao abrigo da medida de resolução de 3 de agosto de 2014, os titulares daquelas obrigações sénior, tinham garantido o reembolso sobre o NB da totalidade do capital bem como da totalidade dos juros, na data dos respetivos vencimentos;

A partir da decisão de retransmissão de 29 de dezembro de 2015, os titulares daquelas obrigações sénior, passaram a ser credores comuns do BES, onde apenas têm uma expectativa de vir a recuperar 31,7% da totalidade do seu crédito, em data ainda não previsível, estando o processo judicial de liquidação do BES a correr termos na ... Secção de Comércio da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca ...;

Os Autores foram clientes do BES, encontrando-se a conta de depósitos à ordem que ali possuíam domiciliada no balcão BES - Private Bank do ...;

Com a medida de resolução aplicada ao BES, mantiveram-se titulares dessa conta, que foi transferida para o NB, estando domiciliada no Centro Private ...;

Os Autores, quer no BES, quer no NB, eram considerados como investidores não qualificados de perfil moderado baixo, tendo ao longo dessa relação bancária, optado por investir em produtos que assegurassem o retorno de capital e pagamento de juros, sobretudo depósitos a prazo;

Tinham como gestor de conta o funcionário do Réu, EE, que, em outubro de 2015, lhes sugeriu que investissem na compra de obrigações sénior do NB, com a taxa de juro anual de 4,75% e vencimento em 15/01/2018;

Porém, o mencionado gestor de conta EE não explicou aos Autores que aquelas obrigações haviam sido emitidas originariamente pelo BES e se dirigiam a investidores qualificados e não a investidores a retalho, nem que poderiam ser objeto de eventual retransmissão para o BES por deliberação do Banco de Portugal, para além de que não entregou aos Autores o prospeto da emissão das obrigações ou qualquer outra ficha técnica informativa;

Nessa ignorância, em 28/10/2015, os Autores emitiram ao NB uma ordem de compra de obrigações identificadas como sendo do “Novo Banco, S.A.”, no montante nominal de € 500.000,00, tendo o R., nessa mesma data, adquirido para os AA., pelo valor de liquidação de € 482.648,90, tais obrigações de que estes passaram a ser titulares;

Com a aquisição desse produto financeiro, os Autores teriam direito a que o NB lhes pagasse anualmente, em 15/01/2016, em 15/01/2017 e em 15/01/2018, a quantia de € 23.750,00 a título de juros, num total de € 71.250,00 e em 15/01/2018 tinham direito a serem reembolsados da totalidade do montante obrigacionista de € 500.000,00;

Se os Autores soubessem que as obrigações haviam sido originariamente emitidas pelo BES, ou que estavam sujeitas a retransmissão, ou que eram dirigidas a investidores qualificados, nunca teriam dado aquela ordem de compra;

Por carta datada de 19/01/2016, o Banco Réu comunicou aos Autores que, por força da deliberação de retransmissão tomada pelo Banco de Portugal em 29/12/2015, deixava de ter qualquer responsabilidade pelo pagamento das obrigações de que eles eram titulares, passando os mesmos a ser credores do BES;

Desde a data da compra das obrigações, os Autores não receberam quaisquer juros e mantêm a indisponibilidade do capital, sendo que tal investimento lhes acarretará um prejuízo de quantia ainda ilíquida correspondente à diferença entre o valor de € 571.250,00 e o montante que venham a receber no mencionado processo de liquidação do BES, onde reclamaram o seu crédito, a que acrescem as quantias que já deviam ter sido satisfeitas, ao valor médio dos juros dos depósitos a prazo a contar desde a data do vencimento daquelas.

2. Regularmente citado, contestou o Banco, Réu impugnando parcialmente a versão descrita na petição inicial (quanto ao perfil de investidor dos Autores e no que se reporta à não advertência dos Autores. de que o investimento em causa não era adequado ao seu perfil, por se tratarem de instrumentos financeiros complexos e ao conhecimento por parte do Réu da probabilidade do Banco de Portugal fazer uso do Poder de Retransmissão), admitindo, porém, que não transmitiu que as obrigações tinham sido originariamente emitidas pelo BES, contextualizando que, segundo ele, em consequência do estabelecido na medida de resolução, o devedor do reembolso e pagamento do cupão era o NB, ou seja, para efeitos do risco de liquidez, aquilo que relevava era a entidade responsável pelo pagamento de cupão e pelo reembolso de capital - o aqui Réu - e não o emitente original das obrigações.

Rematou o Réu dizendo que inexistiu omissão de informação relevante aos Autores, tendo o seu colaborador EE atuado com o cuidado exigível (o qual inclusive desenvolveu diligências internas e junto do cliente no sentido de o elucidar sobre as características do produto), ilidindo-se, assim, a presunção de culpa que o onera.

Outrossim, sustentou que a conduta causal do prejuízo verificado na esfera dos Autores não consiste no comportamento do Réu através do seu colaborador EE, mas sim num ato do Banco de Portugal corporizado na Deliberação do seu Conselho de Administração de 29/12/2015, que constituiu uma circunstância anormal e extraordinária, o que impede a possibilidade de formulação de nexo de causalidade, tanto mais que no momento em que a intermediação do investimento teve lugar já tinha decorrido um ano e dois meses desde a data da medida de resolução aplicada ao BES e o perímetro da transferência de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES para o Réu já se encontrava relativamente cristalizado.

Conclui, defendendo a inexistência da invocada responsabilidade civil do Réu, seja por ausência de preenchimento do pressuposto “ilicitude”, seja porque a presunção de culpa prevista no artº. 304º-A, n.º 2 do Código dos Valores Mobiliários (doravante CVM) se deveria sempre considerar ilidida, seja porque a atuação do Réu em discussão nestes autos não foi, nem nunca poderia ter sido, causa dos danos que os Autores alegam ter sofrido, pugnando pela improcedência da ação e sua absolvição do pedido.

3. Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador onde se procedeu ao saneamento da ação, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova, que não sofreram reclamações.

4. Na sequência do despacho proferido na audiência prévia, veio o Banco de Portugal juntar aos autos um CD contendo o ficheiro do processo administrativo instrutor da Deliberação do seu Conselho de Administração de 29/12/2015 (denominada "Deliberação Retransmissão"), composto por 3675 páginas, expurgado das partes que contêm matérias legalmente sujeitas a sigilo bancário, tendo no seu ofício de fls. 103 a 105 feito um breve enquadramento jurídico e factual da referida Deliberação.

5. Em 4 de abril de 2018 vieram os Autores pronunciar-se sobre a documentação que integra o aludido processo administrativo do Banco de Portugal junto aos autos e requerer que aquela entidade prestasse os esclarecimentos por eles enunciados.

6. Por requerimento com a refª. ...55, veio o Réu responder ao requerimento apresentado pelos Autores em 4 de abril de 2018, impugnando as ilações que os Autores retiram da referida documentação junta aos autos pelo Banco de Portugal, fazendo a sua apreciação dos aludidos documentos, e considerando que as informações pretendidas pelos Autores já resultam da documentação junta ao processo.

7. Através do seu ofício de fls. 122 a 124, veio o Banco de Portugal prestar os esclarecimentos pretendidos pelos Autores, na sequência do determinado por despacho de fls. 118 dos autos.

8. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, após o que foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência:

1. Condenou o Novo Banco, S.A. a pagar aos Autores AA, BB, CC e DD:

a. A diferença entre € 571.250,00 (quinhentos e setenta e um mil duzentos e cinquenta euros) e o que venham a receber no processo de liquidação do BES;

b. Os juros de mora legais contados desde a citação até integral pagamento.

2. Absolveu o Novo Banco, S.A. do restante peticionado.


9. Inconformado, o Réu/Novo Banco, S.A. recorreu de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão, confirmando a sentença proferida em 1ª Instância.

10. Novamente irresignado, o Réu/Novo Banco, S.A. insurgiu-se contra a decisão proferida em 2.ª Instância, tendo interposto recurso de revista excecional, entretanto admitida, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A. Nos termos do CVM, a existência de deveres de informação no âmbito da intermediação financeira decorre, em termos programáticos, do artigo 312.º do CVM, por referência a uma série de realidades previstas nas diversas alíneas do seu n.º 1, na redacção em vigor à data da execução da ordem de compra;

B. O conteúdo específico do dever de informação em cada uma daquelas realidades se encontrava definido em termos abstractos nos artigos 312.º-A a 312.º-G do CVM, também na redacção em vigor à data da execução da ordem de compra,

C. O conteúdo específico do dever de informação varia de forma relevante em função de cada caso concreto, porquanto o n.º 2 do artigo 312.º do CVM estabelece que “[a] extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente”;

D. No caso concreto, o Recorrente entende que não lhe era exigível, nem a qualquer outro intermediário financeiro, que tivesse transmitido especificamente aos Recorridos, em Outubro de 2015, que as obrigações que os mesmos pretendiam comprar tinham sido originalmente emitidas pelo BES e que estavam hipoteticamente sujeitas ao exercício de um poder previsto na Lei por parte do BdP;

E. O que decorre, na sua perspectiva:

(a) Da circunstância de os Recorridos já terem anteriormente investido em produtos com risco, inclusivamente com risco superior ao das obrigações aqui em causa;

(b) Do facto de as respostas dadas pelos Recorridos ao questionário de perfil de investidor terem conduzido à sua qualificação como investidores moderados, categoria definida como “[i]nvestidor que está disposto a assumir um risco considerável nos investimentos, de modo a potenciar um crescimento sustentado do capital aplicado a médio e longo prazo”;

(c) Do facto de as deliberações subjacentes à Medida de Resolução, incluindo expressamente o poder de retransmissão - objecto de expressa consagração legal - e a transmissão de passivos do BES para o Réu terem sido, ao longo do tempo, tornadas públicas pelo BdP, além de abordadas, diariamente, em toda a comunicação social;

(d) Da circunstância – menos relevante para efeitos deste momento da exposição – de a retransmissão das obrigações aqui em causa não ter tido lugar durante cerca de um ano após a conclusão da Auditoria, nem ter sido abordada como possível mecanismo de reequilíbrio dos ratios do Recorrente por parte do BdP; e

(e) Do facto de o próprio Recorrente ser titular de obrigações igualmente retransmitidas para o BES.

F. Neste caso o que está em causa é a mera execução de uma ordem de compra emitida pelos Recorridos, tendente à aquisição das obrigações em mercado secundário;

G. Neste caso, portanto, ao contrário de uma conduta proactiva de promoção e colocação do instrumento financeiro por parte do Recorrente, o que houve foi uma conduta proactiva dos Recorridos tendente à concretização do investimento;

H. O Recorrente, colocado perante uma ordem de compra devidamente emitida e não havendo, nem o dever, nem a faculdade, de recusar a sua execução (vide artigo 326.º, n.os 1 e 2 do CVM), limitou-se a cumprir a sua obrigação de executar a referida ordem;

I. É fundamental que se compreenda qual o posicionamento deste Colendo Tribunal a propósito da questão a que nos reportamos, não por referência a todas as circunstâncias que, no caso concreto, na perspectiva do Recorrente, não impunham a menção perante os Recorridos daquelas duas circunstâncias concretas (emissão pelo BES e hipotética retransmissão), mas sim por referência ao impacto que (i) o histórico de investimentos de cada cliente, (ii) o perfil de investimento que lhe tenha sido atribuído e, também, (iii) a informação publicamente disponível com potencial relevância no caso concreto, devem ter no conteúdo dos deveres de informação de um intermediário financeiro.

J. É também fundamental que se compreenda se, do ponto de vista deste Colendo Tribunal, na intermediação financeira de uma aquisição de instrumentos financeiros em mercado secundário os deveres de informação do intermediário financeiro têm a mesma intensidade que numa subscrição em mercado primário, ou se, nestes casos, o dever de execução de uma ordem de compra validamente emitida por um cliente deve prevalecer, em termos de intensidade, sobre o dever de informação quanto a circunstâncias de conhecimento público e notório;

K. Especialmente quando, como in casu, não há qualquer dever, nem sequer faculdade, de recusar a execução dessa ordem nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 326.º, n.os 1 e 2, do CVM;

L. Nessa medida, as questões jurídicas em discussão nestes autos dispõem de relevância suficiente para se considerar que as mesmas são fundamentais para a boa aplicação do Direito, o que se requer a V. Exas. que confirmem, por via da admissão do presente Recurso de Revista Excepcional, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC.

M. O Tribunal a quo parece ter apreciado a questão à luz da exigência de objectividade da informação prevista no artigo 7.º, n.º 1, do CVM, porém, cremos que em lapso, porquanto uma coisa é a natureza da informação efectivamente prestada ser objectiva – quanto a essa exigência não temos dúvidas –, outra completamente diversa é a natureza da aferição, por parte do intermediário financeiro, quanto às informações que, em cada caso concreto e de acordo com as respectivas circunstâncias, se exige que sejam prestadas ao cliente;

N. Esta última tem, forçosamente, de ser uma aferição subjectiva, porquanto se encontra dependente dos conhecimentos e da experiência do cliente em causa, sendo que, no caso concreto, os Recorridos eram investidores de perfil moderado;

O. Para efeitos deste recurso, essa aferição por parte do Recorrente sobre a informação que se exigia que fosse prestada aos Recorridos só pode relevar em sede de culpa e não, como pareceu entender o Tribunal a quo, em sede de ilicitude.

P. Em face dessas circunstâncias, do ponto de vista do Recorrente, o exercício do poder de retransmissão era uma possibilidade meramente teórica apesar de o mesmo constar das normas relevantes do RGICSF, bem como da própria deliberação de resolução de 3 de agosto de 2014, que é pública;

Q. Não foi discutido com o BdP o exercício do poder de retransmissão, ou qualquer intervenção no perímetro da transferência de activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BES para o Recorrente, não obstante já fossem conhecidas desde dezembro de 2014 as conclusões da Auditoria, à qual o eventual exercício do poder de retransmissão tinha ficado especialmente sujeito;

R. Essa é a razão pela qual o facto de as obrigações terem sido emitidas originalmente pelo BES se afigurava, para o Recorrente, uma informação inexigível, na medida em que era o Recorrente, e não o BES, o seu devedor à data da aquisição pelos Recorridos, mais de um ano e meio após a Medida de Resolução;

S. Além de que o poder de retransmissão de activos e passivos que competia ao BdP se encontrava expressamente previsto na Lei, cuja ignorância não isenta os destinatários dos respectivos efeitos (vide artigo 6.º do Código Civil);

T. A possibilidade de retransmissão, como hipótese meramente teórica que era à data, e não tendo o Recorrente qualquer indício ou sugestão que a mesma pudesse vir a ter lugar, não se tratava sequer de um “risco especial” das obrigações, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 312.º, n.º 1, alínea e), do CVM (na redacção em vigor à data da execução da ordem de compra), que se justificasse mencionar expressamente aos Recorridos;

U. Tudo ponderado, crê-se que o Tribunal a quo incorreu em erro de interpretação das normas aplicáveis, em particular as previstas nos artigos 304.º-A, n.º 2 e 312.º, n.º 1, alínea e) e n.º 2, todos do CVM, relevante enquanto fundamento do recurso conforme previsto no artigo 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC;

V. O qual deve ser relevado por V. Exas., revertendo-se a decisão proferida no sentido de se considerar que, (i) não só as circunstâncias em causa não se encontravam incluídas no leque de informações que era exigível do Recorrente ter transmitido aos Recorridos, nomeadamente por via da alínea e) do n.º 1 do artigo 312.º do CVM, como, ainda que assim não fosse, (ii) a diligência do Recorrente não merece censura subjectiva, devendo considerar-se ilidida a presunção de culpa prevista no artigo 304.º-A, n.º 2, do CVM;

W. Ainda que se considerasse que as obrigações apenas foram adquiridas em virtude de as duas circunstâncias a que nos vimos reportando não terem sido expressamente transmitidas aos Recorridos, o que apenas se equaciona por dever de patrocínio, sem conceder, daí não decorreria, por si só, qualquer prejuízo para os Recorridos;

X. Não fosse a retransmissão determinada pelo BdP, o Recorrente ter-se-ia mantido como devedor e teria cumprido, como sempre cumpriu, as suas obrigações perante os Recorridos e todos os demais credores;

Y. Daí decorre que, à luz de um juízo de normalidade e de razoabilidade – que é aquele que deve nortear a aferição da verificação de um nexo de causalidade juridicamente relevante –, o facto de tais informações não terem sido transmitidas aos Recorridos não podia, à data da aquisição, ser considerada uma causa adequada, necessária e suficiente dos prejuízos que os Recorridos aqui alegaram;

Z. Perante tudo o exposto, ao ter considerado preenchido o requisito nexo de causalidade, o Tribunal a quo cometeu outro erro de interpretação das normas aplicáveis, designadamente a prevista no artigo 563.º do Código Civil, também ele relevante enquanto fundamento do recurso conforme previsto no artigo 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC;

AA. O artigo 304.º-A do CVM constitui um regime autónomo, próprio e completo de responsabilidade civil, em nosso entender muito mais próximo teleologicamente da responsabilidade contratual (refira-se, por exemplo, a paradigmática presunção de culpa), devendo, portanto, prevalecer perante o artigo 483.º do Código Civil;

BB. O Tribunal a quo terá confundido a imputação de uma alegada responsabilidade civil ao Recorrente com a imputação da natureza ilíquida da obrigação de indemnização que dessa responsabilidade resulta;

CC. A razão pela qual a referida obrigação ainda não foi liquidada se prende com a possibilidade de parte dos danos alegados vir a ser ressarcida no âmbito da liquidação do BES;

DD. E a razão para se desconhecer à data de hoje qual o valor daquele potencial ressarcimento é apenas a circunstância de aquele processo de liquidação do BES ainda não se encontrar concluído;

EE. Ora, (i) não sendo o Recorrente responsável pelo processo de liquidação do BES, (ii) não tendo qualquer competência ou faculdade de o impulsionar, e (iii) não sendo, portanto, responsável pelo facto de o mesmo não se encontrar concluído, ee que forma é que se poderia – como o fez o Tribunal a quo – imputar ao Recorrente a natureza ilíquida da obrigação de indemnização em que o mesmo se encontra nesta data condenado?

FF. Se a “conduta danosa imputável ao Recorrente” foi, no entender do Tribunal a quo, a omissão de determinadas circunstâncias no âmbito da intermediação de um investimento, para que se possa dizer que a iliquidez do crédito é consequência da mesma, seria necessário que entre uma coisa e outra existisse um nexo de causalidade relevante;

GG. Ou seja, que teria sido a circunstância de o Recorrente não ter referido determinadas circunstâncias aos Recorridos no âmbito da intermediação a causa para o facto de o processo de liquidação do BES não se encontrar, ainda, terminado;

HH. Uma condenação nestes termos levanta um outro problema: se o Recorrente pretendesse, nesta data, proceder ao pagamento de uma indemnização, não saberia qual o valor concreto a liquidar, e nem sequer poderia calcular os juros, precisamente porque a base de cálculo, nesta data, não existe;

II. Uma condenação nos termos em que teve lugar impõe ao Recorrente que se mantenha inerte até à conclusão do processo de liquidação do BES, ao mesmo tempo que o obriga a permitir a acumulação de juros de mora, os quais, por natureza, são a sanção aplicável à inadimplência censurável de quem não paga porque não quer, e não de quem não paga porque não tem como apurar o valor a pagar;

JJ. Tendo em conta a natureza sancionatória dos juros de mora, apenas faria sentido que o Recorrente fosse sancionado com a falta de pagamento a partir do momento em que a sua obrigação se tornasse líquida, regime que se encontra perfeitamente alinhado com a primeira parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil;

KK. Assim, requer-se a V. Exas. que revoguem, nesta parte, a decisão do Tribunal a quo e que determinem que a contagem dos juros de mora, na eventualidade de vir a ser relevante, nunca tenha lugar antes da conclusão do processo de liquidação do BES e, portanto, antes de o Recorrente ter como calcular o valor concreto da indemnização em que vem condenado;

LL. Aplicando-se, como o devia ter feito o Tribunal a quo no Acórdão recorrido, a primeira parte (e não a segunda) do disposto no n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil, sendo que ao não o ter feito o Tribunal a quo incorreu em mais uma violação da lei substantiva, por erro na determinação da norma aplicável – a norma aplicável seria a prevista no artigo 805.º, n.º 3, primeira parte, do Código Civil –, erro esse que é relevante enquanto fundamento do recurso conforme previsto no artigo 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC.

Termos em que: A. Deve ser admitido o presente Recurso de Revista Excepcional, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC, atendendo à relevância da questão relativa ao concreto conteúdo dos deveres de informação que impendem sobre os intermediários financeiros; E, assim: B. Deve ser o presente recurso de Revista Excepcional julgado totalmente procedente por V. Exas., por violação de lei substantiva, pelo Tribunal a quo, nomeadamente por erros na interpretação do disposto nos artigos 304.º-A, e 312.º, n.º 2, do CVM, bem como do artigo 563.º do Código Civil, e ainda por erro na determinação da norma ao não considerar aplicável a primeira parte – não excepcionada – do disposto no artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil; e, em consequência C. Deve ser o Recorrente integralmente absolvido do pedido formulado pelos Recorridos, fazendo-se, apenas desta forma, a costumada JUSTIÇA!”

11. Os Recorridos/Autores/AA e outros apresentaram contra-alegações, pugnando que seja julgado totalmente improcedente o presente recurso.

12. Foram os autos suspensos até ao trânsito em julgado dos autos pendentes para uniformização de jurisprudência, atinente à responsabilidade dos intermediários financeiros, por via do recurso admitido no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.

13. Os aludidos autos para uniformização de jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, já transitaram em julgado.

14. Foram dispensados os vistos.

15. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. As questões a resolver, recortadas das alegações apresentadas pelo Recorrente/Réu/Novo Banco, S.A., consistem em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem, outrossim, e em todo o caso, tendo em conta a natureza sancionatória dos juros de mora, apenas faria sentido que o Réu/Novo Banco, S.A. fosse sancionado com a falta de pagamento, a partir do momento em que a sua obrigação se tornasse líquida, donde, a decisão do Tribunal recorrido que determinou que a contagem dos juros de mora, na eventualidade de vir a ser relevante, nunca deveria ter lugar antes da conclusão do processo de liquidação do Banco Espirito Santo, S.A., e, portanto, antes de o Réu/Novo Banco, S.A. ter como calcular o valor concreto da indemnização em que seja condenado?


II. 2. Da Matéria de Facto


Factos Provados:

“a. Em reunião extraordinária do Conselho de Administração de 03.08.2014, o Banco de Portugal deliberou a aplicação da medida de resolução ao BES com a criação de um banco de transição, o NB, com os fundamentos que constam da ata que consta de fls. 13 a 17.

b. Bem assim, foi deliberado transferir para o NB, SA, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, SA, enumerados no Anexo 2 a essa deliberação, que consta de fls. 23 a 24 [als. a) a e)].

c. No Anexo 2 a essa deliberação do Banco de Portugal, foi previsto que “[a]pós a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo tempo transferir ou retransmitir, entre o BES e o Novo Banco, SA, activos, passivos, elementos patrimoniais e activos sob gestão, nos termos do artigo 145º. H, número 5”.

d. Foi ainda deliberado, no ponto 3, designar a P..., Lda., para a avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o NB.

e. Em reunião do Conselho de Administração de 29.12.2015, o Banco de Portugal deliberou retransmitir do NB para o BES os seguintes instrumentos de dívida não subordinada originariamente emitidos pelo BES, diretamente a investidores qualificados e não a investidores a retalho:

      ISIN
            Descrição
Divisa
    Tipo
PT...10Obrigações Sénior NB 6,875% venc. Julho 2016EUR
    Sénior
PT...16Obrigações Sénior NB 6,9% venc. Junho 2024EUR
    Sénior
PT...15Obrigações Sénior NB 4,75% venc. Jan. 2018EUR
    Sénior
PT...12Obrigações Sénior NB 4,0% venc. Jan. 2019EUR
    Sénior
PT...19Obrigações Sénior NB 2,625% venc. Maio 2017EUR
    Sénior
f.     Consta, nessa deliberação, cujo conteúdo está extratado a fls. 20 a 21 [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “fls. 26vº a 28” em face da paginação que consta dos autos], no item 9., que “os activos transferidos para o Novo Banco tinham um valor inferior ao valor contabilístico ajustado, com base no qual se determinou o correspondente valor das responsabilidades do BES a transferir para o Novo Banco, através da Deliberação de 3 de Agosto”.

g. E, nos itens 10., 11. e 14., que “[s]e os referidos factos fossem conhecidos e as imparidades e ajustamentos tivessem sido identificados em data anterior a 3 de agosto de 2014, o valor contabilístico ajustado atribuído aos ativos correspondentes do BES teria sido inferior e, em conformidade, o montante de responsabilidades transferido para o Novo Banco teria sido inferior./ 11. Nas contas reportadas a 31 de Dezembro de 2014, o Novo Banco reconheceu imparidades e ajustamentos negativos negociais, imputáveis a factos anteriores a 3 de agosto de 2014, no montante aproximado de 699 milhões de euros. Nas contas reportadas ao primeiro semestre de 2015, o Novo Banco reconheceu imparidades e ajustamentos negativos adicionais, imputáveis a factos anteriores a 3 de agosto de 2014, no montante aproximado de euros 270 m. (…) 14. (…) o nível real de prejuízos do BES a 3 de agosto de 2014 não foi integralmente absorvido pelos acionistas e credores do BES, tendo o nível dos passivos transferidos para o Novo Banco em 3 de agosto de 2014 sido excessivo, atendendo ao valor real dos ativos correspondentes transferidos para o Novo Banco.”

h. Sempre foi conhecimento do Réu que as referidas obrigações sénior estavam sujeitas a ser retransmitidas do NB para o BES.

i. O processo judicial de liquidação do BES corre termos na ... Secção de Comércio da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o n.º 18588/16.2T8LSB, tendo o edital de publicidade de despacho de prosseguimento e citação de credores e outros interessados sido afixado apenas em 26.07.2016.

j. O Réu é uma instituição de crédito, cuja atividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria, dedicando-se ainda à atividade de intermediação financeira.

k. Os Autores foram clientes do BES e titulares da conta de depósitos à ordem n.º ...39, domiciliada no balcão BES - Private Bank do ....

l. Sendo o funcionário do Réu EE o seu gestor, com quem os Autores, na pessoa do Autor AA, se aconselhavam e mantinham uma relação de confiança.

m. Com a medida de resolução aplicada ao BES, os Autores mantiveram-se titulares da aludida conta à ordem n.º ...39 que foi transferida para o NB, onde permaneceu o aludido gestor EE, passando a agência a denominar-se NB – Centro Private ....

n. Nenhum dos Autores se encontra ou encontrava caracterizado no NB com a categoria de investidor qualificado.

o. Os Autores, quer no BES, quer no NB, eram considerados como investidores não qualificados de perfil moderado.

p. Embora através da sua conta à ordem n.º ...39, os Autores procedessem a várias aplicações de índole financeira, optavam por produtos que assegurassem o retorno de capital e pagamento de juros, sobretudo depósitos a prazo.

q. Os Autores não investiam em ações, nem em obrigações subordinadas, nem noutros produtos financeiros de idêntico risco e mais expostos a variações bolsistas, especialmente estando em causa valores elevados.

r. Os Autores não tiveram quaisquer perdas aquando da resolução do BES.

s. Alguns meses antes da medida de resolução e durante alguns meses depois, num período de cerca de um ano, os Autores, por prevenção, reduziram os seus ativos no BES e depois no NB.

t. O gestor EE sugeriu aos Autores que investissem na compra de obrigações sénior do NB, com o código ISIN ...15, cuja taxa de juro anual era de 4,75%, vencendo-se o montante obrigacionista em 15.01.2018.

u. O mencionado gestor de conta EE não explicou aos Autores que aquelas obrigações do NB haviam sido emitidas originariamente pelo BES.

v. Nem explicou aos Autores que, tendo aquelas obrigações sido transmitidas ao NB, no âmbito da medida de resolução, estavam sujeitas a eventual retransmissão para o BES.

w. Nem explicou aos Autores que aquelas obrigações haviam sido originariamente emitidas pelo BES diretamente a investidores qualificados e não a investidores a retalho.

x. O mencionado gestor de conta tão pouco entregou aos Autores o prospeto da emissão das obrigações ISIN ...15 ou qualquer outra ficha técnica informativa.

y. Em 28.10.2015, os Autores emitiram ao NB, aqui Réu, uma ordem de compra de obrigações identificadas como sendo do «NOVO BANCO SA», com o código ISIN ...15, no montante nominal de € 500.000,00.

z. Tendo o Banco Réu, nessa mesma data, adquirido para os Autores, pelo valor de liquidação de € 482.648,90, com a taxa anual de 4,75%.

aa. Os Autores estavam convencidos que tinham adquirido obrigações originariamente emitidas pelo NB.

bb. Se os Autores soubessem que as obrigações haviam sido originariamente emitidas pelo BES ou se soubessem que estavam sujeitas a retransmissão nunca teriam dado aquela ordem de compra.

cc. Por carta datada de 19.01.2016, o Banco Réu comunicou ao AA o seguinte:

“Na sequência dos contactos realizados, cumpre-nos informar que, por deliberação de 29 de dezembro de 2015, o Banco de Portugal, determinou a retransmissão, do Novo Banco para o Banco Espírito Santo, das seguintes emissões de instrumento de dívida não subordinada: ISIN/DESCRIÇÃO - PT...10/Obrigações/Sénior/NB 6,875%, venc. Julho de 2016; PT...16/Obrigações/Sénior/NB 6,9%, venc. Junho de 2024; PT...15/Obrigações/Sénior/NB 4,75%, venc. Jan de 2018; PT...12/Obrigações/Sénior/NB 4,0%, venc. Jan de 2019; PT...19/Obrigações/Sénior/NB 2,625%, venc. Maio de 2017. (...) Em consequência, por força do regresso ao Banco Espírito Santo do passivo resultante das emissões de obrigações acima identificadas, os seus titulares à data de 29 de dezembro de 2015 (independentemente de serem, ou não, considerados como investidores qualificados) são credores do Banco Espírito Santo. Nos termos da deliberação do Banco de Portugal, o Novo Banco deixou de ter qualquer responsabilidade pelo pagamento das obrigações, devendo executá-la e promover todos os ajustamentos de natureza contabilística necessários para o efeito.”

dd. Até à presente data, nada receberam os Autores, nem de capital nem de juros, por conta daquelas obrigações sénior em que investiram, com o código ISIN ...15.

ee. Por causa e em consequência da omissão de informações por parte do Réu, os Autores adquiriram obrigações que de outra forma não teriam adquirido, cujo investimento lhes acarretará um prejuízo de quantia ainda ilíquida correspondente à diferença entre o montante de € 571.250,00 e o montante que venham a receber no mencionado processo de liquidação do BES.

ff. Onde os Autores reclamaram o respetivo crédito.

gg. Numa das suas deslocações à agência do Réu em ..., em outubro de 2015, o Autor AA manifestou interesse em investir o montante aqui em causa, tendo conversado com o colaborador do Réu que o atendeu sobre as possibilidades de investimento.

hh. Na sequência dessa conversa, acabou por solicitar a tal colaborador que contactasse o Centro Private ..., chegando assim à fala com EE, tendo sido nesse contexto que, pela primeira vez, se deu a intervenção deste no investimento.

ii. Nessa conversa telefónica, referiu-lhe o interesse em investir a quantia em discussão, informando-o de que o colaborador que o atendeu na agência ... lhe apresentou como uma possibilidade as obrigações NB, com cupão de 5% e maturidade 2019.

jj. Logo nessa primeira conversa, tendo confirmado que esse produto se encontrava disponível, EE sugeriu, desde logo, que seria conveniente falarem pessoalmente para analisarem em maior detalhe o investimento em causa, sugerindo que os Autores se deslocassem ao Centro Private ... para o efeito.

kk. O Autor referiu que não seria necessário reunir, uma vez que o colaborador que o atendeu na agência de ... já tinha prestado toda a informação, ao que EE respondeu que, ainda assim, tendo em conta que se tratava de um valor elevado, seria conveniente discutir o investimento em maior detalhe.

ll. Perante essa resposta, o Autor perguntou se EE não confiava no Réu e se tinha dúvidas quanto ao reembolso do investimento na maturidade, ao que este respondeu que confiava plenamente no Réu, tendo, de qualquer forma, insistido em que o investimento fosse discutido com os Autores de forma mais detalhada.

mm. No entretanto, EE informou-se sobre as referidas obrigações junto do Núcleo de Propostas de Investimento do Réu, que referiu que, pretendendo os Autores investir em obrigações NB, o mais aconselhável seria que o fizessem nas obrigações com cupão de 4,75% e maturidade em janeiro 2018,

nn. O que se deveu ao facto de tais obrigações terem grande liquidez no mercado secundário e serem mais facilmente transacionáveis junto de outros investidores se, antes da maturidade, os Autores pretendessem «desfazer-se» do investimento, ao passo que as obrigações a que os Autores inicialmente se referiram, com maturidade em 2019, tinham muito pouca liquidez em mercado secundário.

oo. Essa informação foi, então, transmitida e explicada por EE aos Autores, que a compreenderam e com ela concordaram, tendo então decidido proceder ao investimento em tais obrigações.”

Factos não provados:

“pp. Foi o gestor de conta que, em outubro de 2015, tomou a iniciativa de sugerir aos Autores que tornassem a investir mais no NB, pois que o mesmo, como era detido pela Banca Portuguesa com financiamento do Estado, dava todas as garantias como se fosse um banco do próprio Estado.

qq. Se os Autores soubessem que as obrigações se destinaram originariamente a investidores qualificados, nunca teriam dado a ordem de compra.

rr. Para além do aludido em ee., os Autores estão a ter e terão um prejuízo na perda de rendimento do dinheiro que se lhes encontra indisponibilizado, do montante de cada cupão que deveriam ter recebido e do montante obrigacionista de que seriam reembolsados, correspondente, pelo menos, à taxa de juro média de um depósito a prazo de particulares.”


II. 3. Do Direito


O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente/Novo Banco, S.A. não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

II. 3.1. O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem, outrossim, e em todo o caso, tendo em conta a natureza sancionatória dos juros de mora, apenas faria sentido que o Réu/Novo Banco, S.A. fosse sancionado com a falta de pagamento, a partir do momento em que a sua obrigação se tornasse líquida, donde, a decisão do Tribunal recorrido que determinou que a contagem dos juros de mora, na eventualidade de vir a ser relevante, nunca deveria ter lugar antes da conclusão do processo de liquidação do Banco Espirito Santo, S.A., e, portanto, antes de o Réu/Novo Banco, S.A. ter como calcular o valor concreto da indemnização em que seja condenado? (1)

3.1.1. Cotejado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal a quo, perante a facticidade demonstrada nos autos (reapreciada que foi a decisão de facto proferida em 1ª Instância que, aliás, não mereceu censura, mantendo-se inalterada), concluiu, no segmento decisório, pela confirmação da decisão proferida em 1ª Instância que condenou o Réu/Novo Banco, S.A. a pagar aos Autores, AA, BB, CC e DD: a. A diferença entre €571.250,00 (quinhentos e setenta e um mil duzentos e cinquenta euros) e o que venham a receber no processo de liquidação do BES; b. Os juros de mora legais contados desde a citação até integral pagamento; absolvendo o Réu, Novo Banco, S.A. do restante peticionado.

3.1.2. O aresto escrutinado apreendeu a real conflitualidade subjacente à demanda trazida a Juízo. Assim, acompanhando o objeto da apelação interposta pelo Réu/Novo Banco, S.A., apreciando os atos ou factos jurídicos donde emerge a sustentação do respetivo inconformismo, o Tribunal recorrido condensou o objeto do recurso, no que à presente revista interessa (qual seja, o segmento decisório de mérito a julgar a ação procedente, quanto ao Novo Banco, S.A., com fundamento na sua responsabilidade contratual, enquanto intermediário financeiro, circunscrevendo a respetiva apreciação às seguintes questões: IV. - A intermediação financeira e a responsabilidade civil do Banco Réu pelos danos causados aos clientes; V. - Da contagem dos juros de mora devidos aos Autores), proferindo aresto, fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo, que nos merece aprovação, o que desde já o afirmamos.

3.1.3. Tenhamos em atenção a pretensão jurídica dos Autores/AA e outros sustentada na circunstância de que as ajuizadas obrigações, adquiridas em 28 de Outubro de 2015, ou seja, já intermediadas pelo Réu/Novo Banco, S.A. (constituído em resultado da Medida de resolução do BES, S.A. decretada pelo BdP), foram retransmitidas do Novo Banco, S.A. para o BES, com inerente prejuízo para os demandantes, uma vez que este foi declarado insolvente, sendo que na intermediação, o Réu/Novo Banco, S.A. omitiu, não só a informação acerca do emitente originário, BES, bem como, da potencialidade da aludida retransmissão ao BES. entretanto verificada, violando os deveres de informação a que estava obrigado, enquanto intermediário financeiro, incumprindo o contrato ajuizado, sendo, por isso, responsável pelos danos causados e reclamados nos autos.

3.1.4. Os Tribunais já foram confrontados com diversas ações semelhantes à presente condizente com a intermediação financeira em que a instituição financeira acabou por desempenhar também a função de intermediário na colocação dos produtos financeiros.

Dessa função de intermediário emergiram diversos litígios que, como o presente, têm num dos polos investidores, mais ou menos qualificados, surgindo na posição de sujeito passiva a instituição financeira.

Um aspeto a reter é a legislação sobre os valores mobiliários e designadamente sobre a atividade e os deveres dos intermediários financeiros ter sofrido uma importante modificação na sequência da crise financeira de 2007, tendo sido desde logo alteradas as normas legais e os regulamentos (soft law) relacionados com a atividade de intermediação financeira, com especial destaque para a densificação do dever de informação perante cada cliente ou investidor, com alterações substancialmente inovadores, designadamente no que se refere ao reforço do dever de informação imposto a intermediários financeiros, sendo que a base jurídica essencial para a resolução de cada caso trazido a Juízo é integrada pelas normas do Código de Valores Mobiliários em vigor na data em que a operação financeira foi realizada

3.1.5. Elaborando o enquadramento jurídico que a facticidade demonstrada exige, diremos que o contrato de intermediação financeira encerra um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), relativo à prestação de atividades de intermediação financeira, enunciando-se, a propósito, que nos termos do n.º 1 do art.º 289.º do Código dos Valores Mobiliários (DL n.º 486/99, de 13 de Novembro, com sucessivas atualizações, nomeadamente, a Lei n.º 148/2015 de 9 de Setembro, em vigor à data dos factos articulados), são atividades de intermediação financeira: a) Os serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros; b) Os serviços auxiliares dos serviços e atividades de investimento; c) A gestão das seguintes instituições de investimento coletivo (…); d) O exercício das funções de depositário dos instrumentos financeiros que integram o património das instituições de investimento coletivo referidas na alínea anterior.” importando também dizer que nos termos do n.º 2 do citado normativo “Só os intermediários financeiros podem exercer, a título profissional, atividades de intermediação financeira”, sublinhando-se, outrossim, que os serviços e atividades de investimento compreendem “a) A receção e a transmissão de ordens por conta de outrem; b) A execução de ordens por conta de outrem; c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) A tomada firme e a colocação com ou sem garantia em oferta pública de distribuição; e) A negociação por conta própria; f) A consultoria para investimento; g) A gestão de sistema de negociação multilateral”, conforme textua o art.º 290º do Código dos Valores Mobiliários, acrescentando o n.º 2 deste preceito que “A recepção e transmissão de ordens por conta de outrem inclui a colocação em contacto de dois ou mais investidores com vista à realização de uma operação.”

O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando enunciar que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no Código dos Valores Mobiliários, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

Subsumida a facticidade apurada, não temos dificuldade em reconhecer, aliás, pacificamente aceite pelas partes, a celebração entre os Autores/AA e outros e o Réu/Novo Banco, S.A. (que além de ser uma instituição de crédito [que sucedeu ao Banco Espirito Santo, S.A. em razão da Medida de Resolução decretada pelo Banco de Portugal, adiante melhor detalhada] era também um intermediário financeiro, tratando da comercialização, aos seus balcões, nomeadamente, de obrigações do extinto Banco Espirito Santo, S.A., executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas), de um negócio jurídico, qualificado como contrato de intermediação financeira.

Sendo, pois, incontroversa, a qualificação jurídica do ajuizado negócio outorgado entre as partes, impõe-se saber e decidir, se o Banco/Réu/Novo Banco, S.A. violou, quanto aos Autores/AA e outros, deveres que sobre si impendiam, enquanto intermediário financeiro, aquando da aquisição, por estes, do produto financeiro articulado, e, consequentemente, apurar se o Banco/Réu/Novo Banco, S.A. é responsável pela pretensão jurídica arrogada nestes autos.

Neste particular, sublinhamos, desde já, que a extensão e a profundidade da informação, a cargo do intermediário financeiro, devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, o que, de resto, este Tribunal de recurso reconhece, e não questiona.

Colhemos do Código dos Valores Mobiliários que os intermediários financeiros, enquanto entidades que exercem, a título profissional, atividades de intermediação financeira, estão sujeitos a deveres de informação, sejam deveres comuns ou específicos do serviço de investimento/auxiliar que em cada caso concreto esteja em causa.

Enunciamos, de seguida, os normativos condizentes aos princípios que devem orientar os intermediários financeiros no exercício da sua atividade; os deveres de informação, mormente os deveres comuns, e, de igual modo; os preceitos legais atinentes à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, por danos causados a qualquer pessoa, em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

O art.º 304º do Código dos Valores Mobiliários estabelece os princípios que devem orientar a atividade dos intermediários financeiros:

“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário, sem prejuízo das exceções previstas na lei, nomeadamente o cumprimento do disposto no artigo 382.º

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração e às pessoas que dirigem efetivamente a atividade do intermediário financeiro ou do agente vinculado e aos colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de atividades de intermediação financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais à prestação de serviços de forma contínua e em condições de qualidade e eficiência.”

O art.º 312º do Código dos Valores Mobiliários, estatui, acerca dos princípios gerais do intermediário financeiro, concretamente os deveres de informação:

“1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:

a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;

b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de proteção que tal implica;

c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adotadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;

d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;

e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;

f) À sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;

g) À existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

h) Ao custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.

4 - A informação prevista no n.º 1 deve ser prestada por escrito ainda que sob forma padronizada.

5 - Sempre que, na presente subsecção, se estabelece que a informação deve ser prestada por escrito, a informação deve ser prestada em papel salvo se:

a) A prestação da informação noutro suporte seja adequada no contexto da relação, atual ou futura, entre o intermediário financeiro e o investidor; e

b) O investidor tenha expressamente escolhido a prestação da informação em suporte diferente do papel.

6 - Presume-se que a prestação de informação através de comunicação eletrónica é adequada ao contexto da relação entre o intermediário financeiro e o investidor quando este tenha indicado um endereço de correio eletrónico para a realização de contactos no âmbito daquela.

7 - A informação prevista nos artigos 312.º-C a 312.º-G pode ser prestada através de um sítio da Internet, se o investidor o tiver expressamente consentido e desde que:

a) A sua prestação nesse suporte seja adequada no contexto da relação, atual ou futura, entre o intermediário financeiro e o investidor;

b) O investidor tenha sido notificado, por via eletrónica, do endereço do sítio da Internet e do local no mesmo de acesso à informação;

c) Esteja continuamente acessível, por um período razoável para que o investidor a possa consultar.

Por seu turno, estabelece o art.º 312º A sobre a - Qualidade da informação- o art.º 312º B sobre - Momento da prestação de informação – o art.º 312º C sobre - Informação relativa ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados - o art.º 312º D sobre - Informação adicional relativa à gestão de carteiras – e o art.º 312º E sobre a Informação relativa aos instrumentos financeiros.

Ainda quanto ao dever de informação, o art.º 7º do Código dos Valores Mobiliários preceitua no seu n.º 1 “A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita”, no n.º 2 “O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.”, no n.º 3 “O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.” e no n.º 4 “ - À publicidade relativa a instrumentos financeiros e a atividades reguladas no presente Código é aplicável o regime geral da publicidade.”

De igual modo, refira-se que, em matéria de conflitos de interesses e realização de operações pessoais, o art.º 309º do Código dos Valores Mobiliários, relaciona os seguintes princípios gerais:

“1 - O intermediário financeiro deve organizar-se por forma a identificar possíveis conflitos de interesses e atuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco da sua ocorrência.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses do cliente, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de sociedades com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais ou dos de agente vinculado e dos colaboradores de ambos.

4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes deve pôr à disposição destes os instrumentos financeiros pelo mesmo preço por que os adquiriu.”

Ademais, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, prevenido no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de dezembro, com sucessivas alterações, concretamente o Decreto-Lei n.º 190/2015 de 10 de setembro, aplicável ao caso dos autos, impõe, nos seus artºs. 73º a 76º, às instituições de crédito, em quaisquer das atividades que pratiquem, que garantam aos seus clientes, superlativos graus de tecnicidade, provendo a respetiva organização com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência, devendo os seus administradores e empregados proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, pelos clientes, informando-os sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados, devendo sempre e em todo o caso, proceder com a diligência de um gestor criterioso.

Merecendo também, a este propósito, ser sublinhado o art.º 77.º, n.º 1, do consignado Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - que estatui:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes.”

Dos enunciados normativos importa reter que a relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objetiva, completa, verdadeira, atual, clara, e lícita, tendo em conta, sublinhamos, que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

Doutrina e Jurisprudência reconhecem, pacificamente, resultar dos enunciados preceitos legais, impor-se ao intermediário financeiro, para além do dever de informação, clara e relevante para a opção que se pretende tomar, o dever de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos do investidor, cliente, sendo certo que o dever contratual de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, resulta no dever de agir de boa-fé, neste sentido, Agostinho Cardoso Guedes, in, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil - Revista de Direito e Economia, Volume XIV, páginas 138 e139, Gonçalo Castilho dos Santos, in, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, página 76, 96 e 141, 2008, Almedina, e, por todos, na jurisprudência, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2018, in, www.dgsi.pt.

No que tange à responsabilidade civil do intermediário financeiro, por danos causados ao investidor em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, estabelece outrossim, o art.º 304º-A do Código dos Valores Mobiliários:

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Conforme decorre da lei, o dever de informação exigido ao intermediário financeiro inclui um dever de recolha de informação (sobre a experiência e o conhecimento do cliente em matéria de investimento), um dever de avaliação da adequação do investimento proposto ao cliente, com vista a prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

3.1.6. Necessariamente esta responsabilidade pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam, a demonstração do facto ilícito (traduzido na omissão da prestação de informação ou prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

3.1.7. Para o caso trazido a Juízo releva especialmente também o facto de mesmo para os casos de intermediação financeira ocorrido antes de 31 de outubro de 2007, ter sido uniformizada jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via do recurso admitido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que, a respeito do pressuposto da ilicitude, consignou a seguinte resposta uniformizadora:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.”

Outrossim, a propósito do pressuposto da responsabilidade civil atinente ao exigido nexo de causalidade entre o facto e o dano, decorre do enunciado acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que a demonstração desse nexo de causalidade constitui ónus do investidor, ainda que não qualificado, como resulta do ponto 1 do sumário do consignado AUJ, explanado nos pontos 3 e 4 da respetiva resposta uniformizador, cujo teor adiante se declara:

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” 

Tudo visto, importa concluir pela firme orientação segundo a qual é sobre o interessado que recai o respetivo ónus da prova, ficando clarificado, não poder aceitar-se a dispensa da demonstração dos factos integrantes deste pressuposto mediante a adesão a uma tese como aquela que faz presumir a causalidade a partir da verificação da ilicitude.

3.1.8. Porque ao caso sub iudice interessa importa ter em atenção a particular constituição do Banco, Réu/Novo Banco, S.A. que sucedeu ao Banco Espírito Santo, S.A., daí que se impõe umas breves notas sobre a realidade decorrente da Medida de Resolução do Banco Espírito Santo, S.A.

No âmbito da crise financeira que devastou o país foi aplicada uma Medida de Resolução ao Banco Espírito Santo, S.A. (deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014, que determinou: Ponto Um: constituir o Novo Banco, S.A., e aprovar os respectivos Estatutos (Anexo 1 da deliberação); Ponto Dois: transferir para o Novo Banco, S.A. determinados activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. (Anexos 2 e 2A da deliberação); Ponto Três: designar uma entidade independente para avaliação dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão, transferidos para o Novo Banco, S.A.; Ponto Quatro: designar os membros dos órgãos sociais do Banco Espírito Santo, S.A.), tendo sido tomadas neste âmbito, variadas deliberações, todas publicitadas no sítio da Internet, enunciadas adiante:

- Deliberação do Conselho de Administração de 30 de julho de 2014;

- Deliberação do Conselho de Administração de 3 de agosto de 2014 sobre a nomeação dos membros dos órgãos de administração e de fiscalização do Novo Banco, S.A.;

- Deliberação do Conselho de Administração de 3 de agosto de 2014 sobre a aplicação de uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A.;

- Deliberação sobre clarificação e ajustamento do perímetro dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco Espírito Santo, S.A. transferidos para o Novo Banco, S.A., de 11 de agosto de 2014;

- Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 11 de agosto de 2014, sobre dispensa temporária do Banco Espírito Santo, SA, da observância de normas prudenciais e do cumprimento pontual de obrigações anteriormente contraídas;

- Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 14 de agosto de 2014;

- Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 13 de maio de 2015;

- Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015, denominada “Contingências”;

- Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015, denominada de “Perímetro”;

- Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29 de dezembro de 2015, denominada de “Retransmissão”.

A resolução encerra, a par de outros procedimentos, designadamente, a intervenção corretiva e a administração provisória, uma das medidas que o Banco de Portugal pode determinar com o objetivo da defesa da solidez financeira de uma qualquer instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro - art.º 139º n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (doravante abreviado e denominado RGICSF) - .

Impõe-se, assim, corporizar os preceitos legais que importam aos princípios que orientam a Medida de Resolução a que foi sujeito o Banco Espírito Santo, S.A., com interesse para o reconhecimento, ou não, da reclamada responsabilidade civil do constituído Novo Banco, S.A., por danos, alegadamente, causados aos Autores/AA e outros, em consequência da invocada violação dos deveres de informação acerca do emitente originário das ajuizadas obrigações, adquiridas em 28 de Outubro de 2015, intermediadas pelo Réu/Novo Banco, S.A., bem como, da omissão da potencialidade desta retransmissão ao Banco Espirito Santo, S.A.

Relembramos que a resolução é uma figura específica do direito bancário, regulada por lei especial (RGICSF), que é aplicada por ato administrativo da competência do Banco de Portugal, importando também, por isso, não deixar de considerar o Aviso do Banco de Portugal n.º 13/2012, de 8 de Outubro de 2012, o qual veio estabelecer “as regras necessárias à criação e ao funcionamento de bancos de transição” - art.º 1º - sendo que, de acordo com o n.º 1 do art.º 2º do mesmo Aviso, sob o título “Regime dos bancos de transição”, estabeleceu-se que “Os bancos de transição são instituições de crédito com duração limitada, com a natureza jurídica de banco e a forma de sociedade anónima, que se regem pelos estatutos aprovados por deliberação do Banco de Portugal, pelas disposições legais e regulamentares que lhes são especialmente aplicáveis, pelas normas aplicáveis aos bancos e, subsidiariamente, pelo Código das Sociedades Comerciais, com as adaptações necessárias aos objectivos e natureza destas instituições”, acrescentando o n.º 3 deste art.º 2º que “Os bancos de transição são criados para receberem e administrarem a totalidade ou parte dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição originária, desenvolvendo todas ou parte das actividades dessa instituição com vista à prossecução das finalidades enunciadas no artigo 145.º-A do RGICSF”.

De igual modo, tenhamos em atenção o art.º 140º do RGICSF ao estabelecer que “na adopção das medidas previstas no presente título, o Banco de Portugal não se encontra vinculado a observar qualquer relação de precedência, estando habilitado, de acordo com as exigências de cada situação e os princípios indicados no artigo anterior, a combinar medidas de natureza diferente, sem prejuízo, em qualquer caso, da verificação dos respectivos pressupostos de aplicação”.

Como decorre dos enunciados normativos, o nosso ordenamento jurídico atribui ao Banco de Portugal uma competência discricionária para, no respeito dos pressupostos de aplicação de cada uma delas, bem como dos princípios gerais da adequação e da proporcionalidade, “A aplicação das medidas previstas no presente título está sujeita aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua atividade, bem como a gravidade das respetivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.” (art.º 139º n.º 2 do RGICSF), importando, pois, “(…) decidir em função do que melhor convier aos objectivos do reequilíbrio financeiro da instituição, da protecção dos depositantes, da estabilidade do sistema financeiro como um todo e da salvaguarda do erário público” (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de fFevereiro que procedeu à alteração do RGICSF).

Como sabemos, a resolução foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 31º-A/2012, de 10 de fevereiro que “(…) substituiu o regime de saneamento (…) previsto no título VIII do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (…) por uma nova disciplina legal caracterizada pela existência de três fases de intervenção distintas - intervenção correctiva, administração provisória e resolução.”

A resolução, conforme se colhe do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, encerra um procedimento, cuja inovação não se deixou de se aclarar, nos seguintes termos: “À luz do regime vigente até à data, quando uma instituição de crédito se encontrava numa situação de desequilíbrio financeiro muito grave, sem perspectivas realistas de recuperação, o ordenamento jurídico oferecia às autoridades, como única alternativa de actuação, a revogação da respectiva autorização para o exercício da actividade e sua subsequente entrada em liquidação, ou, em situações de maior gravidade sistémica, a sua possível nacionalização, com custos inerentes para o erário público”

Como decorre do art.º 145º-E n.º 1 alínea b) do RGICSF, e para ao caso trazido a Juízo interessa sublinhar, uma das medidas de resolução que o Banco de Portugal pode aplicar consiste na transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição, sendo que no âmbito desta medida de resolução, o Banco de Portugal delimita a transferência parcial ou total dos direitos e obrigações de uma instituição de crédito (art.º 145º-O n.º 1 do RGICSF), competindo-lhe constituir a instituição de transição e aprovar os respectivos estatutos (art.º 145º-P n.º 1 do RGICSF).

Revertendo ao caso sub iudice, resulta, pacificamente, ter o Banco de Portugal aplicado uma medida de resolução ao Banco Espírito Santo, S.A., traduzida na transferência parcial da respectiva actividade, constituindo, outrossim, uma instituição de transição, o Novo Banco, S.A., por se entender “(…) como a única medida que garantia a continuidade da prestação dos seus serviços financeiros e que permitia isolar, em definitivo, o Novo Banco, S.A. dos riscos criados pela exposição do Banco Espírito Santo, S.A.,, a entidades do Grupo Espírito Santo” (Considerando (11) da deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014).

Assumindo os poderes discricionários que lhe são conferidos pela lei, conforme já acentuamos (artºs. 145º-C n.º 2 e 145º-O n.º 1 do RGICSF), percebemos que o Banco de Portugal determinou os direitos e obrigações que constituíam activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão que foram transferidos do Banco Espírito Santo, S.A., para o Novo Banco, S.A.., sendo de destacar, no que à economia da causa interessa, decorrer do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014, em que o Conselho de Administração do Banco de Portugal deliberou a constituição do Novo Banco, S.A. como sucessor do Banco Espirito Santo, S.A. e onde se procedeu à identificação dos ativos e passivos a transferir para o Novo Banco, mais se deliberou que o Banco de Portugal, após essa transferência, poderia transferir ou retransmitir, entre o Banco Espirito Santo, S.A. e o Novo Banco, S.A., ativos, passivos, elementos patrimoniais e ativos sob gestão, nos termos do art.º 145º-H n.º 5 do RGICSF.

Acontece que por deliberação de 29 de dezembro de 2015, decorrente do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto de 2014, ao abrigo do citado art.º 145º-H n.º 5 do RGICSF, o Banco de Portugal decidiu modificar o perímetro da transferência de ativos e passivos, tendo alterado a alínea  b) do n.º 1, do Anexo 2, da deliberação de 3 de agosto de 2014, enunciando os passivos excluídos da transferência de responsabilidades do Banco Espirito Santo, S.A. para o Novo Banco, S.A., concretamente, “Todos os direitos e responsabilidades do Novo Banco, decorrentes dos instrumentos de dívida não subordinada enumerados no Anexo 2B (excluindo os detidos pelo Novo Banco), juntamente com todos os passivos, contingências e elementos extrapatrimoniais, na medida em que estejam relacionados com os referidos instrumentos de dívida, incluindo (i) a emissão, comercialização e venda dos mesmos, e (ii) decorrentes de documentos contratuais ou outros instrumentos, celebrados ou emitidos pelo banco, e com conexão com esses instrumentos, incluindo os documentos de programa ou subscrição, ou quaisquer outros atos do banco praticados em relação a esses instrumentos, em data anterior, simultânea ou posterior à data das respetivas emissões.”, daí que as ajuizadas obrigações, adquiridas em 28 de Outubro de 2015, ou seja, já intermediadas pelo Réu/Novo Banco, S.A., foram retransmitidas do Novo Banco, S.A. para o Banco Espirito Santo, S.A., consideradas que foram abrangidas pelo perímetro dos passivos excluídos da transferência para o Novo Banco, S.A.

3.1.9. Consignada a caracterização e enquadramento jurídico tidos por relevantes na esteira do enunciado pelas Instância, rememoremos a decisão da matéria de facto para daí podermos conhecer da alegada violação dos deveres de informação, por parte do Réu/Novo Banco, S.A., enquanto intermediário financeiro, impondo-se sublinhar que o cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação impostas ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto, pode ser efetivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação.

3.1.10. Relembremos os factos adquiridos processualmente.

“a. Em reunião extraordinária do Conselho de Administração de 03.08.2014, o Banco de Portugal deliberou a aplicação da medida de resolução ao BES com a criação de um banco de transição, o NB, com os fundamentos que constam da ata que consta de fls. 13 a 17.

b. Bem assim, foi deliberado transferir para o NB, SA, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, SA, enumerados no Anexo 2 a essa deliberação, que consta de fls. 23 a 24 [als. a) a e)].

c. No Anexo 2 a essa deliberação do Banco de Portugal, foi previsto que “[a]pós a transferência prevista nas alíneas anteriores, o Banco de Portugal pode a todo tempo transferir ou retransmitir, entre o BES e o Novo Banco, SA, activos, passivos, elementos patrimoniais e activos sob gestão, nos termos do artigo 145º. H, número 5”.

d. Foi ainda deliberado, no ponto 3, designar a P..., Lda., para a avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o NB.

e. Em reunião do Conselho de Administração de 29.12.2015, o Banco de Portugal deliberou retransmitir do NB para o BES os seguintes instrumentos de dívida não subordinada originariamente emitidos pelo BES, diretamente a investidores qualificados e não a investidores a retalho:

      ISIN
            Descrição
Divisa
    Tipo
PT...10Obrigações Sénior NB 6,875% venc. Julho 2016EUR
    Sénior
PT...16Obrigações Sénior NB 6,9% venc. Junho 2024EUR
    Sénior
PT...15Obrigações Sénior NB 4,75% venc. Jan. 2018EUR
    Sénior
PT...12Obrigações Sénior NB 4,0% venc. Jan. 2019EUR
    Sénior
PT...19Obrigações Sénior NB 2,625% venc. Maio 2017EUR
    Sénior
f.     Consta, nessa deliberação, cujo conteúdo está extratado a fls. 20 a 21 [tratar-se-á de um lapso de escrita, pois ter-se-á pretendido dizer “fls. 26vº a 28” em face da paginação que consta dos autos], no item 9., que “os activos transferidos para o Novo Banco tinham um valor inferior ao valor contabilístico ajustado, com base no qual se determinou o correspondente valor das responsabilidades do BES a transferir para o Novo Banco, através da Deliberação de 3 de Agosto”.

g. E, nos itens 10., 11. e 14., que “[s]e os referidos factos fossem conhecidos e as imparidades e ajustamentos tivessem sido identificados em data anterior a 3 de agosto de 2014, o valor contabilístico ajustado atribuído aos ativos correspondentes do BES teria sido inferior e, em conformidade, o montante de responsabilidades transferido para o Novo Banco teria sido inferior./ 11. Nas contas reportadas a 31 de Dezembro de 2014, o Novo Banco reconheceu imparidades e ajustamentos negativos negociais, imputáveis a factos anteriores a 3 de agosto de 2014, no montante aproximado de 699 milhões de euros. Nas contas reportadas ao primeiro semestre de 2015, o Novo Banco reconheceu imparidades e ajustamentos negativos adicionais, imputáveis a factos anteriores a 3 de agosto de 2014, no montante aproximado de euros 270 m. (…) 14. (…) o nível real de prejuízos do BES a 3 de agosto de 2014 não foi integralmente absorvido pelos acionistas e credores do BES, tendo o nível dos passivos transferidos para o Novo Banco em 3 de agosto de 2014 sido excessivo, atendendo ao valor real dos ativos correspondentes transferidos para o Novo Banco.”

h. Sempre foi conhecimento do Réu que as referidas obrigações sénior estavam sujeitas a ser retransmitidas do NB para o BES.

i. O processo judicial de liquidação do BES corre termos na ... Secção de Comércio da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca ..., sob o n.º 18588/16.2T8LSB, tendo o edital de publicidade de despacho de prosseguimento e citação de credores e outros interessados sido afixado apenas em 26.07.2016.

j. O Réu é uma instituição de crédito, cuja atividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria, dedicando-se ainda à atividade de intermediação financeira.

k. Os Autores foram clientes do BES e titulares da conta de depósitos à ordem n.º ...39, domiciliada no balcão BES - Private Bank do ....

l. Sendo o funcionário do Réu EE o seu gestor, com quem os Autores, na pessoa do Autor AA, se aconselhavam e mantinham uma relação de confiança.

m. Com a medida de resolução aplicada ao BES, os Autores mantiveram-se titulares da aludida conta à ordem n.º ...39 que foi transferida para o NB, onde permaneceu o aludido gestor EE, passando a agência a denominar-se NB – Centro Private ....

n. Nenhum dos Autores se encontra ou encontrava caracterizado no NB com a categoria de investidor qualificado.

o. Os Autores, quer no BES, quer no NB, eram considerados como investidores não qualificados de perfil moderado.

p. Embora através da sua conta à ordem n.º ...39, os Autores procedessem a várias aplicações de índole financeira, optavam por produtos que assegurassem o retorno de capital e pagamento de juros, sobretudo depósitos a prazo.

q. Os Autores não investiam em ações, nem em obrigações subordinadas, nem noutros produtos financeiros de idêntico risco e mais expostos a variações bolsistas, especialmente estando em causa valores elevados.

r. Os Autores não tiveram quaisquer perdas aquando da resolução do BES.

s. Alguns meses antes da medida de resolução e durante alguns meses depois, num período de cerca de um ano, os Autores, por prevenção, reduziram os seus ativos no BES e depois no NB.

t. O gestor EE sugeriu aos Autores que investissem na compra de obrigações sénior do NB, com o código ISIN ...15, cuja taxa de juro anual era de 4,75%, vencendo-se o montante obrigacionista em 15.01.2018.

u. O mencionado gestor de conta EE não explicou aos Autores que aquelas obrigações do NB haviam sido emitidas originariamente pelo BES.

v. Nem explicou aos Autores que, tendo aquelas obrigações sido transmitidas ao NB, no âmbito da medida de resolução, estavam sujeitas a eventual retransmissão para o BES.

w. Nem explicou aos Autores que aquelas obrigações haviam sido originariamente emitidas pelo BES diretamente a investidores qualificados e não a investidores a retalho.

x. O mencionado gestor de conta tão pouco entregou aos Autores o prospeto da emissão das obrigações ISIN ...15 ou qualquer outra ficha técnica informativa.

y. Em 28.10.2015, os Autores emitiram ao NB, aqui Réu, uma ordem de compra de obrigações identificadas como sendo do “NOVO BANCO SA”, com o código ISIN ...15, no montante nominal de € 500.000,00.

z. Tendo o Banco Réu, nessa mesma data, adquirido para os Autores, pelo valor de liquidação de € 482.648,90, com a taxa anual de 4,75%.

aa. Os Autores estavam convencidos que tinham adquirido obrigações originariamente emitidas pelo NB.

bb. Se os Autores soubessem que as obrigações haviam sido originariamente emitidas pelo BES ou se soubessem que estavam sujeitas a retransmissão nunca teriam dado aquela ordem de compra.

cc. Por carta datada de 19.01.2016, o Banco Réu comunicou ao AA o seguinte:

“Na sequência dos contactos realizados, cumpre-nos informar que, por deliberação de 29 de dezembro de 2015, o Banco de Portugal, determinou a retransmissão, do Novo Banco para o Banco Espírito Santo, das seguintes emissões de instrumento de dívida não subordinada: ISIN/DESCRIÇÃO - PT...10/Obrigações/Sénior/NB 6,875%, venc. Julho de 2016; PT...16/Obrigações/Sénior/NB 6,9%, venc. Junho de 2024; PT...15/Obrigações/Sénior/NB 4,75%, venc. Jan de 2018; PT...12/Obrigações/Sénior/NB 4,0%, venc. Jan de 2019; PT...19/Obrigações/Sénior/NB 2,625%, venc. Maio de 2017. (...) Em consequência, por força do regresso ao Banco Espírito Santo do passivo resultante das emissões de obrigações acima identificadas, os seus titulares à data de 29 de dezembro de 2015 (independentemente de serem, ou não, considerados como investidores qualificados) são credores do Banco Espírito Santo. Nos termos da deliberação do Banco de Portugal, o Novo Banco deixou de ter qualquer responsabilidade pelo pagamento das obrigações, devendo executá-la e promover todos os ajustamentos de natureza contabilística necessários para o efeito.”

dd. Até à presente data, nada receberam os Autores, nem de capital nem de juros, por conta daquelas obrigações sénior em que investiram, com o código ISIN ...15.

ee. Por causa e em consequência da omissão de informações por parte do Réu, os Autores adquiriram obrigações que de outra forma não teriam adquirido, cujo investimento lhes acarretará um prejuízo de quantia ainda ilíquida correspondente à diferença entre o montante de € 571.250,00 e o montante que venham a receber no mencionado processo de liquidação do BES.

ff. Onde os Autores reclamaram o respetivo crédito.

gg. Numa das suas deslocações à agência do Réu em ..., em outubro de 2015, o Autor AA manifestou interesse em investir o montante aqui em causa, tendo conversado com o colaborador do Réu que o atendeu sobre as possibilidades de investimento.

hh. Na sequência dessa conversa, acabou por solicitar a tal colaborador que contactasse o Centro Private ..., chegando assim à fala com EE, tendo sido nesse contexto que, pela primeira vez, se deu a intervenção deste no investimento.

ii. Nessa conversa telefónica, referiu-lhe o interesse em investir a quantia em discussão, informando-o de que o colaborador que o atendeu na agência ... lhe apresentou como uma possibilidade as obrigações NB, com cupão de 5% e maturidade 2019.

jj. Logo nessa primeira conversa, tendo confirmado que esse produto se encontrava disponível, EE sugeriu, desde logo, que seria conveniente falarem pessoalmente para analisarem em maior detalhe o investimento em causa, sugerindo que os Autores se deslocassem ao Centro Private ... para o efeito.

kk. O Autor referiu que não seria necessário reunir, uma vez que o colaborador que o atendeu na agência de ... já tinha prestado toda a informação, ao que EE respondeu que, ainda assim, tendo em conta que se tratava de um valor elevado, seria conveniente discutir o investimento em maior detalhe.

ll. Perante essa resposta, o Autor perguntou se EE não confiava no Réu e se tinha dúvidas quanto ao reembolso do investimento na maturidade, ao que este respondeu que confiava plenamente no Réu, tendo, de qualquer forma, insistido em que o investimento fosse discutido com os Autores de forma mais detalhada.

mm. No entretanto, EE informou-se sobre as referidas obrigações junto do Núcleo de Propostas de Investimento do Réu, que referiu que, pretendendo os Autores investir em obrigações NB, o mais aconselhável seria que o fizessem nas obrigações com cupão de 4,75% e maturidade em Janeiro 2018,

nn. O que se deveu ao facto de tais obrigações terem grande liquidez no mercado secundário e serem mais facilmente transacionáveis junto de outros investidores se, antes da maturidade, os Autores pretendessem «desfazer-se» do investimento, ao passo que as obrigações a que os Autores inicialmente se referiram, com maturidade em 2019, tinham muito pouca liquidez em mercado secundário.

oo. Essa informação foi, então, transmitida e explicada por EE aos Autores, que a compreenderam e com ela concordaram, tendo então decidido proceder ao investimento em tais obrigações.”

3.1.11. Daqui resulta que os Autores/AA e outros, foram clientes do Banco Espirito Santo, S.A. e transitaram como clientes para o Novo Banco, S.A., como investidores não qualificados de perfil moderado; que as articuladas obrigações subordinadas (que constituem, como se enuncia no art.º 348.º do Código das Sociedades Comerciais, “valores mobiliários que, numa mesma emissão, conferem direitos de crédito iguais” sobre a entidade emitente, tendo subjacente, em regra, um contrato de mútuo, estando sujeita a um prazo fixado em benefício do devedor [entidade emitente]), cujo emitente é o Banco Espirito Santo, SA., foram adquiridas em 28 de Outubro de 2015, já intermediadas pelo Réu/Novo Banco, S.A.; sem que este tivesse informado, não só que o emitente originário das obrigações subordinadas era o Banco Espirito Santo, S.A., bem assim, omitiu a informação relativa à potencialidade da retransmissão ao Banco Espirito Santo, S.A. daquelas obrigações subordinadas, de tal sorte que, convencidos de que estavam a adquirir obrigações, originariamente emitidas pelo Novo Banco, S.A, os  Autores/AA e outros, se soubessem que as obrigações haviam sido originariamente emitidas pelo Banco Espirito Santo, .S.A. ou se soubessem que estavam sujeitas a retransmissão, nunca teriam dado a ordem de compra.

3.1.12. A adquirida facticidade configura uma violação do dever de informação por parte do Réu/Novo Banco, S.A. importando sufragar a bondade da orientação seguida nas Instâncias, permitindo-nos respigar, a propósito, da sentença proferida “Estando o intermediário financeiro obrigado a transmitir ao investidor os riscos especiais envolvidos na operação, entendo que, dentro desse círculo, estavam quer a emissão originária das obrigações pelo BES, quer a possibilidade de elas serem retransmitidas para essa instituição.

O conhecimento da origem das obrigações constituía informação essencial para os investidores, porque, sendo o NB um banco de transição, tendo nomeado o Banco de Portugal uma entidade para avaliar o impacto da transferência determinada para esse banco, estando expressamente salvaguardada na deliberação de 03.08.2014 a possibilidade de retransmissão de passivos para o BES, tal conduziria a que o destinatário médio (no caso, investidor não qualificado) dessas informações percebesse que, não obstante o investimento ser apetecível (quanto à taxa de juro de que beneficiava), os valores mobiliários que ia adquirir poderiam estar sujeitos a deliberação ulterior da entidade reguladora do setor.

Essa deliberação da entidade supervisora, podendo consistir na transmissão do direito de crédito para a esfera duma sociedade que está em liquidação, alteraria, de modo radical, a consistência da garantia patrimonial daquele.

Compreendendo o risco inerente à aquisição das obrigações o da solvência do devedor, o conhecimento de que poderia haver modificação subjetiva deste por deliberação do supervisor financeiro, tal consubstanciava informação determinante para o esclarecimento do investidor e para a formação sã da sua vontade de contratar.

Os Autores não tinham modo de inferir que aquelas obrigações tinham sido originariamente emitidas pelo BES. Como se explicou na motivação da decisão da matéria de facto, com a constituição do NB e com a transferência de ativos e passivos ocorrida em 03.08.2014, as obrigações mereceram uma redenominação no mercado, passando a ser identificadas como NB.

É hoje assente que, a par dos deveres essenciais emergentes dum negócio jurídico, as partes estão oneradas com outros deveres laterais variáveis em função das concretas prestações acordadas. Trata-se de deveres secundários de prestação e de deveres laterais, que se coligam em atenção a uma identidade de fim e constituem o conteúdo de uma relação de carácter unitário e funcional: a relação complexa em sentido amplo (Almeida Costa, Obrigações, 9ª ed., pg. 63). Como escreve Carneiro da Frada, Contrato e Deveres de Protecção, Coimbra, Almedina, 1994, p. 39, “[a] envolver os deveres de prestar, qualquer que seja a sua natureza, predispõem-se na relação obrigacional uma série de outros deveres essenciais ao seu correcto processamento; não estão estes virados, pura e simplesmente, para o cumprimento do dever de prestar, antes visam a salvaguarda de outros interesses que devam, razoavelmente, ser tidos em conta pelas partes no decurso da sua relação; de um modo geral, eles exprimem, na formulação de Larenz, a necessidade de tomar em consideração os interesses justificados da contraparte e de adoptar o comportamento que se espera de um parceiro negocial honesto e leal, e costumam fundamentar-se no princípio da boa fé; pela sua índole, são susceptíveis de comparecer em qualquer relação obrigacional, seja o seu tipo aquele que for, e também só se especificam em função dos contornos que o desenrolar da vida da relação contratual venha a manifestar”.

Enquanto o dever prestar principal visa a satisfação do interesse do credor na prestação, os segundos promovem o interesse do credor na integralidade na própria prestação e, ainda, na intocabilidade dos seus interesses colaterais: património e esferas física e moral (António Menezes Cordeiro, «Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade», in Estudos de Direito Bancário, Coimbra, Almedina, p. 19).

Da perspetiva do seu círculo interno, os deveres acessórios visam o reforço e a substancialização do dever de prestar (deveres de informação e de lealdade); da perspetiva do seu círculo externo, os deveres são dirigidos à integridade patrimonial, pessoal e moral (deveres de segurança e de lealde geral) (António Menezes Cordeiro, ob. e loc. cits). Os primeiros destinam-se a que a vontade real se forme de acordo com a efetiva realidade existente. Desta forma, os deveres de esclarecimento e aconselhamento em relação ao potencial investidor emergem como uma decorrência da boa-fé, dependendo a sua intensidade consoante os sujeitos envolvidos, requerendo especial atenção os investidores não qualificados, a quem deve ser prestada a informação necessária para proporcionar uma decisão de investimento esclarecida.

“Os deveres de informação recaem sobre a parte que detenha o conhecimento da matéria. Naturalmente, eles poderão ser mais intensos, perante uma parte débil. Não dependem, porém, de explícitas perguntas: nem isso faria sentido pois, em regra, só pergunta quem sabe» (António Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 23).

Os Autores não eram investidores qualificados, desconheciam quem tinha a emitente originária das obrigações, nem o poderiam deduzir, até porque a sua denominação indiciava o contrário, ao conter a designação “Novo Banco, SA”.

Como acima se escreveu, só pergunta quem sabe.

O conhecimento da eventualidade da retransmissão das obrigações para o BES constituía uma informação essencial à decisão de aquisição das obrigações, porque a efetivação dessa possibilidade acarretaria perda de rendimentos, o que é contrário à intenção de qualquer operação de investimento.

Deste modo, pese embora a diligência que o funcionário teve na fase negocial no sentido da averiguação da liquidez das obrigações, a omissão a respeito da emissão originária das obrigações e do poder de retransmissão consubstanciou a violação dos deveres de informação, de lealdade e respeito consciencioso dos interesses confiados, a que as instituições bancárias, os seus administradores e colaboradores estão vinculados e, por isso, os ditames da boa-fé negocial no quadro da relação contratual estabelecida (cfr. artigo 762º/2, do CCiv).

A atuação do funcionário do Centro Private ... do Banco Réu vincula a sua entidade patronal, que é contratualmente responsável perante o Autor pelos atos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais atos fossem praticados por si própria (cfr. artigo 798º e 800º, do CCiv).

De facto, o incumprimento do dever de informação dá lugar a prestações indemnizatórias mas não coloca de princípio em crise a validade do negócio aquisitivo (Paulo da Câmara, ob. cit., 714; vd. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05.03.2015, processo n.º 205/13.4TVPRT.P1, disponível em www.dgsi.pt).

Quando ocorre a violação de deveres acessórios, há que verificar quais são os bens jurídicos tutelados por aqueles, competindo indagar o escopo da norma atingida, de modo a ser estabelecido o nexo causal (António Menezes Cordeiro, ob. cit., pp. 38 e 48).

(…) De igual modo, na situação que nos ocupa, caso o dever de informação tivesse sido cumprido acerca da possibilidade de retransmissão das obrigações para o BES, os Autores não teriam investido na aquisição das obrigações, pois que eles não adquiririam um produto que, ao invés de frutificar o capital, traduzir-se-ia numa perda dum valor muito significativo. Foi a omissão da informação acerca desta característica do produto – relativo ao risco de mudança do devedor –, a comprometer a garantia patrimonial do direito de crédito, que determinou a realização da operação de aquisição dos valores mobiliários pelos Autores. A deliberação atinente ao poder de retransmissão, se bem que ocorreu num cenário excecional de intervenção da entidade reguladora no mercado financeiro e bancário, teve lugar no quadro legal de exercício de poderes que legalmente lhe estão conferidos, que, para o NB, era previsível (atenta a advertência constante do Anexo 2 identificativo da lista de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES).

Deste modo, é a omissão na prestação de informação relevante por parte do NB que é determinante para o prejuízo verificado na esfera dos Autores, pois que é ela a causa da realização do investimento.

Tudo visto, reconhecemos verificada a ilicitude da conduta do Banco/Réu, na violação do dever de informação, sendo este não cumprimento, sancionado no âmbito da responsabilidade civil contratual, impendendo, de igual modo, sobre o Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, presunção de culpa, nos termos do direito substantivo civil, sendo que a culpa do devedor, aqui Banco/Réu, é reconhecidamente grave, até pelo especial dever de diligência que impendia sobre o Banco/Réu, grosseiramente desconsiderado.

3.1.13. Verificados que estão os pressupostos da responsabilidade civil contratual, concretamente, o facto ilícito, traduzido na violação do dever de informação, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira; a culpa, que se presume nos termos do direito substantivo civil, sendo que no caso em apreço está adquirido facticidade que a sustenta; e o dano; importa apreciar do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, saber se os Autores, acaso tivessem sido informado das verdadeiras características e condicionantes do produto que adquiriram, a troco das entregas de dinheiro a que procederam, se não o teriam efetuado.

Como sabemos, a nossa lei substantiva civil ao tratar do pressuposto do nexo de causalidade, no âmbito da responsabilidade civil, estabelece a teoria da causalidade adequada, o mesmo é dizer que é necessário que, em concreto, a ação ou omissão tenha sido condição do dano; e que, em abstrato, dele seja causa adequada, perfilhando, assim, o nosso ordenamento jurídico, a teoria da “causalidade adequada” na sua formulação negativa ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”

Outrossim, como já adiantamos, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o Banco/Réu é responsável pelo dano sofrido pelos Autores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos Autores, ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto, ou seja, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, os Autores não teriam investido naquela aplicação financeira, isto é, impõe-se que da facticidade demonstrada se possa concluir que os Autores não teriam tomado a decisão de subscrever o produto financeiro, se lhes tivesse sido dito, pelo Banco/Réu, que corriam o risco de perder o dinheiro investido.

Com vista a este particular pressuposto da responsabilidade civil, e rememorando a matéria de facto adquirida processualmente, reconhecemos que os Autores não teriam tomado a decisão de subscrever o ajuizado produto financeiro, se soubessem que aquelas obrigações tinham sido originariamente emitidas pelo BES e se soubessem que estavam sujeitas a retransmissão, importando, assim, retirar dos factos demonstrados, o necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, enquanto pressuposto da responsabilidade civil contratual, tão evidente se torna ao cotejar os factos concretos que permitem estabelecer o nexo entre o incumprimento dos deveres de informação e os prejuízos alegados pelos Autores.

Verificados que estão os pressupostos da responsabilidade civil contratual, decorrentes do direito substantivo civil, concretamente, o facto ilícito, traduzido na omissão de informação, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira; a culpa, que se presume nos termos do art.º 799.º n.º 1 do Código Civil e art.º 304º-A do Código dos Valores Mobiliários, e o dano, correspondente à diferença do capital que investiu e aquele que lhe advirá da liquidação do emitente obrigacionista, Banco Espirito Santo, S.A., entretanto declarado insolvente, a par do reconhecimento do nexo de causalidade entre o facto e o dano, conforme resulta apurado, ou seja, foi a omissão da informação acerca da característica do produto – relativo ao risco de mudança do devedor – a comprometer a garantia patrimonial do direito de crédito, que determinou a realização da operação de aquisição dos valores mobiliários pelos ora demandantes.

3.1.14. No que tange à arrogada errada subsunção jurídica condizente à contagem dos juros de mora, na eventualidade de vir a ser relevante o incumprimento, por parte do Réu/Novo Banco, S.A. do ajuizado contrato de intermediação financeira, importa destacar e aprovar o transparente e pertinente entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido que, ao debruçar-se sobre esta questão, objeto da apelação, disse com utilidade, e passamos a citar “Defende o recorrente que, tendo sido condenado em quantia ilíquida (corresponde à diferença entre € 571.250,00 e o que os AA. venham a receber no processo de liquidação do BES), o Tribunal “a quo” não o poderia ter condenado também em juros contados desde a citação, porque, referindo-se a 2ª parte do n.º 3 do artº. 805º do Código Civil à responsabilidade delitual, a responsabilidade do intermediário financeiro subsume-se na responsabilidade contratual.

Porém, a questão não é tão linear como o recorrente a apresenta.

Dispõe o art.º. 805º, n.º 3 do Código Civil que “se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número”.

A responsabilidade civil do intermediário financeiro por violação dos princípios e deveres relativos à prestação de serviços de intermediação financeira encontra-se prevista no art.º 304.º-A do CVM, o qual se apresenta como uma norma especial de responsabilidade completa e autónoma (ao contrário das restantes normas de responsabilidade não autónoma, que estão estatuídas nos artºs 483º e 798º do Código Civil).

Não fazendo a referida norma remissão para a responsabilidade extracontratual ou contratual, a natureza jurídica da responsabilidade civil do intermediário financeiro é uma questão controversa na doutrina e jurisprudência portuguesas, tendo surgido várias teses sobre a mesma, das quais se destacam as seguintes: a) há quem a qualifique como uma responsabilidade extracontratual ou delitual - fundada em normas gerais de protecção (deveres genéricos legais e regulamentares) destinadas a proteger os interesses dos terceiros investidores em geral (incluindo os clientes), cuja violação obriga o intermediário financeiro ao ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos por estes (artº. 483º do Código Civil) – cfr. Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 3ª ed., 2016, Almedina, pág. 357 e segtes e acórdão da RP de 5/03/2015 acima referido, acessível em www.dgsi.pt; b) há quem a considere como uma responsabilidade contratual – fundada numa relação contratual ou obrigacional existente entre intermediário financeiro e cliente/investidor, que vincula aquele perante este a um conjunto de deveres específicos de conduta profissional (de fonte legal, regulamentar, convencional ou deontológica) no cumprimento da respectiva prestação debitória (artº. 397º do Código Civil) e cuja violação poderá dar azo à inerente obrigação de indemnização com fundamento em responsabilidade por incumprimento contratual (artºs 798º e 799º do Código Civil) – cfr. A. Menezes Cordeiro, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2016, Almedina, pág. 245 e segtes e acórdão do STJ de 17/03/2016 acima referido, acessível em www.dgsi.pt); c) há, ainda, quem veja nela uma espécie de responsabilidade mista ou dupla – funcionando o artº. 304º-A do CVM como uma cláusula de imputação simultaneamente delitual e contratual, objectiva e subjectiva, ou até uma responsabilidade intermédia ou de “terceira via” situada entre a responsabilidade contratual e extracontratual – mormente, fundada em responsabilidade pré-contratual ou em relação corrente de negócios (cfr. Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, 2008, Almedina, pág. 189 e segtes e José Engrácia Antunes, ob. cit., pág. 44 e 45).

Na jurisprudência tem-se trilhado um caminho em que a aplicação das regras da responsabilidade contratual ou extracontratual, ou ambas, depende do nível a que se situa a violação dos deveres do intermediário financeiro.

Se a violação se situar ao nível da execução do contrato, admitindo-se embora que tal hipótese se enquadra numa zona intermédia entre a responsabilidade extracontratual e contratual, por aqui esta ser mais forte, é entendido que se aplica a responsabilidade contratual. Ou seja, se o cliente dá uma ordem de aquisição de um produto financeiro e a instituição bancária não adquire o produto, ficando o cliente impedido de mais tarde o adquirir ou de o adquirir nas mesmas condições de vantagem; se o cliente dá uma ordem de aquisição de um produto financeiro e a instituição bancária adquire outro produto (ainda que similar) ou adquire o produto em condições não autorizadas; se quando o cliente dá uma ordem de aquisição de um produto financeiro e a instituição lhe garante determinada rentabilidade que não se verifica (por exemplo, a garantia do capital e de uma taxa de juro mínima) - nessas situações as normas regulamentares violadas são menos intensas no que se refere aos interesses dos terceiros investidores em geral, vingando com mais intensidade as normas do cumprimento contratual.

Todavia, se a violação está intrinsecamente ligada aos deveres profissionais que competem ao intermediário financeiro, havendo, assim, uma violação dos deveres gerais de comportamento e de protecção, como seja o de informação, então existe responsabilidade extracontratual ou responsabilidade mista ou dupla. Portanto, se na zona periférica à própria execução do contrato, designadamente, se antes do cliente emitir uma ordem de aquisição de um produto financeiro, a instituição bancária não o informar de forma completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, para que este possa tomar uma decisão esclarecida e fundamentada, as normas que obrigam a tal dever são essencialmente normas destinadas à protecção geral (quer do mercado, quer dos interesses dos terceiros investidores em geral), não se podendo afastar a aplicação da responsabilidade extracontratual que emerge aqui com mais intensidade. No sentido da responsabilidade extracontratual, veja-se o acórdão da Relação do Porto de 30/05/2018 (proc. nº. 31/17.1T8PVZ, acessível em www.dgsi.pt), onde se conclui que “é de natureza extracontratual a responsabilidade do intermediário financeiro quando, na sua estrita ligação aos deveres que lhe competem, viola os seus deveres gerais de comportamento e de proteção, designadamente os deveres de informação”.

E fundamenta o referido acórdão: “No âmbito do regime da responsabilidade civil dos intermediários financeiros têm relevância os princípios norteadores da sua atividade, consagrados no CdVM (artigo 304º/1 e 2, na redação vigente à época), que lhes impõem a proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e, nas relações com todos os intervenientes no mercado, devem eles observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. Estas regras de conduta constituem verdadeiros deveres gerais de conduta dos intermediários financeiros, deveres gerais de comportamento e de proteção, designadamente os deveres de informação, que convocam o instituto da responsabilidade civil extracontratual” (cfr., no mesmo sentido, acórdão do STJ de 12/01/2017, proc. nº. 428/12.3TCFUN, acessível em www.dgsi.pt).

No sentido da responsabilidade mista ou dupla, veja-se o acórdão do STJ de 10/01/2013 (proc. nº. 89/10.4TVPRT, acessível em www.dgsi.pt), onde se dispõe que:

“Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido. (...)

Além desta responsabilidade contratual nos termos descritos existe também responsabilidade extracontratual por parte do banco réu, em consequência da violação dos deveres, não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304º do CVM, como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de diligência, lealdade e transparência, como também da violação dos mais elementares deveres de informação a que aludem os artºs 7º, n.º 1 e 312º, n.º 1 ambos do CVM” (no mesmo sentido, cfr. acórdão da RP de 30/05/2017, proc. nº. 588/11.0TVPRT, acessível em www.dgsi.pt).

Numa e noutra tese, admite-se, portanto, que as disposições do CVM que impõem deveres aos intermediários financeiros constituem, em grande medida, disposições de protecção para efeito da aplicação do disposto no artº. 483º, n.º 1 do Código Civil, especialmente as disposições de protecção que prevêem deveres de informação a cargo dos intermediários financeiros (cfr., neste sentido, Ferreira de Almeida, Normas de imputação e normas de protecção no regime da responsabilidade civil extracontratual pela informação nos mercados de valores mobiliários, DSR 8/16 outubro de 2016, pág. 15 e segtes).

E compreende-se tal asserção se tivermos em consideração qual é a ratio dos deveres de informação no CVM: o princípio da protecção dos investidores em geral e a defesa do mercado e a sua regulação.

Quanto ao princípio da protecção dos investidores em geral, o mesmo poderá ser dividido em três grandes pilares complementares entre si: (i) o interesse público no bom funcionamento dos mercados (note-se que se trata de um interesse centrado na defesa da colectividade dos investidores e não na protecção do investidor individualmente considerado); (ii) a segurança nos mercados (é necessário que os investidores em geral sintam confiança nos mercados para investir nos seus mecanismos) e (iii) a igualdade entre os investidores (como forma de combater as desigualdades entre os investidores mais e menos qualificados, assumindo, neste particular, o dever de informação um papel de destaque) – cfr. Sofia Nascimento Rodrigues, A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários, 2001, Almedina, pág. 23 e segtes).

No que concerne à defesa do mercado e a sua regulação, surgem os deveres de informação como uma consequência da tutela do mercado. A protecção do mercado de especulações ilícitas, de manipulação do acervo informativo, das assimetrias entre os investidores e as instituições bancárias só por via da regulamentação da informação era alcançável (cfr. Eduardo Paz Ferreira, Informação e Mercado de Valores Mobiliários, Separata da Revista da Banca, n.º 50, Julho e Dezembro de 2002, pág. 11).

Do atrás exposto, retira-se, de forma consistente, que as normas do CVM que prevêem deveres de informação são, na sua essência, disposições de protecção. E sendo disposições de protecção, a sua violação convoca sempre a aplicação do n.º 1 do art. 483º do Código Civil, por violação de “disposição legal destinada a proteger interesses alheios”.

Mesmo que se entenda que o dever de informação é um dever lateral inscrito na relação obrigacional do contrato de intermediação financeira, não se vislumbra como se possa considerar que a sua violação não dá origem a responsabilidade por danos contratuais e extracontratuais. Sendo que a maior intensidade da qualidade de norma de protecção, não permite que se afaste o regime da responsabilidade extracontratual, ou se cumulem ambos os regimes – e nada obsta a tal, se dessa operação não resultar a duplicação de indemnizações.

Em suma, entendemos que será de aplicar a 2ª parte do n.º 3 do artº. 805º do Código Civil, mantendo-se a condenação do recorrente em juros de mora a contar desde a citação, em virtude da violação dos deveres de informação convocar a aplicação das regras da responsabilidade extracontratual.

No entanto, para a hipótese de se considerar que, “in casu”, não se aplicam as regras da responsabilidade civil extracontratual, mesmo assim será de manter a condenação em juros de mora desde a citação.

É que, no âmbito da responsabilidade contratual, dispõe a 1ª parte do n.º 3 do citado artº. 805.º que não há mora enquanto o crédito não se tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.

Ora, a falta de liquidez do crédito – por ter que se esperar pelo resultado dos pagamentos no âmbito do processo de liquidação do BES – é ainda consequência da conduta danosa imputável ao recorrente.

A indisponibilidade da quantia reclamada no processo de liquidação do BES – e a consequente iliquidez do crédito – insere-se no próprio contrato lesivo imputável ao recorrente.

Se o recorrente tivesse informado os AA. de que as obrigações haviam sido originariamente emitidas pelo BES e que havia a probabilidade da sua retransmissão para o BES, os AA. não estariam nesta situação caracterizada por uma dupla penalização: não vão receber a totalidade do seu crédito sobre o BES e têm que esperar até ao final do processo de liquidação do BES (desconhecendo-se quanto tempo pode demorar) para voltar a ter a disponibilidade do seu dinheiro.

Ora, quando a impossibilidade de liquidação resulta directamente do acto lesivo do recorrente, uma e outro terão que ser considerados imputáveis ao devedor. Seria injusto que, nesta situação, fossem os AA. a arcar com o sacrifício da iliquidez do crédito, para a qual nada contribuíram e nada podem fazer se não esperar, e que, perante a iliquidez do crédito, se privilegiasse o lesante, que por um lado não tem de pagar logo a indemnização e, por outro, beneficia de um protelamento do prazo à custa dos Autores.

De resto, se os AA. nada podem fazer quanto a uma eventual demora na liquidação do BES, o recorrente, por sua vez, tem sempre a faculdade de, querendo, pagar aos AA. a totalidade do crédito, ficando sub-rogado nos direitos destes sobre o BES (artºs 767º e 592º, nº. 1 do Código Civil).

3.1.15. Concluímos, pois, não reconhecemos às conclusões trazidas à discussão pelo Recorrente/Réu/Novo Banco, S.A., quaisquer virtualidades no sentido de alterar o destino traçado no Tribunal da Relação, merecendo o consignado dispositivo, a aprovação deste Tribunal ad quem.


III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, e, consequentemente, nega-se a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente/Autor/Novo Banco, S.A.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 10 de novembro de 2022

                                                         

Oliveira Abreu (Relator)

Nuno Pinto Oliveira

Ferreira Lopes