Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2259/17.5T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
BANCO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ILICITUDE
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
Data do Acordão: 03/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- P. Coelho, O Problema da Relevância da Causa Virtual...”, p. 31-34;
- Vaz Serra, Código Civil Anotado, de P. Lima e A. Varela, I, 4ª ed. p. 578.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.º 1, 490.º, 563.º, 570.º E 799.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º, N.º 3 E 682.º, N.º 2.
LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ): - ARTIGO 46.º.
REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS (RGICSF), APROVADO PELO DL N.º 298/92, DE 31/12: - ARTIGOS 73.º E SS..
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS, (CVM), APROVADO PELO DL N.º 486/99, DE 13/11: - ARTIGOS 7.º, 304.º, N.º 3, 304.º-A, N.º 2, 309.º, 309.º-A, 312.º E 314.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 13-01-2009, PROCESSO N.º 08A3747;
- DE 10-04-2018, PROCESSO N.º 753/16.4TBLSB.L1.S1;
- DE 25-10-2018, PROCESSO N.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1;
- DE 06-11-2018, PROCESSO N.º 2468/16.4T8LSB.L1.S1;
- DE 11-12-2018, PROCESSO N.º 6917/16.3T8GMR.G1.S1;
- DE 07-02-2019, PROCESSO N.º 31/17.1T8PVZ.P1.S1;
- DE 19-03-2019, PROCESSO N.º 3922/16.3T8VIS.C2.S1.
Sumário :
I - Considerando o âmbito funcional dos deveres de informação (completa, verdadeira, actual, clara e objectiva) que impendem sobre o intermediário financeiro, determinado pelo grau de conhecimentos e experiência do seu cliente – no caso, um investidor conservador e que, afinal, actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo, sendo, portanto, não familiarizado com o produto financeiro (obrigação subordinada) em causa –, não cumpre tais deveres o banco que, naquela qualidade, fez crer a este que o capital que lhe propôs investir no produto poderia ser recuperado com rapidez e, sobretudo, que era garantido pelo próprio banco e como um depósito a prazo.
II - Mostrando-se que o cliente nunca teria adquirido a obrigação referida se o intermediário financeiro o tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA propôs esta acção contra Banco BB, SA, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 55.321,57, acrescida de juros. Para tanto, alegou, em suma:

- No dia 19‑09‑2005, o A, tendo um depósito a prazo de € 50.000 no banco da R, foi abordado por um funcionário desta que lhe disse que o banco tinha um novo produto totalmente seguro, idêntico nas suas condições a um depósito a prazo, e que lhe permitia auferir uma taxa de juro superior.

- Nesse mesmo dia, subscreveu a compra de uma obrigação CC, no valor de € 50.000, para o que foi colocado na sua frente uma cópia de um documento denominado “Comunicação Cliente”, sem qualquer numeração, já preenchido à mão, que se limitou a assinar, julgando que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, só que mais bem remunerado.

- O A pretendia que tal aplicação pudesse ser resgatada a qualquer altura, para além de que a recuperação do seu valor fosse segura a 100%, tendo-lhe sido assegurado que o poderia fazer a qualquer altura, com o que apenas sofreria uma penalização nos juros, como sucede nos depósitos a prazo.

- Não lhe foram explicadas as características mais elementares do produto financeiro em causa, apenas lhe foi dada a palavra empenhada de todos os funcionários da R, que actuaram em representação e sob as ordens desta e nos quais tinha plena confiança, de que se tratava de um produto sem qualquer risco e que podia ser resgatado a qualquer altura.

- O Banco réu, agindo embora como intermediário de outrem na colocação no mercado do produto deste, fê-lo de modo a convencer o autor de que a operação era totalmente segura e que o Banco garantia o retorno dos valores em causa.

- O A só aceitou fazer tal subscrição porque lhe foi afiançado que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características.

A R contestou, invocando ter prestado informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita ao A e que este, em momento anterior à aludida compra, tinha investido noutros produtos que não o simples depósito a prazo.

Foi proferida sentença absolvendo a R do pedido.

A Relação, julgando procedente a apelação interposta pelo A, condenou a R a pagar-lhe a quantia de € 50.000, acrescida de juros de mora desde 27-10-2014.

A R interpôs recurso de revista desse acórdão, cujo objecto delimitou com conclusões que colocam a questão da sua não responsabilidade pela quantia em que foi condenada, pelas seguintes (resumidas) razões:

- não lhe era exigível a advertência ou informação especial sobre o risco (genérico) de incumprimento de reembolso da obrigação no vencimento, ocorrido 10 anos depois, ou até da probabilidade de insolvência da emitente;

- em 2005, a eventualidade desse risco não era relevante, pois nada fazia antever qualquer dificuldade futura da emitente;

- a entidade emitente (CC) era titular de 100% do capital social da R, pelo que, sendo totalmente dominante desta, o risco da sua solvência, associado ao reembolso das obrigações, correspondia, então, ao risco de solvabilidade do próprio banco e a segurança da subscrição de obrigações emitidas pela CC era correspondente à segurança de um depósito a prazo no DD;

- a R limitou-se a informar que era garantido que o reembolso, no vencimento, seria feito pelo valor do capital investido;

- não se apuraram factos concretos que permitam afirmar o nexo de causalidade adequada entre a omissão da informação e o alegado dano sofrido pelo A.

*

Importa apreciar a questão enunciada e decidir, para o que relevam os seguintes factos considerados pela 2ª instância como provados:

 1. O autor subscreveu o documento cuja cópia consta de fls. 76 dos autos.

2. O produto CC tem as características que constam da nota informativa cuja cópia consta de fls. 84 a 100 dos autos.

3. Os € 50.000 entregues na sequência da subscrição do documento referido em 1. não foram restituídos.

4. O autor subscreveu o documento referida em 1 na sequência de um contacto de um funcionário do Banco.

5. Antes de subscrever o documento referido em 1, o funcionário do banco disse ao autor que a obrigação era semelhante a um depósito a prazo, mas com uma taxa de juro mais alta, que podia recuperar o capital com rapidez, que os juros eram semestrais e que o capital era garantido.

6. No momento da subscrição do documento referido em 1, para os funcionários da Agência do DD de ..., a CC era dona do DD, sendo a obrigação subordinada CC um produto seguro, sem risco e com capital garantido, semelhante a um depósito a prazo.

7. O autor, antes da subscrição do documento referido em 1, era tido pelos funcionários do DD como um investidor conservador.

8. O que motivou a autorização do autor foi o facto de lhe ter sido dito pelos funcionários do Banco que o capital era garantido como um depósito a prazo e com uma taxa de juro superior.

9. O autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo.

10. Pelo menos em outubro de 2014 o autor apercebeu-se que não iria reaver o valor investido na obrigação subordinada CC nos mesmos termos em que o reaveria se se tratasse de um depósito a prazo.

11. No momento da subscrição do documento referido em 1 não foi entregue ao autor qualquer documento com as características do produto subscrito.

12. Antes de o autor subscrever o documento referido em 1 o funcionário do DD disse-lhe que a aplicação tinha capital garantido pelo DD.

13. Se o autor tivesse tomado conhecimento que o produto que lhe foi apresentado não era de capital garantido pelo Banco não teria autorizado tal aplicação.

*

O objecto deste recurso circunscreve-se à questão da delimitação da responsabilidade da R alegadamente gerada no âmbito do contrato de intermediação financeira ([1]) que a mesma celebrou com o A, seu cliente bancário, com vista à comercialização e aquisição por este do produto financeiro em causa.

Como tem sido consensualmente apontado pela jurisprudência deste Tribunal, a atividade de intermediação financeira desenvolvida pelos bancos é legalmente regida por um conjunto de princípios atinentes aos respectivos exercício e organização, consagrados, em termos gerais, no preceituado nos artigos 73º e ss. do DL 298/92, de 31/12 (RGICSF) e, em especial, nos artigos 7º, 304º, 304º-A, 309º, 309º-A, 312º e 314º do DL 486/99, de 13/11 (CVM), dos quais decorrem que a mesma é norteada por elevados padrões de exigência e pelos princípios, entre outros, da boa-fé (ou da probidade comercial) e do conhecimento e da proteção (e prevalência) dos interesses do cliente, designadamente em relação a qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço a prestar.

No acórdão de 10-04-2018 (p. 753/16.4TBLSB.L1.S1) foi assim sintetizada tal ponderação:     

«I. A protecção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros implica, em relação a eles, que o intermediário financeiro indague sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer, ou, know your client no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente – nº3 do art. 304º do CVM – devendo observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

II. O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para se ajuizar se certa transacção é adequada ao cliente – suitablity test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a professionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência mais acentuado, devendo actuar como “diligentissimus pater familias”, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve.

III. O dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro, no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro.

IV. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

V. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual – art. 483º, nº1, do Código Civil –, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº1, do Código Civil, sendo claro o nº2 do art. 304-A do CVM quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.” 2. A extensão e a profundidade da informação a prestar pelo intermediário ao cliente devem ser tanto maiores quanto menor for o seu grau de conhecimento e experiência, de modo a permitir-lhe uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.» ([2]).

Ainda mais recentemente, este Tribunal proferiu acórdãos no mesmo sentido, em 07-02-2019 (no p. 31/17.1T8PVZ.P1.S1 ([3])) e em 19-03-2019 (no p. 3922/16.3T8VIS.C2.S1), assim sintetizado:

«I - É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores mobiliários que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos, assim como é seu dever pautar-se de acordo com o vetor da boa-fé, nomeadamente em termos de lealdade.

II - Não cumpre esses deveres o intermediário financeiro, Banco, que faz crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha a garantia do próprio Banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal do que se tratava era de obrigações subordinadas emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade do capital social do Banco.

III - Mostrando-se que se o intermediário financeiro tivesse informado o cliente de forma completa, verdadeira e leal este nunca aceitaria subscrever o produto financeiro em causa, e mostrando-se que o reembolso não foi feito na data da respetiva maturidade nem depois, é o intermediário financeiro responsável pelo prejuízo sofrido pelo investidor.

IV - Esse prejuízo corresponde ao montante investido, acrescido de juros de mora.

V - A circunstância de ter sido dito ao cliente que o produto proposto tinha a garantia do próprio Banco ou que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo ou ainda que o Banco garantia o capital investido, tudo isto apenas significa, dentro da economia da demais factualidade conhecida, que o Banco prestou informações que não eram exatas ou verdadeiras, e é daqui que deve nascer a sua responsabilização.»

Persistindo nessa linha, trata-se de averiguar se, no circunstancialismo considerado, a R não observou «os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência que lhe eram legalmente exigíveis para a prestação de uma informação completa, verdadeira, clara e objetiva, relativamente às propostas de subscrição por si mesmo apresentadas, não facultando aos … seus clientes, investidores não qualificados, uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, desse modo tendo incorrido em violação dos deveres de informação, aos quais, na sua atividade de intermediação, se encontrava vinculado», sendo o âmbito funcional do dever de informação «determinado por uma regra de proporcionalidade inversa entre a densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente» ([4]);

E, uma vez comprovada a violação de tal dever de informação e dos bens ou princípios por ele tutelados, por isso, lógica e normativamente imputada à intermediária financeira, a pronúncia sobre a pretensão do A demanda, ainda, que se apure se foi em consequência dessa violação que o A sofreu o dano – a perda do capital investido – cuja reparação pretende.

Para tanto, no caso, deveria resultar dos factos assentes que o dano não teria ocorrido se a R tivesse cumprido, inteira e claramente, os deveres de informação a que estava normativamente vinculada, ou seja, que a verificar-se esse cumprimento, o A não teria investido a sua poupança na aplicação que lhe foi proposta pela R.

Como este Tribunal tem afirmado, à luz do art. 563º do CC, pode afirmar-se o requisito relativo a esse nexo de causalidade quando a conduta do faltoso tiver funcionado como conditio sine qua non do dano ocorrido e este seja adequadamente imputado à violação dos bens tutelados.

É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma, acolheu a doutrina segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstracto, ele seja causa adequada desse mesmo dano.

É matéria de facto o nexo causal naturalístico e é matéria de direito o juízo sobre o segundo momento da causalidade, referente ao nexo de adequação, de harmonia com o qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais ou extraordinárias: «o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis» ([5]).

O STJ, sendo, organicamente, um Tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito, fora dos casos previstos na lei (arts. 46º da LOSJ e 674º nº 3 e 682º nº 2 do CPC). Como consequência, o nexo naturalístico, tal como emirja estabelecido pelas instâncias, não é sindicável por este Tribunal, em cuja competência apenas está integrada a matéria referente ao nexo de adequação, por respeitar à interpretação e aplicação do citado art. 563º.

Essa aferição global da adequação deve partir de um juízo de prognose posterior objectiva, formulado em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual que, em concreto, desencadeou a lesão e o dano, no âmbito da sua aptidão geral ou abstracta para produzir esse dano, pois que a causalidade adequada não se refere a um facto e ao dano isoladamente considerados ([6]).

Como também considerou o Ac. desta Secção de 13-01-2009 (p. 08A3747), o «facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação, tendo presente que a causalidade adequada “não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano” no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano.».

É o que, em suma, nos transmite o ensinamento do Prof. Vaz Serra ([7]) de que a causa em sentido jurídico se deve restringir àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação tal que seja razoável impor ao agente a responsabilidade por esse mesmo resultado, independentemente de este ter sido, exclusivamente, condicionado por tal causa:

«O problema não é um problema de ordem física, ou, de um modo geral, um problema de causalidade tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto dele ser obrigado a indemnizar. Ora, sendo assim, parece razoável que o agente só responda pelos resultados para cuja produção a sua conduta era adequada e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária.».

A causa (normativamente adequada) pode ser, não necessariamente directa e imediata, mas indirecta, bastando que a acção causal desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano.

Todavia, por outro lado, não é suposta a existência de uma causa ou condição exclusiva na produção do dano, no sentido de que a mesma tenha, só por si, determinado o dano, porquanto podem ter intervindo outros factos, contemporâneos ou não. Na verdade, a lesão e a consequente produção do dano podem resultar de um concurso real de causas, da contribuição de vários factos, não sendo qualquer deles, singularmente considerado, suficiente para alcançar o efeito danoso, embora se imponha que um deles seja causa adequada do por ele desencadeado, imputável a outro agente.

E «[q]uando ocorre um tal concurso de causas adequadas, simultâneas ou subsequentes, qualquer dos autores é responsável pela reparação de todo o dano, como se infere do que se dispõe nos arts. 490º e 570º C. Civil (cfr. P. Coelho “O Problema da Relevância da Causa Virtual...”, 31-34)», como decidiu o mesmo Ac. de 13-01-2009.

Resulta do que já se disse que o Supremo Tribunal de Justiça, na revista, aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pela Relação. Por isso, trata-se aqui de reponderar o acerto da decisão recorrida – condenação da R a pagar ao A a quantia de € 50.000 (acrescida de juros) –, atendendo apenas aos factos tidos por provados pela Relação acima arrolados e com os parâmetros anteriormente definidos, designadamente quanto à pertinente conclusão sobre a questão da causalidade, por referência ao referido juízo de prognose.

Ora, tal como os Srs. Desembargadores, entendemos que resulta da factualidade assente a violação pela R dos deveres de informação (completa, verdadeira, actual, clara e objectiva), que sobre ela impendiam enquanto intermediária financeira, considerando o âmbito funcional desses deveres, determinado, face ao exposto, pelo grau de conhecimentos e experiência do A, seu cliente, no caso, um investidor conservador e que, afinal, actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo, sendo, portanto, não familiarizado com o produto financeiro (obrigações subordinadas) em causa (cf. itens 7 e 9).

Com efeito, a R, não só não forneceu ao A informação sobre as características do produto subscrito, como até o induziu em erro sobre as mesmas, pois disse-lhe que a obrigação era semelhante a um depósito a prazo, que podia recuperar o capital nela investido com rapidez e, sobretudo, que esse capital era garantido pelo DD como um depósito a prazo (cf. itens 5, 8, 9, 11 e 12 dos factos assentes).

 Também merece a nossa adesão o ajuizado pelos Srs. Desembargadores em relação aos demais requisitos da responsabilidade da R pela reparação do dano invocado.

Perante o objecto do recurso, produziremos apenas umas breves ponderações complementares relativamente ao anteriormente referido sobre o juízo de prognose quanto à causalidade.

 Neste conspecto, tendo-se verificado, claramente, que a informação prestada pela R ao A não obedeceu às exigências de completude, verdade, clareza e objectividade a que a mesma estava adstrita, também se demonstrou, ostensivamente, que o A nunca teria adquirido a obrigação referida se tivesse tomado conhecimento que o capital nela investido não era garantido pelo DD (cf. itens 8 e 13).

O que significa que se mostra preenchida a conditio sine qua non do dano, no plano naturalístico.

Por outro lado, no plano geral e abstracto, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de a R, ilicitamente, ter informado o A de que o capital por ele investido era garantido pelo DD, violando o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculada, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação.

É, pois, razoável impor à R a responsabilidade por esse resultado.

É claro que o dito resultado poderia não equivaler integralmente ao capital investido, caso se verificasse a hipótese teórica ou académica de o produto da liquidação do activo da CC se mostrar suficiente para que também os seus credores subordinados lograssem obter, ao menos parcialmente, a satisfação dos respectivos créditos. Porém, o que, nesse âmbito, se pudesse argumentar quanto à medida do (não) reembolso do capital investido pelos AA não passaria de um mero exercício especulativo ou virtual sem correspondência com qualquer questão suscitada nos autos pelas partes, designadamente pela R, que, especificamente, não controverteu a medida do dano.

Por conseguinte, improcede o recurso.

*

Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 26/03/2019

Alexandre Reis

Lima Gonçalves

Fátima Gomes

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[1] Um contrato com os contornos do ora em apreço foi assim juridicamente abordado pelo precedente acórdão desta Seccão de 17-03-2016 (p. 70/13.1TBSEI.C1.S1): «Donde resulta que a qualificação jurídica da intervenção do Réu não pode deixar de ser considerada como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o autor e o réu um contrato de intermediação financeira enquanto categoria contratual autónoma aberta, representada por um conjunto de contratos financeiros que se encontram subordinados a um regime jurídico mínimo comum, e que têm a natureza de contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira (cf. Engrácia Antunes, “Os contratos de intermediação financeira”, BFDC, vol. 85, 2009, p. 281-282)».
[2] Trilharam idêntico caminho os acórdãos (para além do já citado de 17-03-2016) de 18-09-2018 (p. 20329/16.5T8LSB.L1.S1), 18-09-2018 (p. 20403/16.8T8SLB.L1.S1), 10-01-2013 (p. 89/10.4TVPRT.P1.S1) e ainda os de:
- 11-12-2018 (p. 6917/16.3T8GMR.G1.S1): «II O princípio dos princípios orientadores da actividade de intermediação, reside, indubitavelmente no nº 1 daquele normativo [artigo 304º do CVM] ao impor aos intermediários financeiros que orientem a sua actuação no sentido da protecção dos interesses legítimos dos seus clientes. III Tal princípio mais não é do que a imposição da expressão da Directiva 2004/39/CE de 21 de Abril, da qual decorre uma vinculação dos intermediários financeiros a orientar a sua actividade no sentido de assistir os seus clientes ao nível do seu plano de investimentos, informando-os e alertando-os para os possíveis riscos e chamando-lhes a atenção para eventuais prejuízos que deles possam advir; mais do que meros executantes formais dos serviços disponibilizados e/ou contratados, os intermediários financeiros devem funcionar em relação aos seus clientes/investidores, como verdadeiros garantes e guardiões dos réditos investidos zelando pela sua valorização.
- 06-11-2018 (p. 2468/16.4T8LSB.L1.S1): «I - A informação «constitui um pilar na avaliação do investimento em valores mobiliários e na própria eficiência do mercado», nela devendo cumprir-se os requisitos qualitativos estabelecidos no art. 7º do CVM, requisitos esses precisados, já no período de vigência do DL 357-A/2007, no art. 312º-A do mesmo código. II - Os deveres de informação, a que o intermediário financeiro se encontra vinculado – com o correspondente direito à informação da contraparte, o investidor/cliente –, a par da assinalada eficiência do mercado, visam a proteção dos interesses do cliente/investidor, dando prevalência a estes, relativamente aos seus próprios interesses, ou com os mesmos relacionados, sendo a prescrita atuação, na observância do princípio da boa-fé, a de um diligentissimus pater familias (CVM, arts. 304º, nºs. 1 e 2, 309º, nº 3 e 310º). III - Tais deveres, enquanto deveres de informação pré-contratual, podendo ser funcionalmente ordenados como deveres acessórios de conduta, relativamente ao dever de prestar emergente de determinado contrato de intermediação financeira, constituem, eles próprios, deveres de prestar, autonomamente valorados na disciplina da específica relação obrigacional, designadamente para efeitos do seu incumprimento, nos termos previstos no art. 314º do CVM (na redação originária do DL 486/99). IV - O âmbito funcional do dever de informação é determinado por uma regra de proporcionalidade inversa entre a densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente (nº 2 do art. 312º do CVM). V - Sendo de categorizar os Recorrentes como investidores não qualificados, o cumprimento do dever de informar demanda um mais elevado grau de extensão e densidade, a ser correlacionado com o dever da contraparte de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento, bem como o manifestado maior ou menor empenho com esse fim.»
- 25-10-2018 (2581/16.8T8LRA.C2.S1): «I. Num contrato de intermediação financeira recai sobre o intermediário financeiro, o dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. Este dever, imposto ao intermediário financeiro, no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa-fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro. II. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte. III. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual – art. 483º, nº1, do Código Civil –, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº1, do Código Civil e nº2 do art. 304-A do CVM. IV. Estando demonstrado que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da actuação de boa-fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor e que ao invés lhe prestou informação ambígua tendente a convencê-lo da inexistência de risco ou de um risco igual ao de um depósito a prazo do próprio banco, é obvia a ilicitude de tal conduta e grave a culpa, porque deliberada e meticulosamente planeada.»
[3] Com o seguinte sumário:
«I. Os deveres de informação, no âmbito das atividades de intermediação financeira, apresentam-se como um mecanismo fulcral de proteção dos investidores, com especial enfoque nos mais vulneráveis, por forma a criar-lhes um clima de confiança e de segurança na aplicação das suas poupanças e proporcionar-lhes uma decisão consciente.II. O âmbito dos deveres de informação, a que o intermediário financeiro se encontra vinculado, é determinado quer em função da qualidade de informação, que deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita», incluindo, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar, quer em função do quantum da informação, balizado por uma regra de proporcionalidade inversa entre o grau de extensão e densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente/investidor, reportado ao produto financeiro em causa.III. A responsabilidade civil do intermediário financeiro, por violação dos deveres de informação, pressupõe, para além da sua culpa presumida, a prova, por parte do lesado, da ilicitude resultante do incumprimento dos referidos deveres bem como do nexo de causalidade adequada entre esse incumprimento e o dano sofrido pelo investidor.III. Demonstrado terem os clientes/investidores um perfil conservador e terem os mesmos confiado no banco, intermediário financeiro, para encontrar as aplicações financeiras mais adequadas às suas pretensões de apenas quererem investir através da subscrição de um produto financeiro “sem risco”, que oferecesse uma segurança semelhante a um depósito a prazo, mas que tivesse uma rentabilidade superior à deste, como era do conhecimento do funcionário do banco que lhes vendeu a obrigação subordinada CC 2006, era dever legal do banco informá-los, no momento da aquisição deste produto, acerca das reais características deste produto financeiro. (…) IV. Não tendo o banco intermediário, aquando da subscrição da obrigação CC 2006, dado a conhecer aos clientes/investidores as reais características deste produto financeiro, designadamente os maiores riscos envolvidos nesta operação, incluindo o especial risco de não retorno do capital investido em caso de insolvência da entidade emitente, factor que assume especial relevância visto estarmos perante uma obrigação subordinada com reembolso a dez anos e sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor, e tendo, em vez disso, assegurado aos clientes/investidores que a obrigação CC 2006 era equivalente a um depósito a prazo, tão segura como este, estando garantido o retorno do capital investido, incorreu o banco em violação dos deveres de informação a que, na sua atividade de intermediação, se encontrava vinculado, não podendo deixar de relevar esta sua atuação ilícita para efeitos de responsabilidade civil contratual».
[4] Acórdão de 06-11-2018 já citado.
[5] Acórdão desta Secção de 2-11-2010 (p. 2290/04.0TBBCL.G1.S1). V. ainda, a título de ex., os Acs. deste Tribunal de 3‑03‑2009 (p. 09A0009), de 27-01-2011 (p. 777/04.4TBALB.C1.S1), de 25-02-2014 (p. 5796/04.8TVLSB.L1.S1, in Sumários de Acórdãos de 2014) e de 24-11-2016 (p. 96/14.8TBSPS.C1.S1).
[6] Quando disciplinou a responsabilidade por danos ambientais, o legislador ofereceu uma mais precisa noção sobre tal conceito (cf. art. 5º do DL 147/2008): «A apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e considerando, em especial, o grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva, a possibilidade de prova científica do percurso causal e o cumprimento, ou não, de deveres de protecção».
[7] Cit. in CC Anotado, de P. Lima e A. Varela, I, 4ª ed. p. 578.