Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1286/21.8TELSB.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARIA OLINDA GARCIA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
DENÚNCIA
COMUNICAÇÃO
CARTA REGISTADA
AVISO DE RECEÇÃO
NOTIFICAÇÃO AO MANDATÁRIO
RESOLUÇÃO
FACTO EXTINTIVO
FALTA DE AVISO PRÉVIO
INEFICÁCIA
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
LOCADOR
LOCATÁRIO
Data do Acordão: 05/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I- A comunicação prevista no art.1098º, n.3 do CC, feita pelo arrendatário à mandatária do locador, num contexto de troca de correspondência no qual o locador havia passado a dirigir-se ao arrendatário através da sua mandatária, deve equiparar-se à comunicação feita diretamente para o domicílio do locador (constante do contrato), pois o n.3 do art.9º da Lei n.6/2006 também permite que as cartas sejam enviadas para o endereço constante da sua comunicação imediatamente anterior, podendo esta comunicação ser feita através de mandatário do locador.

II- Tendo o autor-locador confessado que a comunicação prevista no art.1098º, n.3 do CC foi recebida pela sua mandatária, no respetivo escritório, não se pode considerar essa comunicação ineficaz por não ter sido enviada diretamente ao locador para o domicílio constante do contrato.

III- A exigência de que as comunicações do arrendatário destinadas a extinguir o contrato de arrendamento sejam dirigidas, por carta registada com aviso de receção, para o domicílio do locado constante do contrato de arrendamento (quando não exista convenção em sentido diverso), como decorre dos números 1 e 3 do art.9º da Lei n.6/2006, não constitui uma formalidade substancialmente constitutiva dos direitos extintivos. Constitui, sim, uma formalidade respeitante à segurança e certeza das comunicações entre as partes, destinada, na essência, a cumprir uma função probatória.

IV- O arrendatário que comunica ao senhorio, em 03.12.2019, que pretende “denunciar” o contrato, com efeito em 31.12.2019, não tendo cumprido o prazo de pré-aviso previsto no n.3 do art.1098º, só pode alcançar o efeito extintivo dessa comunicação mediante o pagamento da penalização prevista no n.6 do art.1098º, correspondente ao tempo de pré-aviso em falta, que no caso concreto era o equivalente à renda de quatro meses (dado que o contrato tinha a duração de um ano). Não tendo o arrendatário procedido ao pagamento da penalização exigida pelo n.6 do art.1098º, aquela comunicação não produz o efeito extintivo do contrato. A inobservância do prazo de pré-aviso, previsto no n.3 do art.1098º, só não torna a comunicação ineficaz se existir pagamento da penalização prevista no n.6 desse artigo. Não existindo este pagamento, a comunicação é ineficaz por incumprimento do sucedâneo legal do prazo de pré-aviso que não foi observado.

V- Embora o n.6 do art.1098º não estabeleça expressamente o momento em que aquele pagamento deva ser efetuado, sendo esse pagamento um pressuposto do efeito extintivo da “denúncia”, ele deverá encontrar-se realizado no momento em que o contrato se deve extinguir.

VI- Não tendo o arrendatário procedido à oposição à renovação com a antecedência prevista no art.1098º, n.1 do CC, e não sendo eficaz a sua comunicação destinada a “denunciar” o contrato nos termos do art.1098º, n.3 e n.6, o contrato renova-se no final do seu prazo inicial. Não tendo o arrendatário procedido ao pagamento das rendas respeitantes aos últimos dois meses de vigência do prazo inicial do contrato, nem a qualquer mês do seu período de renovação, existe fundamento para a resolução do contrato, nos termos do art.1083º, n.3 do CC.

Decisão Texto Integral:


Processo n.1286/21.2T8LSB.L1.S1

Recorrente: “Laboratório de Ideias, Unipessoal, Ldª”

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA (locador) propôs ação declarativa de condenação com processo comum contra “Laboratório de Ideias, Unipessoal, Ldª” (arrendatária) e BB (fiador). Alegou ter celebrado um contrato de arrendamento com a 1ª ré, tendo o 2º outorgado esse contrato na qualidade de fiador.

Alegou ainda que os réus não procederam ao pagamento das rendas respeitantes aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2019, janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2020 e janeiro de 2021; e ainda que desconhece o estado em que o imóvel se encontra, uma vez que não tem acesso ao mesmo, o qual se encontra encerrado pela 1ª ré.

Pediu que fosse decretada a resolução do contrato de arrendamento comercial por falta de pagamento das rendas e decretado o despejo, condenando-se a 1ª ré a entregar o imóvel livre de pessoas e bens, e condenando-se os réus, solidariamente, a pagarem ao autor a quantia global de € 19.200,00, acrescida dos juros que se vencerem até efetivo e integral pagamento, contados da data da entrada em juízo da presente ação, bem como todas as rendas que se vencerem até à efetiva restituição do locado e as quantias que aquele venha a despender na reparação do locado, a liquidar em execução de sentença.

2. A ré – “Laboratório de Ideias” – não contestou, mas apresentou posteriormente um requerimento, juntando procuração forense e arguindo a omissão do ato da sua citação.

Porém, o tribunal proferiu despacho julgando improcedente o incidente de falta de citação da ré. De seguida, foi proferido despacho considerando confessados os factos alegados pelo autor.


3. A primeira instância veio a proferir a seguinte decisão:
«Na presente acção declarativa com processo comum proposta por AA contra LABORATÓRIO DE IDEIAS, UNIPESSOAL, LDA. e BB, decido:

1 - Julgar parcialmente procedente a acção e consequentemente:

a) resolver o contrato de arrendamento urbano celebrado entre a Autora e a Ré relativo à fracção autónoma designada pela letra ... do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...5, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...80 da freguesia ... (antigo artigo ... da freguesia ...) e condena-se a 1 ª Ré a entregar de imediato ao Autor o locado livre e desocupado de pessoas e bens;

b) condenar os Réus a pagar ao Autor a quantia de € 19.200,00 de rendas vencidas relativas aos meses de Outubro de 2019 a Janeiro de 2021, bem como as rendas entretanto vencidas e não pagas até ao trânsito em julgado da presente decisão que declara a resolução do contrato de arrendamento;

2 - Julgar parcialmente improcedente a acção e consequentemente:

a) absolver os Réus dos juros de mora peticionados;

b) absolver os Réus do pedido de condenação solidária de pagamento de todas as quantias que aquele venha a despender na reparação do locado, a liquidar em sede de execução de sentença.

3 - Improcedente o pedido de condenação no pagamento de todas as custas e despesas processuais, honorários do mandatário do Autor e mais que for de lei, de acordo com liquidação que se relega para momento posterior em sede de execução de sentença.»

4. Inconformada com essa decisão, a 1ª ré interpôs recurso de apelação, alegando, além das razões a si diretamente respeitantes, que o 2º réu não tinha intervindo no contrato de arrendamento como fiador.

5. Por acórdão de 11.10.2022, o TRL julgou a apelação parcialmente procedente, revogando a decisão apelada na parte em que havia condenado o 2º réu (o fiador), mantendo-se a mesma quanto ao resto.

6. Inconformada com o Acórdão do TRL, a apelante interpôs o presente recurso de revista, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

«a. A comunicação ao senhorio da denuncia do contrato é formalidade ad substanciam e a mesma foi cumprida através do envio de carta registada com aviso de recepção enviada para o domicilio profissional das reconhecidas advogadas, mandatárias e representantes do autor de onde emanou toda a correspondência relativa àquele contrato de arrendamento;

b. A exigência de carta com aviso de recepção enviada pelo arrendatário ao senhorio para o domicilio deste é uma mera formalidade ad probationem que pode ser substituída pela confissão do autor, aceite pela ré, de que a carta foi enviada às suas advogadas, mandatárias e em sua representação, como na realidade aconteceu e foi dado como provado nos autos;

c. Ao decidir-se, como se decidiu, no acórdão recorrido, que a comunicação prevista no artigo 1098º do Código Civil teria de ser feita ao senhorio ou a quem este tenha conferido poderes para tanto, cometeu;

i. Um erro de facto, porquanto, na realidade, as cartas foram enviadas para o domicilio profissional das advogadas e mandatárias do autor, e por este reconhecido que agiam em sua representação;

ii. Violação do disposto no artº 1098º, que exige apenas a formalidade da comunicação ao senhorio, que foi cumprida;

iii. Erro de interpretação e aplicação do artº 9º, nº 1 da NLAU, porquanto as formalidades de comunicação aí referidas são meras formalidades ad probationem.

d. Tendo a denúncia do contrato produzido os seus efeitos de fazer cessar o contrato em 31 de Dezembro de 2019, o mesmo não pode ser resolvido posteriormente.

Nestes termos e nos demais que V. Exas se dignarão suprir, deve ser concedida a revista, com a consequente revogação da resolução do contrato decretada pela Primeira Instância e confirmada pela Relação de Lisboa, por o mesmo ter sido denunciado antes daquela resolução – com todas as consequências legais e assim se fazendo Justiça.»

7. O recorrido – AA – apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

«a) Está, pois, assente que a carta comunicando a intenção de não renovação do contrato foi enviada para lá do prazo previsto no artigo 1098º do CC, facto que as então apelantes, como é também sabido, então nem sequer refutaram;

b) No caso vertente, as cartas não foram dirigidas ao senhorio nos termos prescritos na lei, e nada está provado quanto ao acordo das partes no sentido de estipularem qualquer outra morada ou forma de comunicação, nomeadamente face ao teor da cláusula 11ª do contrato de arrendamento onde as partes acordam, para efeitos do disposto no artigo 9º do NLAU, como morada do senhorio a que consta do contrato e para a arrendatária a do locado, pelo que;

c) Não tendo a então R. denunciado o contrato antes de ele se renovar, o mesmo renovou-se no dia 1 de janeiro de 2020 por mais três anos, existindo, pois, fundamento para a sua resolução.

Nestes termos e nos demais que V. Exas se dignarão suprir, deve ser negada a peticionada revista, com a consequente manutenção da decisão de Primeira Instância, confirmada pela Relação de Lisboa, assim se fazendo Justiça»

8. No tribunal recorrido, foi proferido Acórdão em Conferência, em 10.01.2023, que deferiu a pretensão do recorrente em matéria de custas, tendo retificado o acórdão recorrido nos seguintes termos:

«Em face do exposto, defere-se a rectificação requerida, passando a parte final do acórdão a ter a seguinte redacção:

 “As custas devidas ficam a cargo da apelante Laboratório de Ideias e do apelado na proporção de 50% para a apelante Laboratório de Ideias e 50% para o apelado, cfr. art. 527º do CPC.”»

Cabe apreciar.

II. APRECIAÇÃO E FUNDAMENTOS DECISÓRIOS

1. Admissibilidade e objeto do recurso

1.1. À presente ação de despejo foi atribuído o valor de 55.200 Euros (art.289º, n.1 do CPC), e tendo a decisão recorrida sido desfavorável à ré- recorrente, esta tem legitimidade para interpor o presente recurso (por se preencherem os pressupostos de recorribilidade previstos no art.629º, n.1 do CPC).

Apesar de o acórdão recorrido ter confirmado a decisão da primeira instância no que respeita à condenação da 1ª ré, agora recorrente, a fundamentação não foi essencialmente a mesma, pois na segunda instância apreciou-se a questão prévia de saber se o contrato de arrendamento já teria sido extinto por iniciativa do arrendatário, antes de 31.12.2019, o que implicaria a não renovação do contrato e a ausência do dever de pagar rendas correspondentes ao período de renovação, enquanto que na primeira instância se apreciou apenas a questão da resolução do contrato por falta de pagamento de rendas (devidas no período da renovação do contrato). Concluiu-se, assim, que apesar de ambas as instâncias terem entendido que o contrato de arrendamento fora extinto por resolução, as respetivas fundamentações não são essencialmente coincidentes. Deste modo, não existe o limite da dupla conforme, sendo a revista admissível nos termos do art.671º, n.1 e n.3 do CPC.

1.2. Sendo o objeto do recurso traçado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do art.635º, n.4 do CPC, o objeto da presente revista é o de saber se o contrato de arrendamento foi atempadamente denunciado pela arrendatária (como ela defende), ou se esse contrato se renovou, por ela não ter adotado o comportamento adequado à produção do efeito extintivo do contrato. Caso se conclua que o contrato se renovou, cabe apurar se a decisão recorrida decidiu corretamente quando confirmou a sentença que havia declarado a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas.

2. A factualidade relevante

A sentença não transcreveu os factos que considerou provados. Em matéria de fundamentação de facto (dado que a ré não contestou a ação), limitou-se a afirmar: «Atento o disposto no artigo 567.º, n. 1 e n. 3 do Código de Processo Civil e face à manifesta simplicidade da questão, dou por integralmente reproduzidos os factos articulados pelo Autor

Formulação esta que foi reproduzida no acórdão recorrido, o qual também não transcreveu de modo autónomo a factualidade que lhe serviu de base.

Assim, respiga-se dos autos, com relevância direta para a presente decisão, a factualidade que consta do relatório supra apresentado e ainda os seguintes factos extraídos da petição inicial do autor (dados como provados pela primeira instância por falta de contestação dos réus):

 - O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo de um ano, e teve inicio no dia 1 de janeiro de 2019.

- As partes convencionaram que, findo o prazo inicial, o contrato se renovaria automaticamente, por sucessivos períodos de 3 anos, enquanto não fosse denunciado por qualquer delas, com a antecedência de 120 dias em relação ao fim do prazo ou das suas renovações (arts. 2º a 5º da petição inicial).

- A renda convencionada foi de 1.200 Euros mensais, a pagar até o primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeitasse, por transferência bancária para a conta do senhorio com o número indicado no contrato de arrendamento (art.6º da p. i.).

- O imóvel arrendado destinou-se a fim não habitacional, concretamente a “atelier e show room” (art.12º da p. i.).

- A 1ª ré, através de carta registada com aviso de receção, expedida no dia 3 de dezembro de 2019, para o escritório da mandatária do autor, com o título “Rescisão de contrato” referiu rescindir o contrato de arrendamento da loja, pretendendo que este pedido fosse retroativo à data de 31 de agosto (artigos 35º e 36º da p. i.).

- Nos termos da cláusula 11º do contrato de arrendamento, as comunicações do arrendatário deveriam ser enviadas, através de carta registada com aviso de receção para o domicílio do senhorio (artigo 41º da p. i.).

- A ré não procedeu ao pagamento das rendas respeitantes aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2019, janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2020 e janeiro de 2021.

- O local arrendado foi encerrado pela ré e o senhorio não tem acesso ao local (pontos 74 e 75 da p. i.)

- Em 07.12.2020, a ré ainda mantinha as chaves do locado na sua posse, como afirma na carta enviada às mandatárias do autor, e ainda não tinha procedido ao pagamento das rendas exigidas pelo autor (ponto 61º da p. i.).

3. O direito aplicável

3.1. Entende a ré-recorrente que a carta registada com aviso de receção que enviou às advogadas do senhorio, no dia 3 de dezembro de 2019, destinada a denunciar o contrato de arrendamento, nos termos do art.1098º, n.3 do CC, teve como efeito a extinção desse contrato em 31.12.2019 e, consequentemente, a não renovação desse contrato. E defende que a comunicação enviada às advogadas do senhorio, cujo recebimento se encontra provado nos autos, teve o mesmo efeito que teria a comunicação enviada diretamente ao senhorio, por entender que a exigência feita pelo art.9º da Lei n.6/2006 (estabelecendo que a comunicação é enviada ao senhorio) é uma formalidade ad probationem, pelo que deveria considerar-se como se tivesse sido feita na pessoa do senhorio.

3.2. O acórdão recorrido fundamentou a sua decisão, no que respeita à matéria que agora é objeto de revista, nos seguintes termos:

«Nos presentes autos, considerando a data de início do contrato – 01/01/2019 – e o seu prazo de duração – um ano –, por forma a obstar à renovação automática do contrato, teria a R., ora apelante, de ter procedido à comunicação da não renovação no prazo no art. 1098ºdo CC, ou no prazo acordado entre as partes como vem alegado.

Dos factos alegados pelo A. e dados como confessados, em particular nos arts. 35º e 36º da petição inicial, extrai-se que a 1ª R., através de carta registada com aviso de recepção, expedida no dia 3 de Dezembro de 2019, para o escritório da ilustre mandatária do A., com o título “Rescisão de contrato” referiu vir rescindir o contrato de arrendamento da loja, sendo este pedido é retroactivo a data de 31 de Agosto, e ainda que a 1ª R, através de carta registada com aviso de recepção, expedida no dia 3 de Dezembro de 2019, para o escritório da ilustre mandatária do A., referiu a sua intenção de rescindir o contrato e ainda ter enviado cartas que vieram devolvidas.

Refira-se que não está assente qualquer comunicação prévia ao dia 3 de Dezembro de 2019, ainda que sem obedecer à tramitação legal, já que toda a alegação efectuada nesse sentido não tem qualquer suporte fáctico.

Constata-se, assim, que está assente que a carta comunicando a intenção de não renovação do contrato foi enviada para lá do prazo previsto no art. 1098º do CC, facto que os apelantes não refutam.

Questão que ora se coloca é saber se, ainda assim, ela produz efeitos, nos termos previstos no art. 1098º, nº 6 do CC, como defendem os apelantes.

Recorde-se que está provado que as cartas em apreço foram expedidas para o escritório da ilustre mandatária do A., pretendendo, por essa via, a R. obstar à renovação do contrato.

Ora, a comunicação prevista no art. 1098º do CC tem de ser feita ao senhorio ou a quem este tenha conferido poderes para tanto. Neste sentido, veja-se, Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e Joao Caldeira Jorge, in Arrendamento Urbano, 3ª edição, págs. 40 e ss.

Assim, nos termos do art. 9º, nº 1 do NLAU, “as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção”, mais se referindo no nº 3 deste preceito que “As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior”.

Ora, no caso vertente, as cartas não foram dirigidas ao senhorio nos termos prescritos na lei e nada está provado quanto ao acordo das partes no sentido de estipularem qualquer outra morada ou forma de comunicação, nomeadamente face ao teor da cláusula 11ª do contrato de arrendamento onde as partes acordam, para efeitos do disposto no art. 9º do NLAU, como morada do senhorio a que consta do contrato e para a arrendatária a do locado.

Donde, tem de se concluir pela ineficácia da comunicação efectuada pela R., não se podendo concluir por uma situação de denúncia do contrato de arrendamento sub judice.

Consequentemente, não tendo a R. denunciado o contrato antes de ele se renovar, o mesmo renovou-se no dia 1 de Janeiro de 2020 por mais três anos, existindo fundamento para a sua resolução, assim improcedendo este fundamento da apelação.»

3.3. Está em causa, nos presentes autos, um contrato de arrendamento para fim não habitacional, celebrado pelo prazo inicial de um ano, com início em 1 de janeiro de 2019, e renovável pelo prazo de 3 anos, caso as partes não impedissem, nos termos legais, a sua renovação.

A finalidade do arrendamento, a modalidade temporal convencionada e, em certa medida, o momento da sua celebração influenciam o regime legal a aplicar.

Tratando-se de um arrendamento para fim não habitacional, o regime da respetiva duração e extinção decorre, desde logo, do disposto no art.1110º, n.1, o qual dispõe:

«As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte.»

Assim, no exercício da liberdade contratual que o art.1110º, n.1 lhes confere, as partes convencionaram a modalidade temporal aplicável, bem como os concretos prazos de duração inicial e de renovação, celebrando um contrato com prazo certo, com a duração inicial de um ano, e com renovação por três anos. Porém, não estabeleceram convenções específicas sobre o modo de extinção do contrato.

Deste modo, no que respeita à extinção do contrato por iniciativa do arrendatário (que é o que, em primeiro lugar, interessa à solução do caso concreto), a norma do regime do arrendamento habitacional para a qual remete o art.1110º, n.1 do CC, é o art.1098º, porquanto está em causa um contrato celebrado com prazo certo.

O modo próprio de desvinculação por declaração de vontade do arrendatário, neste tipo de contratos, é a oposição à renovação, enviada com a antecedência prevista nas diversas alíneas do n.1 do art.1098º.

Tratando-se de um contrato celebrado com a duração inicial de um ano, a ré-arrendatária teria de ter comunicado ao autor-senhorio, com a antecedência de 120 dias em relação ao final do prazo inicial convencionado (31 de dezembro de 2019), que não pretendia a renovação do contrato. Porém, como consta dos autos, esse pré-aviso não foi observado pela arrendatária.

Dado que a oposição à renovação produz efeitos apenas no final do prazo convencionado (ou das respetivas renovações), o legislador da Lei n.6/2006 estabeleceu um modo de desvinculação alternativo, pensando sobretudo nos contratos celebrados com prazos (iniciais ou de renovação) bastante longos, que denominou como “denuncia”[1]. Em rigor, trata-se de uma revogação unilateral por declaração de vontade do arrendatário, dado que o termo “denúncia”, em sentido técnico, é o modo de desvinculação próprio dos arrendamentos de duração indeterminada (vd. art.1100º e 1101º).

Este direito de “denúncia” permitiria ao arrendatário[2] de um contrato com prazo certo, tipicamente longo, desvincular-se antes do tempo em que o poderia fazer por meio da oposição à renovação. O legislador tinha subjacente a ideia de permitir ao arrendatário extinguir antecipadamente o contrato (embora observando um pré-aviso ou pagando uma compensação pelo tempo não observado), quando, por alguma razão (pessoal ou profissional) inicialmente imprevista, deixasse de necessitar desse local ou aí não pudesse continuar a viver. Tais tipos de razões vieram a ser expressamente enunciados pela Lei n.13/2019, ao alterar a parte final do n.6 do art.1098º, estabelecendo as hipóteses nas quais o arrendatário habitacional não será penalizado pelo incumprimento do pré-aviso da “denúncia” (desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho, morte da pessoa que vive em economia comum com o arrendatário.)

O regime da “denúncia” do contrato de arrendamento com prazo certo encontra-se atualmente previsto nos seguintes números do art.1098º:

«3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte:

a) 120 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for igual ou superior a um ano;
b) 60 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for inferior a um ano
.

5 - A denúncia do contrato, nos termos dos n.os 3 e 4, produz efeitos no final de um mês do calendário gregoriano, a contar da comunicação.

6 - A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, exceto se resultar de desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do arrendatário ou de pessoa que com este viva em economia comum há mais de um ano.[3]»

Conferindo ao arrendatário o direito de extinguir o contrato antecipadamente (contra a expetativa do locador de que o contrato durasse até ao final do prazo convencionado ou da renovação), o legislador não deixou, porém, de atender, em alguma, medida ao interesse do locador, estabelecendo prazos de pré-aviso para que o locador tenha tempo de procurar um novo arrendatário.

No caso concreto, porque o prazo convencionado era de um ano, esse prazo seria de 120 dias em relação ao momento em que o arrendatário pretenderia cessar o contrato (projetando-se, todavia, para o final do mês em que devesse terminar, como decorre do n.5). Porém, como decorre dos autos, o arrendatário enviou a sua comunicação ao senhorio em 3 de dezembro de 2019, não respeitando, assim, a antecedência necessária para que o contrato terminasse por “denúncia” antes de 31 de dezembro de 2019.

3.4. Para a hipótese de o arrendatário ter maior urgência em extinguir o contrato, não lhe sendo possível cumprir os prazos de pré-aviso previstos no n.3 do art.1098º, o legislador criou a possibilidade, atualmente prevista no n.6 deste artigo, de o contrato se extinguir num prazo mais curto, indicado pelo arrendatário, mediante o pagamento das rendas correspondentes ao número de meses de pré-aviso que o arrendatário não cumpriu. Pagando esta penalização (que compensa a eventual perda de rendimento do locador, prevendo-se a hipótese de não encontrar, imediatamente, outro arrendatário), o arrendamento extingue-se, devendo o arrendatário entregar, de imediato, o imóvel, pois esse é um dever inerente à extinção do contrato, como decorre do art.1038º, alínea i) do CC.

É esta a hipótese de desvinculação que a arrendatária recorrente defende ser aplicável ao caso concreto. Efetivamente, na sua perspetiva, a carta que enviou às mandatárias do locador, em 3 de dezembro de 2019, destinada à denúncia do contrato, teria produzido a respetiva extinção em 31.12.2019, evitando, portanto, a sua renovação. Assim, tenho o contrato terminado em 31.12.2019, no seu entendimento, não seriam devidas quaisquer rendas a partir daí. Logo, não haveria fundamento para resolver o contrato com base na falta de pagamento de rendas devidas a partir dessa data.

3.5. No acórdão recorrido chega a equacionar-se a questão da operatividade da comunicação enviada pela arrendatária, em 03.12.2019, destinada a produzir a denúncia do contrato nos termos do art.1098º, n.3 e n.6 do CC. Efetivamente, afirma-se nesse aresto: «(…) está assente que a carta comunicando a intenção de não renovação do contrato foi enviada para lá do prazo previsto no art. 1098º do CC, facto que os apelantes não refutam.

Questão que ora se coloca é saber se, ainda assim, ela produz efeitos, nos termos previstos no art. 1098º, nº 6 do CC, como defendem os apelantes.»

Todavia, o acórdão recorrido acabou por não dar resposta direta a esta questão, na medida em que entendeu que a comunicação enviada pela ré não produziu quaisquer efeitos por não ter sido enviada para o domicílio do locador, como estabelece o art.9º da Lei n.6/2006. A questão dos requisitos próprios da “denúncia” do contrato ficou, assim, consumida pela resposta dada à questão prévia de saber se a comunicação teria sido enviada para o local correto.

Deste enunciado decorrem duas questões. Por um lado, saber se a comunicação enviada às mandatárias do locador pode ser considerada como se tivesse sido enviada ao próprio locador para efeitos do art.9º da Lei n.6/2006. Por outro lado, respondendo-se afirmativamente à primeira questão, saber se, mesmo assim, se poderão considerar preenchidos os pressupostos para que o contrato tivesse sido extinto, em 31.12.2019, nos termos do art.1098º, n.3 e n.6 do CC.

 

3.6. Quanto à temática das comunicações entre as partes, no quadro da relação de arrendamento urbano, regem os artigos 9º a 12º da Lei n.6/2006.

Para o caso concreto interessa apenas a matéria das comunicações enviadas pelo arrendatário ao senhorio, tendo em vista a extinção do contrato.

Sobre tal matéria dispõe o art.9º da Lei n.6/2006, nos seguintes termos:

«1- Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, atualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção.

2 – (…)

3 - As cartas dirigidas ao senhorio devem ser remetidas para o endereço constante do contrato de arrendamento ou da sua comunicação imediatamente anterior

 No contrato de arrendamento em causa foi convencionado que as comunicações da arrendatária deviam ser enviadas para a residência do locador, constante desse contrato.

Porém, as instâncias deram como provado que a carta enviada pela arrendatária, em 03.12.2019, destinada a operar a “denúncia” do contrato foi recebida pela mandatária do senhorio.

Tendo essa carta sido enviada num contexto de troca de correspondência no qual o locador havia passado a dirigir-se à arrendatária através da sua mandatária, tal comunicação deve equiparar-se à comunicação feita diretamente para o domicílio do locador, constante do contrato de arrendamento, pois o n.3 do art.9º da Lei n.6/2006 também permite que as cartas sejam enviadas para o endereço constante da sua comunicação imediatamente anterior, podendo esta comunicação ser feita através de mandatário do locador.

Embora se compreenda que o legislador possa ter tipicamente pensado nos casos de mudança (definitiva ou temporária) de endereço do locador ao estabelecer a alternativa prevista na parte final do n.3 do art.9º, referindo-se ao endereço da “comunicação imediatamente anterior”, tal formulação é suficientemente ampla para acomodar a hipótese de a comunicação imediatamente anterior ser enviada pelo mandatário do locador em nome e no interesse do locador.

A exigência de que as comunicações do arrendatário destinadas a extinguir o contrato de arrendamento sejam dirigidas, por carta registada com aviso de receção, para o domicílio do locado (quando não exista convenção em sentido diverso), como estabelece o art.9º da Lei n.6/2006, não constitui uma formalidade substancialmente constitutiva dos direitos extintivos. Constitui, sim, uma formalidade respeitante à segurança e certeza das comunicações entre as partes, destinada, na essência, a cumprir uma função probatória.

Tendo o autor-locador confessado que a comunicação prevista no art.1098º, n.3 do CC foi recebida pela sua mandatária, no respetivo escritório, não se pode considerar essa comunicação ineficaz por não ter sido enviada diretamente ao locador para o seu domicílio.

Neste ponto divergimos, portanto, no presente acórdão, do que se entendeu no acórdão recorrido.

3.7. Concluindo-se que o facto de o arrendatário ter enviado a comunicação em causa à mandatária do locador, em vez de diretamente para o domicílio constante do contrato, não torna, por si só, essa comunicação ineficaz, importa agora indagar se estão reunidos os demais requisitos exigidos para a produção do efeito extintivo daquela comunicação, nos termos dos números 3 e 6 do art.1098º do CC.

Como consta da factualidade provada, a arrendatária comunicou à mandatária do senhorio, em 03.12.2019, que pretendia “denunciar” o contrato, pretendendo atribuir-lhe efeito retroativo a agosto desse ano, e não pretendendo a sua renovação (que ocorreria a 31.12.2019).

É inequívoco que não cumpriu o prazo de pré-aviso exigido pelo n.3, alínea a), que seria de 120 dias antes do momento em que pretendia que o contrato se extinguisse, não podendo essa comunicação ter efeito retroativo como decorre do n.5 do art.1098º.

Assim, para que o contrato se extinguisse no final de dezembro de 2019, como a arrendatária pretendia (não se operando, consequentemente, a sua renovação), ela teria de ter procedido ao pagamento da penalização prevista no n.6 do art.1098º, correspondente ao tempo de pré-aviso em falta, que no caso concreto era o equivalente à renda de quatro meses.

Não tendo a arrendatária procedido ao pagamento da penalização exigida pelo n.6 do art.1098º, aquela comunicação não produz o efeito extintivo do contrato.

Efetivamente, a inobservância do prazo de pré-aviso, previsto no n.3 do art.1098º só não torna a comunicação ineficaz se existir pagamento da penalização prevista no n.6 desse artigo. Não existindo este pagamento, a comunicação é ineficaz por incumprimento do sucedâneo legal do prazo de pré-aviso que não foi observado.

Embora o n.6 do art.1098º não estabeleça expressamente o momento em que aquele pagamento deva ser realizado, facilmente se concluiu que, sendo esse pagamento um pressuposto do efeito extintivo da “denúncia”, ele deverá encontrar-se realizado no momento em que o contrato se deve extinguir. No caso concreto, pretendendo a arrendatária que o contrato se extinguisse até ao final de dezembro de 2019, devia ter procedido ao pagamento do valor correspondente aos quatro meses de renda até essa data. Todavia, não realizou esse pagamento (nem nessa data, nem em qualquer data posterior).

Assim, concluindo-se que a arrendatária não procedeu à eficaz “denúncia” do contrato de arrendamento dentro do seu primeiro ano de vigência, este renovou-se pelo prazo convencionado.

Tendo-se operado a renovação do contrato, e caso a arrendatária não pretendesse a sua continuação, voltaria a dispor do direito de “denúncia” previsto no n.3 do art.1098º, logo que decorresse um terço do prazo da renovação, desde que comunicasse essa intenção com a antecedência legalmente prevista (ou desde que pagasse a penalização prevista no n.6). Porém, da factualidade assente não consta que a arrendatária tivesse voltado a comunicar a intenção de “denunciar” o contrato depois de ter ocorrido a sua renovação.

Deve ainda notar-se que a arrendatária além de não ter procedido ao pagamento necessário para que a “denúncia” se tornasse eficaz, não procedeu à restituição do local arrendado, devolvendo a respetiva chave (que manteve na sua posse por mais de um ano, impedindo o locador de aceder ao imóvel), incumprindo, assim, a obrigação estabelecida no art.1038º, alínea i) do CC. Poderia ainda acrescentar-se que, em termos gerais, sempre tal tipo de comportamento de um qualquer arrendatário seria suscetível de o fazer incorrer no pagamento da indemnização prevista no art.1045º do CC.

3.8. Não tendo o arrendatário procedido à oposição à renovação com a antecedência prevista no art.1098º, n.1 do CC, e não sendo eficaz a sua comunicação destinada a “denunciar” o contrato nos termos do art.1098º, n.3 e n.6, o contrato renovou-se no final do seu prazo inicial, ou seja, em 01.01.2020. Não tendo o arrendatário procedido ao pagamento das rendas respeitantes aos últimos dois meses de vigência do prazo inicial do contrato, nem a qualquer mês do seu período de renovação, como se encontra provado, existe fundamento para a resolução do contrato, nos termos do art.1083º, n.3 do CC.

Neste quadro, conclui-se que as instâncias decidiram acertadamente quando decretaram a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas.

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DECISÃO: Pelo exposto, decide-se negar a revista, confirmando o acórdão recorrido, embora com fundamentação parcialmente diversa.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 03.05.2023

Maria Olinda Garcia (Relatora)

Ricardo Costa

António Barateiro Martins

Sumário, art.o 663, n.o 7, do CPC.


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[1] Esta solução foi originariamente consagrada no n.2 do art.1098º do CC (redação original da Lei n.6/2006), com o seguinte teor: «Após seis meses de duração efectiva do contrato, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 120 dias do termo pretendido do contrato, produzindo essa denúncia efeitos no final de um mês do calendário gregoriano
[2] Trata-se de um direito de “denúncia” específico do arrendatário, pois a lei não confere ao senhorio um equivalente direito de “denúncia” nos arrendamentos com prazo certo.
[3] A exceção constante da parte final deste n.6 foi introduzida pela Lei n.13/2019 (de 14 de agosto).