Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1547/21.0PBCBR.C1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ERNESTO VAZ PEREIRA
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
PERDA ALARGADA
Data do Acordão: 06/29/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :
I. O princípio da intervenção parcimoniosa do STJ em sede de determinação da medida da pena vem sendo defendido pela jurisprudência do STJ, mas não obsta, porém, a parcimónia do princípio a que, surpreendendo-se desproporção da quantificação operada (rectius, violação do princípio da proporcionalidade), se possa alterar a medida da pena.

II. Jurisprudência no sentido de que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada. E só se justificará se, for de concluir, face aos factos julgados provados, que o Tribunal recorrido falhou na indicação de algum dos fatores relevantes para o efeito ou se, pelo contrário, valorou outros que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, se tiver violado as regras da experiência ou se o quantum fixado se mostrar de todo desproporcionado em comparação com o que para casos semelhantes vem sendo decidido, nessa matéria, pelo STJ.

III. Jurisprudência utilizável quer nos recursos apresentados pelo arguido em pretendido abaixamento da pena quer, como no caso, nos recursos interpostos pelo Ministério Público em peleja pelo agravamento da pena.  

IV. Importa realçar neste caso, além do muito mais, que as necessidades de prevenção geral positiva são muito elevadas, já que estamos perante vários furtos a residências particulares, reduto privado e íntimo que a comunidade quer como inviolável e inexpugnável e que geram alarmante sentimento de insegurança geral. 

V. E, como se sabe, em relação ao crime de furto qualificado, o bem jurídico protegido apresenta-se, não na formulação linear da protecção de uma específica realidade patrimonial, como no furto simples, mas na defesa de um bem jurídico formalmente poliédrico ou multifacetado, isto é, se na raiz temos uma face que é igual para todas as circunstâncias, o ataque a um bem jurídico de raiz patrimonial com o sentido jurídico-penal traduzível no furto simples, não é menos verdade que, depois, o bem jurídico que cada uma das circunstâncias acrescenta transformando, assim, cada uma delas, em realidades normativas que protegem bens jurídicos poliédricos, é absolutamente distinto e diferenciado relativamente a cada uma das alíneas (Cfr. Faria Costa, artº 204º, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo II, Volume I, pág. 70).

VI. A perda de vantagens prevista no artigo 110 do CP é um instituto ligado à ideia de que “o crime não compensa” e que o agente deverá voltar ao estado inicial antes de beneficiar da vantagem patrimonial causada em consequência de um facto antijurídico. O arguido deve voltar a estar na situação patrimonial em que se encontrava antes da prática do crime, não mais “pobre” do que estava mas também não enriquecido pelo facto ilícito.

VII. Aqui é inegável que o arguido obteve com a prática dos crimes de furto por que foi condenado vantagens de carácter patrimonial no quantum global de 22 600.00 €, correspondentes aos objetos e valores furtados e que não foram recuperados pelos ofendidos. A vantagem patrimonial obtida pelo autor de um crime de furto corresponde, inversamente, ao prejuízo patrimonial das vítimas. E, a não ser declarada a perda de tal vantagem, estar-se-á a deixar o arguido enriquecido em igual montante.

VIII. No caso estão, pois, preenchidos os pressupostos de declaração de perda de vantagens.

Decisão Texto Integral:

Acordam os juízes da 3ª Secção Criminal:


I. RELATÓRIO


I.1. No Tribunal Judicial da Comarca de ... Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., por acórdão de foi condenado o arguido AA, pela prática em autoria material, na forma consumada e concurso efectivo e de forma reincidente, nos termos dos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, n.º 1, 75.º e 76.º todos do CP de:

- 7 (sete) crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.ºs 1, als. a) e h) e 2, als. a) e e) ambos do Código Penal, na pena de três anos de prisão por cada um dos crimes;

- 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, al. m e 3.º, n.º 2, al. ab) todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, na pena de um ano de prisão;

- Em cúmulo jurídico na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis)meses de prisão efectiva.


I.2. Recorreu o MP e apresentou as seguintes conclusões:

“Nos presentes autos, foi o arguido AA condenado:

pela prática em autoria material, na forma consumada e concurso efectivo e de forma reincidente, nos termos dos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 30.º, n.º 1, 75.º e 76.º todos do CP de: 7 (sete) crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.ºs 1, als. a) e h) e 2, als. a) e e) ambos do Código Penal, na pena de três anos de prisão por cada um dos crimes;

- 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d), por

referência aos artigos 2.º, n.º 1, al. m e 3.º, n.º 2, al. ab) todos do Regime Jurídico das

Armas e Munições, na pena de um ano de prisão;

- Em cúmulo jurídico na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis)meses de prisão efectiva.”

2.º

Mais se julgou provado o teor dos antecedentes criminais do arguido:

““50.O arguido foi condenado, além do mais:

- por acórdão de 10/12/2014, transitado em julgado em 09/01/2015, proferido no Processo Comum Colectivo n.º 208/13...., que correu os seus termos no Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., pela prática, 09/2013, de 4 crimes de furto qualificado, um crime de dano qualificado, um crime de coacção agravado, na pena de seis anos e nove meses de prisão efectiva.

- por acórdão de 26/05/2015, transitado em julgado em 26/06/2015, proferido no Processo Comum Colectivo n.º 272/13...., que correu os seus termos no Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., pela prática, 24/12/2013, de 5 crimes de furto qualificado, na pena de seis anos e nove meses de prisão efectiva.

- por acórdão de 27/10/2015, transitado em julgado em 26/11/2015, proferido no Processo Comum Colectivo n.º 580/14...., que correu os seus termos no Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., pela prática, 26/03/2014, de 1 crime de furto qualificado, na pena de três anos e três meses de prisão efectiva.

- por acórdão de 36/10/2017, transitado em julgado em 27/11/2017, proferido no Processo Comum Colectivo n.º 315/14...., que correu os seus termos no Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., pela prática, 23/02/2014, de 1 crime de furto qualificado e de 1 crime de dano qualificado, na pena de cinco anos de prisão efectiva.

- por acórdão de 24/03/2017, transitado em julgado em 02/05/2017, proferido no Processo Comum Colectivo n.º 85/14...., que correu os seus termos no Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., pela prática, 03/04/2014, de 1 crime de furto qualificado, na forma tentada, na pena de 18 meses de prisão efectiva.

- por acórdão cumulatório proferido pelo Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., no Processo Comum Colectivo 315/14...., pela prática dos crimes supra referidos, na pena única de 12 anos de prisão efectiva.”.

3.º

Sem desmerecer a postura processual do arguido em juízo, pois “O arguido, confessou, no essencial os factos imputados, com excepção dos constantes nos art.º 10, 31 e 38 da acusação (e factualidade provada), negando que tenha sido o autor dos mesmos.”, parece-nos, porém, que o valor da confissão ainda assim é relativo, atendendo ao abundante acervo de matéria probatória carreada para os autos, designadamente o teor dos exames lofoscópicos.

4.º

Entendeu o Tribunal aplicar ao arguido a pena de 3 anos de prisão, por cada um dos crimes de furto qualificado que lhe estavam imputados e, relativamente ao crime de detenção de arma proibida, o Tribunal entendeu adequada a pena de 1 ano de prisão, sendo condenado numa pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

5.º

No caso concreto, a pena única aplicável tem como limite mínimo 3 anos e como limite máximo 21 anos de prisão.

6.º

Ora, a pena única encontrada pelo Tribunal situa-se demasiado próximo do limiar mínimo, o que, em nosso entender, não acautela devidamente as necessidades de prevenção geral e especial que in casu se fazem sentir, ficando bem aquém da culpa do

arguido, o qual, como refere o Tribunal, é condenado como reincidente.

7.º

O arguido cometeu os factos respeitantes aos crimes de furto no lapso de tempo compreendido entre 08/11/2021 e 24/01/2022, tudo permitindo concluir tratar-se do designado crime spree, ou seja, uma série de crimes cometidos pelo mesmo agente uma sequência rápida.

8.º

A pena única deveria ter consideração, em conjunto, a personalidade revelada pelo arguido e os factos, devendo avaliar-se a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos se verifique, e sendo certo que o arguido conta com vários antecedentes criminais por crimes contra o património e evidencia fortes carências e fragilidades num contexto de desestruturação laboral, familiar e de consumos de substâncias aditivas.

9.º

Assim, pelo exposto, deve o arguido ser condenado em pena única não inferior a sete anos e seis meses de prisão efectiva.

10.º

Ao condenar o arguido numa pena única abaixo do limiar que as necessidades de prevenção geral e especial consentem, bem como abaixo do juízo de censura respeitante à culpa e atendendo à reincidência do arguido, violou o Tribunal o disposto nos art.s 40.º, 70.º, 71.º , 75.º , 77.º, todos do Código Penal.

11.º

No que respeita ao segmento da decisão quanto à declaração de perda das vantagens do facto ilícito típico a favor do estado – PERDA CLÁSSICA, o Ministério Público, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 110.º n.º 1 alínea b), n.º 3, n.º 4 e n.º 6 do Código Penal, havia requerido que a perda das vantagens obtidas pelo arguido AA com a prática dos referidos factos por que foi condenado.

12.º

Refere o douto acórdão que:

“[O Ministério Público] Alega para o efeito que o arguido subtraiu aos seus proprietários os bens supra melhor identificados nos pontos 3., 4., 8., 14., 18., 28., 29., 33. e 39. da acusação, ingressando-os no seu património, o que perfaz o valor de 22.600,00 € (vinte e dois mil e seiscentos euros).

O referido montante corresponde à vantagem da actividade criminosa que o arguido obteve, na medida em que traduz um incremento patrimonial directo que este alcançou com a sua actividade criminosa.

No entanto, mais alega que não é possível garantir a recuperação ou confisco das ditas vantagens patrimoniais em espécie, uma vez que, e apesar de os sobreditos bens terem ingressado na esfera patrimonial do arguido, e não obstante, alguns já terem sido entregues aos seus legítimos proprietários, relativamente a parte dos bens o arguido procedeu à sua venda, recebendo o respectivo valor pela venda dos mesmos, concretizando-se, desde modo, o incremento patrimonial e a correspondente vantagem relevante para efeitos de confisco.

No dia 10/02/2022, pelas 15:50 horas, na Avenida ..., n.º 4, em ..., foram apreendidos diversos bens, produtos da actuação do arguido AA e melhor identificados nos pontos 42. e 43. da acusação, que ainda não foram reconhecidos pelos legítimos proprietários.

Ora, em função dos factos supra aludidos, mormente da circunstancia de o arguido ter na sua posse alguns objectos que não foram reconhecidos pelos proprietários, e desconhecendo-se o valor da venda dos mesmos, parece-nos não ser possível apurar em concreto o valor dos bens a dos quais o arguido se apropriou.

Assim, impõe-se a absolvição.”, pelo que “Indefere-se a declaração de perda de vantagens por não se ter apurado o concreto valor da vantagem auferida pelo arguido.”.

13.º

Todavia, o Ministério Público discorda deste segmento do acórdão, que absolveu o arguido, porquanto não se logrou apurar a titularidade dos bens (peças de ourivesaria) que foram apreendidos nos autos em poder do arguido, tanto mais que, no final do acórdão, se decide o seguinte:

“Declaram-se perdidos a favor do Estados os bens apreendidos e não reconhecidos pelos legítimos proprietários, nos termos do disposto no artigo 110.º, n.º 1, al. b) do Código Penal”.

14.º

Dos autos está documentado o seguinte, no que ora releva:

- auto de reconhecimento pela ofendida BB, quanto a um anel em ouro com pedra preciosa, a fls. 333 – 334; porém, esta peça já havia sido vendida pelo arguido a empresa 2Life, pelo que não se logrou apreendê-la;

- auto de reconhecimento da ofendida a fls. 178, de uma peça que já havia sido entretanto vendida pela arguida;

- auto de reconhecimento pelo ofendida CC, a fls. 563 – 564 , de relógios que entretanto haviam sido vendidos pelos arguidos;

- auto de reconhecimento pelo ofendido DD, a fls. 549 – 550, de um emblema da “Volvo”, em ouro sueco, que entretanto havia sido vendido pelo arguido à sociedade “R...”.

15.º

Aquilo que constitui a vantagem do crime é definida pelo regime geral do art. º 110.º, n.º 1, al. b) do Código Penal: “As vantagens de facto ilícito típico, considerando- se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem”.

16.º

No casu, a vantagem económica obtida pelo arguido traduz-se no valor global dos bens que por ele foram apoderados nos termos julgados provados no douto acórdão, no valor total de 22.600,00€

17.º

Pelo que deveria esta quantia ser declarada perdida a favor do Estado nos termos peticionados pelo Ministério Público, nos termos do art. 110.º, n.º 1, al. b), n.º 3, 4 e 6.º do Código Penal, por constituir vantagem patrimonial dos crimes cometidos pelo arguido contra o património e que resultaram provados, o que não fica prejudicado pela circunstância de que parte daqueles objectos furtados tenham sido já entregues aos seus proprietários, após transaccionados pelos arguidos.

18.º

Ao ter decidido de forma diversa da ora sustentada violou o douto Acórdão a quo o disposto no art. 110.º, n.º 1, al. b), n.º 3, 4 e 6.º do Código Penal.”

I.3. Respondeu o arguido, rematando a final:

“1 – Da análise do texto da decisão recorrida, s. m. o., não resulta qualquer violação dos artigos 40º, 70º, 71º, 75º e 77º todos do Código Penal, estando o douto Acórdão devidamente fundamentado e em perfeita harmonia com as regras da experiência comum, com a lei e com o direito, não merecendo qualquer censura.

2 – O Tribunal a quo pronunciou-se sobre todas as questões de direito (e bem assim de facto) relevantes para a boa decisão da causa, tendo fundamentado de forma clara, exaustiva e com acerto a posição assumida no douto Acórdão no que tange à condenação do arguido e à medida das penas parcelares e única de prisão impostas.

3 – O recorrente não invoca, em momento algum, qualquer erro - ou qual o erro - do Tribunal a quo na aplicação dos critérios dos artigos 40º, 70º, 71º, 75º e 77º do Código Penal, mostrando apenas a sua “discordância” com o doutamente decidido.

4 – O Tribunal a quo, s. m. o., não violou o disposto no art.º 110.º, n.º 1, al. b), n.ºs 3, 4 e 6º do Código Penal, porquanto lhe é impossível concretizar e apurar qual o valor de que o arguido se apropriou e uma vez que “alguns objectos … não foram reconhecidos pelos proprietários,” e bem assim “… desconhecendo-se o valor da venda dos mesmos …”.

5 – Caso se venha agora a alterar a douta decisão, o arguido estaria a pagar em duplicado o montante de 22.600,00€, correspondendo por um lado à restituição dos objectos aos seus proprietários (e declaração de perda a favor do Estado dos restantes) e por outro o pagamento daquele montante ao Estado.

6 – Quanto à perda de vantagens, não indica o recorrente quais os alegados e concretos erros (ou vícios) de que o Acórdão em mira padece, alegando para tanto e mais uma vez apenas a sua “discordância” com o doutamente decidido.

7 – O douto Acórdão recorrido está de todo em todo bem fundamentado, elaborado, justo, adequado e equilibrado, colhendo os corolários de direito, devendo a sua decisão manter-se na íntegra.”

Termos em que deve ser confirmado o douto Acórdão recorrido, que de forma sublime foi elaborado e é conforme o direito, negando-se em consequência total provimento ao recurso.”

I.4. O Exmo PGA emitiu parecer corroborando o defendido pelo MºPº na instância.

I.5. Foi cumprido o contraditório a que obriga o artigo 417º, nº 2, do CPP. Veio resposta a secundar as contra-alegações em resposta apresentadas.

I.6. Foi aos vistos e decidiu-se em conferência.

I.7. Admissibilidade o objeto do recurso

O recurso é admissível por o MºPº ter legitimidade e interesse em agir, estar em tempo e a decisão ser recorrível.

O objeto do recurso desdobra-se em duas questões:

1. decidir da medida concreta da pena única de que o MºPº discorda por, em resumo, a achar benevolente;

2. decidir da perda alargada que o Tribunal a quo indeferiu e o MºPº quer ver procedente.

II. FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS:

Inquérito n.º 1547/21....:

1. No dia 08/11/2021, entre as 11:00 horas e as 13:00 horas, o arguido dirigiu-se à habitação sita na Rua ..., em ..., na qual residem as ofendidas EE e a sua filha FF, com o intuito de aí se introduzir e apropriar-se dos bens que lá encontrasse.

2. Ali chegado, através da abertura de uma janela destrancada, introduziu-se no interior da residência.

3. No interior, o arguido dirigiu-se ao quarto da ofendida EE e retirou e levou consigo os seguintes bens:

- Um guarda-jóias em pele de cor bege.

- Uma escrava em ouro grossa e lisa;

- Uma pulseira em ouro com cerca de 4 cm de largura;

- Um cordão em ouro de três voltas;

- Quatro fios encadeados em ouro;

- Dois alfinetes de casaco, um em forma de laço em ouro amarelo e um segundo parecido com uma coroa de flores em ouro branco e amarelo;

- Quatro anéis em ouro todos eles com pedras preciosas;

- Quatro pares de brincos em ouro.

- Duas libras com um aro em ouro.

Tudo no valor global não concretamente apurado, mas de cerca de 5.000,00 € (cinco mil euros).

4. De seguida, dirigiu-se ao quarto de FF e retirou os seguintes objectos que os fez seus:

- Dois fios em ouro, tendo um deles um pendente com dois rectângulos, um dentro do outro e o segundo com um pendente em prata e brilhantes cor de rosa.

- Dois pares de brincos em ouro com pérola em forma de lágrima.

- Uma colecção de moedas da Casa da Moeda primeiras edições do euro, e ainda duas moedas de datas comemorativas, desconhece as respectivas datas.

Tudo no valor não concretamente apurado mas que será de cerca de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros).

5. Na posse dos referidos bens, o arguido abandonou o local.

Inquérito n.º 1733/21....:

6. No dia 23/11/2021, entre as 07:00 horas e as 08:30 horas, o arguido dirigiu-se à residência sita na Rua ..., n.º 83, em ..., na qual habita GG, com o intuito de aí se introduzir e apropriar-se dos bens que lá encontrasse.

7. Ali chegado, o arguido, através do levantamento do estore e, por meio não concretamente apurado, partiu o vidro da janela do quarto e introduziu-se no interior do mesmo.

8. De seguida, o arguido retirou e levou consigo os seguintes bens:

- Três pares de brincos em ouro;

- Um fio em ouro com a medalha de Nossa Senhora da Conceição;

- Duas pulseiras em ouro;

- Dois anéis de criança em ouro;

- Um relógio de marca Omega, com bracelete em pele de cor castanha;

- Um telemóvel com o cartão nº...47(desconhece-se marca e modelo, bem como o IMEI);

- Um relógio pequeno com mostrador pequeno e redondo, com bracelete castanha;

- Um fio em ouro com uma medalha em ouro com uma pedra azul incorporada

- Três brincos em Prata;

- Três brincos em prata

- Um par de brincos pequenos;

- Um colar em prata com coscorões de vários tamanhos;

- Vários fios pequenos em prata, já escurecida.

Tais bens perfazem valor não concretamente apurado, mas de cerca de 2.000,00 € (dois mil euros).

9. O arguido abandonou o local na posse dos aludidos bens.

10. Entre o dia 08/11/2021 e 12/12/2021, o arguido dirigiu-se, um número não concretamente apurado de vezes, à loja R..., Lda., sita na Rua do C..., em ... e procedeu à venda de bens anteriormente subtraídos, nomeadamente uma medalha da Nossa Senhora da Conceição identificada no ponto 8..

11. Nos dias 28/11/2021, 04, 05 e 12/12/2021 o arguido dirigiu-se à loja “G...”, localizada no ..., sito na Avenida ..., n.º 1, em ... e procedeu à venda de diversas jóias anteriormente subtraídas.

Inquérito n.º 1860/21....:

12. No dia 13/12/2021, entre as 07:45 horas e as 17:45 horas, o arguido dirigiu-se à residência sita na Rua Nossa Senhora ..., n.º 41, em ..., na qual reside BB, com o intuito de aí se introduzir e apropriar-se dos bens que lá encontrasse.

13.Ali chegado, arremessou um tijolo contra o vidro da janela da sala, partindo-o, e após forçou o aro da mesma com uma ferramenta não concretamente apurada.

14. No interior, o arguido retirou e levou consigo os seguintes bens:

- Trezentos euros em notas do banco central europeu;

- Um anel em ouro com uma pedra preciosa de cor verde;

- Uma aliança grossa em ouro;

- Uma aliança em prata;

Os aludidos bens detêm o valor não concretamente apurado mas de cerca de 950,00 € (novecentos e cinquenta euros).

15. De seguida, e uma vez na posse dos referidos bens, o arguido abandonou o local.

Inquérito n.º 1883/21....:

16. No dia 17/12/2021, entre as 12:30 horas e as 15:30 dias, o arguido dirigiu-se à residência sita na Rua do ..., n.º 5, em ..., na qual reside HH, com o intuito de aí se introduzir e apropriar-se dos bens que lá encontrasse.

17. Ali chegado, o arguido através de objecto não concretamente apurado, partiu o vidro da porta principal, acedendo ao puxador da porta, que a abriu, uma vez que se encontrava apenas fechada com o trinco.

18. No interior da residência, o arguido retirou e fez seus os seguintes objectos:

- Um envelope com notas no valor global de 4.800,00 € (quatro mil e oitocentos euros);

- Três fios em ouro amarelo, tendo um deles um crucifixo em ouro;

- Uma pulseira em ouro amarelo;

- Um terço em prata;

- Um relógio de dourado para senhora;

- Dois relógios, marca Festina, próprios para homem;

Tais objectos perfazem o valor total de 7.000,00 € (sete mil euros).

19. De seguida, e uma vez na posse dos referidos bens, o arguido abandonou o local.

20. Nesse dia, o arguido na posse do anel em ouro com uma pedra preciosa de cor verde anteriormente subtraído e identificado no ponto 14., dirigiu-se ao estabelecimento “G...”, sito no ..., em ... e procedeu à venda do mesmo.

21. Em data não concretamente apurada, mas entre os dias 17 e 20/12/2021, o arguido AA disse à arguida II para o ajudar a vender diversas jóias.

22. A arguida, que logo percebeu que as jóias tinham sido o resultado de uma conduta delituosa, comprometeu-se a ajudá-lo nessa tarefa, a fim de obter parte do produto da venda.

23. Assim, no dia 20/12/2021, a arguida II dirigiu-se ao estabelecimento “L..., Lda.”, sito na Rua ..., no ..., e vendeu diversos objectos em ouro entregues pelo arguido AA.

24. No dia 31/12/2021, pelas 15:10 horas, o arguido AA, que renovou o pedido de ajuda à arguida II e esta com o fim de obter parte do produto da venda, dirigiram-se, à Casa de Crédito Popular, sita na Avenida ..., ..., em ..., e procederam à venda de jóias anteriormente subtraídas, nomeadamente:

- Um fio em malha barbela, partido;

- Duas pulseiras, sendo uma com a gravação “... - Lembrança de Padrinhos” e outra em malha fantasia com pedrinhas brancas, uma aliança com a gravação “BB” (nome da ofendida) e com a data do casamento 02-08-2003 (identificado no ponto 18.);

- Um crucifixo (identificado no ponto 18.).

25. No dia 11/01/2022, o arguido AA, que renovou o pedido de ajuda à arguida II e esta com o fim de obter parte do produto da venda, dirigiram-se, à “G...”, localizada no ..., sito na Avenida ..., n.º 1, em ... e procederam à venda de diversas jóias anteriormente subtraídas.

26. No dia 14/01/2022, entre as 14:30 horas e as 19:30 horas, o arguido dirigiu-se à residência sita na Rua ..., n.º 30 A, em ..., propriedade da ofendida, JJ, ali vivendo com a sua filha, CC e respectivos cônjuges, com o intuito de aí se introduzir e apropriar-se dos bens que lá encontrasse.

27. O arguido, através do arremesso de um vaso de flores, partiu o vidro da porta de um dos quartos da aludida residência.

28. No interior da habitação, dirigiu-se ao quarto da ofendida JJ e retirou os seguintes bens que os fez seus:

- Um cordão em ouro de malha fina de várias voltas;

- Um anel fino em ouro com solitário;

- Um par de argolas em prata ovais com brilhantes;

- Um par de argolas redondas em ouro com vincos desenhados;

- Um par de brincos em prata em forma de caracol, com brilhantes;

- Um crucifixo em ouro, com cerda de 7cm de altura e 6cm de largura;

Tais bens detêm valor não concretamente apurado mas de cerca de 1.890,00 € (mil, oitocentos e noventa euros).

29. De seguida, o arguido dirigiu-se ao arrumo de roupas da filha da ofendida CC e retirou os seguintes bens, que os levou consigo, fazendo-os seus:

- Um fio comprido em ouro de malha espalmada (do seu baptizado);

- Um smartwatch Amazfit Bipu Pro Preto;

- Um relógio de homem da marca Timberland, com a pulseira em couro castanho e visor branco;

- Um relógio de homem de marca Tommy Hilfiger, com pulseira em couro castanho e visor com 3 (três) rodas;

- Um relógio de mulher da marca One, Rose Gold;

- Um anel do curso de ciências farmacêuticas (cobra enrolada numa palmeira), com pedra roxa quadrada com 4 (quatro) zircónias de cada lado;

- Um par de brincos em prata quadrados com brilhantes;

- Uma pulseira de oura ou prata dourada, com círculo e linhas onduladas;

E mais alguns objectos de bijuteria sem valor significativo;

Perfazendo um valor total, não concretamente apurado mas de cerca de 1.160,00 € (mil, cento e sessenta euros).

30. De seguida, e uma vez na posse dos referidos bens, o arguido abandonou o local.

Inquérito n.º 7/22....:

31. No dia 18/01/2022, entre 07:30 horas e as 09:00 horas, o arguido dirigiu-se à residência sita na Rua ..., n.º 57 e 59, em ..., na qual reside KK, com o intuito de aí se introduzir e apropriar-se dos bens que lá encontrasse.

32. Ali chegado, o arguido partiu o vidro de uma janela traseira da residência e acedeu ao interior da mesma.

33. No interior, o arguido retirou e fez seus os seguintes bens:

- Duas medalhas em ouro (Nossa Senhora da Conceição), no valor de 75,00 €;

- Duas medalhas em ouro (lembrança da avó), no valor de 75,00 €;

- Quatro relógios de pulso;

- Quatrocentos euros em numerário.

- Um telemóvel da marca Vodafone, com o ecrã partido.

Tais bens detêm valor global de 600,00 € (seiscentos euros).

34. De seguida, o arguido abandonou o local na posse dos aludidos bens.

35. Com a conduta descrita, o arguido causou estragos no valor de 25,00 € (vinte e cinco euros).

36. Nesse dia, o arguido AA disse à arguida II para o ajudar a vender diversas jóias.

37. A arguida, que logo percebeu que essas jóias tinham sido o resultado de uma conduta delituosa, comprometeu-se a ajudá-lo nessa tarefa, a fim de obter parte do produto da venda.

38. Na posse dos bens entregues pelo arguido, a arguida II dirigiu-se ao estabelecimento “A...”, sito na Rua Adelino Veiga, em ..., e procedeu à venda dos mesmos.

Inquérito n.º 117/22....:

39. No dia 24/01/2022, entre 10:00 horas e as 12:30 horas, o arguido, partindo o vidro de uma janela e respectivo estore, acedeu ao interior da residência sita na Rua ..., n.º 9, em ..., na qual reside DD.

40. No interior, o arguido retirou e fez seus os seguintes bens:

- Um fio em ouro tipo terço;

- Um emblema da “Volvo” em ouro com um brilhante;

- Um emblema da “Volvo” em ouro com três brilhantes;

- Um emblema da “Volvo” em ouro Sueco;

- Quantidade indeterminada de moedas de escudo antigas;

- Vários artigos em prata;

Tais bens detêm um valor global superior a 1.500,00 € (mil e quinhentos euros).

41. De seguida, e uma vez na posse dos referidos bens, o arguido abandonou o local.

42. No dia 10/02/2022, pelas 15:50 horas, na Avenida ..., n.º 4, em ..., o arguido detinha consigo:

- Uma faca, de marca Muela, com uma lâmina com o comprimento, de 17,5 cm;

- Uma faca com o cabo em madeira;

- Um relógio de marca “Fossil”, com um bracelete em pele de cor preta;

- Um telemóvel de marca “Samsung”, de cor preta;

- Um arranca pregos/pé de cabra de cor amarela;

- Um relógio de marca “Vive” de cor azul;

- Um relógio de marca “Curren” de cor preto;

- Um telemóvel de marca Nókia com o IMEI ...85;

- Um par de luvas em lã de cor preta;

- Uma lanterna de cor preta e vermelha;

43. No mesmo dia, pelas 16:12 horas, no quarto n.º ...02, da Pensão ..., sita na Avenida ..., n.º 4, em ..., no qual os arguidos pernoitam estavam guardados os seguintes objectos:

Dentro do roupeiro:

- Uma mochila de cor verde, de marca HERSCHEL, contendo no seu interior, uma aliança em metal amarelo;

- Um extracto bancário, em nome de II, no valor de 1.200,00 Euros;

- Um talão de depósito do Banco BPI do valor de 50 Euros, em nome de II;

- Uma mochila de cor preta, de marca XINRUIQI;

Uma caixa tipo guarda jóias de cor beje, contendo no seu interior o seguinte:

- Um fio fino, em metal amarelo, com bolas de pequenas dimensões;

- Um par de brincos em metal prateado, composto por dois círculos, sendo um mais pequeno, com desenho de uma flor;

- Um pendente, em metal amarelo com figura de uma senhora;

- Um anel em metal prateado, com 10 pedras de cor branca;

- Um anel em metal prateado, com 10 flores;

- Um anel em metal prateado com uma suposta pérola;

- Um alfinete de peito com a inscrição Vista e Volvo;

- Um par de brincos redondos, em metal prateado e amarelo;

- Um pendente em forma de círculo, com flores em azul e amarelo;

- Um pendente em forma de coração, em metal prateado;

- Um anel em metal amarelo com efeitos;

- Um pendente com forma oval de cor pérola, com laço em metal amarelo;

- Um pendente com forma de bola de cor azul;

- Um alfinete de gravata em metal amarelo;

- Uma pequena corrente, com placa quadrada, com as inscrições, Mile Mila e S. Steel;

- Um anel em metal prateado;

- Um pendente em metal amarelo com forma de gota;

- Um brinco com corrente em metal amarelo;

- Uma peça solta de cor prateada;

- Um fecho de cor prateada;

- Um coração de plástico;

- Três ganchos em metal amarelo;

- Um coração em metal amarelo;

- Um pendente em metal amarelo, em forma de ânfora;

- Um pendente em forma de coração de cor branca;

- Um pendente em forma de sino;

- Dezassete peças próprias para segurar brincos;

- Um brinco com forma de círculo, prateado;

- Um pendente em forma de estrela em metal amarelo;

- Quatro elos em metal amarelo;

- Um pedaço de corrente em metal amarelo;

- Uma peça em metal amarelo com forma de U;

- Um fecho de um brinco prateado;

- Um fecho de brinco em forma de flor;

- Uma peça em metal prateado;

- Trinta e uma moedas antigas de valores diversos;

No interior de uma bolsa de cor preta:

- Um alfinete de lapela em forma de flor com brilhantes e uma bola no meio;

- Um par de brincos em metal amarelo, com forma de círculo e suposta pérola no centro;

- Um par de brincos em metal amarelo, com recortes e suposta pérola no centro;

- Um par de brincos em metal amarelo, com floreado e círculo no centro;

- Um par de brincos em metal prateado em forma de buzio;

- Um pendente com Jesus Cristo e Nossa Senhora de cada lado;

- Um par de argolas entrelaçadas, em metal amarelo;

- Um alfinete de lapela em metal amarelo em forma de flor com brilhantes;

- Um alfinete de lapela em metal amarelo em forma de folha de oliveira com bolas brancas;

- Um alfinete de lapela em metal amarelo com duas flores;

- Um anel com friso amarelo, outro friso com brilhantes e conjunto de elos com três pedras;

- Um pendente oval em metal amarelo, com corações e bolas azuis;

- Um brinco redondo de cor preta;

- Um pendente em metal prateado com pedra amarela;

- Um brinco em metal prateado com relevo;

- Um anel em metal prateado com uma pedra vermelha e duas brancas;

- Um brinco de mola em metal amarelo, com forma redonda;

- Um par de brincos em forma de flor;

- Um par de brincos em forma de flor de pequenas dimensões;

- Um brinco de mola, em metal prateado, em forma de meia bola de golf;

- Um brinco de mola em metal prateado em forma de concha;

- Um brinco de mola, em metal prateado com pendente de cor pérola;

- Um elo em metal de cor beje;

- Duas pontas de metal;

- Um brinco em metal prateado em forma de meia lua.

Mesa de cabeceira:

-Talão de comprovativo de correio registado ...;

- Brinco em metal amarelo com pendente de brilhantes;

- Broche em forma de borboleta de cor verde com pedras;

- Broche em metal amarelo e prateado de formato oval, com imagem de um casal;

- Alfinete em metal amarelo;

Caixa de jóias de forma redonda da ourivesaria C..., contendo no seu interior:

- Uma medalha oval em metal amarelo com imagem de jesus cristo;

- Uma medalha oval em metal amarelo e fundo azul com imagem de um anjo;

- Uma medalha em metal amarelo em forma de coração;

- Um relógio de marca Empório Armani, com bracelete plástica de cor preta.

Testeira da cama:

- Um telemóvel de marca Samsung de cor preta com os IMEI ...66 e ...74, sem cartão SIM;

- Um telemóvel de marca Maxcom de cor preta e azul, com os IMEI ...16 e ...24, sem cartão SIM;

- Um smartphone de marca Vodafone de cor preta com o IMEI ...69, sem cartão SIM.

Cómoda, gaveta de cima do lado esquerdo:

- Um cartão de visita da firma de venda de ouro R..., LDA;

- Um cartão de visita da firma GALEÃO DO OURO de compra e venda e avaliações;

- Um cartão de visita da firma de venda de ouro 2LIFE do ...;

Caixa plástica contendo no seu interior:

- Três pins da F.I.P.S.A.S.;

- Um fio de malha fina em metal amarelo/prateado;

- Um brinco em metal amarelo com brilhantes;

- Um fio em metal amarelo em malha fechada;

- Um anel em metal prateado de cor preta e rosa;

- Um Smartphone de marca Alcatel de cor preta, com o IMEI ...64, sem cartão SIM, com o ecrã danificado.

Cómoda, gaveta do meio:

- Um relógio de marca Timberland, com bracelete castanha, com o número de série ...03;

- Um relógio de marca Timberland, com bracelete de cor preta, com o número de série ...07;

- Um relógio de marca Swatch, com bracelete de cor azul, com o número de série ...;

- Um relógio de marca Swatch, modelo Irony, com bracelete de cor preta;

- Um relógio preto de marca Primark;

- Um relógio de marca Deeply, de cor verde;

Chão ao lado da comoda:

- Saco de papel da Óptica XANA, contendo no seu interior:

-Um carregador de telemóvel de cor branca;

-Um porta moedas de cor esverdeada com imagem de monumentos ingleses;

Uma caixa de jóias redonda da ourivesaria L..., contendo no seu interior:

- Uma pulseira em metal amarelo;

- Uma pulseira em metal amarelo;

- Uma imagem de forma oval da nossa senhora da Conceição;

- Uma imagem de forma oval da nossa senhora da Conceição, pequena;

- Duas moedas de dois cêntimos e duas moedas de um cêntimo;

Saco plástico de cor bordeaux contendo no seu interior:

- Uma carteira de documentos de homem, em pele, de cor preta de marca SPRINGFIELD;

- Um relógio de marca FASHION SYNOKE em plástico de cor preta;

- Um relógio de marca CASIO em plástico de cor preta;

- Um relógio SMARTWHATCH de marca AMAZFIT de cor preta;

- Uma lanterna de cor prateada e preta;

-Um IPHONE de cor branca com o IMEI ...30, sem cartão SIM.

Saco plástico transparente, contendo no seu interior:

- Um par de brincos com pérola;

Um anel em metal prateado;

- 28 moedas antigas de vários valores;

44. Os bens em que os arguidos procederam à venda, cfr. os pontos 10., 11., 20., 23., 24., 25. e 38. eram parte dos quais o arguido se tinha apropriado contra a vontade e em prejuízo dos legítimos donos.

45.O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que não tinha autorização para aceder ao interior das residências e que os objectos supra mencionados não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade e sem o consentimento dos respectivos donos e que lhes causavam prejuízo.

46. O arguido actuou com propósito de integrar os aludidos bens no seu património, bem como de os vender, ficando com o produto das vendas, fazendo dessa actividade modo de vida e forma de subsistência.

47. O arguido actuou ainda com o propósito concretizado de deter a faca, conhecendo a natureza e as características de tal objecto, bem sabendo que não o podia deter nas condições em que o fazia.

48.A arguida agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que os objectos acima aludidos tinham sido subtraídos pelo arguido AA, e não obstante isso, prontificou-se a ajudar o arguido a guardá-los e vendê-los com o intuito de obter respectiva vantagem patrimonial.

49. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Da Reincidência do arguido AA:

50.O arguido foi condenado, além do mais:

- por acórdão de 10/12/2014, transitado em julgado em 09/01/2015, proferido no Processo Comum Colectivo n.º 208/13...., que correu os seus termos no Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., pela prática, 09/2013, de 4 crimes de furto qualificado, um crime de dano qualificado, um crime de coacção agravado, na pena de seis anos e nove meses de prisão efectiva.

- por acórdão de 26/05/2015, transitado em julgado em 26/06/2015, proferido no Processo Comum Colectivo n.º 272/13...., que correu os seus termos no Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., pela prática, 24/12/2013, de 5 crimes de furto qualificado, na pena de seis anos e nove meses de prisão efectiva.

- por acórdão de 27/10/2015, transitado em julgado em 26/11/2015, proferido no Processo Comum Colectivo n.º 580/14...., que correu os seus termos no Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., pela prática, 26/03/2014, de 1 crime de furto qualificado, na pena de três anos e três meses de prisão efectiva.

- por acórdão de 36/10/2017, transitado em julgado em 27/11/2017, proferido no Processo Comum Colectivo n.º 315/14...., que correu os seus termos no Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., pela prática, 23/02/2014, de 1 crime de furto qualificado e de 1 crime de dano qualificado, na pena de cinco anos de prisão efectiva.

- por acórdão de 24/03/2017, transitado em julgado em 02/05/2017, proferido no Processo Comum Colectivo n.º 85/14...., que correu os seus termos no Juízo Local Criminal ... – Juiz ..., pela prática, 03/04/2014, de 1 crime de furto qualificado, na forma tentada, na pena de 18 meses de prisão efectiva.

- por acórdão cumulatório proferido pelo Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., no Processo Comum Colectivo 315/14...., pela prática dos crimes supra referidos, na pena única de 12 anos de prisão efectiva.

51. Na sequência das referidas condenações, o arguido manteve-se preso ininterruptamente desde 24/04/2014 até 21/04/2020, mas tal facto não o impediu de manter a sua actividade delituosa, praticando os factos no período em que se encontrava em liberdade condicional.

52. Não obstante as condenações supra-referidas, à data da prática dos factos, o arguido não tinha interiorizado a advertência contida naquelas condenações, reincidindo na prática de ilícito, percorrendo um caminho delituoso desde o ano de 1986, sem alteração no seu comportamento criminoso.

(…)

 

59.º Em relação ao arguido AA:

a. O processo de desenvolvimento do arguido decorreu em agregado carenciado economicamente, constituído pelos progenitores e 5 irmãos. Os pais viriam a separar-se devido aos maus-tratos que o progenitor infligia ao cônjuge, em contexto de consumo de etílicos. Este viria a falecer, devido a um acidente de viação com uma máquina, enquanto trabalhador afeto ao Município ..., situação agravada pelo consumo excessivo de álcool. O agregado era referenciado como tendo um ambiente familiar pautado pela disfuncionalidade.

b. O arguido veio a completar o 4º ano de escolaridade (já depois de se encontrar recluso no ...), sendo que estudou, em idade própria, até aos catorze anos de idade, nunca conseguindo concluir o 1º ciclo. Iniciou tarefas laborais, aos 16 anos, primeiro numa fundição, como empregado fabril, e, posteriormente, na construção civil, atividade que sempre manteve até à atualidade.

c. Aos vinte e um anos encetou um relacionamento afetivo na região de ..., vivendo em união de facto, relação da qual veio a nascer a sua única filha, presentemente com 34 anos (e única familiar, com quem se relacionou até há poucos anos).

d. AA conta com várias reclusões, tendo já permanecido no EP ..., desde 1986 a 1988, por crime de violência doméstica. Durante a primeira reclusão, refere que se iniciou no consumo de estupefacientes, pelas drogas leves e com escalada até à cocaína e heroína. Já passou pelo EP ..., bem como no EP de ..., durante 7 anos (somatório de várias penas), por vários crimes de violência doméstica, sequestro, maus tratos e porte ilegal de arma, sendo a vítima a companheira. Beneficiou de Liberdade Condicional de 5/6 da pena, que foi revogada, e beneficiou de uma licença de saída jurisdicional, mas não se apresentou no EP, como estava estipulado, mantendo-se em meio livre até ser recapturado. Foi ainda julgado e condenado em outras penas alternativas, com acompanhamento na DGRSP, ... 1, e dentro das referenciadas tipologias criminais.

e. À data dos factos a que se reporta o presente processo, o arguido residia na rua, embora apresentasse como anteriores moradas, a designada em epígrafe e a Travessa ..., ... – ..., local onde terá vivido, em casa arrendada, com uma companheira e com a filha.

f. Referencia dificuldades económicas graves, sendo auxiliado de forma irregular apenas pela filha. Para além da já referenciada habituação a aditivos (drogas pesadas e álcool), a situação de saúde de AA tem vindo a ser agravada ultimamente, por ser portador de doença infetocontagiosa, com toma regular de medicação.

g. Comunitariamente, em alguns locais onde anteriormente vivia, detinha uma imagem social pouco abonatória, especialmente pela sua violência e hábitos de consumo excessivo de álcool.

h. O arguido era caraterizado um indivíduo instável, com fases comportamentais cíclicas, especialmente, quando se desorganizava e/ou passava por largos períodos sem medicação, residindo na rua junto de pares, mantendo os consumos de drogas duras e álcool.

i. Durante os acompanhamentos de que foi alvo pelos serviços da DGRSP ... 1, registaram-se algumas alterações positivas na sua conduta, quando estabilizado, dedicando-se com afinco ao trabalho.

j. O arguido referenciou a existência de uma companheira – II, 44 anos desempregada – que poderia agora apoiá-lo, mas não logramos sucesso nos nossos contactos com a mesma.

j. Preso preventivamente no EP ..., encontra-se afeto ao serviço de faxina, na secção de obras do EP.

l. No estabelecimento prisional tem mantido uma postura periclitante em termos disciplinares, encontrando-se numa ala de regime comum. Sobre os seus problemas de saúde, os serviços clínicos referem que não toma medicação para doença infetocontagiosa. Não dispõe de visitas.

60. Do certificado de registo criminal do arguido AA constam as seguintes condenações, para além das supra aludidas:

- No Proc. nº 3...6/85 do Tribunal Judicial ..., foi condenado por decisão de 28.04.1986, transitada em julgado, pela prática de um crime de roubo na pena de 3 anos de prisão.

- No Proc. nº 4...3/93 do anterior Tribunal Judicial ..., foi condenado por decisão de 10.03.1993, transitada em julgado, pela prática de um crime de ofensa a funcionário e injúrias na pena única de 200 dias de multa.

- No Proc. nº3...8/92 do ... juízo criminal do anterior Tribunal Judicial de ... foi condenado por decisão proferida em 18.01.1994, transitada em julgado, pela prática em 22.2.1992 de um crime de ameaça na pena de 45 dias de prisão substituída por igual tempo de multa.

- No Proc. nº 2.../95 do ... juízo do anterior Tribunal de Circulo de ... foi condenado por decisão proferida em 28.04.1995, transitada em julgado, de um crime de roubo na pena de 2 anos de prisão e 10 dias de multa.

-No Proc. nº 1.../97 do ... juízo criminal do anterior Tribunal Judicial de ... foi condenado por decisão proferida em 21.04.1997, transitada em julgado em 7/5/1997, pela prática em 09.09.1996 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa.

- No Proc. nº 5...5/00 do ... juízo do anterior Tribunal Judicial de ... foi condenado por decisão proferida em 08.05.2001, transitada em julgado, pela prática em 04.05.1999 de um crime de falsidade de testemunho na pena de 100 dias de multa.

-No Proc. nº 140/01.... do anterior Tribunal Judicial de ... foi condenado por decisão proferida em 10.05.2002, transitada em julgado, pela prática em em 01.05.2000 de um crime de detenção ou tráfico de armas proibidas na pena de 10 meses de prisão substituída por 240 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

-No Proc. nº 80/02.... do ... juízo criminal da anterior Vara Mista e Juizos Criminais de ... foi condenado por decisão proferida em 29.03.2004 transitada em julgado em 22.04.2004 pela prática em 13.08.2002 de um crime de maus tratos a cônjuge e de um crime de detenção ilegal de arma de defesa na pena única de 27 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.

-No Proc. nº 174/03.... do ... juízo criminal da anterior Vara Mista e Juízos Criminais de ... foi condenado por decisão proferida 02.06.2004 transitada em julgado em 17.06.2004 pela prática em 08.07.2003 de um crime de detenção ilegal de arma e de um crime de ameaça na pena única de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.

- No Proc. nº 7/05.... da anterior Vara de Competência Mista e Juizos Criminais de ...-... secção, foi condenado por decisão proferida em 24.05.2006 transitada em julgado em 08.06.2006 pela prática em 15.05.2005 de um crime de sequestro e de um crime de maus tratos a cônjuge na pena de 4 anos de prisão

(…)


DA MEDIDA DA PENA:


Realizado o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.

Na determinação da medida da pena deve ter-se em conta a moldura penal abstractamente fixada no tipo legal.

Atentos os critérios de escolha da pena do art.º 70, do CP, o tribunal deve dar preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, as quais estão plasmados no art.º 40, do mesmo diploma legal. Ou seja, as penas visam a prevenção geral (protecção de bens jurídicos) e a prevenção especial (reintegração do agente na sociedade).

No caso concreto o tribunal entende que a pena de multa, quanto ao crime de detenção de arma proibida não é suficiente para satisfazer as exigências de prevenção que o caso impõe, atento os antecedentes criminais do arguido, pelo que se afasta a sua aplicação.

Coisa diversa acontece em relação à arguida II, na medida em que é primaria, pelo que se entende que a pena adequada a aplicar é a pena de multa, pela qual se opta.


*


De acordo com a estatuição legal do n.º 1 e 2 do art.º 40 “a aplicação de penas…visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

O texto deste artigo exprime um compromisso entre a prevenção geral e a prevenção especial concebidos como fundamento da decisão de punir e a culpa, funcionando como limite da medida da pena, de modo a compatibilizar o princípio da necessidade da pena.

A finalidade primordial visada pela pena é a protecção de bens jurídicos associado à prevenção geral positiva ou de integração. Esta visa a necessária tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, ou seja o restabelecimento da paz jurídica abalada pela prática do crime. Visa o reforço da consciência jurídica comunitária e do sentimento de segurança, face à violação da norma jurídica ocorrida, aquilo que o Prof. Figueiredo Dias (Consequências jurídicas do crime, pág. 72) define por “estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias da validade da norma violada”. É necessário determinar as exigências comunitárias que ressaltam do caso, no complexo da sua forma concreta de execução, da sua específica motivação e das consequências que dele resultam.

Dentro da moldura da prevenção geral positiva deve actuar a prevenção especial de socialização do agente, a necessidade de conformação com o quadro de valores vigentes, em particular com aqueles que tutela o bem jurídico atingido, bem como, excepcionalmente, a advertência individual. Traduz-se, pois, na necessidade de sensibilização do arguido para a necessidade de conformar a sua conduta com os valores jurídico-penais.

A determinação em concreto da pena a atribuir, tendo em atenção o ilícito praticado, e conforme estipula o art.º 71, n. 1, do CP, far-se-á dentro dos limites da moldura penal abstracta fixada na lei, tendo em conta a culpa do agente (limite inultrapassável – art.º 40, n.º 2 do CP) e as exigências de prevenção de futuros crimes, de harmonia com os factores ínsitos no n.º 2 do art.º 71, que deponham a favor ou contra o arguido, desde que tais elementos não constituam elementos do tipo ou elementos qualificativos do crime.

Tendo em conta os factores relevantes para a determinação da medida concreta da pena, importa analisar a conduta de cada um dos arguidos.

Assim, em relação ao arguido AA, tem-se em conta:

- grau de ilicitude do facto: o valor dos objectos subtraídos em cada uma das situações;

- modo de execução do crime;

- gravidade das consequências com a violação do bem jurídico em causa;

- grau de violação dos deveres impostos ao agente: alto, tendo em conta o contexto e modo de actuação bem como a pressão da necessidade aditiva;

- intensidade do dolo: grau mais elevado – dolo directo – artigo 14º, nº 1, representação do facto e actuação com intenção de o realizar;

- sentimentos manifestados no cometimento do crime: o arguido mostrou completo desprezo pela propriedade alheia em detrimento das suas carências;

- condições pessoais do arguido e situação económica: o arguido AA tem como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade, que concluiu já depois de se encontrar recluso no .... À data dos factos o arguido residia na rua, com dificuldades económicas graves, sendo auxiliado de forma irregular apenas pela filha. Acresce que desde longa data, que tem hábitos de consumo excessivo de álcool e de produtos estupefacientes.

O arguido era caraterizado um indivíduo instável, com fases comportamentais cíclicas, especialmente, quando se desorganizava e/ou passava por largos períodos sem medicação, residindo na rua junto de pares, mantendo os consumos de drogas duras e álcool.

Preso preventivamente no EP ..., encontra-se afeto ao serviço de faxina.

- conduta anterior aos factos: várias condenações por diversos tipos de crimes e problemas decorrentes da toxicodependência e sem rumo de vida;

- As exigências de prevenção geral que andam associadas a este tipo de crime são elevadas, atenta a frequência com que ocorrem, sendo um fenómeno que se tem generalizado na sociedade, criando sentimentos de insegurança e alarme social.

Impõe-se pois na determinação da pena restabelecer o sentimento da comunidade em face da violação deste dispositivo legal, e no restabelecimento da paz jurídica.

Ao arguido está imputada a prática dos factos como reincidente.

Determina o artigo 75º do Código Penal:

“1. É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em pena de prisão efetiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

2. O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança”.

São, assim, pressupostos formais da reincidência:

- Cometimento de um crime doloso que deva ser punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses;

- A existência de condenação anterior, transitada em julgado, pela prática de um crime doloso, em pena de prisão superior a 6 meses;

O não decurso de mais de 5 anos entre as duas condenações.

Exige-se, ao nível do pressuposto material, que, de acordo com as circunstâncias do caso, a condenação(ões) anterior (es) não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime. Ensina o Prof. Figueiredo Dias que “o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, se não implica um regresso à ideia de que verdadeira reincidência é só a homótropa, exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e daquela culpa. Uma tal conexão poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução; se bem que ainda aqui possam intervir circunstâncias (v.g., o afecto, a degradação social e económica, a experiência especialmente criminógena da prisão, etc.) que sirvam para excluir a conexão, por terem impedido de actuar a advertência resultante da condenação ou condenações anteriores. Mas já relativamente a factos de diferente natureza será muito mais difícil (se bem que de nenhum modo impossível) afirmar a conexão exigível. Desta maneira, se não é a distinção dogmática entre reincidência homótropa e polítropa que reaparece em toda a sua tradicional dimensão, é em todo o caso a distinção criminológica entre o verdadeiro reincidente e o simples multiocasional que continua aqui a jogar o seu papel.» ( Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, notícias editorial, páginas 268/269).

A reiteração criminosa pode ocorrer por causas fortuitas ou exógenas e, nestas circunstâncias, não deve operar a reincidência. A mera existência de condenações anteriores não é suficiente, exigindo-se uma “específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor» (cfr. entre outros, os acórdãos do STJ de 26.03.08, proc. 4833/07-3ª, e de 04.12.08; proc. 3774/08-3ª, in www.dgsi.pt.).

Ora no caso dos autos verificamos que se encontram preenchidos todos os requisitos enunciados. Na verdade, como consta do ponto 50 da factualidade provada, o arguido foi condenado, além do mais:

- por acórdão de 10/12/2014, transitado em julgado em 09/01/2015, proferido no Processo Comum Colectivo n.º 208/13...., que correu os seus termos no Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., pela prática, 09/2013, de 4 crimes de furto qualificado, um crime de dano qualificado, um crime de coacção agravado, na pena de seis anos e nove meses de prisão efectiva.

- por acórdão de 26/05/2015, transitado em julgado em 26/06/2015, proferido no Processo Comum Colectivo n.º 272/13...., que correu os seus termos no Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., pela prática, 24/12/2013, de 5 crimes de furto qualificado, na pena de seis anos e nove meses de prisão efectiva.

- por acórdão de 27/10/2015, transitado em julgado em 26/11/2015, proferido no Processo Comum Colectivo n.º 580/14...., que correu os seus termos no Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., pela prática, 26/03/2014, de 1 crime de furto qualificado, na pena de três anos e três meses de prisão efectiva.

- por acórdão de 36/10/2017, transitado em julgado em 27/11/2017, proferido no Processo Comum Colectivo n.º 315/14...., que correu os seus termos no Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., pela prática, 23/02/2014, de 1 crime de furto qualificado e de 1 crime de dano qualificado, na pena de cinco anos de prisão efectiva.

- por acórdão de 24/03/2017, transitado em julgado em 02/05/2017, proferido no Processo Comum Colectivo n.º 85/14...., que correu os seus termos no Juízo Local Criminal de ... – Juiz ..., pela prática, 03/04/2014, de 1 crime de furto qualificado, na forma tentada, na pena de 18 meses de prisão efectiva.

- por acórdão cumulatório proferido pelo Juízo Central Criminal de ... – Juiz ..., no Processo Comum Colectivo 315/14...., pela prática dos crimes supra referidos, na pena única de 12 anos de prisão efectiva.

Na sequência das referidas condenações, o arguido manteve-se preso ininterruptamente desde 24/04/2014 até 21/04/2020, mas tal facto não o impediu de manter a sua actividade delituosa, praticando os factos no período em que se encontrava em liberdade condicional.

Não obstante as condenações supra-referidas, à data da prática dos factos, o arguido não tinha interiorizado a advertência contida naquelas condenações, reincidindo na prática de ilícito, percorrendo um caminho delituoso desde o ano de 1986, sem alteração no seu comportamento criminoso.

Assim, deverá o arguido ser punido como reincidente.

Nos termos do artigo 76.º, n.º 1 do Código Penal, em caso de reincidência o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterada. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.

Ponderando todas as circunstâncias já acima referidas, entende o tribunal que se mostra adequada aplicar ao arguido a pena de 3 anos de prisão, por cada um dos crimes de furto qualificado que lhe estavam imputados.

Relativamente ao crime de detenção de arma proibida o tribunal entende adequada a pena de 1 ano de prisão.

Em cúmulo jurídico, atentos os critérios do disposto no art.º 77 do CP, fixa-se a pena única em 6 anos e 6 meses de prisão.


*


II.4. Primeira questão a dirimir: a medida concreta da pena conjunta que o MºPº considera baixa e pede que se suba para sete anos e seis meses de prisão

O arguido foi condenado em sete penas parcelares de 3 anos de prisão, pela prática de outros tantos crimes de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.ºs 1, als. a) e h) e 2, als. a) e e) ambos do Código Penal. E foi condenado também pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, al. m e 3.º, n.º 2, al. ab) todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, na pena de 1 ano de prisão.

E, em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão efectiva. Em moldura penal abstrata para a pena única que vai de 3 anos a 22 anos. 


Vejamos se é de aceitar a pretensão do MºPº.:

Nos termos do artigo 40, nº 1, do CP a aplicação de penas visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E, nos termos do nº 2, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Nestes termos, na esteira da esquemática formulação do Professor Figueiredo Dias, in “Direito Penal Parte Geral”, I, 3ª Edição Gestlegal, 96, recorrentemente citada pelo STJ, “(1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais.

A fixação da pena conjunta obedece à consideração dos fatores do artigo 71º do CP e ao critério especial do artigo 77º, nº 1, do mesmo compêndio normativo, a saber, a consideração em conjunto dos factos e da personalidade unitária do arguido refletida em tais factos, sempre no respeito pelo princípio da proibição da dupla valoração.

No caso a moldura penal abstrata da pena conjunta vai de 3 anos, pena parcelar mais elevada, a 22 anos, soma de todas as penas parcelares aplicadas.

E, segundo Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

Acrescenta ainda: “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

“É o momento de olhar a “floresta”, sem que cada árvore perca a sua individualidade.”, in “As reacções criminais no direito português”, Maria da Conceição Ferreira da Cunha, UC Editora, 2022, pag. 191.  

Não se desconhece e, destarte se lhe faz aqui referência, o princípio da intervenção parcimoniosa do STJ em sede de determinação da medida da pena, não obstando, porém, a parcimónia do princípio a que, surpreendendo-se desproporção da quantificação operada, se possa alterar a medida da pena.

Não é, pois, ilimitada a controlabilidade pelo Supremo Tribunal de Justiça do procedimento de determinação da medida da pena. Com efeito, como refere Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 197, «todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis». Do mesmo modo, prossegue, «a questão do limite ou da moldura da culpa [deve entender-se que está] plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, para controlo do qual o recurso de revista ser[á] inadequado, [salvo] se, v.g. tiverem sido violadas as regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada», caso em que é admissível a revista.

É este, também, o sentido da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como pode ver-se, por exemplo, pelos acórdãos de 18/04/2002, proc. nº 02P1082, de 27/09/2006, proc. nº 06P3128, de 14/07/2010, proc. nº 364/09, de 03.10.2013, proc. nº 806/09.5JAPRT, de 15.10.2014, proc. nº 353/13.0JAFAR.S1 e de 04.02.2015, proc. nº 596/14.0JAPRT.S1 e de 25.11.2015, proc. nº 24/14.0PCSRQ.S1, e de 28/04/2016, proc. nº  37/15.5GAELV.S1, e, recentíssimos, de 31/05/2023, 453/21.3JAPDL.S1 e de 31/05/2023, proc. nº 120/14.4GCCNT.C1.S1[1]. Todos no sentido de que, pelas razões apontadas, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada. E só se justificará se, for de concluir, face aos factos julgados provados, que o Tribunal recorrido falhou na indicação de algum dos fatores relevantes para o efeito ou se, pelo contrário, valorou outros que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, se tiver violado as regras da experiência ou se o quantum fixado se mostrar de todo desproporcionado em comparação com o que para casos semelhantes vem sendo decidido, nessa matéria, pelo STJ.

Jurisprudência utilizável quer nos recursos apresentados pelo arguido em pretendido abaixamento da pena quer, como no caso, nos recursos interpostos pelo MP em peleja pelo agravamento da pena.   

O objeto do recurso, em primeira questão, incide exclusivamente sobre a medida da pena aplicada ao arguido. E, afirma o MP, ao condenar o arguido numa pena única abaixo do limiar que as necessidades de prevenção geral e especial consentem, bem como abaixo do juízo de censura respeitante à culpa e atendendo à reincidência do arguido, violou o Tribunal o disposto nos art.s 40.º, 70.º, 71.º , 75.º , 77.º, todos do Código Penal.


Vejamos:

No caso, o tribunal não pode alhear-se de que, em termos de facto global, estamos perante sete crimes de furto qualificado, praticados todos em residência particulares, em autêntico método de arrasto a levar tudo o que era valioso, praticados em imparável sequência num curto espaço de tempo, durante o período de liberdade condicional de que estava a usufruir no âmbito de reclusão por via de condenação pela prática de, além do mais, doze crimes de furto qualificado.

Liberdade condicional em sede de cumprimento de pena de prisão conjunta de 12 anos por que foi condenado no processo nº 315/14.... pela prática, entre setembro de 2013 e abril de 2014, dos ditos 12 crimes de furto qualificado, 2 crimes de dano qualificado, e um crime de coação agravado tendo estado recluído desde 24/04/2014 a 21/04/2020.

A violação do dever ser em termos de liberdade condicional revela um total desrespeito pela ordem jurídica, uma absoluta indiferença pelas regras impostas com essa liberdade condicional e a evidente falta de interiorização de um comportamento de integração, traindo a confiança em si depositada quer pelo próprio sistema que a prevê quer pelo próprio tribunal e instituição prisional que que lha concedem, na prognose de uma conduta autónoma, responsável e não delinquente.

Tendo sido condenado agora como reincidente.

E sopesado terá de ser igualmente os seus antecedentes criminais, no histórico pesado apresentado, com cometimento de crimes entre 1986 até 2005 de dois crimes de roubo, de crime de ofensa a funcionário e injúrias, de dois crimes de ameaça, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, de um crime de falsidade de testemunho, de três crimes de detenção de arma proibida, de dois crimes de maus-tratos a cônjuge e de um crime de sequestro.   

Os crimes cuja pena conjunta se está a decidir no presente recurso, em estreita sequência e conexão, apresentam um grau elevado de ilicitude, também pelo modus operandi.

Em termos de personalidade, evidencia o arguido uma personalidade ousada, temerária e sem medo, não se inibindo de através de qualquer método ou meio que necessário se mostre, de aceder às residências particulares, mesmo perante a eventualidade de lá poder encontrar algum residente, personalidade essa com manifesta tendência para a prática de furtos sem que as anteriores sucessivas admonições condenatórias o impedissem ou afastassem de tais condutas.


Em todo este ilícito na sua globalidade projetam-se, assim, qualidades desvaliosas da personalidade do arguido, que numa ponderação unitária da expressão que tiveram no conjunto dos factos, são indicadoras de uma tendência criminosa.

Na avaliação da personalidade expressa nos factos importa considerar todo um processo de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deverá ser ponderado.

Simas Santos e Leal-Henriques, in “Noções Elementares de Direito Penal”, 8ª ed., 187, escrevem: “(…) a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, não como prevenção negativa, de intimidação, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, enquanto estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da regra infringida”.

E in casu necessidades de prevenção geral positiva são muito elevadas, já que estamos perante vários furtos a residências particulares, reduto privado e íntimo que a comunidade quer como inviolável e inexpugnável[2], e que geram alarmante sentimento de insegurança geral.   

E as necessidades de prevenção especial revelam-se vivamente prementes. Quanto à personalidade evidenciam os factos e o historial do arguido, forte tendência para o cometimento de crimes contra o património, tendência tão arreigada que nem as condenações nem o extenso período de reclusão anteriores lhe serviram de admonição, nem o cumprimento de pena privativa da liberdade surtiu qualquer efeito preventivo especial;

Todas estas circunstâncias são demonstrativas de uma ilicitude e de uma culpa muito elevadas.

Por outro lado, as exigências da prevenção geral são fortíssimas, atendendo ao valor primacial da inexpugnabilidade da residência familiar e dos bens aí guardados no elenco dos bens jurídicos e à consequente necessidade de a proteger eficazmente.

Também os interesses da prevenção especial são intensos, considerando os sinais negativos revelados pela personalidade do arguido. E, como nota Taipa de Carvalho, in “Direito Penal, Parte Geral – Questões fundamentais”, sem que a função da ressocialização signifique uma espécie de “lavagem ao cérebro”, haverá, porém, que interpelar o arguido para consequente auto-adesão do mesmo à indispensabilidade social dos valores essenciais.

Neste quadro, é claro que a medida da pena aplicada pecou por defeito, e, sendo assim, não é proporcional.

Efetivamente, o princípio da proporcionalidade impõe também a aplicação de maior peso punitivo. Pelo que a pena pretendida pelo MP é, necessária e é mais adequada e em justa medida mantendo-se dentro dos limites da culpa.

O que quer dizer que a pena aplicada na instância, por demasiado benevolente, afronta o princípio da proporcionalidade nas suas três vertentes, a da necessidade, a da adequação e da justa medida. Concluiríamos mesmo que a pena pedida pelo MP ainda não toca no limite da medida da culpa. Mas o atingimento desse limite proibido está pelo princípio da proibição da reformatio in pejus.

Com o que, na conformidade do supra exposto, se julgará procedente, nesta parte, o recurso do Ministério Público.


II.5. Segunda questão: decretamento ou não da perda de vantagens auferidas pela prática dos crimes

O tribunal a quo indeferiu o pedido do MºPº de perda alargada com a seguinte fundamentação:

“III - Da declaração de perda das vantagens do facto ilícito típico a favor do estado – PERDA CLÁSSICA:

O MINISTÉRIO PÚBLICO, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 110.º n.º 1 alínea b), n.º 3, n.º 4 e n.º 6 do Código Penal, requereu que se declare a perda das vantagens obtidas pelo arguido AA com a prática dos referidos factos

Alega para o efeito que o arguido subtraiu aos seus proprietários os bens supra melhor identificados nos pontos 3., 4., 8., 14., 18., 28., 29., 33. e 39. da acusação, ingressando-os no seu património, o que perfaz o valor de 22.600,00 € (vinte e dois mil e seiscentos euros).

O referido montante corresponde à vantagem da actividade criminosa que o arguido obteve, na medida em que traduz um incremento patrimonial directo que este alcançou com a sua actividade criminosa.

No entanto, mais alega que não é possível garantir a recuperação ou confisco das ditas vantagens patrimoniais em espécie, uma vez que, e apesar de os sobreditos bens terem ingressado na esfera patrimonial do arguido, e não obstante, alguns já terem sido entregues ao seus legítimos proprietários, relativamente a parte dos bens o arguido procedeu à sua venda, recebendo o respectivo valor pela venda dos mesmos, concretizando-se, desde modo, o incremento patrimonial e a correspondente vantagem relevante para efeitos de confisco.

No dia 10/02/2022, pelas 15:50 horas, na Avenida ..., n.º 4, em ..., foram apreendidos diversos bens, produtos da actuação do arguido AA e melhor identificados nos pontos 42. e 43. da acusação, que ainda não foram reconhecidos pelos legítimos proprietários.

Ora, em função dos factos supra aludidos, mormente da circunstância de o arguido ter na sua posse alguns objectos que não foram reconhecidos pelos proprietários, e desconhecendo-se o valor da venda dos mesmos, parece-nos não ser possível apurar em concreto o valor dos bens a dos quais o arguido se apropriou.

Assim, impõe-se a absolvição.”

Mas contradita o MP, depois de anotar que mesmo alguns, poucos, objetos reconhecidos pelos ofendidos, não foram recuperados,  “uma vez que o arguido de apoderou ilicitamente de bens no valor total de 22.600.00 €, deveria esta quantia ser declarada perdida a favor do Estado nos termos peticionados pelo Ministério Público, nos termos do art. 110.º, n.º 1, al. b), n.º 3, 4 e 6.º do Código Penal, por constituir vantagem patrimonial dos crimes cometidos pelo arguido contra o património e que resultaram provados”


Nos termos do artigo 110 do CP, sob a epígrafe, “Perda de produtos e vantagens”, determina-se:

“1 - São declarados perdidos a favor do Estado:
a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e
b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.


2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem.


3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.
4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.


5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.


6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.”


Disse o Tribunal a quo, em sede de fundamentação que: “Ora, em função dos factos supra aludidos, mormente da circunstância de o arguido ter na sua posse alguns objectos que não foram reconhecidos pelos proprietários, e desconhecendo-se o valor da venda dos mesmos, parece-nos não ser possível apurar em concreto o valor dos bens a dos quais o arguido se apropriou.

Assim, impõe-se a absolvição.”

E em sede de dispositivo ditou que “Indefere-se a declaração de perda de vantagens por não se ter apurado o concreto valor da vantagem auferida pelo arguido.”

Todavia, face aos factos dados como provados, e só estes contam para a decisão deste Supremo, o concreto valor da vantagem auferida pelo arguido, não se tendo dado como provado a recuperação de qualquer objeto por qualquer dos ofendidos, é a da soma do valor de todos os objetos furtados. Soma que orça em 22 600.00 €. Porque, se qualquer dos objetos ou valores furtados não foi recuperado e não chegou às mãos de algum dos ofendidos forçoso é concluir que ainda está na posse do arguido, ou o destruiu ou o perdeu, ou o cedeu ou vendeu estando na posse do respectivo valor de venda. Certo é que qualquer dos ofendidos não chegou a recuperar qualquer valor.    

“A perda de produtos e vantagens (fructa sceleris) é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção. Não se trata de uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação, porque também não depende de uma condenação (…). Trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes, “mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de um facto ilícito-típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do objeto” (FIGUEIREDO DIAS, 1993, 638, e apontando também neste sentido MAIA GONÇALVES, 2007, 436, anotação 3ª ao artigo 111º (…)”, in “Comentário do Código Penal”, nota ao artigo 110º, Pinto de Albuquerque.

Independentemente da classificação dogmática deste mecanismo a verdade é que todos concordam que “A perda de vantagens inclui todo e qualquer benefício económico que resulte do crime, quer haja vítima quer a não haja (…)”. (idem, ibidem)

“Se os produtos e as vantagens não puderem ser apropriados em espécie (por exemplo, nos benefícios retirados do uso ou da poupança de gastos que não se tiveram ou ainda quando o arguido escondeu, destruiu ou perdeu a coisa), a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor. Também é este o caso se o agente transaciona o objeto com terceiro e o objeto passa a estar legitimamente na posse do terceiro. Por exemplo, se o arguido adquiriu, por valor muito abaixo de mercado, a +propriedade de um prédio urbano em consequência de uma burla e posteriormente vendeu o prédio a terceiro de boa-fé, toda a vantagem patrimonial adquirida (isto é, todo o valor do enriquecimento) do arguido deve ser declarada perdida e o arguido condenado no pagamento do respetivo valor patrimonial ao Estado.” (idem, ibidem)


A perda de vantagens na expressão de Simas Santos e Leal Henriques, in ”Noções de Direito Penal”, 8ª edição, Rei dos Livros, apresenta-se como “uma medida destinada a restabelecer a ordem económica conforme o direito, conduzindo a uma justa privação dos benefícios ilicitamente obtidos (,,,)”. E mais adiante: “providência destinada a impedir a manutenção de situações patrimoniais antijurídicas”.

Os seus pressupostos legais são apenas o facto antijurídico e a existência de proveitos. Sendo consensual na doutrina o significado da expressão vantagem, como “todo e qualquer benefício patrimonial que resulte do crime ou através dele tenha sido alcançado” (cfr., por exemplo, João Conde Correia/Hélio Rigor Rodrigues, Julgar Online 8, pág.12).

Trata-se, pois, de um instituto ligado à ideia de que “o crime não compensa” e que o agente deverá voltar ao estado inicial antes de beneficiar da vantagem patrimonial causada em consequência de um facto antijurídico. O arguido deve voltar a estar na situação patrimonial em que se encontrava antes da prática do crime, não mais “pobre” do que estava mas também não enriquecido pelo facto ilícito.

Aqui é inegável que o arguido obteve com a prática dos crimes de furto por que foi condenado vantagens de carácter patrimonial no quantum global de 22 600.00 €, correspondentes aos objetos e valores furtados e que não foram recuperados pelos ofendidos. A vantagem patrimonial obtida pelo autor de um crime de furto corresponde, inversamente, ao prejuízo patrimonial das vítimas. E, a não ser declarada a perda de tal vantagem, estar-se-á a deixar o arguido enriquecido em igual montante.

No caso estão, pois, preenchidos os pressupostos de declaração de perda de vantagens.

Com o que se impõe condená-lo à perda a favor do Estado da quantia correspondente à vantagem patrimonial obtida pela prática do ilícito.

“Em suma, a perda das vantagens deverá ser sempre decretada, podendo servir para compensar os danos do lesado, comprovados no processo ou, mesmo, fora dele. Tudo isto a entroncar num direito penal que deixou de ser autista (mero exercício do ius puniendi) e, cada vez mais, considera os interesses do portador concreto dos bens jurídicos violados (em nome de quem afinal foi construído), assim se legitimando comunitariamente.” (idem, ibidem)


III. DECISÃO

Termos em que acordam os juízes da 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em

1. alterar a pena única de prisão fixando-a agora em sete anos e seis meses;

2. declarar a perda alargada das vantagens obtidas com a prática dos crimes por que o arguido foi condenado no montante global de vinte e dois mil e seiscentos euros (22 600.00 €); assim concedendo total provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público.

3. Sem custas por delas estar isento o Recorrente/MºPº.


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STJ, 29 de junho de 2023


Ernesto Vaz Pereira (Juiz Conselheiro Relator)

Maria Carmo Silva Dias (Juíza Conselheira Adjunta)

Sénio Reis Alves (Juiz Conselheiro Adjunto)

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[1] Este recente acórdão, sendo relator Paulo Ferreira da Cunha, faz uma exaustiva recensão dos inúmeros acórdãos do STJ nesse sentido.  
[2] Em relação ao crime de furto qualificado, previsto no art.º 204º do Código Penal, verificamos que o legislador, após ter definido o crime simples, vem descrever os elementos que determinam a qualificação. Neste caso, o bem jurídico protegido apresenta-se, não na formulação linear da protecção de uma específica realidade patrimonial, como no furto simples, mas na defesa de um bem jurídico formalmente poliédrico ou multifacetado, isto é, se na raiz temos uma face que é igual para todas as circunstâncias, o ataque a um bem jurídico de raiz patrimonial com o sentido jurídico-penal traduzível no furto simples, não é menos verdade que, depois, o bem jurídico que cada uma das circunstâncias acrescenta transformando, assim, cada uma delas, em realidades normativas que protegem bens jurídicos poliédricos, é absolutamente distinto e diferenciado relativamente a cada uma das alíneas (Cfr. Faria Costa, artº 204º, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo II, Volume I, pág. 70).