Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3461/15.0T8VNF-E.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
VALOR DA CAUSA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR – DISPOSIÇÕES INTRODUTÓRIAS / VALOR DA ACÇÃO.
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITO E DEVERES FUNDAMENTAIS / ACESSO AO DIREITO E TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 15.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
Sumário :
I - Decorre do art. art. 15.º do CIRE que, para efeitos processuais, o valor da causa na insolvência é determinado sobre o valor do ativo do devedor indicado na petição, que é corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real.

II - Tendo sido indicado na petição inicial do processo de insolvência o valor de €5.000,01, que não foi corrigido para outro qualquer, e que inclusivamente foi reiterado pela própria recorrente na sua alegação na apelação e na revista, o recurso de revista interposto não é admissível pelo facto do valor estar contido na alçada do tribunal recorrido.

III - Se acaso havia motivo para a correção do valor, assunto que não cabe ser dirimido no âmbito do recurso de revista interposto, então estamos perante uma omissão causadora de uma nulidade processual, que havia de ter sido arguida a seu tempo e junto de quem a cometeu.

IV - A lei, interpretada no sentido de que, nestas circunstâncias, a revista não é admissível, não padece de inconstitucionalidade, nomeadamente por violação do art. 20.º da Constituição.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

Notificada que foi do despacho do relator que considerou inadmissível o recurso de revista que interpôs, vem a Recorrente AA, Lda. requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão.

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Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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A decisão do relator - formada pelos despachos de 23 de abril de 2019 (fls. 133 e 134) e de 15 de maio de 2019 (fls. 161) - é do seguinte teor:

Despacho de 23 de abril de 2019

«AA, Lda. recorre de revista contra o acórdão da Relação de Guimarães proferido nos presentes autos de recurso em separado, acórdão esse que, confirmando a decisão da 1ª instância, recusou a homologação do plano de insolvência que foi aprovado.

Movemo-nos, assim, no âmbito de processo de insolvência, que está submetido às regras do CIRE.

O recurso começou por ser admitido por via do deferimento da reclamação apresentada pela Insolvente nos termos do art. 643.º do CPCivil, porém, apenas na perspetiva da verificação do requisito específico (oposição de julgados) do art. 14.º, n.º 1 do CIRE. Era essa concreta admissibilidade que constituía a questão que vinha colocada na reclamação (questão decidenda). Por isso, o despacho que deferiu a reclamação expressamente esclareceu que nada impedia que o recurso pudesse vir a ser havido como inadmissível, mas por outra ordem de razões: por não estar verificado algum dos requisitos gerais dos recursos. É que, e como se aponta nesse despacho (e é jurisprudência pacífica), o regime da admissibilidade do recurso de revista à luz do art. 14.º, n.º 1 do CIRE não prescinde também da verificação dos requisitos gerais da admissibilidade dos recursos, designadamente do requisito do n.º 1 do art. 629.º do CPCivil (v. art. 17.º, n.º 1 do CIRE).

Isto posto:

Estabelece o art. art. 15.º do CIRE que, para efeitos processuais, o valor da causa é determinado sobre o valor do ativo do devedor indicado na petição, que é corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real.

De acordo com os elementos disponíveis nos presentes autos de recurso em separado, o valor processual da causa é de €5.000,01 (este valor está certificado na certidão de fls. 23 que instrói o processo de reclamação). Não consta que esse valor tenha sido corrigido pelo tribunal de 1ª instância (que é o competente para o efeito), seja mediante atuação oficiosa do tribunal, seja por iniciativa da Insolvente ou dos Credores. De resto, a própria Recorrente, na reclamação que apresentou nos termos do art. 643.º do CPCivil (v. a respetiva parte final), na alegação que produziu na apelação (v. a respetiva parte final) e na alegação que produziu no presente recurso de revista (v. a respetiva parte final) corrobora que o valor da causa é de €5.000,01.

A Credora BB, S.A., notificada que foi da interposição do presente recurso de revista, veio levantar a questão da inadmissibilidade do recurso pelo facto do valor da causa estar contido na alçada do tribunal recorrido (fls. 110 dos presentes autos de recurso).

Ora, face ao referido valor da causa não será admissível o recurso.

Efetivamente, estabelece o n.º 1 do art. 629.º do CPCivil que o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre. Mas sucede que a alçada do tribunal recorrido é de €30.000,00 e o valor da causa é de 5.000,01, de sorte que este valor está contido nessa alçada. O que torna legalmente inadmissível o recurso.»

Despacho de 15 de maio de 2019

«Pelas razões indicadas no despacho preliminar de fls. 133 e 134 - que aqui são dadas como reproduzidas - é inadmissível o presente recurso.

Relativamente ao que veio aduzir a Recorrente AA, Lda. é de dizer que se eventualmente o tribunal de 1ª instância deixou indevidamente de fixar outro valor diferente do que vem certificado - o que não se sabe ou tem de saber se é ou não exato - então a nulidade processual de que a Recorrente vem agora falar deveria ter sido arguida junto de quem a cometeu e a seu devido tempo. Se tal nulidade não foi arguida (como está implícito no pronunciamento da Recorrente), então convalidou-se, não podendo querer-se, como quer a Recorrente por forma ínvia, que se proceda ao seu ressurgimento. No que toca à inconstitucionalidade de que também vem falar a Recorrente importa observar que em sítio algum se está a interpretar o art. 17.º do CIRE no sentido que serve de base à suposta inconstitucionalidade. O que se passa simplesmente é que o valor do processo (aliás corroborado pela própria Recorrente conforme se demonstra no despacho preliminar), certificado nos autos como sendo de €5.000,01, está contido na alçada do tribunal recorrido. Logo, não é admissível o recurso.

Pelo exposto julga-se inadmissível o recurso em presença, não se conhecendo do seu objecto.»

Este entendimento apresenta-se inteiramente correto e, por isso, tem que ser mantido.

Vejamos:

Movemo-nos o âmbito de processo de insolvência.

Este está submetido às regras do CIRE.

Decorre do art. art. 15.º do CIRE que, para efeitos processuais, o valor da causa é determinado sobre o valor do ativo do devedor indicado na petição, que é corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real.

De acordo com os elementos disponíveis nos presentes autos de recurso em separado, o valor processual da causa é de €5.000,01 (este valor está certificado na certidão de fls. 23 que instrói o processo de reclamação).

Tal valor não foi corrigido pelo tribunal de 1ª instância - que é o competente para o efeito, em face dos elementos que o processo contiver - fosse mediante atuação oficiosa do tribunal, fosse por iniciativa da Insolvente ou dos Credores.

De resto, a própria Recorrente, na reclamação que apresentou nos termos do art. 643.º do CPCivil (v. a respetiva parte final), na alegação que produziu na apelação (v. a respetiva parte final) e na alegação que produziu no presente recurso de revista (v. a respetiva parte final) corrobora que o valor da causa é de €5.000,01.

Ora, face ao referido valor da causa não é admissível o recurso.

Efetivamente, estabelece o n.º 1 do art. 629.º do CPCivil que o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre. Mas sucede que a alçada do tribunal recorrido é de €30.000,00 e o valor da causa é de 5.000,01, de sorte que este valor está contido nessa alçada.

O que torna legalmente inadmissível o recurso.

Com vista a ultrapassar esta evidência, vem a Recorrente argumentar que foi cometida uma nulidade, por isso que foi omitida a alteração do valor da ação.

Conclui que “deverá ser alterado o valor da ação”.

Mais diz que entende “como inconstitucional, por violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva, proporcionalidade, proibição do excesso e ofensa mínima da restrição de direitos fundamentais, a dimensão normativa e entendimento do art. 17.º do CIRE no sentido de a remissão plasmada em tal norma legal para o CPC englobar igualmente a matéria dos recursos e seus requisitos de admissibilidade atentas as diferenças específicas face aos demais processos cíveis bem como a consagração especial, específica e já restritiva dos efeitos do recurso da douta sentença de insolvência.”

Mas, segundo bem nos parece, carece de razão.

No que respeita à aludida nulidade, é de dizer que se eventualmente o tribunal de 1ª instância deixou indevidamente de fixar outro valor diferente do que vem certificado – e não se sabe nem tem de saber se o valor do ativo da Insolvente é diferente do valor indicado na petição - então a nulidade processual de que a Recorrente vem agora falar deveria ter sido arguida junto de quem a cometeu e a seu devido tempo.

Acontece que tal nulidade não foi arguida (nomeadamente pela própria Insolvente que, ao invés, até veio reiterar que o valor do processo era o de €5.000,01), e daqui que se convalidou, não podendo querer-se, como está a querer a Recorrente, que se proceda ao seu ressurgimento.

No que toca à inconstitucionalidade de que vem falar a Recorrente importa observar que não se está a interpretar o art. 17.º do CIRE no sentido que serve de base à suposta inconstitucionalidade. O que se passa simplesmente é que o valor do processo (aliás, repete-se, corroborado pela própria Recorrente nos termos acima indicados, e certificado nos autos como sendo de €5.000,01), está contido na alçada do tribunal recorrido. Logo, não é admissível o recurso.

Acresce dizer que a inconstitucionalidade invocada não pode servir de argumento para ultrapassar a falta de argumentos processuais nem pode servir para conferir direitos processuais à sombra da inação processual da parte. Se acaso o valor da causa deixou indevidamente de ser corrigido, então competia á Recorrente ter arguido, a seu tempo e junto de quem a cometeu (a 1ª instância), a correspetiva nulidade. O que não fez.

Refira-se ainda que a tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º da CRP), que a Recorrente significa estar a ser posta em causa, não implica que não possam ser estabelecidas pelo legislador ordinário (dentro da ampla margem de conformação e modelação da lei processual que lhe assiste) ónus, preclusões e cominações. Ora, no que aqui importa, decorre da lei processual que contra as nulidades processuais pode a parte interessada reclamar (ónus), da mesma forma que decorre que deixando a parte de arguir a nulidade esta se convalida (preclusão e cominação).

Improcede pois a reclamação.

Decisão

Pelo exposto acorda-se em julgar improcedente a reclamação, considerando-se inadmissível o recurso, não se conhecendo do seu objecto.

Regime de custas:

A Recorrente é condenada nas custas do incidente. Taxa de justiça. 3 Uc’s.

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Lisboa, 11 de julho de 2019

José Rainho (Relator)

Graça Amaral

Henrique Araújo