Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P2830
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SANTOS CARVALHO
Descritores: REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Nº do Documento: SJ200810080028305
Data do Acordão: 10/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :

I - A um jovem de 16 anos não deve, em princípio, ser negada a atenuação especial da pena por força da idade.

II - A atenuação especial da pena não implica a aplicação de uma pena meramente simbólica ou sequer aligeirada, antes o reconhecimento de que a imaturidade, própria de quem tem a personalidade ainda em desenvolvimento, merece da sociedade, em regra, uma menor severidade do que aconteceria se os mesmos crimes fossem cometidos por um adulto. Ao menos aos jovens deve ser reconhecida uma oportunidade de refazer a vida.

III - Deve recordar-se que no domínio do C. Penal de 1886, impregnado de valores que não são os democráticos de hoje, não era permitida, em caso algum, uma pena superior a 8 anos de prisão aos menores de 18 anos e superior a 16 anos de prisão aos menores de 21 anos.

IV - É certo que a criminalidade de hoje é muito diferente do que era no passado, que os fenómenos juvenis são agora diversos e que há um maior acesso ao conhecimento por parte dos mais novos; mas a maturidade só se adquire com a experiência de vida.

Decisão Texto Integral:



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. A (nascido a 23 de Abril de 1990) foi julgado, juntamente com outros, pelo Tribunal Colectivo do Barreiro, no âmbito do processo n.º 27/06.9PEBRR do 1º Juízo Criminal, onde veio a ser absolvido da prática de dois crimes de roubo agravado (ofendidos B e C), mas condenado pela prática de dois crimes de roubo agravado (ofendidos D e E), p. e p. nos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, b) e 204.º, n.º 2, f) do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão cada, e de dois crimes de roubo simples, p. e p. no artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão (ofendido F) e na pena de 18 meses de prisão (ofendido G) e, em cúmulo, na pena única global de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.


2. Desse acórdão recorre agora este arguido (1) e, da sua motivação, formula as seguintes conclusões:
1. A, arguido devidamente identificado, vem recorrer para V. Ex.ªs por entender que a pena aplicada foi manifestamente desproporcionada.
2. Os factos que sobre si recaem foram confirmados pelo arguido que os confessou de livre e espontânea vontade, demonstrando um arrependimento sincero no seu comportamento.
3. Daí que, ao determinar a medida da pena o douto tribunal a quo, poderia ter levado em conta a confissão, o arrependimento e vontade manifestada pelo arguido em reparar a sua atitude e tomar um rumo na sua vida normal longe da delinquência.
4. Pelo que ao arguido deveria ser aplicada a pena e as medidas correctivas que se achar necessárias para que o mesmo possa ser reinserido na sociedade segundo o Regime Penal Especial para os Jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos – Decreto Lei nº 401/82 de 23 de Setembro.
5. Por mera cautela de patrocínio e caso V. Exas. assim o entendam, deverá ser reduzida a pena aplicada e suspensa no tempo que V. Exa achar por melhor conveniente.



3. O Ministério Público na 1ª instância respondeu ao recurso e pronunciou-se pelo seu não provimento.
O Excm.º PGA neste Supremo Tribunal, no seu Parecer, também considerou que a decisão recorrida deveria manter-se.

4. Colhidos os vistos, foi realizada conferência (pois o recorrente não requereu alegações orais) com o formalismo legal.

Cumpre decidir.
As principais questões a decidir incidem sobre a possibilidade de se atenuar especialmente a pena única, atenta a idade do recorrente na altura dos factos e, em qualquer caso, a medida de tal pena, considerada excessiva pelo recorrente, que, de resto, pede a sua suspensão.

Os factos provados, relativos ao recorrente, são os seguintes:

1. No dia 29 de Outubro de 2006, pelas 3.00 horas, na Avenida do Bocage, junto do Bingo do Barreirense, D e E foram abordados por A, H e I, incluídos num grupo de não menos de dez indivíduos.

2. A bateu em D a soco na face, fazendo-o cair, e continuou a bater-lhe a pontapé na zona anterior do tronco.

3. Encontrando-se D prostrado, um dos intervenientes tirou-lhe do bolso o seu telemóvel Motorola E 100, no valor de 139,00 €, a quantia de 7,00 € e um cartão Multibanco Millennium BCP.

4. E exigiram-lhe o código pin do referido cartão, ao que acedeu.

5. Na posse do referido código, num terminal ATM, alguém sacou da conta bancária de D a quantia de 200,00 €.

6. Entretanto, H e I aproximaram-se de E e o primeiro arrebatou-lhe o seu telemóvel Nokia 6600, no valor de 270,00 € e o segundo tirou-lhe o blusão desportivo que vestia, marca H&M, cinzento, no valor de 16,00 €.

7. Um dos elementos dos grupo encostou uma navalha ao pescoço de E, que receou pela sua integridade física.

8. No dia 30 de Outubro de 2006, cerca da 1h10m, no Largo do Palácio de Coimbra, Barreiro, indivíduos abordaram B e C pedindo-lhes um isqueiro.

9. Um indivíduo tentou tirar a B uma pequena bolsa, o que não conseguiu porque este reagiu agarrando-a com mais força.

10. Então, outro aproximou-se de B e exibiu uma faca, pelo que aquele deixou de oferecer resistência e o indivíduo referido em 9 conseguiu tirar-lhe a bolsa que continha um telemóvel Nokia 6680 no valor de 370,00 €, uma carteira, chaves e a quantia de 5 €.

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16.

17. No dia 1 de Janeiro de 2007, cerca da 1h35m, na Rua Eusébio Leão, Barreiro, A, acompanhado por cerca de sete indivíduos, abordou F pedindo-lhe um cigarro, que este negou.

18. A empurrou F, fazendo-o cair e, conjuntamente com os demais indivíduos, continuou a bater-lhe a pontapé nos braços e na cabeça.

19. Então, A tirou-lhe o casaco de imitação de pele e o telemóvel Siemens no valor de 40,00 € e guardou-os consigo.

20. Em consequência da acção do arguido e dos demais indivíduos, F sofreu escoriações da face, ferida do supracílio esquerdo e luxação do cotovelo esquerdo, lesões que lhe determinaram quatro meses de doença com incapacidade para o trabalho e ainda rigidez permanente do cotovelo esquerdo nos movimentos de flexão e extensão.

21. No início de Janeiro de 2007, cerca das 19.00 horas, junto ao campo de futebol da Verderena, Barreiro, A e I e outros dois indivíduos abordaram G.

22. I exigiu a G a entrega de seu aparelho MP3 no valor de 30,00 €, dizendo que o esfaqueava, não exibindo embora qualquer faca, ao que aquele, receoso, acedeu.

23. Os arguidos fizeram uso de navalha ou faca para criar nos ofendidos receio e mais facilmente consumar a apropriação.

24. Sabiam que os objectos descritos em 3, 5, 6, 12, 13, 19 e 22 não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos donos.

25. Agiram livre e conscientemente, sabendo serem proibidas as respectivas condutas.

26. Foram recuperados e restituídos aos donos o casaco desportivo H&M, a carteira O’Neill sem o conteúdo e o aparelho MP3 Creative, sendo casaco encontrado na posse de A, a carteira abandonada na via pública e o MP 3 recuperado após diligências do ofendido.

27. Do certificado de registo criminal de A consta condenação, por sentença de 17 de Outubro de 2007, transitada em julgado em 6 de Novembro de 2007, Processo 1275/06.7, 1º Juízo Criminal da comarca do Barreiro, crimes de furto de uso de veículo e condução de veículo sem habilitação legal praticados em 22 de Novembro de 2006, pena única de 250 dias de multa à taxa diária de 3,00 €.

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30. Os arguidos I e A confessaram parte dos factos que lhes são imputados.

31. À data dos factos, A não exercia actividade profissional, mas já trabalhou na construção civil, auferindo 30,00 € por dia.

32. Vive com uma tia, em casa dos seus avós.

33. Frequentou os 7º, 8º e 9º anos no período em que esteve integrado em instituição de reeducação de menores.

34. a 41...

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Os factos em apreço ocorreram entre finais de Outubro de 2006 e princípios de Janeiro de 2007, isto é, entre escassos 2 meses e alguns dias.
Nesse período o arguido tinha 16 anos de idade.

Sobre a possibilidade do mesmo poder beneficiar do regime especial para jovens adultos (DL 401/82, de 23 de Setembro), disse assim o tribunal recorrido:
«Estabelece o artigo 4º do DL nº 401/82, de 23 de Setembro (Regime Especial para Jovens Delinquentes) que se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 72º e 73º do Código Penal, quando tiver razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo considerado jovem, para efeitos de aplicação do mencionado diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos de idade sem ter ainda atingido os 21 anos.
É certo que os arguidos Ae Bruno ainda não tinham completado, à data dos factos, 17 anos de idade e o João Apolónio tinha 18 anos. Porém, a natureza e circunstâncias dos crimes objecto do processo, a par das anteriores condenações, não sendo as condutas, em abstracto, explicáveis pela idade, não permitem concluir que da atenuação especial da pena possam resultar vantagens no âmbito da reinserção e da reeducação, pelo que se afasta a aplicação do Regime Penal Especial dos Jovens Adultos.»

Sobre esta questão, o art.º 9.º do C. Penal indica que aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial. Tal legislação especial foi organizada pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, cujo n.º 2 do art. 1.º esclarece que é considerado jovem para os seus efeitos o agente que, à data do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos.
Ora, este STJ tem vindo entender a aplicação do regime penal relativo a jovens é um «regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária - não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos» (Ac. do STJ de 11-06-2003, recurso 1657/03-3). «A oficiosidade da aplicação e do conhecimento de todas as questões que lhe pertinem resulta da natureza dos interesses que se visam proteger, na realização de uma irrecusável (...) opção fundamental de política criminal, e da própria letra da lei ao usar a expressão “deve” com significado literal de injunção» (ibidem): «Se for aplicável pena de prisão [ao «agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos»: art. 1.1 do DL 401/82], deve o juiz atenuar especialmente a pena (...) quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado» (art. 4.º).
«A atenuação especial da pena prevista no art. 4.° do DL 401/82 não se funda nem exige “uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente” nem, contra ela, poderá invocar-se “a gravidade do crime praticado e/ou a defesa da sociedade e/ou a prevenção da criminalidade”. Pois que, por um lado, a lei não exige - para que possa operar – a «demonstração de» (mas a simples «crença em») «sérias razões» de que «da atenuação resultem vantagens para a [sua] reinserção social» (cfr. STJ 27-02-2003, recurso 149/03-5). E já que, por outro, «a atenuação especial da pena a favor do jovem delinquente não pressupõe, em relação ao seu comportamento futuro, um “bom prognóstico”, mas, simplesmente, um “sério” prognóstico de que dela possam resultar “vantagens” para uma (melhor) reinserção social do jovem condenado» (ibidem).
Tanto mais que, «tratando-se de jovens delinquentes, são redobradas as exigências legais de afeiçoamento da medida da pena à finalidade ressocializadora das penas em geral». Efectivamente, se, quanto a adultos não jovens, a reintegração do agente apenas intervém para lhe individualizar a pena entre o limite mínimo da prevenção geral e o limite máximo da culpa, já quanto a jovens adultos essa finalidade da pena, sobrepondo-se então à da protecção dos bens jurídicos e de defesa social, poderá inclusivamente - bastando que “sérias razões” levem a crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado” - impor, independentemente da sua (menor) culpa, o recurso à atenuação especial da pena» (STJ 29-01-2004, recurso 3767/03-5): «O que o art. 9.º do CP trouxe de novo aos chamados jovens adultos foi, além do mais, a imperativa atenuação especial (“deve o juiz atenuar”), mesmo que o princípio da culpa o não exija, quando “haja razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado” (art. 4.º do DL 401/82)» (ibidem). «A atenuação especial dos art.ºs 72.º e 73.º do CP, uma das principais manifestações do princípio da culpa (ou seja, o de que a pena, ainda que fique aquém do limite mínimo da moldura de prevenção, “em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa” - art. 40.º, n.º 2), beneficia, evidentemente, tanto adultos como jovens adultos. Mas, relativamente aos jovens adultos (art. 2.º do DL 401/82) - e, aí, a diferença -, essa atenuação especial pode fundar-se não só no princípio da culpa (caso em que essa atenuação especial recorrerá aos art.ºs 72.º e 73.º do CP) como, também ou simplesmente, em razões de prevenção especial (ou seja, de reintegração do agente na sociedade)» (ibidem). Nem poderá invocar-se, contra a atenuação especial da pena, o perigo de reincidência (a menos, claro, que esse perigo só possa concretamente debelar-se mediante um dissuasor reforço da pena de prisão).
Ora, no caso dos autos, o tribunal recorrido afastou a atenuação especial para jovens adultos com base na natureza e circunstâncias dos crimes.
No entanto, a gravidade da ilicitude não é, por si, impeditiva de tal atenuação, como dissemos.
Pesaram, também, para o tribunal recorrido «as anteriores condenações» dos dois arguidos, um deles o recorrente. Todavia, quanto ao recorrente, a outra condenação que sofreu foi posterior aos factos, havendo, aliás, uma situação de concurso de infracções, pelo que os crimes ora em apreço foram os primeiros depois de atingir a idade da imputabilidade penal.
Já temos defendido que a um jovem de 16 anos não deve, em princípio, ser negada a atenuação especial da pena por força da idade.
A atenuação especial da pena não implica a aplicação de uma pena meramente simbólica ou sequer aligeirada, antes o reconhecimento de que a imaturidade, própria de quem tem a personalidade ainda em desenvolvimento, merece da sociedade, em regra, uma menor severidade do que aconteceria se os mesmos crimes fossem cometidos por um adulto. Ao menos aos jovens deve ser reconhecida uma oportunidade de refazer a vida. Deve recordar-se que no domínio do C. Penal de 1886, impregnado de valores que não são os democráticos de hoje, não era permitida, em caso algum, uma pena superior a 8 anos de prisão aos menores de 18 anos e superior a 16 anos de prisão aos menores de 21 anos. É certo que a criminalidade de hoje é muito diferente do que era no passado, que os fenómenos juvenis são agora diversos e que há um maior acesso ao conhecimento por parte dos mais novos; mas a maturidade só se adquire com a experiência de vida.

No caso dos autos, a atenuação especial implica que a pena abstracta por cada um dos 2 crimes de roubo qualificado passe a ser de prisão de 7 meses e 6 dias a 10 anos e por cada um dos 2 crimes de roubo simples de prisão até 5 anos e 4 meses (cfr. art.ºs 210.º, n.ºs 1 e 2, b) e 204.º, n.º 2, f), e 73.º, n.º 1, als. a/b, do CP).
Atendendo à elevada gravidade da ilicitude, aos danos pessoais e materiais causados, mas também à confissão parcial e ao facto de já se encontrar em prisão preventiva à ordem deste processo desde 15/01/2007, considera-se adequado fixar as penas em 3 anos de prisão para cada um dos dois crimes de roubo agravado (ofendidos D e E) e em 2 anos de prisão (ofendido F) e 1 ano de prisão (ofendido G) para os dois crimes de roubo simples.
E considerando que os factos se sucederam em curto espaço de tempo e que o recorrente já esteve integrado em instituição de reeducação de menores, o que ainda não foi suficiente para o afastar da criminalidade, fixa-se a pena conjunta em 5 anos e 6 meses de prisão, pelo que fica afastada qualquer hipótese de se considerar uma eventual suspensão, embora através duma pena francamente mais ligeira, mas não excessivamente branda, se dê um sinal positivo ao recorrente, de que ainda poderá encontrar o seu caminho para a ressocialização.
Termos em que o recurso procede parcialmente.

5. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento parcial ao recurso e em fixar as penas parcelares em:
- 3 (três) anos de prisão por cada um dos dois crimes de roubo agravado (ofendidos D e E);
- 2 (dois) anos de prisão (ofendido F) e 1 (um) ano de prisão (ofendido G), pelos respectivos crimes de roubo simples.
E em fixar a pena conjunta em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Fixa-se em 4 UC a taxa de justiça a cargo do recorrente, com um quarto de procuradoria (art.ºs 513.º, n.º 1, do CPP e 87.º, n.º 1-a e 95.º, n.º 1, do CCJ).
Notifique.

Supremo Tribunal de Justiça, 8 de Outubro de 2008

Santos Carvalho (Relator)
Rodrigues da Costa
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(1) O recurso foi interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas esse tribunal remeteu os autos para o Supremo Tribunal de Justiça, por se suscitarem questões atinentes exclusivamente à matéria de direito.