Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09S0090
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: TRABALHADORA GRÁVIDA
DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
PROCESSO DISCIPLINAR
PARECER DA COMISSÃO PARA A IGUALDADE NO TRABALHO E NO EMPREGO
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
REGRA DA SUBSTITUIÇÃO
Nº do Documento: SJ200906250904
Data do Acordão: 06/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - De acordo com o n.º 1 do artigo 51.º do Código do Trabalho de 2003, e tendo em vista a protecção da trabalhadora grávida, para que possa ser decretado o despedimento com justa causa, é necessário que o empregador, antes da decisão final a proferir no processo disciplinar, e concluídas as diligências de prova, solicite parecer à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego a fim de esta, com base no exame do processo, emitir opinião sobre a existência de discriminação em função do sexo, e não sobre a existência de justa causa.

II - Sendo o parecer desfavorável ao despedimento, o empregador, caso entenda prosseguir com o processo disciplinar com vista ao despedimento, deve, nos termos do n.º 5 do referido artigo, solicitar ao tribunal, através de uma acção de simples apreciação, que declare a existência de justa causa, alegando e demonstrando os factos que constituem tal fundamento da cessação do contrato.

III - O juízo sobre a existência de justa causa, a formular em tal acção, não pode basear-se apenas na verificação de meros indícios resultantes do exame do processo disciplinar, que, podendo ser suficientes para se concluir pela probabilidade séria da existência de justa causa a que se refere o n.º 6 do mesmo artigo para efeito de não ser decretada a providência cautelar de suspensão de despedimento, não são suficientes para suportar a certeza da declaração judicial dessa mesma existência, certeza essa que só pode ser alcançada mediante a produção de prova em tribunal dos factos imputados à trabalhadora arguida na nota de culpa.

IV - Consequentemente, não pode a acção de reconhecimento de justa causa ser julgada no despacho saneador, com fundamento na suficiência dos elementos constantes do processo disciplinar, por tal contrariar o disposto nos artigos 49.º e 62.º do Código de Processo do Trabalho e 508.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil.

V - A presunção estabelecida no n.º 2 do citado artigo 51.º, de inexistência de justa causa do despedimento de trabalhadora grávida, opera tanto na acção de reconhecimento de justa causa como na acção de impugnação de despedimento.

VI - A regra da substituição consignada no n.º 1 do artigo 753.º do Código de Processo Civil, segundo a qual, «[s]endo o agravo interposto de decisão final e tendo o juiz de 1.ª instância deixado, por qualquer motivo, de conhecer do pedido, o tribunal, se julgar que o motivo não procede e que nenhum outro obsta a que se conheça do mérito da causa, conhecerá deste no mesmo acórdão em que revogar a decisão da 1.ª instância», que implica a supressão de um grau de jurisdição, tem subjacentes razões de economia e celeridade processual, pelo que só deve aplicar-se quando o processo contenha todos os elementos para ser proferida a decisão de mérito que o tribunal recorrido se absteve de proferir por motivo que o tribunal de recurso vem a considerar insubsistente.

VII - Se o tribunal de recurso determina o reenvio do processo ao tribunal recorrido, por não ser possível conhecer do mérito da causa, não há razões de celeridade e economia processual que justifiquem suprimir um grau de jurisdição e, assim, não está o tribunal superior obrigado a conhecer da questão da nulidade do parecer emitido pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, questão que o tribunal recorrido se absteve de apreciar por se considerar incompetente em razão da matéria, juízo este que o Tribunal da Relação declarou insubsistente.

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Banco AA (Portugal), S.A., intentou, em 6 de Junho de 2007, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, ao abrigo do artigo 51.º, n.º 5, do Código do Trabalho de 2003, acção declarativa de simples apreciação, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB pedindo a declaração de que:

a) — O processo disciplinar, que, na sequência de deliberação do Comité Disciplinar do Banco Autor, de 15 de Dezembro de 2006, instaurou à Ré, visando o despedimento desta, assegurou à trabalhadora arguida todos os mecanismos de defesa consagrados na lei e no instrumento de regulamentação colectiva aplicável e que, por isso, não está ferido de qualquer nulidade;

b) — A Ré não produziu qualquer prova relativamente à caducidade do direito de exercício da acção disciplinar, por ela invocada no referido processo;

c) — O “Parecer”, desfavorável ao despedimento, emitido, em 25 de Maio de 2007, pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), a pedido do Banco Autor, face à situação de gravidez da Ré, é nulo, quer em termos formais, quer em termos substanciais;

d) Da análise do processo disciplinar resulta uma probabilidade séria de verificação de justa causa para o despedimento, estando, assim, afastada a presunção consignada no n.º 2 do citado artigo 51.º.

Contestada a acção pela Ré que, além de contrariar os fundamentos do pedido, excepcionou a incompetência territorial do tribunal, foram os autos remetidos ao Tribunal do Trabalho de Almada, onde veio a ser proferido despacho saneador com valor de sentença, em que se decidiu:

— Julgar o tribunal do trabalho incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido de declaração de nulidade do “Parecer” emitido pela CITE, formulado sob a alínea c);

— Não conhecer, por inadmissibilidade legal, do pedido relativo à declaração de inexistência de nulidades do procedimento disciplinar e de que a Ré não fez qualquer prova relativamente à caducidade do direito de exercício da acção disciplinar, formulados sob as alíneas a) e b);

— Julgar tempestivamente instaurado o procedimento disciplinar e procedente a acção e, em consequência, reconhecer a existência de motivo justificativo para o despedimento da Ré.

2. A Ré interpôs recurso, recebido como apelação, para, imputando à decisão impugnada omissão e excesso de pronúncia, sustentar a necessidade de realização da audiência de julgamento, a fim de ser produzida prova dos factos objecto do processo disciplinar, em ordem ao apuramento da existência de justa causa para despedimento.

Por sua vez, o Banco Autor recorreu subordinadamente, mediante agravo, para pedir a revogação da sentença na parte em que julgou o tribunal incompetente para conhecer do pedido de declaração de nulidade do “Parecer” da CITE, impetrando que o mesmo fosse declarado nulo e de nenhum efeito.

No Tribunal da Relação de Lisboa, a Exma. Desembargadora Relatora proferiu “Decisão Sumária”, que concluiu com o seguinte dispositivo:

«- julga-se procedente o recurso principal, anulando o julgamento e ordenando o prosseguimento dos autos com a elaboração de base instrutória, ou sua abstenção, na hipótese de se entender ser ao caso aplicável o disposto no art. 49.º, n.º 3 do Cód. Proc. Trab. e a realização de audiência de discussão e julgamento, tendo em vista determinar se os factos que foram imputados à ré no processo disciplinar estão ou não apurados e se são ou não suficientes para efeitos de determinação da existência de motivo justificativo (justa causa) para que o autor possa proceder ao despedimento da ré, proferindo-se, nova sentença, nessa conformidade;

- concede-se provimento ao recurso subordinado, revogando-se a decisão recorrida e declarando-se o Tribunal competente para apreciar o pedido formulado sob a alínea c).»

Tendo o Banco Autor reclamado para a conferência, veio aquele tribunal superior a proferir acórdão que confirmou a decisão da Exma. Relatora.

De tal acórdão interpôs o Banco Autor recurso para este Supremo Tribunal — recebido na espécie de revista, mas que, por despacho do Relator, neste Supremo, veio a ser qualificado como agravo —, cuja alegação terminou com as seguintes conclusões:

«i) Por força do n.º 1 do Art.º 753.º do CPC, a douto acórdão recorrido deveria ter conhecido [d]o pedido formulado no recurso de agravo; de facto,

ii) Mesmo que se entenda que tal conhecimento não é possível com o fundamento de que se estaria a suprimir um grau de jurisdição, com preterição do princípio do duplo grau de jurisdição (quanto à matéria de facto) actualmente contido no art.º 20.º, n.º. 1 da CRP, tal entendimento não tem aplicação in casu, uma vez que o que está em causa é apenas matéria de direito;

iii) A presente acção, emergente da previsão do n.º. 5 do Art.º 51.º do Código do Trabalho, situa-se num "momento" anterior ao do despedimento; E,

iv) Situando-se, como se situa, num momento anterior ao do despedimento, a sua sindicância terá de ser feita apenas e só com a matéria constante do processo disciplinar; com efeito,

v) O processo disciplinar caracteriza-se pela sua suficiência (art.ºs 411.º a 415.º do C.T.), pel[o] que [a] decisão a proferir pela entidade patronal é tomada exclusivamente com base na matéria constante do mesmo, razão pela qual,

vi) Nesta sede, a sua sindicância só poderá ser feita com base no referido processo, tanto mais que a decisão a proferir visa confirmar ou infirmar o parecer da CITE, parecer esse que é proferido exclusivamente com base no referido processo. Aliás,

vii) Tal como decorre da lei, a decisão judicial a que se refere o n.º 5 do art.º 51.º do CT não visa julgar os factos, mas apenas aferir se os elementos constantes do processo disciplinar permitem ou não ilidir a previsão contida no n.º 2 da mesma disposição legal. Ora,

viii) O processo disciplinar, para além de outros, contém os documentos de justificação de faltas devidamente assinados pela arguida, ora recorrida, cuja assinatura não foi impugnada, sendo certo que tais justificações são acompanhadas de documentos grosseiramente falsificados, como resulta da prova documental existente nos autos, prova essa traduzida em declarações emitidas pelas entidades que emitiram os documentos que, posteriormente foram falsificados pela arguida. Por outro lado,

ix) Se é verdade que, como se procurou demonstrar, a arguente, com base na prova documental e testemunhal existente nos autos conseguiu, nesta sede, provar todos e cada um dos factos imputados à arguida, esta,

x) Através quer da prova documental que carreou para os autos, quer da prova testemunhal produzida, não logrou afastar as acusações que sobre si foram produzidas como, para além disso, não conseguiu provar as enormidades invocadas. Mas conseguiu provar,

xi) Como resulta da compaginação da matéria constante nos art.ºs 35.º e 36.º da resposta à nota de culpa com o teor do documento de fls. 469 do p.d., que não se coibiu de mentir.

xii) Tal com o resulta, em termos documentais, do processo disciplinar, a arguida, ora recorrida, falsificou 4 documentos que serviram de suporte à "justificação" de outras tantas faltas;

xiii) O douto acórdão recorrido violou, entre outras, as seguintes disposições legais: art.º. 753.º do CPC e n.º 5 do art.º. 51.º e art.ºs 411.º a 415.º, todos do Código do Trabalho.

Termos em que,

Com o douto suprimento de V. Exas. que expressamente se invoca, o douto acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que:

a) Conheça do objecto do recurso de agravo interposto para Segunda Instância e que declare a nulidade, quer em termos formais, quer em termos substanciais, do parecer emitido pela CITE. E,

b) Relativamente ao recurso de apelação, confirme em toda a sua extensão a douta sentença proferida pelo M.º. Juiz de Primeira Instância; sem olvidar,

c) A condenação da recorrida em custas e condigna procuradoria,

assim se fazendo a mais lídima JUSTIÇA».

Na contra-alegação, a Ré defendeu a improcedência do recurso.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao agravo, propugnando a remessa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de ali ser apreciada a questão da nulidade do “Parecer” da CITE e, bem assim, se for caso disso, sindicada a convicção que a 1.ª instância formou sobre o processo disciplinar e na qual se fundou o reconhecimento da existência de motivo justificativo par proceder ao despedimento.

A Ré apresentou resposta em que manifestou a sua discordância relativamente aos fundamentos e sentido do parecer do Ministério Público.

Corridos os vistos, cumpre decidir.


II

1. O objecto do presente agravo envolve, essencialmente, como resulta das conclusões e pretensão formuladas pelo recorrente, as questões de saber:

— Se o Tribunal da Relação — na sequência da revogação do despacho saneador/sentença na parte em que este, declarando a incompetência absoluta do tribunal, se absteve de conhecer da nulidade do “Parecer” do CITE — devia, por força do disposto no artigo 753.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ter conhecido da invocada nulidade;

— Se a decisão judicial sobre o pedido de reconhecimento da existência de motivo justificativo para o despedimento a que se refere o n.º 5 do artigo 51.º do Código do Trabalho de 2003, pode e deve ser proferida com base, apenas, nos elementos constantes do processo disciplinar, isto é, sem a demonstração, mediante provas produzidas perante o tribunal, na competente acção, dos factos que, imputados à trabalhadora arguida e inseridos na nota de culpa, se mostrem indiciados naquele processo.

A solução da segunda questão enunciada tem, como adiante se verá, reflexos na pronúncia solicitada a este Supremo Tribunal sobre o primeiro problema colocado no presente recurso.

Por isso, se vai dar precedência ao tratamento da questão de saber se foi correcta a decisão da Relação de julgar «procedente o recurso principal, anulando o julgamento e ordenando o prosseguimento dos autos com a elaboração de base instrutória, ou sua abstenção, na hipótese de se entender ser ao caso aplicável o disposto no art. 49.º, n.º 3 do Cód. Proc. Trab. e a realização de audiência de discussão e julgamento, tendo em vista determinar se os factos que foram imputados à ré no processo disciplinar estão ou não apurados e se são ou não suficientes para efeitos de determinação da existência de motivo justificativo (justa causa) para que o autor possa proceder ao despedimento da ré, proferindo-se, nova sentença, nessa conformidade».

2. O tribunal da 1.ª instância entendeu que, dada a finalidade da acção, não haveria «de cuidar de buscar a concretização dos factos» imputados à Ré no processo disciplinar — por não lhe competir decretar o despedimento —, pois, «caso contrário, não faria sentido permitir a posterior acção de impugnação do despedimento se o tribunal tivesse já emitido um juízo substancial quanto à validade do mesmo», daí que apreciou, «face aos elementos de prova recolhidos no processo disciplinar e à tramitação deste, se existe alguma irregularidade formal que o afecte de nulidade, se, como alegado, ocorre a caducidade de exercício da acção disciplinar e, por último, se os factos imputados à trabalhadora, aqui R, poderão ter acontecido e são aptos a justificar o seu despedimento, em jeito de juízo de prognose póstuma», ou seja, limitou-se a «apreciar da existência de motivo justificativo do despedimento, um pouco ao jeito do que se passa no processo cautelar de suspensão de despedimento individual, quando precedido de procedimento disciplinar».

Outro foi o entendimento da “Decisão Sumária” — confirmada pelo acórdão recorrido — que, a propósito, e apreciando a impugnação contida no recurso de apelação interposto pela Ré, discorreu assim:

«Há que começar por referir que, no caso dos autos, face ao regime aplicável, constante do disposto nos n.ºs 1 e 5 do art. 51.º do Cód. Trab., "o despedimento (...) só pode ser efectuado após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo".

Dispõe, com efeito, esse art. 51.º, na parte que aqui interessa:

"1. O despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante carece sempre de parecer prévio da entidade que tenha competência na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

2. O despedimento por facto imputável a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante presume-se feito sem justa causa.

(...)

5. Se o parecer referido no n.º 1 for desfavorável ao despedimento, este só pode ser efectuado após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo".

Ora, no caso, encontrando-se a ré grávida aquando da instauração do processo disciplinar, o autor solicitou a emissão do aludido parecer à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, tendo esta entidade emitido parecer desfavorável ao despedimento, nos termos de fls. 23 e segs. , em que concluiu não ser favorável ao despedimento "em virtude de se afigurar que tal despedimento pode constituir uma discriminação em função do sexo por motivo de maternidade".

Assim sendo, é ao Tribunal que cabe determinar se existe ou não motivo justificativo (justa causa) para que o autor possa proceder ao despedimento da ré, analisando se os factos que lhe foram imputados no processo disciplinar estão ou não apurados e se são suficientes para o efeito.

Lembremos, designadamente, que cabe ao empregador a imputação dos factos integrantes da justa causa de despedimento, a descrever na nota de culpa e a dar como assentes na decisão final do processo disciplinar — arts. 411.º, n.º 1 e 415.º, n.ºs 2 e 3, do Cód. Trab. —, e que, nos termos do n.º 3 do seu art. 435.º, "na acção de impugnação do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador".

Neste quadro, pode afirmar-se que os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador ou, na perspectiva processual da dita acção de impugnação, impeditivos do direito à reintegração ou ao direito indemnizatório que o trabalhador nela acciona, com base numa alegada ilicitude do despedimento, e como tal a provar por ele empregador - art. 342.º, n.º 1, do Cód. Civil (veja-se, neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ, 4.ª Secção, de 16.11.2005, disponível em www.dgsi.pt).

E, atenta a especial configuração e finalidade da presente acção, acima salientada — acção declarativa de simples apreciação —, em que o empregador é autor e pede o reconhecimento de que os factos invocados no processo disciplinar integram justa causa de despedimento a fim de poder efectivar o despedimento — n.º 5 do art. 51.º do Cód. Trab. —, tais factos assumem aqui, claramente, a natureza de factos constitutivos do direito accionado, sempre a alegar e provar pelo empregador — art. 342.º, n.º 1, do Cód. Civil.

Refira-se, a terminar a abordagem desta questão, que as asserções acima tiradas se harmonizam inteiramente com o grande princípio norteador neste domínio, segundo o qual, em regra, existe uma correspondência entre o ónus alegatório e o ónus probatório, sendo, por isso, que, em princípio, a parte que retira vantagem da alegação de um determinado facto, por efeito da sua subsunção a norma jurídica que lhe atribui um efeito favorável, é quem tem o dever de o alegar e provar (Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", págs. 199 a 200) .

Feitas estas considerações, facilmente se depreende que, no caso dos autos, o autor nenhuma prova produziu dos factos constitutivos do direito accionado.

Efectivamente, a prova efectuada em processo disciplinar não é de modo algum vinculativa e a única matéria de facto relevante é tão só a que resulta da prova efectuada em juízo.

Não tem, pois, qualquer sentido afirmar-se que nesta sede não interessa averiguar da ocorrência, em concreto, dos factos constantes da nota de culpa, mas apenas se estes são aptos a conduzir ao despedimento da ré.

Nem se diga, com se diz, no despacho proferido a fls. 148, que, "a entender-se de outra forma, estaria aberta a via para uma dupla — e quiçá contraditória — apreciação dos mesmos factos, com o absurdo de o tribunal, num primeiro momento, considerar que se verificam os factos descritos na nota de culpa, quase que dando aval ao despedimento da trabalhadora, quando esta ainda nem sequer o foi, vindo mais tarde a ter de se pronunciar sobre os mesmíssimos factos, em acção de impugnação do despedimento."

Como bem observa Abílio Neto (Código do Trabalho Anotado, Ediforum, Janeiro de 2005, pág. 175): "Na hipótese contemplada neste artigo — refere-se ao art. 51.º do Cód Trab. — não é o Tribunal que decreta o despedimento da trabalhadora, porquanto, de acordo com o n.º 5, a decisão a proferir limita-se a reconhecer a existência de motivo justificativo. A diferença reside no facto de essa apreciação ser necessária e prévia, ao passo que nos demais casos depende da iniciativa do trabalhador que é livre para desencadear ou não a acção de ilicitude de despedimento e fá-lo-á, sempre a posteriori. De todo o modo, ali como aqui o despedimento é extra-judicial e a(s) sentença(s) é declarativa e não constitutiva."».

Respondendo ao argumento do Autor, vertido no requerimento de reclamação para a conferência, de que a prova, no caso, exigível é meramente indiciária, como no procedimento cautelar de suspensão do despedimento, considerou o Tribunal da Relação não poder equiparar-se «uma acção declarativa de simples apreciação, ou seja uma acção com processo comum com a tramitação prescrita nos arts. 51.º e segs. do Cód. Proc. Trab. e que comporta, por regra, tentativa de conciliação, articulados, saneamento e audiência preliminar, instrução e discussão e julgamento a um procedimento cautelar de suspensão de despedimento individual previsto nos arts. 34.º a 39.º do mesmo corpo de leis».

Finalmente, o acórdão também não acolheu o argumento, inserido no mesmo requerimento, traduzido na invocação de óbice a que sobre os mesmos factos pudessem vir a ser produzidas duas decisões de mérito: uma na acção de simples apreciação e outra na eventual acção de impugnação do despedimento.

A tal respeito, observou que, «na presente acção, o trabalhador, face à presunção contida no art. 51.º, n.º 2, do Cód. Trab. ("o despedimento (...) presume-se feito sem justa causa"), não tem contra si a presunção de culpa pelo incumprimento, cumprimento defeituoso ou mora da prestação que decorre do art. 799.º do Cód. Civil, não tendo, por isso, de provar, em face do não cumprimento de um dever contratual, [ ] que o mesmo não se deve a culpa sua, ou seja de provar os factos que afastam o juízo de censurabilidade. É precisamente este o conteúdo útil da norma contida no art. 51.º, n.º 2, do Cód. Trab.: a presunção de culpa que onera o trabalhador — art. 799.º do Cód. Civil — é afastada pela regra ali prevista que presume a inexistência da mesma, pelo que cabe ao empregador a prova dos factos constitutivos da culpa».

E concluiu:

«Por isso, nada obsta a que sobre factos hipoteticamente idênticos — porque nem o empregador [ ] prova os factos constitutivos da culpa nem o trabalhador prova os factos que afastam o juízo de censurabilidade — sejam proferidas duas decisões de mérito, de sentido aparentemente oposto (improcedência da acção prevista no art. 51.º do Cód. Trab., intentada pela entidade patronal versus improcedência da acção de impugnação de despedimento intentada pelo trabalhador) — parece ser esta, de resto, a preocupação do reclamante. E dizemos, aparentemente, porque uma acção declarativa de simples apreciação, como a presente, apenas visa a declaração formal da existência ou inexistência do direito ao passo que uma acção de impugnação de despedimento é uma acção declarativa de condenação que visa ordenar ao réu a realização da prestação correspondente [à] pretensão deduzida (Antunes Varela e outros — "Manual de Processo Civil", 2.ª ed., pág. 21).».

Na revista, o recorrente discorda da solução expressa no acórdão da Relação, argumentando, em súmula, que, situando-se a acção em momento anterior ao do despedimento, "a sua sindicância terá se ser feita apenas e só com a matéria constante do processo disciplinar", dado que este se caracteriza pela sua suficiência, "que a decisão a proferir pela entidade patronal é tomada exclusivamente com base na matéria constante do mesmo", e que "a decisão a proferir [na acção] visa confirmar ou infirmar o parecer do CITE, parecer esse que é proferido exclusivamente com base no referido processo", e que "a decisão judicial a que se refere o n.º 5 do art.º 51.º do CT não visa julgar os factos, mas apenas aferir se os elementos constantes do processo disciplinar permitem ou não ilidir a previsão contida no n.º 2 da mesma disposição legal" [conclusões iii) a vii)].

3. De acordo com o artigo 59.º, n.º 2, alínea a), da Constituição da República Portuguesa incumbe ao Estado assegurar a especial protecção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto.

Prosseguindo tal desiderato, a Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, versando a protecção da maternidade e paternidade, estabeleceu um regime especial de execução do contrato de trabalho no período de gravidez e após o parto.

A tal diploma veio a ser aditado, pela Lei n.º 17/95, de 9 de Junho, o artigo 18.º-A, com a epígrafe «Proibição de despedimento», nos termos do qual, «[a] cessação do contrato de trabalho promovida pela entidade empregadora carece sempre, quanto às trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes, de parecer favorável dos serviços do Ministério e Emprego e da Segurança Social com competência na área da igualdade» (n.º 1); «[o] despedimento de trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes presume-se feito sem justa causa» (n.º 2); e «[o] parecer a que se refere o n.º 1 deve ser comunicado ao empregador e à trabalhadora nos 30 dias subsequentes à recepção do processo de despedimento pelos serviços competentes» (n.º 3).

A referida Lei n.º 4/84, de 5 de Abril, foi alterada pela Lei n.º 142/99, de 31 de Agosto, tendo o respectivo texto, sido republicado, em anexo a este diploma, com a renumeração de artigos, em função das alterações introduzidas.

Na versão republicada, o artigo 24.º da Lei n.º 4/84, sob a epígrafe «Protecção de despedimento», dispunha, no que agora interessa ter presente:

«1 — A cessação do contrato de trabalho de trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes, promovida pela entidade empregadora, carece sempre de parecer prévio da entidade que, no âmbito do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, tenha competência na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

2 — O despedimento de trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes presume-se feito sem justa causa.

3 — O parecer referido no n.º 1 deve ser comunicado ao empregador e à trabalhadora nos 30 dias subsequentes à recepção do processo de despedimento pela entidade competente.

4 — Se o parecer referido no n.º 1 for desfavorável ao despedimento, este só pode ser efectuado após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.

5 — É nulo o despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante caso não tenha sido solicitado o parecer referido no n.º 1, cabendo o ónus da prova deste facto à entidade empregadora.

6 — A suspensão judicial do despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante só não será decretada se o parecer referido no n.º 1 for favorável e o tribunal considerar que existe probabilidade séria de verificação do motivo justificativo.

[...]»

Em anexo ao Decreto-Lei n.º 70/2000, de 4 de Maio, foi, novamente, republicada a Lei n.º 4/84, desta vez, corrigida de lapsos existentes na primeira republicação, tendo sido alterada a epígrafe do artigo 24.º para «Protecção no despedimento», sem modificação do texto dos segmentos normativos, acima transcritos, cujo teor veio a inspirar a redacção do artigo 51.º do Código do Trabalho de 2003, que dispõe:

«1 — O despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante carece sempre de parecer prévio da entidade que tenha competência na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

2 — O despedimento por facto imputável a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante presume-se feito sem justa causa.

3 — O parecer referido no número 1 deve ser comunicado ao empregador e à trabalhadora nos trinta dias subsequentes à recepção do processo de despedimento pela entidade competente.

4 — É inválido o procedimento de despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, caso não tenha sido solicitado o parecer referido no n.º 1, cabendo o ónus da prova deste facto ao empregador.

5 — Se o parecer referido no n.º 1 for desfavorável ao despedimento, este só pode ser efectuado após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.

6 — A suspensão judicial do despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante só não será decretada se o parecer referido no n.º 1 for favorável e o tribunal considerar que existe probabilidade séria de verificação do motivo justificativo.

[...]».

De acordo com o artigo 98.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, da Lei n.º 32/2004, de 29 de Julho, que regulamentou o Código do Trabalho, em caso de despedimento por facto imputável à trabalhadora, o empregador deve remeter, depois concluídas as diligências probatórias subsequentes à resposta à nota de culpa, cópia do processo disciplinar à entidade administrativa competente que emitirá, no prazo de 30 dias, o parecer a que se refere o citado artigo 51.º , tendo-se como verificada em sentido favorável a exigência do parecer prévio se aquela entidade não se pronunciar no referido prazo.

Resulta deste quadro, no que aqui importa relevar, que a lei protege a trabalhadora grávida, no despedimento por facto que lhe seja imputável (despedimento disciplinar):

— Estabelecendo a presunção de que o despedimento operado com tal fundamento foi feito sem justa causa;

— Impondo, para que o despedimento possa ser decretado pelo empregador, que este, antes da decisão final a proferir no processo disciplinar, e concluídas as diligências de prova, faculte o processo a uma entidade administrativa (a CITE) a fim de esta, com base no seu exame, se pronunciar sobre a existência de discriminação;

— Estatuindo a invalidade do processo disciplinar, na falta de solicitação do parecer;

— Facultando ao empregador, se o parecer for desfavorável ao despedimento, o recurso ao tribunal a fim de obter uma decisão judicial que declare a existência de motivo justificativo do mesmo, declaração essa de que depende poder o despedimento ser efectivado;

— Consignando um regime especial do procedimento cautelar de suspensão judicial do despedimento já consumado, nos termos do qual a suspensão só não é decretada se, cumulativamente, o parecer da entidade administrativa tiver sido favorável e o tribunal considerar que existe probabilidade séria de verificação de justa causa (diferente do regime estabelecido no artigo 39.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, segundo o qual a suspensão é decretada, para além dos casos de inexistência de processo disciplinar ou de nulidade deste, se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa).

4. Postas estas considerações, uma primeira observação se impõe, face ao teor dos n.os 5 e 6 do artigo 51.º do Código do Trabalho: enquanto a decisão judicial, exigida, em caso de parecer desfavorável, envolve o reconhecimento da existência de motivo justificativo para que possa ser decretado o despedimento pelo empregador, já a decisão de não suspensão judicial do despedimento, a proferir em procedimento cautelar, se basta, por um lado com a existência do parecer favorável (expresso ou tácito), e, por outro, com um juízo de probabilidade séria da verificação da justa causa.

Em qualquer dos casos, o juízo do tribunal pressupõe a existência de um processo disciplinar, tempestivamente instaurado e o exame dos aspectos atinentes à sua validade formal.

Como assinala Guilherme Dray — Código do Trabalho Anotado (de Pedro Romano Martinez e outros), 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 169 —, as duas diligências judiciais em nada se assemelham: «nos casos do n.º 5, a diligência judicial é da iniciativa do empregador e tem em vista o reconhecimento da existência de justa causa de despedimento para eventual despedimento da trabalhadora, quando o parecer tenha sido emitido em sentido desfavorável ao despedimento; nas hipóteses previstas no presente preceito [o n.º 6 do artigo 51.º], o que está em causa é a instauração por parte da trabalhadora, de uma providência cautelar de suspensão do despedimento, o que pressupõe que a decisão de despedimento já foi tomada pelo empregador e que o contrato de trabalho, consequentemente, já está extinto».

Por outro lado, mais importante para a solução do problema que nos ocupa, são as palavras da lei que, num caso alude «a decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo» e noutro a um juízo que considere «que existe probabilidade séria de verificação de justa causa».

Sendo, como se entende que é, a expressão motivo justificativo, no contexto em que se acha inserida, equivalente à expressão justa causa (cfr. Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 2.ª Edição, Principia, Lisboa, 2002, pp. 106/108, e Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pp. 449/452), e não podendo deixar de considerar-se realidades diferentes a existência de justa causa e a mera probabilidade séria de tal existência, pode, seguramente, afirmar-se que o juízo sobre a primeira dessas realidades haverá de basear-se na demonstração, perante o tribunal, dos concretos factos imputados à trabalhadora, e que tal juízo não pode ser formulado com esteio na verificação de meros indícios que, bastando para se concluir pela probabilidade da existência de justa causa, não são suficientes para suportar a certeza da declaração judicial dessa mesma existência, visada pela acção prevista no n.º 5 do artigo 51.º do Código do Trabalho.

Isto significa que as exigências probatórias neste tipo de acção não são equiparáveis às do procedimento cautelar de suspensão de despedimento.

5. Num outro plano de consideração, importa atender a que a exigência de parecer favorável, no quadro da protecção no despedimento de trabalhadora grávida visa, dado âmbito de competência funcional da entidade administrativa que o emite, prevenir a discriminação.

Deste modo, à entidade administrativa apenas compete, diante dos elementos disponíveis no processo disciplinar, averiguar se eles, de algum modo, revelam que o eventual despedimento radica em tratamento discriminatório, em função do sexo; não lhe compete, para além disso, emitir opinião sobre a existência de justa causa, no caso concreto, a não ser que o motivo justificativo patente no mesmo processo constitua, ele próprio, uma discriminação; nem lhe compete pronunciar-se sobre ilegalidades ou irregularidades do processo disciplinar, a menos que estas sejam, por si, reveladoras de prática discriminatória (cfr. Pedro Furtado Martins, obra e local supra citados).

Disto decorre que o parecer, favorável ou desfavorável, não transporta qualquer presunção quanto à existência ou inexistência de justa causa, não havendo fundamento, na expressão ou no espírito da lei, para se conferir à acção a desencadear, no caso de parecer desfavorável, a finalidade de infirmar ou confirmar tal parecer, pois, como já se deixou referido a acção visa reconhecer a existência de justa causa.

Sendo o parecer favorável, o empregador pode, sem mais, proferir a decisão final no processo disciplinar, e, com total autonomia de apreciação quanto à existência de justa causa, decretar o despedimento, sendo que tal decisão não deixa de ser impugnável pela trabalhadora, com fundamento na inexistência de justa causa, nos termos gerais, e sem qualquer limitação quanto à apreciação desse fundamento.

Sendo o parecer desfavorável, caso o empregador entenda prosseguir com o processo disciplinar com vista ao despedimento, há-de solicitar ao tribunal, através de uma acção declarativa de simples apreciação que se pronuncie sobre a existência de justa causa, alegando e demonstrando os factos que constituem tal fundamento da cessação do contrato.

No caso de a acção improceder, e transitada em julgado a respectiva sentença, o empregador não pode decretar o despedimento disciplinar, mas se o fizer, e ele vier a ser impugnado, com fundamento no trânsito em julgado da sentença que declarou a inexistência de justa causa, não pode o empregador, na acção de impugnação, discutir a questão da justa causa — artigos 671.º, n.º 1, e 673.º do Código de Processo Civil.

Semelhantemente, se a acção de reconhecimento da justa causa for julgada procedente, isto é, se o tribunal declarar a existência de motivo justificativo para o despedimento disciplinar, e o empregador o decretar, não poderá, na eventual acção de impugnação de despedimento, a trabalhadora discutir a questão da justa causa.

Valem estas considerações para se concluir que a circunstância de a acção de simples apreciação se situar em momento anterior ao despedimento não limita o âmbito dos poderes de apreciação do tribunal aos elementos disponíveis do processo disciplinar, nem gera o perigo de o tribunal vir a ter de apreciar, numa nova acção — a de impugnação de despedimento —, os mesmos factos.

Também não é de acolher o argumento do Autor de que a acção de simples apreciação visa, apenas, aferir se o elementos constantes do processo disciplinar permitem ou não ilidir a presunção contida no n.º 2 do citado artigo 51.º.

Independentemente da valia prática de tal presunção, discutida na doutrina (cfr. Guilherme Dray, Código do Trabalho Anotado citado, p. 167/168; Luís Gonçalves da Silva, na mesma obra, pp. 745/748; e Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, citado, p. 452), o ónus da prova a ela inerente é de aplicação seja na acção de simples apreciação, seja na acção de impugnação de despedimento, daí que não se vislumbre como extrair da presunção de inexistência de justa causa o efeito de limitar, apenas no primeiro tipo de acção, a apreciação do tribunal aos elementos do processos disciplinar, dispensando (ou impedindo) a prova em juízo dos factos constitutivos da justa causa.

Em suma, a decisão sobre o pedido de reconhecimento da existência de motivo justificativo para o despedimento a que se refere o n.º 5 do artigo 51.º do Código do Trabalho de 2003, não pode ser proferida com base, apenas, nos elementos constantes do processo disciplinar, antes exige a demonstração, mediante provas produzidas perante o tribunal, na competente acção, dos factos que, imputados à trabalhadora arguida e inseridos na nota de culpa, se mostrem indiciados naquele processo.

No caso dos autos, o tribunal da 1.ª instância, como se viu, seguindo entendimento oposto ao que acaba de se deixar expresso, limitou-se a apreciar, face aos elementos de prova recolhidos no processo disciplinar, e à tramitação deste, se existia alguma nulidade, se tinha ocorrido a caducidade do direito de acção disciplinar e, finalmente, se os factos imputados à trabalhadora Ré poderiam ter acontecido e são aptos a justificar o seu despedimento, tendo concluído pela procedência da acção.

O Tribunal da Relação, nas considerações que produziu para anular o julgamento e ordenar o prosseguimento dos autos, referindo a necessidade de prova, a cargo do Autor, dos factos imputados à Ré, tem implícita uma censura relativa ao incumprimento das regras processuais atinentes à fase da condensação [artigos 49.º e 62.º do Código de Processo do Trabalho e 508.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil], infracção que se projectou na omissão das fases processuais seguintes (instrução e audiência de julgamento), com reflexos na decisão da causa.

Concorda-se com tal juízo, pelos motivos que acima — em reforço das considerações expendidas no acórdão impugnado — se deixaram explanados, confirmando-se, por conseguinte, neste particular, a decisão da Relação.

6. Relativamente à primeira das questões enunciadas — cuja solução se entendeu depender da confirmação, ou não, do decidido relativamente ao reenvio do processo ao tribunal da 1.ª instância, para prosseguimento do autos, a fim de ser produzida prova, em audiência de julgamento —, é mister indagar da razão de ser da regra da substituição consignada no artigo 753.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (redacção do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), segundo a qual «[s]endo o agravo interposto de decisão final e tendo o juiz de 1.ª instância deixado, por qualquer motivo, de conhecer do pedido, o tribunal, se julgar que o motivo não procede e que nenhum outro obsta a que se conheça do mérito da causa, conhecerá deste no mesmo acórdão em que revogar a decisão da 1.ª instância».

Radica esta norma em razões de economia e celeridade processual, tendo por finalidade obviar a demoras na solução final do litígio, injustificadas na perspectiva do legislador, quando o processo contenha todos os elementos para ser proferida decisão de mérito que o tribunal recorrido se absteve de proferir por motivo que o tribunal de recurso vem a considerar insubsistente.

Em tal caso, e só em tal caso, quando se trate de evitar demora na prolação da decisão de mérito, se justifica a supressão de um grau de jurisdição.

Ora, no caso que nos ocupa, havendo lugar ao reenvio do processo à 1.ª instância, por não ser possível à Relação conhecer do mérito da causa, não existem razões de celeridade e economia processual que justifiquem a supressão de um grau de jurisdição em que se traduziria a apreciação por aquele tribunal superior da questão da nulidade do parecer emitido pela CITE, questão que o tribunal da 1.ª instância se absteve de conhecer, por incompetência material, motivo que a Relação declarou insubsistente pela Relação.

Diferente seria a solução do problema se o processo não tivesse de baixar à 1.ª instância, pois, então as ditas razões de celeridade — que inspiram aquela excepção à regra de que, em princípio, o tribunal de recurso só pode conhecer de questões apreciadas pelo tribunal recorrido — haveriam de prevalecer sobre a proibição geral de supressão de um grau de jurisdição.

Em suma, não se verificam, no caso, os requisitos de aplicação do citado artigo 753.º, n.º 1, por isso que improcede a alegada violação deste preceito.


III

Por tudo o exposto, decide-se negar provimento ao agravo.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 25 de Junho de 2009

Vasques Dinis (Relator)
Bravo Serra
Mário Pereira