Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
059913
Nº Convencional: JSTJ00002675
Relator: GONÇALVES PEREIRA
Descritores: LETRA
AVAL
NATUREZA COMERCIAL
RELAÇÕES IMEDIATAS
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196411270599132
Data do Acordão: 11/27/1964
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Referência de Publicação: DG Nº 296, I-S DE 1964/12/19, PÁG. 853 - BMJ Nº 141, ANO 1964, PÁG. 171
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR COM - TIT CREDITO.
Legislação Nacional: CCOM888 ARTIGO 2 ARTIGO 10 ARTIGO 99.
LULL ARTIGO 32.
CPC61 ARTIGO 825 N3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1963/05/28 IN BMJ N127 PAG485.
ACÓRDÃO STJ DE 1938/04/22 IN COL OF ANO37 PAG165.
Sumário :
I - No dominio das relações imediatas, pode discutir-se se as obrigações cambiarias, como a resultante do aval, tem ou não natureza comercial.

II - O artigo 10 do Codigo Comercial não e aplicavel ao outorgante em relação ao qual o contrato de compra e venda não e mercantil.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferencia, os do Supremo Tribunal de Justiça em Tribunal Pleno:

A firma "A, Lda.", recorre para o Tribunal Pleno do acordão deste Supremo Tribunal, de 28 de Maio de 1963, que decidiu as seguintes questões de direito: a) Embora o aval seja um acto de comercio objectivo, como resulta do artigo 2 do Codigo Comercial, a letra não saiu do dominio das relações imediatas, podendo, por isso, discutir-se a causa juridica que deu origem a letra. b) Tratando-se de um acto de comercio unilateral ou misto, visto a venda de azeite ser um acto de comercio quanto a compradora, mas não perder por esse motivo a natureza civil quanto ao vendedor, não são aplicaveis a este, e consequentemente ao seu avalista, as disposições de lei comercial como resulta do artigo 99 do Codigo Comercial.
Alega a recorrente que este acordão esta em manifesta oposição com os de 22 de Abril de 1938 e 5 de Abril de 1918, transitados em julgado, proferidos em processos diferentes e no dominio da mesma legislação.
No acordão de 1938 decidiu-se que as dividas provenientes de letras, sejam ou não comerciantes as pessoas que nelas intervenham, são essencialmente comerciais, que a obrigação nas letras incorporada e literal, resulta das assinaturas nelas contidas, não se devendo atender a causa debendi; que a obrigação cartular tem plena consistencia juridica, sendo inutil averiguar da obrigação causal; que as letras caracterizam-se pelos principios de literalidade e de autonomia. (Colecção Oficial, ano 37, pagina 165; Gazeta da Relação de Lisboa, ano 52, pagina 331).
No acordão de 1918 julgou-se que, a face do artigo 99 do Codigo Comercial, a venda e um contrato comercial, regulado pelas disposições de lei comercial em relação a todos os contraentes (Gazeta da Relação de Lisboa, ano 32, pagina 381).
Estão juntas aos autos as copias dos tres acordãos e da sua leitura verifica-se a nitida oposição sobre questões fundamentais de direito, justificando-se o presente recurso.
Tudo visto:
A primeira questão - se a divida proveniente da prestação de aval em uma letra e necessariamente comercial ou pode assumir natureza civil - tem sido largamente debatida na doutrina e na jurisprudencia.
Sobre ela debruçaram-se notaveis jurisconsultos portugueses: Guilherme Moreira (Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, ano 5, pagina 248), Barbosa de Magalhães (Revista da Ordem dos Advogados, ano 11, ns. 3 e 4, pagina 367), Alberto dos Reis (Processo de Execução, volume I, pagina 291), Fernando Olavo (Lições de Direito Comercial, pagina 147), Mario de Figueiredo (Caracteres dos Titulos de Credito, pagina 119), Jose Gabriel Pinto Coelho (Lições de Direito Comercial, volume II, pagina 45).
Examinado o problema nos seus multiplos aspectos, entendemos que a solução mais legal e a perfilhada no acordão recorrido.
Não e suficiente a comercialidade formal da divida representada por letra; e preciso que seja tambem de natureza comercial a relação subjacente para que, no dominio das relações imediatas, a divida possa ser considerada comercial, e, assim, ser-lhe aplicado o artigo 10 do Codigo Comercial.
Nem sempre tem natureza comercial a obrigação subjacente a letra, pois na vida economica civil a letra e frequentemente utilizada em razão das vantagens que assegura.
E se a obrigação subjacente e de natureza civil, não pode considerar-se comercial a obrigação resultante da letra; não pode sujeitar-se a disciplina do Direito Comercial.
Nos termos do artigo 32 da Lei Uniforme, o dador do aval e responsavel da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada como se fosse o avalizado. E um juizo de extensão e conteudo de obrigação do avalista e avalizado; a responsabilidade do avalista não pode exceder a do avalizado.
As dividas de letra resultantes do seu aceite, saque, endosso ou aval, estando a letra no ambito das relações imediatas, devem considerar-se civis, quando sejam desta natureza as respectivas obrigações subjacentes.
O aval, embora constitua um acto comercial formal pode garantir uma obrigação de natureza civil.
A tese do recorrente teria como consequencia lamentavel ficar a familia desprotegida se o marido, casado em regime de comunhão geral de bens, avalizasse uma letra; privaria a mulher e filhos dos bens do casal.
Examinemos a segunda questão.
A venda não e sempre, em relação a todos os contraentes, um contrato comercial; pode ser um acto de comercio unilateral ou misto, comercial quanto ao comprador e civil quanto ao vendedor; neste caso, não são aplicaveis ao vendedor, e consequentemente ao seu avalista, as disposições da lei comercial, como resulta do artigo
99 do Codigo Comercial.
O Professor Mario de Figueiredo, com notavel clareza, cita o seguinte exemplo: dois comerciantes compram a dois agricultores, dois moios de trigo. A compra e comercial, mas a venda e civil, porque e feita pelos agricultores e o trigo e da sua lavra.
O artigo 10 do Codigo Comercial so e aplicavel aqueles em relação a quem o acto e mercantil: no exemplo referido, aos dois comerciantes compradores; não e extensivo aos não comerciantes quanto aos contratos que, em relação a estes, não constituem actos comerciais.
Pelo exposto, negam provimento ao recurso e formulam o seguinte assento:
I - No dominio das relações imediatas, pode discutir-se se as obrigações cambiarias, como a resultante do aval, tem ou não natureza comercial.
II - O artigo 10 do Codigo Comercial não e aplicavel ao outorgante em relação ao qual o contrato de compra e venda não e mercantil.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Novembro de 1964

Gonçalves Pereira (Relator) - Alberto Toscano - Fragoso de Almeida - Albuquerque Rocha - João Caldeira - Torres Paulo
- Eduardo Tovar de Lemos (sem prejuizo do mais emocionado respeito pela assinatura de seu saudoso Pai no acordão de folhas).
Albino Resende Gomes de Almeida - Lopes Cardoso - F.
Toscano Pessoa - Antonio Teixeira Botelho - Barbosa Viana
- Abranches Tinoco - Ludovico da Costa - Simões de Carvalho (Vencido porque a obrigação de restituir a quantia entregue pelo comprador comerciante de artigos de seu comercio, ao vendedor produtor, que não cumpriu o contrato e um acto misto - de natureza civil quanto a este e de natureza comercial relativamente aquele.
Os actos desta especie são regulados quanto a ambos os contraentes pelas disposições da lei comercial (artigo 99 do Codigo Comercial).
As excepções ali ressalvadas referem-se necessariamente aos comerciantes; senão inutilizariam a regra formulada.
A tais actos e, portanto, aplicavel o disposto no artigo 10 do Codigo Comercial e o n. 3 do artigo 825 do Codigo de Processo Civil.
Quanto a 1 parte estou de acordo).