Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
067365
Nº Convencional: JSTJ00003711
Relator: ACACIO CARVALHO
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
TRIBUNAL DE COMPETENCIA
TRIBUNAL DE FAMILIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ197907240673652
Data do Acordão: 07/24/1979
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS 1979/10/19, PÁG. 2720 A 2722 - BMJ Nº 289 ANO 1979 PÁG. 140
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
DIR CIV - DIR FAM. DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: OTM78 ARTIGO 39 N1 ARTIGO 69 N1 ARTIGO 102 N1 ARTIGO 146 D ARTIGO 149 ARTIGO 154 N3
ARTIGO 155 N1.
D 8/72 DE 1972/01/07 ARTIGO 2 N1 F ARTIGO 12 N2.
CPC67 ARTIGO 1407 N2 ARTIGO 1412 N2.
L 4/70 DE 1970/04/29.
CCIV66 ARTIGO 1905.
DL 496/77 DE 1977/11/25.
L 82/77 DE 1977/12/06 ARTIGO 2 N1 F ARTIGO 62 N1 D.
DL 314/78 DE 1978/10/27 ARTIGO 146 D ARTIGO 149 ARTIGO 154 N3 ARTIGO 155 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1978/03/02 IN BMJ N275 PAG111.
ACÓRDÃO STJ PROC66905 DE 1977/11/29.
Sumário :
Em caso de divorcio ou separação judicial de pessoas e bens decretados por um Tribunal de Familia a este compete a regulação consequente do exercicio do poder paternal.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

O excelentissimo Ajudante do Procurador-Geral da Republica junto deste Tribunal, invocando oposição sobre a mesma questão de direito entre os acordãos deste Supremo, de 2 de Março de 1978, publicado no Boletim, n. 275, pagina 111, e o de 29 de Novembro de 1977 proferido no processo n. 66905, dele recorre para tribunal pleno, a fim de que se estabeleça por assento a doutrina legal.
Alegou, em tempo oportuno, aquele digno magistrado.
Efectivamente, como se julgou no acordão de folhas 14, existe manifesta oposição entre aqueles dois arestos, pois enquanto no primeiro se decidiu ser competente o Tribunal de Familia, onde seguiu seus termos e foi decretado o divorcio, para a providencia de regulação do exercicio do poder paternal relativamente aos filhos comuns dos divorciados, o segundo sustentou que o tribunal competente para conhecer da referida providencia consequente ao divorcio decretado no Tribunal de Familia era o Tribunal de Menores por ser o da residencia daqueles.
As normas em vigor, a data de uma e outra dessas decisões, eram, sem qualquer modificação, as dos artigos 39, n. 1, da Organização Tutelar de Menores, 2, n. 1, alinea f), do Decreto n. 8/72, de 7 de Janeiro, e 1412, n. 2, do Codigo de Proceso Civil.
Cumpre, por isso, resolver este conflito de jurisprudencia e determinar qual o tribunal competente para, nessa hipotese, pronunciar-se sobre a regulação do exercicio do poder paternal.
O direito tutelar e dominado pela necessidade de protecção aos menores e, assim, nos esquemas processuais criados para esse efeito, a maior comodidade destes prevalece sobre a dos seus legais representantes.
Dispunha o n. 1 do artigo 39 da Organização Tutelar de Menores que, em materia civel, e competente o tribunal da residencia do menor no momento em que o processo foi instaurado. Essa regra funda-se no desejo de que os processos sigam os seus termos no tribunal onde seja mais facil reunir os elementos necessarios a conveniente e eficaz defesa dos respectivos interessados. E de admitir, em tese geral, que maiores facilidades poderão ser obtidas atraves do tribunal da residencia daqueles no momento em que se inicia o processo. A doutrina constante desse artigo 39 dentro do sistema da Organização Tutelar, sofre, no entanto, desvios que esse diploma expressamente contempla , designadamente nas hipoteses previstas nos artigos 69, n. 1, e 102, n. 1.
Sendo o conflito suscitado em materia de competencia, e de acentuar que esta emerge necessariamente da lei, mediante a verificação dos pressupostos basicos que a caracterizam e não de meras circunstancias ocasionais.
A alinea f) do n. 1 do artigo 2 do Decreto n. 8/72, de 7 de Janeiro, que regulamentou a Lei n. 4/70, de 29 de Abril, que instituiu, a titulo experimental os tribunais de familia, preceitua que e da competencia exclusiva desses tribunais criados por aquele diploma, dada a sua especifica natureza, a instrução e julgamento das providencias civis atribuidas pela lei vigente aos tribunais tutelares de menores quando conexas com as acções referidas nas alineas anteriores, de entre as quais figuram as de separação de pessoas e bens e de divorcio.
A regulação do poder paternal, necessaria em consequencia do decretamento do divorcio ou da separação, e conexa das acções daquela natureza.
A conexão supõe, naturalmente, a ideia de nexo de ligação e esse nexo e evidente entre aquelas acções e a providencia de regulação do poder paternal na medida em que este e consequencia necessaria e legal daquela.
O tribunal de familia e um orgão jurisdicional de competencia especializada para conhecer da providencia referente a regulação do poder paternal, a qual deve correr por apenso ao respectivo processo de divorcio ou de separação, como resulta da analise de estatuido no artigo
12, n. 2 do citado Decreto n. 8/72 e prescreve, actualmente, o n. 3 do artigo 154 do Decreto-Lei n. 314/78, de 27 de Outubro.
O problema assim apreciado reconduz-se a uma questão de competencia em razão de materia, hoje solucionado em diplomas diversos.
E certo que o Decreto n. 8/72 estabeleceu um regime experimental para a nova jurisdição, mas esta circunstancia não impedia, e antes impunha, que, durante a sua vigencia, se cumprissem os preceitos nele contidos, pois so assim seria possivel extrair da nova organica todo o alcance social que ela comportava e concluir se a experiencia vivida foi util e eficaz. Diplomas posteriores confirmaram a justeza da solução prosposta.
O artigo 1905 do Codigo Civil com a redacção que lhe foi dada pelo Deecreto-Lei n. 496/77, de 25 de Novembro, correspondente ao antigo artigo 1902, não menciona ja, ao contrario do que sucedia neste ultimo preceito, o tribunal que devera regular o exercicio do poder paternal da falta de acordo dos pais.
Actualmente, face ao preceituado nos ns. 1 e 2 do artigo 1407 do Codigo de Processo Civil, as acções de divorcio e de separação iniciam-se com uma tentativa de conciliação em que o juiz procurara obter o acordo dos pais quanto a regulação do exercicio do poder paternal. Este preceito mostra bem o vinculo de conexão existente entre essa providencia e a acção respectiva.
O artigo 1412. n. 2, do Codigo de Processo Civil alude ao tribunal de menores competente, mas esse preceito não invalida os termos do problema, visto interessar, presentemente, determinar se, no caso concreto dos autos, a competencia pertence ou não ao tribunal de familia.
A solução deste problema deve ser considerada, tambem, em face de legislação posteriormente publicada.
Com efeito, nos termos da alinea d) do n. 1 do artigo 62 da Lei n. 82/77, de 6 de Dezembro, conhecida por lei organica dos tribunais, compete aos tribunais de familia, relativamente a menores, regular o exercicio do poder paternal e conhecer das questões a este respeitantes.
Esse diploma introduziu alterações substanciais a organização dos tribunais, sendo de acentuar as que se referem a competencia dos tribunais de familia e dos tribunais de menores.
Um dos pontos relevantes das alterações introduzidas pela
Lei n. 82/77 foi a repartição entre os tribunais de menores e os tribunais de familia da competencia tradicionalmente atribuida aos primeiros e dai a necessidade de revisão da Organização Tutelar de Menores levada a efeito pelo Decreto-Lei n. 314/78, de 27 de Outubro, como, alias, se acentua no respectivo relatorio.
Na alinea d) do artigo 146 desse diploma estabelece-se que compete aos tribunais de familia, em materia tutelar civel, regular o exercicio do poder paternal e conhecer das questões a este respeitantes.
Com esta solução não se afasta o principio, anteriormente referido, da necessidade de assegurar, acima de tudo, a protecção dos menores.
A prevalencia dos tribunais de familia, nesta materia, baseia-se, fundamentalmente, na competencia especializada desses tribunais e, quando tenha sido instaurado o processo de divorcio ou de separação, no mais profundo conhecimento que os mesmos possuem da situação dos menores e dos interesses destes, conhecimento que lhes advem do estudo dos problemas dos pais e que determinaram a ruptura do respectivo vinculo matrimonial.
O tribunal que viveu o drama dos pais do menor, que se pronunciou sobre a culpabilidade deles na crise verificada, esta em melhores condições do que qualquer outro para decidir dos efeitos, quanto aos filhos, do divorcio ou da separação dos pais.
Dispõe o artigo 149 desse Decreto-Lei que fora das areas abrangidas pela jurisdição dos tribunais de familia, cabe ao tribunal da respectiva comarca conhecer das causas que por lei aqueles estão atribuidas. So nesses casos especificos, a solução deste problema pertence ao tribunal de comarca.
Definida em termos claros, a competencia em razão da materia dos tribunais de familia, continua a suscitar-se a questão da competencia territorial, visto o n. 1 do artigo 155 desse Decreto-Lei estatuir que para decretar as providencias e competente o tribunal da residencia do menor no momento em que o processo foi iniciado. Este preceito, de caracter geral, deixa de observar-se no caso especial da regulação do poder paternal consequente ao divorcio ou separação decretada por um tribunal de familia porque, nesta hipotese, sendo a providencia conexa com a acção que se encontra a correr em tribunal de familia e este o competente para conhecer dela. Trata-se de competencia por conexão a que alude o n. 1 do artigo 154 do mencionado diploma que adoptou uma solução coincidente, na sua essencia, com a perfilhada na alinea f) do n. 1 do artigo 2 do Decreto n. 8/72, de 7 de Janeiro.
O tribunal de familia, neste caso, e o competente para conhecer da regulação do exercicio do poder paternal.
Não invalida este entendimento o facto de o citado n. 1 do artigo 154 aludir a acção que se encontra a correr, pois logo no inicio do processo respectivo deve o juiz procurar regular o exercicio do poder paternal, como preceitua hoje o n. 2 do citado artigo 1407 do Codigo de Processo Civil.
A razão continua, alias, a subsistir, ou seja, a de ser esse tribunal de familia o que esta em melhores condições para decidir dos efeitos do divorcio ou da separação de pessoas e bens dos pais quanto aos filhos menores, ainda que não seja o da residencia destes. Neste sentido, devera ser resolvido o presente conflito de jurisprudencia. Sem custas.
Pelo exposto, e em harmonia com o douto parecer do digno representante do Ministerio Publico, e estabelecido o seguinte assento:
"Em caso de divorcio ou separação judicial de pessoas e bens decretados por um Tribunal de Familia a este compete a regulação consequente do exercicio do poder paternal".

Lisboa, 24 de Julho de 1979

Oliveira Carvalho (Relator) - Adriano Vera Jardim - João Moura - Rodrigues Bastos - Daniel Ferreira - Abel de Campos - Santos Vitor - Miguel Caeiro - Ferreira da Costa
- Manuel Alves Peixoto - Costa Soares - Alberto Alves Pinto - Artur Moreira da Fonseca - Eduardo Botelho de Sousa - Antonio de Melo Bandeira - João Vale - Antonio Furtado dos Santos - Octavio Dias Garcia - Henrique Justino da Rocha Ferreira - Rui de Matos Corte Real

- Augusto de Azevedo Ferreira - Hernani de Lencastre, com a declaração de que: para a regulação do poder paternal, em face das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n. 314/78, e sem duvida o Tribunal de Familia, havendo acção de separação de pessoas e bens ou de divorcio; porem aquele em que a acção tenha sido proposta, enquanto esta esteja a correr termos; mas o da residencia dos menores, quando a mesma ja tenha findado; dada a combinação dos criterios da conexão e territorial que ali se mostra adoptada - Bruto da Costa (Vencido, em virtude da declaração de voto que apresento em separado).
Declaração de voto:
Salvo o devido respeito, discordo do assento, porquanto leva ao absurdo, ao que alias procurou obstar o artigo 155 do Decreto-Lei n. 314/78, de 27 de Outubro: se um casal se divorcia em Macau, hoje, e tem filhos de meses, e um dos conjuges vem para Lisboa e com eles vive junto dos avos, com quem eles convivem, a resolução do poder paternal daqui a 15 anos, sera de competencia do Tribunal de Macau? Esta e evidentemente a do tribunal da residencia dos menores e não a do que foi decretado o divorcio.
E mesmo que se não trate de caso tão evidente, se a mãe sempre conviveu com os menores em Tras-os-Montes e o divorcio foi decretado no Algarve sera o Tribunal deste distrito o competente para a regulação do poder paternal? Sempre se entendeu e continua a entender-se que e o Tribunal da residencia dos menores que mais elementos possuira para decidir em consciencia do que lhes e mais conveniente e são os interesses destes que acima de tudo devem ser respeitados.
Bruto da Costa
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