Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
693/10.0TVPRT.C1.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI NO ESPAÇO
DIREITO COMUNITÁRIO
REGULAMENTO (CE) 593/2008
APLICAÇÃO DE LEI ESTRANGEIRA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
CADUCIDADE
PRESCRIÇÃO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
MORA
PERDA DE INTERESSE DO CREDOR
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
BOA FÉ
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO / DIREITOS DOS ESTRANGEIROS E CONFLITOS DE LEIS - RELAÇÕES JURÍDICAS /
FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL ( COMPRA E VENDA ).
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO - APLICAÇÃO DO DIREITO ESTRANGEIRO - DIREITO CIVIL ESPANHOL.
Doutrina:
- ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 7ª Edição, vol. II, Almedina pp. 124, 275; na R.L.J. n.º 118, pág. 55, nota 1.
- BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, Almedina, 3.ª Edição, pp. 244 e 245; Pressupostos da Resolução por incumprimento - Obras dispersas, vol. I, Scientia Ivridica, pp. 136, 137, 162, 172 e 173.
- BLAS PÉREZ GONZÁLEZ e JOSÉ ALGUER, na nota de adaptação e estudo comparativo (face ao Direito Espanhol) da p. 74 da tradução para língua castelhana do “Tratado de Derecho Civil – Derecho de Obrigaciones”, tomo II, 2.º vol., da autoria de LUDWIG ENNECCERUS e HEINRICH LEHMAN, Bosch, Casa Editorial.
- CALVÃO DA SILVA, Compra e venda de coisas defeituosas, 4ª Edição, Almedina, pp. 44, 45, 72, 81, 82, 83 a 85.
- DIAZ PAIRÓ – apud JOSÉ MANUEL LETE DEL RIO e JAVIER LETE ACHIRICA, ob. cit., vol. I, pp. 371 e 372.
- FERRER CORREIA, Lições de Direito Internacional Privado, vol. I, Almedina, pág. 434.
- Ferrer Correia, Ob. cit., págs. 434 e 435.
- JOSÉ MANUEL LETE DEL RIO e JAVIER LETE ACHIRICA , Derecho de Obligaciones - Contratos, vol. I, pág. 372; vol. II, Thomson/Aranzadi, pp. 111-113.
- JOSÉ RAMÓN DE VERDA Y BEAMONTE, “El régimen de conformidad y garantia en los productos y servicios”, in Derecho de Consumo, coord. de MARIA JOSÉ REYES LÓPEZ, Tirant Lo Blanch, pp. 446 - 448.
- LUÍS DE LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado, vol. I, Almedina, p. 648.
- PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, Em especial na empreitada e na compra e venda, Almedina, pp. 129, 167, 415, 440, 441.
- PESSOA JORGE, Ensaio Sobre Pressupostos da Responsabilidade Civil, Lisboa, p. 290 nota 3.
- PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (com a colaboração de HENRIQUE MESQUITA), “Código Civil” Anotado”, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra, p. 70; tomo II, 2ª Ed., Coimbra, p. 71.
- RICHARD PLENDER e MICHAEL WILDERSPIN, The European Private Law of Obligations”, Sweet & Maxwell, 3.ª Edição, p. 408.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 23.º, N.º 1, 224.º, N.º1, 334.º, 432.º A 436.º, 762.º, N.º2, 790.º E SS., 804, N.º1, 805.º, N.º1, 808.º, N.ºS 1 E 2, 874.º, 905.º , 911.º, 913.º, 914.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 150.º, N.º1, 267.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 615.º, N.º1, 653.º, N.ºS 2 E 4.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 8.º, N.º4.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 593/2008 DO PARLAMENTO E DO CONSELHO EUROPEU, DE 17 DE JUNHO DE 2008, PUBLICADO NO JOCE N.º L 177/6 DE 4 DE JULHO DE 2008: - ARTIGOS 1.º, N.º1, 3.º, N.º1, 4.º, N.º1, 12.º, N.ºS 1, ALS. A) A D), 2, 19.º, N.º1.
Legislação Estrangeira:
CÓDIGO CIVIL ESPANHOL (PUBLICADO POR REAL DECRETO DE 24 DE JULHO DE 1889 E ACESSÍVEL EM HTTPS://WWW.BOE.ES/BUSCAR/ACT.PHP?ID=BOE-A-1889-4763 ): - ARTIGOS 7.º, N.º1, 140.º, 141.º, 1100.º, 1124.º, 1434.º, 1445.º,1461.º, 1472.º, 1474.º, 2.º PARÁGRAFO, 1484.º, 1485.º, 1486.º, 1490.º, 1930.º, 1961.º, 1961.º, 1964.º, 1969.º, 1973.º
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21 DE MAIO DE 1998 - B.M.J. N.º 477, PÁG. 468
-DE 18 DE JULHO DE 2003 - PROFERIDO NO PROCESSO N.º03B3697 E ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 6 DE NOVEMBRO DE 2003 – PROFERIDO NO PROCESSO N.º 03B2835 E ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT – E DE 31 DE JANEIRO DE 2012 – PROFERIDO NO PROCESSO N.º 2357/08.6TVLSB.L2.S2 E SUMARIADO PELA ASSESSORIA CÍVEL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/REVISTAEXCECIONAL/REVISTAEXCEPCIONAL2012.PDF
-DE 5 DE JULHO DE 2007 – PROFERIDO NO PROCESSO N.º 07B1835 E ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 10 DE MARÇO DE 2005,PUBLICADO NA C.J.S.T.J., TOMO I/2005, PÁG. 126.
-DE 7 DE MARÇO DE 2006, C.J.S.T.J., 2006, TOMO I, PÁG. 113.
-DE 07 DE FEVEREIRO DE 2008, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 07A4437 E ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 10 DE SETEMBRO DE 2009, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 170/09.2YFLSB E ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 9 DE NOVEMBRO DE 2010, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 12764/03.5TOER.L1.S1 E ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 6 DE JULHO DE 2011 – PROFERIDO NO PROCESSO N.º 868/08.2TBCBR.C1.S1 E ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 24 DE MAIO DE 2012 – PROFERIDO NO PROCESSO N.º 1288/08.4TBAGD.C1.S1 – E DE 25 DE OUTUBRO DE 2012 – PROFERIDO NO PROCESSO N.º 3362/05.TBVCT.G1.S1 -, AMBOS ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
Jurisprudência Estrangeira:
JURISPRUDÊNCIA DA SALA CIVIL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESPANHOL:

-SENTENÇA N.º 6465/2007, DE 5 DE JUNHO DE 2007, ACESSÍVEL EM HTTP://WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/DOACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=443392&LINKS=1490%20Y%20CADUCIDAD&OPTIMIZE=20070709&PUBLICINTERFACE=TRUE ;
-SENTENÇA N.º 4481/2007, DE 21 DE JUNHO DE 2007, ACESSÍVEL EM HTTP://WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/DOACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=418100&LINKS=1490%20Y%20CADUCIDAD&OPTIMIZE=20070719&PUBLICINTERFACE=TRUE ;
-SENTENÇA N.º 5011/2007, DE 29 DE JANEIRO DE 2002, ACESSÍVEL EM HTTP://WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/DOACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=398591&LINKS=1490%20Y%20CADUCIDAD&OPTIMIZE=20070802&PUBLICINTERFACE=TRUE ;
-SENTENÇA N.º 36/2009, DE 22 DE JANEIRO DE 2009, ACESSÍVEL EM HTTP://WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/DOACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=4273109&LINKS=1490%20Y%20CADUCIDAD&OPTIMIZE=20090205&PUBLICINTERFACE=TRUE ;
-SENTENÇA N.º 3899/2010, DE 8 DE JULHO DE 2010, ACESSÍVEL EM HTTP://WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/DOACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=5697683&LINKS=1490%20Y%20CADUCIDAD&OPTIMIZE=20100812&PUBLICINTERFACE=TRUE ;

*
-SENTENÇA N.º 3760/2008, DE 12 DE JUNHO DE 2008, ACESSÍVEL EM WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/DOACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=54407&LINKS=CADUCIDAD&OPTIMIZE=20080626&PUBLICINTERFACE=TRUE

*

-SENTENÇA N.º 907/2010, DE 17 DE FEVEREIRO DE 2010, ACESSÍVEL EM HTTP://WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/DOACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=5072372&LINKS=1490%20Y%20CADUCIDAD&OPTIMIZE=20100318&PUBLICINTERFACE=TRUE ;
-SENTENÇA N.º 775/2010, DE 25 DE FEVEREIRO DE 2010, ACESSÍVEL EM HTTP://WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/DOACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=5072358&LINKS=1490%20Y%20CADUCIDAD&OPTIMIZE=20100318&PUBLICINTERFACE=TRUE ;
-SENTENÇA N.º 6253/2010, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2010, ACESSÍVEL EM HTTP://WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/DOACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=5798530&LINKS=ALIUD%20POR%20ALIO&OPTIMIZE=20101216&PUBLICINTERFACE=TRUE ;
-SENTENÇA N.º 3925/2013, DE 30 DE ABRIL DE 2013, ACESSÍVEL EM HTTP://WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/DOACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=6728782&LINKS=1490%20Y%20CADUCIDAD&OPTIMIZE=20130603&PUBLICINTERFACE=TRUE ;

*
-SENTENÇA N.º 7750/2012 DE 20 DE NOVEMBRO DE 2012, ACESSÍVEL EM WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/DOACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=6566437&LINKS=ALIUD%20POR%20ALIO&OPTIMIZE=20121210&PUBLICINTERFACE=TRUE

*
-SENTENÇA N.º 6402/2005, DE 21 DE OUTUBRO DE 2005, ACESSÍVEL EM HTTP://WWW.PODERJUDICIAL.ES/SEARCH/DOACTION?ACTION=CONTENTPDF&DATABASEMATCH=TS&REFERENCE=1135470&LINKS=ALIUD%20PRO%20ALIO%20Y%201964&OPTIMIZE=20051110&PUBLICINTERFACE=TRUE .
Sumário :
I - Resultando da aplicação do disposto no n.º 1 do art. 4.º do Regulamento (CE) n.º 593/2008, de 04-07, do Parlamento e do Conselho ser aplicável uma lei estrangeira, o juiz do foro, em consonância com o disposto no n.º 1 do art. 23.º do CC, deve efectuar a respectiva interpretação no contexto do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele estabelecidas, o que impõe que se faça apelo à jurisprudência e doutrina dominantes no país de origem, que se tenha, como ponto de partida, a correcção da interpretação usual no Estado estrangeiro e que se actue com sensatez e prudência, de modo a colmatar a inerente menor familiarização com a lei estrangeira, só devendo tal interpretação ser afastada quando puder ser tida como inexacta.

II - Sendo aplicável à apreciação da questão da caducidade o Código Civil Espanhol e enquadrando-se duas das pretensões formuladas pela autora na previsão do art. 1486.º do mesmo diploma, há que considerar o prazo a que alude o art. 1490.º daquele diploma como sendo de caducidade, como uniformemente tido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Espanhol e por grande parte da doutrina.

III - Resultando da facticidade provada que os vícios que afectam a máquina vendida pela recorrente impedem o seu uso na actividade comercial da recorrida, há que considerar, em face da jurisprudência do Supremo Tribunal Espanhol, que estamos perante o incumprimento da obrigação de entrega e não de meros vícios redibitórios que apenas desencadeiam as acções a que alude o art. 1486.º do Código Civil Espanhol.

IV - Não estando a acção resolutiva sujeita a prazo de caducidade, mas antes a um prazo de prescrição de 15 anos que ainda não havia decorrido ao tempo da propositura da presente acção, cabe concluir pela tempestividade da mesma.

V - Devendo atender-se à lei portuguesa (i.e. a lei do país onde é cumprida a obrigação – cfr. n.º 2 do art. 12.º do Regulamento (CE) n.º 593/2008) no tocante às medidas que o credor deve tomar em caso de cumprimento defeituoso, a tutela do comprador reconhece-lhe o direito à anulação do contrato com base em erro ou dolo (art. 905.º ex vi art. 913.º do CC), à redução do preço (art. 911.º ex vi art. 913.º, ambos daquele diploma) e à reparação ou substituição da coisa (primeira parte do art. 914.º do mesmo diploma), só sendo admissível a resolução contratual caso se frustre a exigência do cumprimento perfeito do contrato consubstanciada no exercício destas duas últimas faculdades.

VI - Como deriva dos n.ºs 1 e 2 do art. 808.º do CC, para que a mora no cumprimento da prestação possa redundar numa situação de incumprimento definitivo, é imperioso que, além do mais, se verifique a perda de interesse do credor na execução da prestação.

VII - A perda de interesse que desencadeia a resolução do contrato há-de ser objectivamente evidenciada, a fim de evitar que o devedor fique sujeito ao capricho do credor ou que venha a ser confrontado com a invocação de razões banais ou infundadas para justificar a destruição do contrato.

VIII - Havendo que concluir pela licitude da resolução, o enquadramento factual provado não autoriza que o comportamento da recorrida se deva ter por contrário aos ditames da boa fé ou que evidencie qualquer actuação em abuso do direito.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório:

AA, Lda., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra BB, S.L., alegando, em resumo, que ajustou com a mesma um contrato de compra e venda de uma grua e pagou o respectivo preço (€ 125.000,00), não tendo, porém, a Ré, ao arrepio do que acordara com a Autora, dado formação ao pessoal desta e não tendo os técnicos que a primeira disponibilizou para a montagem demonstrado conhecer o funcionamento da máquina.

Ao invés do que fora incutido pela Ré, a grua, ao ser colocada em funcionamento, evidenciou vários problemas e não trazia consigo o respectivo manual – o que foi comunicado à Ré –, sendo que aquela máquina fora construída em 1998 - e não em 1999, como havia sido indicado pela vendedora -. Nessa sequência, a Autora veio a perder o interesse na manutenção do negócio e a comunicar àqueloutra a intenção de o resolver, solicitando a devolução do preço pago e o levantamento da máquina, o que até agora não sucedeu.  

Sustenta que não teria celebrado o negócio nos mesmos moldes se conhecesse o estado de funcionamento da grua e o seu ano de fabrico e refere que a impossibilidade da sua utilização e o seu parqueamento lhe causa prejuízos.

Finalizou, pedindo que se declarasse resolvido o contrato de compra e venda em causa e se condenasse a Ré a restituir-lhe o preço pago (€ 125.000,00), acrescido de juros moratórios, ou, em alternativa, se reduzisse o preço (no mínimo, em € 50.000,00) e se condenasse a Ré a reparar a máquina, em prazo não superior a 30 dias, e a restituir à Autora a diferença do preço, com juros moratórios.

Mais pediu que se condenasse a Ré a indemnizar a Autora pelos prejuízos sofridos, em montante a liquidar.

A Ré contestou, alegando, em resumo, que, face ao disposto no artigo 1484.º do Código Civil Espanhol, aqui aplicável, não está obrigada a indemnizar a Autora por serem manifestos os defeitos invocados à data da realização do negócio, que os direitos exercidos pela Autora já haviam caducado à data da apresentação da petição inicial e que desconhecia os defeitos da grua quando a vendeu à Autora, tendo-se limitado a intermediar o negócio entre o anterior proprietário da grua e aquela e não a examinou.

Impugnou ainda, directa e motivadamente, a maior parte da factualidade vertida na petição inicial, referindo, em resumo, que a Autora não deu resposta a questões que lhe foram colocadas sobre as avarias que se terão registado, que os seus técnicos foram impedidos de efectuar reparações e que é irrelevante o ano de fabrico dos componentes.

Pugnou pela procedência das excepções e, subsidiariamente pela improcedência da acção, concluindo pela absolvição do pedido.

Na réplica, a Autora sustentou, em suma, que os defeitos não eram visíveis, que a Ré, em dois momentos, reconhecera os direitos que assistiam à Autora, que o termo do prazo de caducidade, por terminar em férias judiciais, se transferira para o primeiro dia útil após férias e que a Ré conhecia o estado e os defeitos da grua.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, proferiu-se sentença em que se julgou a acção parcialmente procedente, se declarou resolvido o contrato de compra e venda celebrado pelas partes e se condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 125.000,00, acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação, até integral pagamento, à taxa de 5 %, ou outra que venha a vigorar na lei espanhola para os juros moratórios das dívidas civis.

Apelou a Ré impetrando a modificação do decidido em matéria de facto e de direito, mas a Relação do Porto manteve a sentença recorrida sem a alterar.

Irresignada, interpôs a Ré recurso de revista excepcional, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1.ª Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto que julgou improcedente o recurso de Apelação apresentado pela Recorrente e que, desse modo, confirmou a sentença proferida em sede de primeira instância, condenando a Ré no pagamento à A. do montante € 125.000,00 por se considerar validamente resolvido contrato de compra e venda de máquina realizado entre ambas.
(Da admissibilidade da revista excepcional para melhor aplicação do direito)

(…)
4.a À luz do que determina o Regulamento (CE) n.° 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de Junho de 2008 - sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), aplica-se, ao caso vertente, a lei espanhola.

5.a À luz do que determina o art.° 1490.° do Código Civil espanhol (CCE), os direitos alegados pela Apelada, ainda que existissem (o que por mera cautela de patrocínio se equaciona), ter-se-iam extinguido por caducidade, inexistindo à data da propositura da presente acção.

6.a Na primeira instância, a Mma. Juiz considerou, de forma errada, que o prazo de seis meses previsto no art.° 1490.° do CCE era de prescrição, entendimento secundado pelo Tribunal a quo que afirmou «É nosso entendimento que o defendido pela recorrente apoiada na Jurisprudência do Tribunal Supremo do país vizinho, não tem qualquer correspondência nos textos legais, pois que, não se descortina qual a razão para que o prazo estatuído no artigo 1490.° CCE não seja também de prescrição, não fazendo qualquer referência à caducidade»; «Não se concorda com tal entendimento, pese embora se respeite a opinião do Tribunal Supremo espanhol».

7.a Na verdade, à luz da interpretação unânime da doutrina e jurisprudência espanholas, que o Tribunal a quo reconhece existir, «Não há dúvida de que o invocado artigo 1490 estabelece o prazo de seis meses para exercer, entre outras, acções por vícios ocultos, prazo que tem carácter de "disposição especial", como previsto no artigo 1969 EDL Código Civil 1889/1, com o aviso também que, de acordo com pacífica opinião doutrinal e reiterada jurisprudência deste Tribunal, tal prazo é de caducidade e não de prescrição. O "dies a quo"para o início da contagem do prazo ocorre "a partir da entrega da coisa vendida." A simplicidade da regra não se presta a interpretações complicadas para além da literalidade do mesmo no que diz respeito à extinção prazo e cômputo» (decisão do Tribunal Supremo espanhol datada de 14/10/2003, com a referência Sala Ia, S 14-10-2003, n° 965/2003, rec. 3948/1997, Pte: Almagro Nosete, José; entre outra jurisprudência citada no corpo das alegações de recurso, págs. 101 e ss.).
8.a Ainda de acordo com a melhor doutrina e jurisprudência espanholas, mister é notar que "o prazo referido é um prazo civil, que não pode ser confundido com um prazo processual, não há lugar para duvidar que, nos termos do artigo 5 ° do Código Civil EDL 1889/1 e ao tratar-se de um prazo fixado por meses, esse período deve computar-se ininterruptamente, sem se excluir os dias não úteis" (Tribunal Supremo aresto datado de 08/07/2010, referência Sala 1a, S 8-7-2010, n° 478/2010, rec. 1348/2006; Pte: O'Callaghan Munoz, Xavier), ou seja, conforme esclarece FRANCISCO Rivero HernáNDEZ os prazos de caducidade «não são susceptível de interrupção: é o dado mais significativo da caducidade (em face da prescrição). Porém: caberá admitir alguma excepção? Haverá algum exemplo na jurisprudência, e não só para os casos de caducidade convencional. A minha posição é contrária à interrupção» [VAZ SERRA, PIRES DE LlMA e ANTUNES VARELA, aduzem «o prazo de caducidade para intentar a acção judicial só é impedido se o reconhecimento tiver o mesmo efeito da sentença» — tese sufragada por Vaz Serra (BMJ 107, 332) e PIRES DE UMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 296); abraça a mesma teoria ANA FILIPA MORAIS ANTUNES (Prescrição e Caducidade, anotação aos artigos 296.° a 333.° do Código Civil ("O tempo e a sua repercussão nas relações jurídicas"  pág.   178):   «O   reconhecimento  só   será impedido se tiver o mesmo efeito que teria a prática do acto sujeito a caducidade (...)»].
9.ª Em face do que tendo os seis meses findado no dia 27 de Julho de 2010, os direitos que a Recorrida pretende exercer na presente acção, ainda que existissem (o que por mero exercício académico se equaciona), já não existiriam à data da propositura da presente demanda, por se encontrarem extintos por caducidade.
Ademais,
10.a O Direito Civil português estabelece, no art.° 914.° do CCP, que "Sendo possível a eliminação dos defeitos ou a nova realização da prestação, ao comprador ou ao dono da obra só cabe a escolha entre resolver o contrato e reduzir o preço, caso a contraparte tenha recusado qualquer das prestações de cumprimento ou depois de decorrido um prazo suplementar fixado, nos termos do art.° 808.°. para a sua fixação", razão pela qual o Autor tem "o poder-dever de seguir primeiro e preferencialmente a via da reparação ou substituição da coisa sempre que possível e preferencialmente a via da reparação ou substituição da coisa sempre que possível e proporcionada, em nome da conservação do negócio jurídico, tão importante numa economia de contratação em cadeia, e só subsidiariamente o caminho da redução do preço ou resolução do contrato".
11.a Tal significa que a opção (do comprador) entre a resolução do contrato, a reparação da coisa e a sua substituição não é arbitrária, "deve ser conforme ao princípio da boa fé, e não cair no puro arbítrio do comprador, sem olhar aos legítimos interesses do vendedor", ou seja, "a reparação ou substituição da coisa que como dever incumbe ao vendedor (artigo 914.° do Código Civil), pode, no caso concreto, por exigências dos ditames da boa fé, funcionar como (contra-) direito de o alienante rectificar a inexactidão do seu cumprimento, se a reparação oferecida ou a substituição oferecida der satisfação adequada e tempestiva ao interesse do adquirente, com a recusa.
12.a Na verdade e no essencial, a solução vertida no direito civil português não é distinta da do Direito Civil espanhol (tanto mais que radicam nas mesmas acções edilícias do direito romano clássico), pois, conforme tem decidido o Tribunal Supremo de Espanha, o recurso às medidas de tutela do comprador é submetido «a um juízo de razoabilidade, especialmente em sede contrato de empreitada de imóveis, com base na exigência de um exercício dos direitos da boa-fé (art. 7.1 CC) sem injustiça (Art. 7.2 CC)».
13.a Nessa medida, o art.° 7.° do Código Civil Espanhol exige que «Os direitos devem ser exercidos em conformidade com as exigências da boa fé» [1.], determinado que «A lei não protege abuso de direito ou exercício antisocial. Qualquer ato ou omissão que pela intenção de seu autor, pelo seu objecto ou pelas circunstâncias em que se realize, exceda manifestamente os limites normais do exercício de um direito, com danos a terceiros, resultará em compensação adequada e na adopção de medidas judiciais ou administrativas para evitar a persistência de abuso»; perante o que Tribunal Supremo espanhol «[c]om o propósito de conservar o contrato e dar ao vendedor a oportunidade de corrigir o seu incumprimento inicial, a jurisprudência dá preeminência ao cumprimento de forma específica» [veja-se, neste sentido, a jurisprudência citada pelo A. acima aludido, mormente a Sentença do Tribunal Supremo (STS) de 24.04.2000 (RJ 2000X2983), a STS de 10.6.1983 (RJ 1983X3454) e a STS 20.12.2004 (RJ 2004X8131)].
13.a Tal entendimento chega mesmo ao ponto de admitir que, nos casos em que a reparação se revele demasiado onerosa do ponto de vista do devedor, se opte apenas pela indemnização do dano [neste sentido vide STS 2.7.1998 (1998X5123)], perante o que, logrando-se provado nos autos que a reparação é possível e que a Recorrente não se recusou a realizar a sobredita reparação, impõe-se concluir que, à luz do disposto nos art.°s 7.° e 1484.° a 1486.° do CCE, o direito civil espanhol proíbe que, no vertente caso, a Recorrida possa lançar mão do direito de resolução previsto na primeira das normas citadas, por tal se revelar, à luz do princípio da boa-fé, um manifesto abuso de direito.
14.a Acontece, porém, que no acórdão recorrido afastou-se de tal entendimento (com o qual afirma discordância) e aduz que "não era, pois, exigível, nem mesmo apelando à boa fé e aos limites impostos por esta, que a recorrida permanecesse vinculada a um contrato onde a recorrente não tinha tido,' ela própria, a lisura que se lhe impunha no cumprimento do programa negocial, com a agravante de ser sempre incerto, face aos graves defeitos que a máquina padecia, de qual seria o desfecho da resolução do problema e o tempo necessário para o efeito" [aliás, para o Tribunal a quo demonstrou-se irrelevante que os problemas mecânicos de que a máquina em apreço nos autos padece fossem (como são) susceptíveis de reparação, cujo custo foi, inclusivamente, objecto de contabilização nos autos].

(da interpretação da lei estrangeira)
Contudo, cumpre atentar que

15.a O n.° 3 do art.° 8.° do Código Civil português (CCP) estabelece que «Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que merecem tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito". O mesmo diploma, no seu artigo 23.°, dispõe que "A lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas".

16.a Neste contexto, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA ensinam que «[d]eve, por isso, o julgador orientar-se mais pelas lições da jurisprudência e da doutrina do Estado estrangeiro do que pela análise dos textos legislativos aplicáveis, evitando a natural influência que sobre ele podem exercer os métodos de interpretação da lei portuguesa. Por outro lado, é dentro do contexto em que se integra que lei estrangeira deve ser interpretada. Afasta-se deste modo a solução de a enquadrar, para o efeito, no sistema jurídico nacional, a coberto de qualquer ideia de recepção formal ou substancial do direito estrangeiro» (in Código Civil Anotado, Volume I, 2.a Edição, Coimbra Editora, 1979, pág. 57 - negrito nosso).

17.a Em sentido convergente João BAPTISTA MACHADO sufraga que «[s]e nosso DIP nos remete para um direito estrangeiro, isso significa que há-de ser actuada a valoração jurídico-material desse direito. Mas o verdadeiro significado e alcance de qualquer norma de um sistema jurídico é algo que, frequentemente, só a sua aplicação jurisprudencial e a sua interpretação através de certas regulae artis permitem estabelece[r]. Por isso se assenta hoje pacificamente na seguinte regra: o juiz que aplica o direito estrangeiro há-de interpretá-lo de conformidade com a jurisprudência e doutrina dominantes no país de origem. É esta também a orientação seguida pelo Tribunal Internacional de Justiça»; «[o] juiz português só deverá afastar-se da interpretação usual no Estado estrangeiro cujo direito aplica se tiver bons fundamentos para crer que essa interpretação, no caso sub judice, não é correcta. Sem dúvida, ele não é forçado a imitar servilmente, sempre e em cada caso, a interpretação que a uma regra jurídica é dada no país de origem - não se lhe impõe um tal sacrificium intellectus. No entanto, como ponto de partida, há que presumir que tal interpretação é a exacta e dele não de o juiz arredar-se sem necessidade e bons fundamentos, (in Lições de Direito Internacional Privado, 2.a Edição, Almedina, Coimbra, 1982, pág. 244 e 255 — negrito nosso).
18.a Também este Venerando Tribunal, em acórdão de 06/11/2003 (cuja cópia acompanha o presente e cuja certidão com nota de trânsito em julgado, já requerida, será apresentada no prazo de 10 dias), citando FERRER CORREIA, sustentou "a regra do n.° 1 deste art.° significa que o juiz que aplica o direito estrangeiro há-de interpretá-lo de conformidade com a jurisprudência e doutrina dominantes no país de origem, sendo de observar, antes de mais, as regras estrangeiras sobre interpretação, e devendo, além disso, uma e outras ser observadas e seguidas com o mesmo respeito que no respectivo Estado lhes for tributada" (ac. STJ de 06/11/2003, relatado pelo Venerando Juiz Conselheiro BETTENCOURT DE FARIA).
19.a Na verdade, se razões há para sustentar alguma das interpretações em dissídio, essas impõem que mereça acolhimento a interpretação lançada no país vizinho, uma vez que bem se compreende que o legislador espanhol, perante a seriedade das consequências dos direitos cujo exercício alternativo (desistência ou redução do preço) reconhece ao comprador, estabeleça um prazo rígido de transcorrência ininterrupta, a partir do qual impeça que este exerça algum destes direitos e sem prejuízo de outros direitos que contratualmente lhe assistam (o que, justamente, é semelhante ao processo de exercício de direitos pelo comprador que o legislador português, em obediência ao princípio da boa-fé, lançou mão e tipificou no art.°914.°doCCP).
20.a Nessa medida, por não existirem razões que levem ao afastamento da interpretação das normas em análise que é encontrada pela jurisprudência e doutrina do país vizinho, mal andou o Tribunal a quo ao não conceder provimento ao solicitado pela Recorrente.
21.a Neste particular, impõe-se notar que a admissão da tese versada no acórdão recorrido (ou seja, a de admitir a possibilidade de o julgador poder livremente afastar a interpretação proveniente do sistema jurídico de onde norma é proveniente), contemplaria uma interpretação do art.° 23.°, n.° 1 do CCP claramente corrosiva e violadora do princípio do Estado de Direito, mormente na perspectiva de protecção da confiança, por conter uma afectação inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa das expectativas legitimamente fundadas das partes, mormente da Recorrente (Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 287/90, 303/90, 625/98, 634/98, 186/2009, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

(da oposição de acórdãos - o acórdão de 06/11/2003)

22.a Entende a Recorrente que o acórdão recorrido ao decidir afastar o entendimento a interpretação que o CCE merece no domínio da jurisprudência e
doutrina do país vizinho, entra em contradição com o decidido no acórdão deste
Venerando Tribunal de 06/11/2003. 

23.a Neste acórdão de 06/11/2003, (relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Bettencourt de Faria, processo n.° 03B2835, disponível em www.dgsi.nt, cuja cópia se junta como doc. n.° 1), partindo do disposto no citado art.° 23.° do CCP, este Venerando Tribunal entendeu que "o juiz que aplica o direito estrangeiro há-de interpretá-lo de conformidade com a jurisprudência e doutrina dominantes no país de   origem,   sendo   de  observar,   antes   de  mais,   as   regras   estrangeiras   sobre interpretação, e, devendo, além disso, uma e outiva ser observadas e seguidas com o mesmo respeito que no respectivo Estado lhes for tributada".
24.a Ora, neste contexto, este Venerando Tribunal entendeu que «[c]onsiderada inconstitucional no seu ordenamento jurídico a norma estrangeira não pode ela ser atendida, uma vez que, de acordo com o art.° 23.° do C. Civil, a lei estrangeira é aplicada dentro do sistema a que pertence»; «[n]o caso sub judice, para declarar a competência da lei espanhola seria necessário saber como é que o respectivo ordenamento, nomeadamente a sua jurisprudência, interpreta a declaração de inconstitucionalidade a que atrás nos referimos e qual é o regime de conflitos que entende aplicável aos casamento anteriores a Constituição de 1978. Recorde-se aquilo que consignámos sobre a necessidade da lei estrangeira ser interpretada dentro do sistema a que pertence, de acordo com o n.° 1 do art. ° 23. °». Após realizar tal desenvolvimento, este Venerando Tribunal, porque desconhecia o sentido da interpretação da norma em análise, entendeu verificar-se a situação prevista no n.° 2 do art.° 23.° do Código Civil, ou seja: "não ocorrendo isto, a norma estrangeira fica indeterminada".

25.a Destarte, no acórdão fundamento este Venerando Tribunal, na interpretação do art.° 23.°, n.° 1 do CCP que integra a sua decisão, oferece as seguintes linhas orientadoras: Sendo conhecida a interpretação que lei estrangeira merece no sistema jurídico de onde provém (nomeadamente na sua jurisprudência), aplicar-se-á esse direito com o conteúdo que dessa interpretação decorrer; Não sendo conhecida tal interpretação, deve considerar-se que a norma estrangeira fica indeterminada e, nessa medida, aplicar a lei com a qual o caso concreto tenha conexão (no caso, o direito português).
26.a Deste modo, sendo conhecido a interpretação que as normas em análise merecem na jurisprudência e doutrina espanholas (nos termos acima aludidos), deveria o recurso interposto ter merecido provimento e, nessa medida, ser a sentença da primeira instância revogada e substituída por outra que absolvesse a Ré do pedido.           
27.a Mesmo na hipótese de se entender ser desconhecida a interpretação no contexto jurisdicional espanhol, sempre haveria lugar à aplicação da lei portuguesa, a qual, fosse por decurso do prazo de caducidade (atenta a inexistência de reconhecimento com o mesmo efeito de sentença), fosse pela possibilidade de reparação das avarias (à luz do previsto no art.° 914.° do CCP), caso em que ficaria igualmente sem fundamento a tese da Recorrida.
28.a Ao decidir como decidiu, o acórdão recorrido encontra-se em contradição com o sufragado por este Venerando Tribunal em acórdão de 06/11/2003, cujo entendimento se deve manter e reafirmar no caso vertente. Sem prescindir,
(por oposição de acórdãos - o acórdão do STJ de 19/12/2006)

29.a Entende a Recorrente que o acórdão recorrido se encontra em contradição com o acórdão deste Venerando Tribunal de 19/12/2006, na parte em que julgou improcedentes a arguição de nulidade (nos termos dos art.°s 3.°, n.° 3 e 5.°, n.° 2 e 615.°, n.° 1, al. d), segunda parte, do NCPC, anterior art.° 668.°, n.° 1, al d) na resposta dada aos quesitos 1.°, 5.°, 16.° e 18.° que, no seu entender, excederam a matéria de facto alegada e que se encontrava nos mesmos quesitada.

30.a Quanto a esta matéria, o Tribunal a quo entendeu que «a sentença não padece, pois de nulidade porque não analisou um certo segmento jurídico que a parte apresentou, desde que fundadamente tenha analisado as questões colocadas e aplicado o direito»; «[a] fundamentação da sentença aponta apenas para a justificação da decisão final em face do direito substantivo aplicável»; concluindo «no caso concreto, não é este o vício que a recorrente diz a sentença padecer (...) os fundamentos que a recorrente alega neste segmento prendem-se com a decisão sobre a matéria de facto sendo, pois, no âmbito da impugnação desta matéria que se analisarão também tais fundamentos».

31.a Acontece que tal entendimento colide com o versado no acórdão fundamento, onde (analisando-se a resposta "Provado que a Autora ficou com uma incapacidade permanente global de 40% e impedido de exercer a sua actividade profissional habitual" à pergunta "A Autora ficará acometida de uma IPP que hoje não é possível quantificar?") se entendeu existir nulidade com a seguinte fundamentação: «Aquando das respostas há que lograr que as mesmas sejam claras, coerentes, congruentes, minuciosas e pormenorizadas, para definir com rigor o sentido do perguntado no quesito. Mas, para alcançar esse objectivo, a resposta pode surgir como simples ("está provado" ou "não está provado") que é a meramente afirmativa ou negativa mas pode, ainda, ser restritiva ("está provado apenas que...") ou, até, explicativa ("está provado, com o esclarecimento que..."). Estas últimas têm que obedecer a dois princípios rigorosos: conterem-se nos factos articulados; a explicação não cair, por exuberância, na criação de um novo facto. A resposta excessiva ou exuberante deve ter-se por não escrita, que não toda mas apenas na parte excrescente se for possível cindi-la. Decidir se há excesso passa por uma cuidada interpretação do princípio do artigo 664° do CPC segundo o qual, e para além da interpretação, aplicação e indagação das normas jurídicas ou outras regras de direito, o juiz só pode servir-se de factos articulados pelas partes, (cf., ainda, o artigo 264°)» (acórdão datado de 19/12/2006, relatado pelo Venerando Senhor Juiz Conselheiro SEBASTIÃO PÓVOAS, processo n.° 06A4115, consultado em www.dgsi.pt.
32.a Assim sendo, o acórdão recorrido contraria o entendimento sufragado por este Venerando Tribunal no sobredito acórdão de 19/12/2006, cujo entendimento se deve manter e reafirmar no caso vertente — em face do que devem a respostas aos quesitos (acima indicadas), por nulas, ser julgadas como não escritas na parte em que constituem resposta excessiva.
Pelo exposto,
33.a O acórdão recorrido violou os art.°s 8°, n.° 3 e 23.º, n.° 1 e 2, 914.° e 917.° do Código Civil, 264.º,n.°2 en.°3, 664.°e 668.°do Código de Processo Civil vigente até 31.08.2013, os art.°s 3°, 5.° e 615.° do Novo Código de Processo Civil, art.° 217° da Ley 1/2000, de 7 de enero, de Enjuiciamiento Civil, 5.°, 7°, 1484°, 1485.°, 1490.° do Código Civil Espanhol».


Não foram apresentadas contra-alegações.
A Formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil admitiu a revista excepcional.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentos:

De facto:

São os seguintes os factos fixados pelas instâncias, dispostos de forma lógica e/ou cronológica:
1. A Autora exerce a actividade de transportes rodoviários de mercadorias (alínea a) dos factos assentes);
2. A Ré, por sua vez, exerce o comércio de maquinaria aeroportuária, ferroviária e portuária (alínea b) dos factos assentes);
3. A máquina “CC …” foi comercializada pelo fabricante (“DD”), pela primeira vez e no estado de nova, no ano de 1999 (resposta ao quesito 53.º);
4. A Autora, por intermédio da sociedade espanhola “EE, S.A., contactou a Ré, por e-mail de 19 de Novembro de 2009, conforme documento n.º 2 da contestação, cujo teor se dá aqui por reproduzido (resposta ao quesito 21.º);
5. Antes do descrito em 4., a Ré comprou à sociedade “FF”, com sede na cidade de Valência, uma máquina usada da marca “CC”, modelo “….”, produzida pela empresa italiana “DD (….) S.p.A.”, tendo-a revendido à Autora, no estado em que se encontrava (respostas aos quesitos 22.º, 25.º e 29.º);
6. No seguimento, a Ré enviou, no dia 19 de Novembro de 2009, e-mail com o teor constante do documento n.º 3 da contestação, cujo teor se dá aqui por reproduzido (resposta ao quesito 23.º);
7. A Autora manifestou interesse na aquisição da máquina “CC …” (resposta ao quesito 24.º);
8. Entretanto, prosseguiram as negociações entre as partes, tendo sido acordado que a autora visitaria as instalações da “FF”, em Valência, com vista a ver a máquina em causa e a verificar o estado em que esta se encontrava (resposta ao quesito 26.º);
9. No âmbito das negociações ocorridas entre as partes, a Autora enviou um mecânico, GG, em Dezembro de 2009, às instalações da “FF”, para examinar a máquina em causa (resposta ao quesito 27.º);
10. Após a verificação, a Autora deu indicação à Ré que tinha interesse na aquisição da máquina pelo valor de €125.000,00 (resposta ao quesito 28.º);
11. No início de Janeiro de 2010, a Ré tinha, para venda, uma máquina grua da marca "HH", modelo "…", com o número de série … (resposta ao quesito 1.º);
12. A Ré anunciava a aludida máquina como sendo do ano de fabrico de 1999 e que se encontrava 100% operativa (resposta aos quesitos 2.º e 3.º);
13. Em 8 de Janeiro de 2010, a Ré, no seguimento do acordado com a Autora, emitiu e enviou a esta a factura n.º 3/10, datada do mesmo dia, no valor de €125.000,00, referente à máquina “Grua HH”, da marca “CC”, modelo “…”, do ano de fabrico 1999, série n.º … (resposta ao quesito 31.º);
14. A emissão da factura da aludida máquina concretizou-se a 08 de Janeiro de 2010 (resposta ao quesito 6.º);
15. Em 13 de Janeiro de 2010, a Autora e a Ré subscreveram um contrato, denominado "Contrato de compra e venda de HH …", pelo qual a segunda declarou vender à primeira, a qual reciprocamente aceitou adquirir, pelo preço de €125.000,00, a máquina “HH”, da marca “CC”, modelo “….”, s/n A26003, junto por cópia aos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido (alínea d) dos factos assentes);
16. A Autora adquiriu a dita máquina porque, entre o mais, ficou convencida da veracidade das informações dadas pela Ré (resposta ao quesito 5.º);
17. Do mencionado contrato resulta, para além do mais, que a Ré se obrigava a proceder à entrega da aludida máquina e respectiva montagem no prazo de 8 dias a contar da data do pagamento integral do preço, nas instalações da Autora sedeadas na EN 109, km 30,8, da freguesia de Arada, concelho de Ovar (alínea e) dos factos assentes);
18. Foi acordado que a Ré procederia, aquando da entrega e montagem da máquina nas sobreditas instalações da Autora, a ensaios de funcionamento e daria formação na utilização da máquina aos operários e técnicos da autora (alínea g) dos factos assentes);
19. A formação referida em 8. seria dada por técnicos com conhecimentos específicos de gruas “CC” (resposta ao quesito 6.º);
20. O preço acordado e pago pela Autora à Ré foi de € 125.000,00, por via de transferência bancária para a conta que a Ré identificou com o IBAN …., no dia 12 de Janeiro de 2010 (alínea c) dos factos assentes);
21. Na sequência do acordado, a Ré diligenciou pelo transporte da máquina desde Valência até …-Ovar (resposta ao quesito 31.º);
22. A Ré diligenciou para que a entrega da máquina fosse acompanhada por uma equipa especializada em máquinas gruas do tipo da “CC …”, habilitada para proceder à respectiva instalação e dar formação no manuseamento e utilização da mesma (resposta ao quesito 32.º);
23. A máquina “CC …”, após transporte desde Valência, foi entregue nas instalações da Autora, sitas em …-Ovar, no dia 28 de Janeiro de 2010 (resposta ao quesito 33.º);
24. Após ser entregue em …-Ovar, a equipa especializada que a acompanhou procedeu à montagem da máquina “CC …” e ligou-a, na presença de funcionários da Autora (resposta ao quesito 34.º);
25. A entrega e montagem da máquina por parte da Ré ocorreram na última semana do mês de Janeiro de 2010 (alínea f) dos factos assentes);
26. Os técnicos que a Ré disponibilizou aquando da montagem não eram técnicos da “DD” (resposta ao quesito 10.º);
27. Em 29 de Janeiro de 2010, foram constatados pela Autora problemas no funcionamento da transmissão, dos hidráulicos, das luzes de sinalização e funções, bem como a inexistência do manual da máquina, com os esquemas eléctricos, pneumático e mecânico (resposta ao quesito 12.º);
28. A 29 de Janeiro e, seguidamente, a 02 de Fevereiro de 2010, respectivamente, via e-mail e carta registada, foram pela Autora denunciados à Ré tais problemas e a falta do referido manual (resposta ao quesito 13.º);
29. Problemas que vieram no decurso de Fevereiro e Março de 2010 a ser reconhecidos pela Ré (resposta ao quesito 14.º);
30. Após ter recebido mensagem da Autora, a Ré respondeu-lhe, por e-mail datado de 01 de Fevereiro de 2010, dizendo: «Tomo nota da sua reclamação e informo-o que enviaremos um técnico para ver a máquina, por outro lado: - Os técnicos que montaram a máquina conhecem suficientemente CC e não sei porque dizem que não conhecem a máquina; Eles na quinta-feira dia 28 de» Janeiro [por lapso no e-mail refere-se Fevereiro] «esperaram até às 5 da tarde (4 ou 5 horas) que viessem alguém utilizar a máquina. Os hidráulicos repará-los-emos para que estejam operacionais e se há que mudar tubagens fá-lo-emos. Se há alguma luz que tenhamos que pedir por favor indiquem-nos qual é e o que faremos. Quanto à transmissão falhar não sabemos a que se refere mas foi examinada a máquina pelo seu técnico em Valência e o serviço técnico que corresponde é a empresa II em Portugal. Em conformidade indico-lhe as pessoas responsáveis pelos nossos serviços técnicos para coordenar a visita (…)"(resposta ao quesito 36.º);
31. Em 2 de Fevereiro de 2010, a Autora enviou e-mail à Ré com o seguinte conteúdo: «Vamos esperar o envio do manual completo da máquina, porque com ele poderemos resolver os pequenos problemas. Relativamente à transmissão e aos hidráulicos, ficamos a aguardar a vinda de um técnico da DD para os resolver. Gostava também que o Sr. JJ acompanhasse a vinda do técnico a Portugal, para ver com os seus próprios olhos, os problemas da máquina» (resposta ao quesito 38.º);
32. No dia 11 de Fevereiro de 2010, a Ré solicitou à Autora o envio «de mais dados das avarias (foto ou referência), é importante o "pedido de intervenção" que lhes enviamos» (resposta ao quesito 39.º);
33.A Autora não enviou à Ré os dados solicitados no e-mail referido (resposta ao quesito 40.º);
34. No dia 22 de Fevereiro de 2010, os serviços de assistência técnica da Ré remeteram um e-mail à Autora, no qual foi solicitado «o seguinte: «Por favor envie-nos detalhes das avarias para poder enviar ao técnico adequado para a reparação: - Que se passa com a transmissão? Sai algum código de avaria? - Quais os hidráulicos não funcionam? - Quais as luzes que não funcionam? – Segundo percebi, o manual já foi enviado. Compreendam, por favor, que sem informação concisa não poderemos dar uma resposta eficiente. Aguardamos suas notícias» (resposta ao quesito 41.º);
35. Em resposta, a Autora limitou-se a referir, por e-mail de 23 de Fevereiro de 2010, dirigido à Ré, o seguinte: «Há muito tempo que nos manifestamos, quanto aos problemas da máquina e certamente V. Ex.as sabem muito bem o que nos venderam. Não sabemos explicar melhor o que se passa, nem tão-pouco sabemos reparar o que não funciona ou que funciona mal. O manual que nos enviaram é de uma máquina mais recente e não da Grua HH - Mod A26003. Como até à data não se dispuseram a resolver as avarias, vamos pedir a intervenção do representante da DD em Portugal, para as solucionar. Oportunamente, apresentaremos a conta a V. Ex.as (resposta ao quesito 42.º);
36. No dia 25 de Fevereiro de 2010, a Ré enviou e-mail à Autora, dizendo o seguinte: «Vamos enviar um técnico para analisar as avarias comentadas. Também levarão um manual da série 200 em lugar da 365, é o que receberam? Podem enviar fotografia do hidráulico e luzes avariadas? Ser-nos-ia de muita ajuda» (resposta ao quesito 43.º);
37. No mesmo dia 25 de Fevereiro de 2010, os serviços de assistência técnica da Ré remeteram novo e-mail à Autora com o seguinte teor: «Iremos enviar-lhes mecânico, a partir de Madrid. Os meus colegas vão informá-lo do dia exacto para a assistência. O técnico vai levar o manual da máquina para lhe entregar, pois entendemos que houve um erro no envio anterior. Seria muito útil se nos indicassem: Quais hidráulicos que não funcionam? Quais as luzes que não funcionam? Se soubermos que luzes ou hidráulicos estão avariados, podemos levar resposta para resolver a avaria. Se não soubermos o que está avariado, vamos perder tempo na reparação, pois não poderemos reparar nesse mesmo dia» (resposta ao quesito 44.º);
38. A Autora não prestou a informação solicitada pela Ré (resposta ao quesito 45.º);
39. No dia 1 de Março de 2010, a Ré fez deslocar às instalações da Autora um técnico seu, no sentido de analisar a máquina, tendo constatado que, com vista a confirmar a existência de problema na transmissão, seria necessário proceder à abertura e desmontagem da transmissão (resposta ao quesito 46.º);
40. No dia 8 de Março de 2010, a Ré remeteu e-mail à Autora no qual fez constar o seguinte: «Pela presente mensagem venho confirmar-lhe Vamos a enviar os nossos técnicos para recolher a transmissão; Sr. GG vai pedir entretanto orçamento de intervenção à II Portugal. Logo que saibamos quando enviamos os técnicos e o orçamento de reparação colocar-nos-emos em contacto convosco» (resposta ao quesito 47.º);
41. No dia 22 de Março de 2010, a Ré fez deslocar um técnico às instalações da Autora, para recolher a transmissão da máquina (resposta ao quesito 48.º);
42. A Autora não permitiu que a transmissão fosse desmontada, impedindo que o técnico acedesse à máquina, o que foi atestado por este técnico no relatório de visita, onde consta: «Não podemos fazer nada. Não nos deixam aproximar da máquina» (resposta ao quesito 49.º);
43. Por essa razão, no dia 22 de Março de 2010, a Ré remeteu um e-mail à Autora, no qual afirmou o seguinte «Escrevo-lhe em inglês é melhor: 1. Vocês têm escrito na nossa oferta que lhes entregaremos a unidade a trabalhar; Vocês não deixam o nosso técnico entrar nas vossas instalações; Nós queremos resolver isto e vocês não nos deixam trabalhar. Nós não queremos resolver através de advogados daqui a dois anos. Nós queremos resolver isto agora. O custo de hoje é mais de 1 000 euros pela viagem e do nosso melhor técnico. Por favor deem-nos uma garantia escrita de que o nosso técnico pode entrar nas vossas instalações. Por favor digam-nos das vossas intenções para resolver os problemas. Em inglês por favor» (resposta ao quesito 50.º);
44. A 25 de Março de 2010, na sequência de exame rigoroso à aludida máquina para efeitos de orçamentação do custo de reparação dos referidos problemas, a Autora verificou que a máquina é do ano de fabrico de 1998, conforme resulta da chapa de características técnicas colocada no chassis da mesma (resposta ao quesito 15.º);
45. O facto referido em 44. contribuiu para que a Autora perdesse o interesse na manutenção do contrato (resposta ao quesito 16.º);
46. Em 30 de Março de 2010, por carta registada com aviso de recepção, que a Ré recebeu, a Autora comunicou àquela a intenção de resolver, no imediato, o respectivo contrato de compra e venda e solicitou-lhe a devolução do preço que havia liquidado em Janeiro de 2010 e, bem assim, o levantamento pela Ré da máquina das suas instalações, nos termos que constam do documento n.º 11 junto com a petição inicial (cf. fls. 33) (resposta ao quesito 17.º);
47. No dia 7 de Abril de 2010, a Ré enviou um fax à Autora, no qual referiu o seguinte: «juntamos documentos que certificam que 1) A máquina (…) foi examinada pelo vosso técnico que aprovou tecnicamente a máquina. Vocês examinaram-na antes. 2) Ano de fabrico é 1999 e podemos certificá-lo pois o chassis é de Novembro/Dezembro de 1998 saindo a máquina para as nossas instalações em 1999; 3) Juntamos certificado de trabalho da visita dos nossos técnicos às vossas instalações sem encargo económico e não lhes foi permitido entrar depois de 1200 km de deslocação. 4) Desde este momento podemos confirmar que não vamos recolher a máquina das vossas instalações pois não é o acordo firmado convosco. Propomos corrigir as mudanças de velocidades (só segunda e terceira) sem encargo. 5) A falha da 2ª e 3ª velocidades está oculta não podemos vê-la sem abrir a transmissão. Apenas temos boa vontade e não desejaríamos em caso algum ter que recorrer aos tribunais podendo resolver em poucas semanas com os nossos técnicos. O documento enviado para o seu correio electrónico é interno, nosso, para controlo de custos e, em caso algum, se pretende cobrá-lo a V. Ex.as, esperamos poder resolver o assunto com a vossa aprovação e pedimos desculpas pelo mal-entendido do correio electrónico» (resposta ao quesito 51.º);
48. Atento o real estado de funcionamento da máquina, a Autora não teria efectuado o negócio e, muito menos, pelo referido valor, dado o custo da sua reparação (a substituição da transmissão, caso não seja reparável, custa € 14.500,00 e a reparação dos restantes problemas de funcionamento da máquina custa € 2.298,85, sem considerar a mão de obra e despesas de deslocação/transporte) (resposta ao quesito 18.º);
49. A Autora ficou privada da utilização de uma máquina com as características que lhe foram asseguradas pela Ré, de que necessita para o exercício da sua actividade, tendo que proceder ao parqueamento da máquina em causa (respostas aos quesitos 19.º e 20.º);

De direito:

1 - Questões a resolver:


Como é bem sabido, são as conclusões da alegação do recorrente que delimitam o objecto do recurso (n.º 3 do artigo 635.º e n.ºs 1 e 4 do artigo 639.º ambos do Código de Processo Civil), salvo questão de conhecimento oficioso, que não ocorre.

Nesta conformidade, por uma ordem de precedência lógica e considerando o que se deixou exposto no acórdão da Formação de admissão da revista excepcional, as questões a decidir no presente recurso são, fundamentalmente, as seguintes:
- caducidade dos direitos exercitados pela recorrente através da presente acção (conclusões 4.ª a 9.ª, 15.ª a 21.ª, 27.ª e 33.ª);
- conformidade da resolução operada pela recorrente com os ditames da boa fé (conclusões 10.ª a 14.ª e 33.ª);

Nas demais conclusões, a recorrente limita-se a invocar os pressupostos da revista excepcional (conclusões 1.ª a 3.ª, 22.ª a 26.ª e 28.ª a 32.ª), já objecto de apreciação.

Note-se ainda que nas conclusões 29.ª a 32.ª apenas se expende que a decisão tomada quanto à invocada nulidade da sentença apelada por excesso das respostas dadas aos quesitos se mostra em oposição com o decidido num aresto deste Supremo Tribunal de Justiça.

Ora, relativamente a este aspecto, a Formação a que alude o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil considerou que inexistia qualquer contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça parcialmente transcrito na 29.ª conclusão recursiva e, decorrentemente, apenas admitiu a revista excepcional quanto às identificadas questões a resolver, por as mesmas serem genericamente recondutíveis à interpretação de direito estrangeiro e revestirem, pelos motivos ali expostos, a relevância jurídica a que se refere a alínea a) do n.º 1 do mesmo preceito (cfr. fls. 757 a 760).

Estando este colectivo adstrito a esse julgamento (n.º 4 daquele preceito), torna-se evidente que a reapreciação que é pedida na parte final da 32.ª conclusão dessa questão – a nulidade da sentença de 1.ª Instância por nela se conterem respostas pretensamente excessivas – é-lhe vedada.

Ainda assim e de um modo extremamente sucinto, sempre se dirá que, como transparece do conteúdo taxativo do corpo do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (na actual redacção), o cariz excessivo das respostas dadas aos quesitos não constitui causa de nulidade da sentença, o que bem se percebe, se tomarmos em conta que, no domínio da vigência do anterior diploma adjectivo civil, a decisão da matéria de facto tinha lugar num momento anterior à prolação da sentença e dela independente (cfr. n.ºs 2 e 4 do artigo 653.º do mesmo diploma).

Por outro lado, confrontando as respostas dadas aos quesitos 1.º, 5.º, 16.º e 18.º[1] com o conteúdo destes, constata-se que, como se escreveu no acórdão recorrido, as mesmas são restritivas ou explicativas, o que, como aí doutamente se explanou, era e é legalmente autorizado, pelo que inexiste fundamento para que sejam desconsideradas.

Não assistiria, pois, razão à recorrente quanto ao que se inscreve na parte final da 32.ª conclusão, não tendo sido violados os preceitos que, a este respeito, se acham enunciados na subsequente conclusão recursória.

1 - Da caducidade dos direitos exercitados pela recorrente através da presente acção:

A resolução das questões a decidir tem como pressuposto primordial a designação do direito aplicável à relação contratual que vigorou entre as partes.

Essa definição não é essencialmente controvertida nem problemática mas carece de alguma explicação.

Vejamos.

Podemos reconduzir o contrato firmado aos caracteres essenciais do contrato de compra e venda (cfr. artigo 874.º do Código Civil e artigo 1445.º do Código Civil Espanhol, doravante CCE).

Como resulta do teor do escrito que o corporiza o contrato (fls. 55), a recorrida é uma sociedade de direito português com sede em Esmoriz e a recorrente é uma sociedade de direito espanhol com sede em Madrid.

Temos assim que a causa apresenta conexões com duas ordens jurídicas nacionais distintas – a portuguesa e a espanhola –, colocando-se, pois, o problema de saber qual o ordenamento jurídico – o português ou o espanhol – que deve reger a relação contratual que ligou as partes.

A República Portuguesa e o Reino de Espanha são Estados Membros da União Europeia, no seio da qual existem diplomas legislativos destinados a resolver esta questão.

Assim, em obediência ao princípio do primado do Direito Europeu sobre o direito nacional e tendo em conta a aplicabilidade e efeito directo daquele, impõe-se ao tribunal (enquanto juiz comum do Direito Comunitário), a aplicação daqueles diplomas (cfr. n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa).

Neste conspecto, o n.º 1 do artigo 1.º do Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento e do Conselho Europeu, de 17 de Junho de 2008[2] preceitua que “O presente regulamento é aplicável às obrigações contratuais em matéria civil e comercial que impliquem um conflito de leis.” pelo que se tem por inequívoca a sua aplicabilidade para solucionar o problema que supra enunciámos.

Não resulta do dito texto contratual que as partes hajam elegido um qualquer ordenamento jurídico para disciplinar a relação que encetaram (cfr. n.º 1 do artigo 3.º do mesmo Regulamento), pelo que cumpre atentar nos critérios de determinação contidos nos artigos 4.º e ss. do mesmo diploma.

Como vimos, essa relação contratual é recondutível ao contrato de compra e venda. Por isso, há que atentar no que se dispõe na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º daquele Regulamento onde se lê que: “1. Na falta de escolha nos termos do artigo 3.º e sem prejuízo dos artigos 5.º a 8.º, a lei aplicável aos contratos é determinada do seguinte modo:

a) O contrato de compra e venda de mercadorias é regulado pela lei do país em que o vendedor tem a sua residência habitual;”.

Concatenando este normativo com o que supra expusemos a respeito da domiciliação das partes, cabe concluir que, tendo a recorrente – a vendedora, como resulta do teor do contrato firmado – sede em Espanha (local onde previsivelmente se situará a sua administração central – cfr. n.º 1 do artigo 19.º do mesmo Regulamento), será o Direito Espanhol a disciplinar a relação contratual “sub judice[3], nomeadamente, a interpretação do contrato, o cumprimento das obrigações dele decorrentes, as consequências do incumprimento total ou parcial dessas obrigações, a prescrição e a caducidade (alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 12.º daquele Regulamento).

Deste modo, versando a primeira questão a resolver sobre a tempestividade dos direitos exercidos pela Autora na presente acção, não oferece dúvidas que a mesma deve ser resolvida no contexto do ordenamento jurídico espanhol.

Repare-se que, neste conspecto, não está em causa a avaliação da reacção da Autora ao putativo cumprimento defeituoso do contrato pela Ré mas antes a tempestividade da mesma, sendo que, como resulta do n.º 2 do artigo 12.º daquele Regulamento, só quanto às concretas “(…) medidas que o credor deve tomar no caso de cumprimento defeituoso (…)” se deve atender à lei do país onde a obrigação é cumprida.

Para distinguir quais as normas do ordenamento jurídico espanhol que relevam, importa não olvidar que a presente acção se filia no putativo cumprimento defeituoso do contrato pela recorrente.

Podemos falar em cumprimento defeituoso quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos, ao objecto da obrigação a que ele estava vinculado[4]. Trata-se de uma das modalidades que, a par do incumprimento definitivo e da mora, integra o conceito de incumprimento “latu sensu” da obrigação.

Antes, porém, de avançarmos na prospecção das competentes normas da lei espanhola, convém ter presentes os critérios que devem nortear a interpretação de uma lei estrangeira.

Como resulta do n.º 1 do artigo 23.º do Código Civil, a interpretação da lei estrangeira deve ser efectuada no contexto do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele estabelecidas[5]. Por outras palavras, trata-se de “(…) imputar ao preceito estrangeiro o conteúdo e alcance que lhe forem atribuídos no âmbito do respectivo sistema legislativo (…)”[6].

No desempenho dessa tarefa, importa, pois, fazer apelo às regras de interpretação, à jurisprudência e doutrina dominantes no país de origem[7]. Sendo certo que o juiz do foro dispõe da mesma margem de apreciação e desenvolvimento que o ordenamento jurídico estrangeiro reconhece aos seus intérpretes, deve, porém, ter como ponto de partida, a correcção da interpretação usual no Estado estrangeiro e a actuar com sensatez e prudência, de modo a colmatar a inerente menor familiarização com a lei estrangeira, o que levará a que aquela interpretação só deva ser afastada quando a mesma se revelar inexacta[8].

Rememorados estes ensinamentos, há que atentar nos preceitos relevantes da lei espanhola.

Como resulta da petição inicial da presente acção, a causa de pedir dos pedidos formulados a título principal[9] – a resolução do contrato ou, em alternativa, a redução do preço e a condenação na reparação dos defeitos – assenta na ocorrência de defeitos na grua vendida e na circunstância de esta ter sido fabricada em 1998 e não em 1999.

O artigo 1461.º do Código Civil Espanhol[10] proclama que “El vendedor está obligado a la entrega y saneamiento de la cosa objeto de la venta”, adiantando o mesmo diploma, mais adiante, que, em virtude desse saneamento, o vendedor responde perante o comprador pelos vícios e defeitos ocultos da coisa (2.º parágrafo do artigo 1474.º).

Precisa o artigo 1484.º daquele diploma que “El vendedor estará obligado al saneamiento por los defectos ocultos que tuviere la cosa vendida, si la hacen impropia para el uso a que se la destina, o si disminuyen de tal modo este uso que, de haberlos conocido el comprador, no la habría adquirido o habría dado menos precio por ella; pero no será responsable de los defectos manifiestos o que estuvieren a la vista, ni tampoco de los que no lo estén, si el comprador es un perito que, por razón de su oficio o profesión, debía fácilmente conocerlos”.

Tal como o seu congénere português, o CCE não conceptualiza a noção de defeito.

Porém, pode extrair-se deste preceito que o vendedor está adstrito a sanar o vício material da coisa que se traduza numa “(…) ausência de qualidade expressamente ou implicitamente pressupostas pelo contrato (…)” e que tenha como consequência “(…) a inabilidade da coisa vendida ou uma diminuição do uso que razoavelmente o comprador esperava obter da mesma, impedindo ou dificultando a consecução da finalidade por ele pretendida com a conclusão do contrato (…)”, exigindo-se ainda que esse vício seja grave, oculto e preexistente à celebração do contrato[11].

Por outras palavras e de acordo com uma Sentença da Sala Civil do Supremo Tribunal Espanhol comummente citada, são quatro os princípios que enformam a noção de defeito consagrada neste preceito, a saber “(…) a) que el vicio consiste en una anomalía por la cual se distingue la cosa que lo padece de las de su misma especie y calidad; b) que es preciso que el vicio sea anterior a la venta aunque su desarrollo sea posterior; c) que es preciso que el vicio no fuera conocido por el adquirente, ni conoscible por la simple contemplación de la cosa teniendo en cuenta la preparación técnica del sujeto al efecto; d) que ha de ser de tal naturaleza que haga la cosa impropia para el uso a la que la destina o disminuya de tal modo ese uso, que de haberlo conocido el comprador no lo hubiera adquirido o habría dado menosprecio, es decir, que no se trata de que sea inútil para todo uso, sino para aquél que motivo la adquisición, si nada se hubiere pactado sobre el destino, debiendo entenderse que la cosa fue comprada para aplicarla al uso mas conforme con su naturaleza y mas en armonía con la actividad a que se dedicaba el adquirente (…)”[12].

Da combinação desses pressupostos, emerge a responsabilidade – independente de culpa - do vendedor perante o comprador (artigo 1485.º do CCE).

Estando-se em presença de defeitos ocultos que tornem a coisa vendida imprópria para o uso a que se destina ou que diminuem esse uso de tal forma que o adquirente não a compraria ou apenas a compraria por um preço menor, o artigo 1486.º do mesmo diploma preceitua que “(…) el comprador podrá optar entre desistir del contrato, abonándosele los gastos que pagó, o rebajar una cantidad proporcional del precio, a juicio de peritos.”.

Prevê este preceito as acções edílicas tradicionais, quais sejam a redibição (actio redhibitoria) – que, no direito espanhol, é identificada com a “desistência” do contrato e a restituição do preço, ou seja a resolução[13] - e a acção estimatória (actio quanti minoris), isto é, a redução proporcional do preço.

Não se antevê que seja particularmente dificíl a recondução das pretensões de resolução do contrato e de redução do preço formuladas pela recorrente ao enunciado do preceito contido no artigo 1486.º do CCE.

Atentemos, por isso, no prazo que a lei assinala para o seu exercício, já que esse é âmago da presente questão solvenda.

Prescreve o artigo 1490.º do mesmo diploma que “Las acciones que emanan de lo dispuesto en los cinco artículos precedentes se extinguirán a los seis meses, contados desde la entrega de la cosa vendida.”.

Consagra-se, neste preceito, um prazo de 6 meses para o exercício, em juízo, dos direitos contidos, ademais, no artigo 1486.º do CCE, cujo início coincide com a entrega da coisa vendida.

Consideraram as instâncias que o prazo em causa se devia considerar como sendo um prazo prescricional, tendo por referência o que consta do 2.º parágrafo do artigo 1930.º - onde se define a prescrição extintiva, para a diferenciar da prescrição aquisitiva (a usucapião) a que alude o 1.º parágrafo do mesmo artigo -, do artigo 1961.º, 1961.º e do artigo 1973.º, todos do CCE[14].

A jurisprudência uniforme da Sala Civil do Supremo Tribunal de Justiça Espanhol perfilha, diferentemente, o entendimento de que aquele preceito do CCE prevê um prazo de caducidade[15] [16].

Perante esta discrepância, que devemos decidir.

Mesmo que considere que o juiz do foro não está adstrito a uma aplicação “fotográfica”, isto é, acrítica do direito estrangeiro, temos como seguro que aquele há de sempre ter em conta a jurisprudência dominante, maxime quando existe jurisprudência firmada sobre o sentido de uma determinada norma.

Como Ferrer Correia certeiramente afirma[17] “(…) se o sentido da norma interpretanda estiver fixado por uma jurisprudência uniforme e constante, cumprir-Ihe-á não se apartar dessa directiva: não lhe pertence corrigir ou melhorar o que a seu juízo for errado ou imperfeito. (…)”.

Não obstante a premência desta razão, sempre se dirá, em acrescento que a interpretação da letra do artigo 1490.º do CCE à luz do preceituado no n.º 1 do artigo 3.º do mesmo diploma – e, mormente, do segmento em que se prevê que as acções se extinguem no prazo de seis meses – inculca a ideia de que se trata de um prazo de caducidade[18].

Tal conclusão assenta no teor literal desse segmento normativo – repare-se que, ao invés, v.g., do preceituado no artigo 1472.º do CCE, não se refere que as acções prescrevem – e, sobretudo, na constatação de que essa extinção opera por mero efeito da lei, não estando, pois, dependente da arguição por parte do interessado, como sucederia se de um prazo de prescrição se tratasse.  

Por seu turno e ao contrário do que parece decorrer do acórdão recorrido, o instituto da prescrição no domínio do direito espanhol não esgota os efeitos do decurso do tempo sobre as acções (vg. o que se dispõe nos artigos 140.º, 141.º e 1434.º, todos do mesmo diploma).

Sopesando todos estes motivos, deve reconhecer-se razão à recorrente ao sustentar que, no citado artigo 1490.º do CCE, se consagra um prazo de caducidade e que tal entendimento deve ser - embora não acriticamente, acrescentamos nós - acatado pelos tribunais portugueses (o que equivale por dizer que se acolhem, com ressalva quanto a alguns dos argumentos aí empregues, as conclusões 4.ª a 8.ª e 15.ª a 21.ª da minuta recursória).

À semelhança do que pacificamente podemos afirmar perante o direito português, também em Espanha se considera que o decurso de um prazo de caducidade implica a impossibilidade de ser exercitado o direito a ele sujeito, o que determina a sua extinção automática. Mais se pode asseverar que, em face da ordem jurídica espanhola, o decurso desse prazo é insusceptível de ser interrompido ou suspenso[19].

Regressando ao caso vertente, temos que a entrega da grua em causa à autora ocorreu a 28 de Janeiro de 2010 (cfr. ponto n.º 23 do elenco factual) e que a petição inicial com que se iniciaram os presentes autos deu entrada em juízo a 1 de Setembro de 2010 (cfr. fls. 37).

Sendo esta última data a da propositura da acção (n.º 1 do artigo 150.º e n.º 1 do artigo 267.º, ambos do Código de Processo Civil, na redacção à data vigente), haveria que concluir que, nessa data, já se haviam extinguido, por decurso do prazo de caducidade a que alude o artigo 1490.º do CCE, os direitos outorgados à recorrida pelo artigo 1486.º do mesmo diploma e que, como atrás dissemos, se reconduzem às pretensões edílicas tradicionais. É neste sentido que conclui a recorrente.

Todavia, não podemos ter como acertada a conclusão referida no antecedente parágrafo.

Vejamos.

Relembrando o que expusemos acerca da relevância da consideração da jurisprudência na interpretação do direito estrangeiro, há a salientar o seguinte.

Por se reconhecer que o prazo a que nos vimos reportando é exíguo e porque os direitos conferidos pelo artigo 1486.º do CCE ao comprador podem não se ajustar às pretensões de um adquirente (repare-se que o mesmo preceito não contempla vg. a condenação na reparação do bem), a jurisprudência da Sala Civil do Supremo Tribunal do país vizinho tem vindo a sedimentar a doutrina do “aliud pro alio” (literalmente, uma coisa por outra)[20].

Em brevíssima síntese, tem-se entendido que, quando os vícios que afectam a coisa atinjam uma gravidade tal que a tornem totalmente inábil para o fim a que se destina, já não estamos em presença de um mero vício redibitório oculto (e, como tal, contemplado no artigo 1484.º do CCE) mas antes perante a entrega de uma coisa distinta daquela que foi contratada, i.e. de incumprimento da obrigação de entrega que tipifica o contrato de compra e venda (cfr. a definição genérica constante do artigo 1445.º e o já citado artigo 1461.º, ambos daquele diploma)[21] [22], o que legitima a resolução do mesmo, ao abrigo do disposto nos artigos 1100.º e 1124.º, ambos do mesmo diploma[23].

E, no que aqui releva, tem sido entendido que a acção destinada a efectivar essa resolução não está sujeita ao prazo de caducidade a que atrás aludimos mas antes ao prazo de prescrição de 15 anos a que se refere a parte final do artigo 1964.º daquele diploma[24], cujo cômputo se inicia na data em que esse direito puder ser exercido (artigo 1969.º do mesmo diploma).

Na esteira do que expusemos, crê-se ser patente que estes ensinamentos não podem ser desconsiderados para solucionar a questão, sendo certo que a recorrente – que evidencia ter conhecimento profundo da jurisprudência dos tribunais superiores espanhóis –, não poderá, com propriedade, argumentar que a sua reversão para o caso vertente contende com o princípio da confiança (cfr. o que se escreveu na conclusão 21.ª das alegações de recurso, a respeito da interpretação adoptada pela instância recorrida). 

Assim sendo e retomando o caso de que nos ocupamos, há a considerar que a recorrida exerce a actividade de transportes rodoviários de mercadorias, tendo, para esse efeito e, mais precisamente, “(…) para prestar serviços no seu terminal (…)” adquirido à recorrente uma máquina usada da marca “CC”, modelo “HH …”, produzida pela empresa italiana “DD (…) S.p.A.” pelo preço de € 125.000,00 (pontos n.ºs 1, 5,  9, 15 e 16 e 20 da matéria de facto). Como resulta do texto do contrato, transcrito no ponto n.º 15 da facticidade provada,[25] e do seu ponto n.º 49 a autora necessitava da grua para o exercício da sua actividade.

Sucede que, imediatamente após a sua entrega, foi constatado que a dita grua padecia de problemas no funcionamento da transmissão, dos hidráulicos e das luzes de sinalização e funções, os quais foram reconhecidos pela recorrente (pontos n.ºs 23, 24, 25, 27 e 29 daquele elenco factual).

Em virtude da subsistência de tais problemas, a recorrida ficou privada da utilização de uma máquina de que necessita para o exercício da sua actividade, tendo que proceder ao seu parqueamento (ponto n.º 48 do referido elenco), sendo certo que, atento o real estado de funcionamento da máquina, aquela não teria ajustado a venda, pelo menos pelo referido valor (ponto n.º 48 do mencionado elenco).

Valorando estes factos provados, podemos, com propriedade, concluir que, em decorrência dos ditos problemas, a grua em causa se revelou absolutamente inidónea para o fim para o qual a recorrida a adquiriu (o emprego na actividade a que esta se dedica), não se podendo, pois, considerar satisfeitas as suas pretensões com a celebração de tal negócio.

Daí que, em face dos ensinamentos da jurisprudência dos tribunais espanhóis referidos, o presente caso era perfeitamente integrável na doutrina “aliud pró alio” por aqueles professada.

Deste modo, ultrapassando os problemas detectados na grua vendida pela recorrente o limiar dos vícios redibitórios tal como ele é concebido na jurisprudência espanhola (cfr. artigo 1484.º do CCE), evidencia-se que a pretensão resolutiva formulada pela recorrida (que mereceu acolhimento nas instâncias e cujo exercício a recorrente censura no presente recurso) não se funda no disposto no artigo 1486.º daquele diploma mas antes nas regras gerais sobre incumprimento, não estando, portanto, sujeita ao prazo a que alude o artigo 1490.º do mesmo diploma. Por outras palavras, temos que a gravidade dos vícios em causa permite suplantar a aplicabilidade ao caso do prazo de caducidade a que antes aludimos.

Por sua vez, não tendo ainda decorrido 15 anos sobre o dia 29 de Janeiro de 2010 – data em que, teoricamente, a recorrida estaria em condições de resolver o contrato por ocorrência dos ditos problemas técnicos -, é manifesto que não se verificou a extinção, por prescrição (cfr. artigo 1964.º do CCE), do correspondente direito.

 

3. Da conformidade da resolução operada pela recorrente com os ditames da boa fé:

Como atrás demos nota, o n.º 2 do artigo 12.º do Regulamento n.º 593/2008 já citado estatui que, no que toca às “(…) medidas que o credor deve tomar no caso de cumprimento defeituoso (…)” se deve atender à lei do país onde a obrigação é cumprida. A sobredita disposição deve ser interpretada no sentido de que essa lei deve ser tida em consideração e não necessariamente aplicada[26].

Como também já dissemos, afigura-se-nos ser evidente, quer perante a lei espanhola, quer perante a lei portuguesa, que estamos em face de um caso de cumprimento defeituoso.

Tendo em conta que a obrigação de entrega da coisa, cuja propriedade se transmitiu por intermédio do contrato de compra e venda ajustado entre as partes foi cumprida em …, Ovar, ou seja, em território português (pontos n.ºs 17, 21, 23 e 24 da facticidade provada), será primordialmente à luz do direito português que deve ser apreciada a questão em apreço.

Temos assim que nem todos os aspectos em que se desdobra o presente recurso devem ser apreciados à luz do direito espanhol.

Aqui chegados, cumpre fazer uma brevíssima aproximação ao conceito de defeito e aos modos de reacção ao cumprimento defeituoso.

Neste contexto, a sede legal da questão é o artigo 913º do Código Civil, o qual dispõe da seguinte forma:

1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.

2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria.”.

Como se extrai do n.º 1 do citado preceito, a lei civil portuguesa coloca o assento tónico na falta de idoneidade da coisa para o fim a que se destina.

Assim, tem-se por defeituosas as coisas que padeçam de vícios materiais (estruturais, intrínsecos e funcionais da coisa) que a desvalorizem ou que impeçam a realização do seu fim ou que careçam das qualidades que lhe foram atribuídas pelo vendedor ou que se revelem necessárias para o fim a que se destinam.

O fim relevante tanto pode ser revelado pelo contrato (a concepção subjectiva de defeito) ou corresponder à função normal das coisas da mesma categoria (noção objectiva de defeito) se esse fim não resultar do contrato[27]

Temos assim que a noção de defeito comporta uma dimensão objectiva – os vícios correspondem a desvios à qualidade normal – e uma dimensão subjectiva - as desconformidades descortinam-se no confronto com o fim acordado - que se confundem entre si. É que a determinação do referente – a qualidade ou o fim normal – faz-se por apelo aos dados que emirjam da interpretação do contrato[28].

A tutela do comprador reconhece-lhe o direito à anulação do contrato – com base em erro ou dolo (artigo 905.º ex vi artigo 913.º, ambos do Código Civil) -, à redução do preço (artigo 911.º ex vi artigo 913.º, ambos daquele diploma) e à reparação ou substituição da coisa (primeira parte do artigo 914.º do mesmo diploma), ainda que o vendedor não seja o produtor da coisa.

Trata-se, no fundo, de exigir o cumprimento perfeito (isento de vícios) da prestação a que o credor tem jus, o que constitui o seu interesse primário.

O dualismo das reacções previstas no Código Civil português assenta na consideração de que os vícios da coisa já existentes no momento da formação do contrato configuram um erro sobre as qualidades do objecto - o qual é sancionável pela anulabilidade -, ao passo que os vícios que se revelam posteriormente a esse momento e persistem na fase dinâmica daquele, porque perturbam a relação sinalagmática, facultam ao comprador o restabelecimento do equilíbrio prestacional colocado em crise pela projecção daqueles no programa prestacional querido pelas partes mediante a redução do preço, a reparação ou a substituição da coisa[29].

À semelhança do que sucede com qualquer outro direito, também o exercício de cada uma destas faculdades está sujeito ao confronto com os ditames da boa fé, isto é, as exigências de lealdade, honestidade e correcção próprias de pessoas de bem que exprimem os valores fundamentais do sistema (n.º 2 do artigo 762º do Código Civil), podendo, eventualmente, ser convocado o instituto do abuso de direito (artigo 334.º do mesmo diploma) e as regras gerais do incumprimento (artigos 790.º e ss. daquele diploma) para solucionar questões, como sejam, a excessiva onerosidade da reparação ou a insignificância do defeito que funda a resolução[30].

Sublinhe-se ainda que o vendedor está primeiramente adstrito à eliminação dos defeitos ou à substituição da prestação, podendo, depois, ser exigida a redução do preço ou a resolução do contrato, caso se frustrem aquelas pretensões[31].

Neste conspecto, cumpre relembrar que, perante uma situação de mora do vendedor na reparação que deve efectuar, o mesmo sujeita-se a ressarcir os danos moratórios (n.º 1 do artigo 804º do Código Civil) e, no que mais nos interessa, à conversão da mora em incumprimento definitivo (artigo 808º do mesmo diploma) que legitima a resolução.

E é neste plano que se situa a questão em análise.

Na verdade, só o incumprimento definitivo autoriza o credor a resolver o contrato (artigos 432º a 436º e n.º 1 do artigo 808º, todos do Código Civil) e a demandar ao devedor a restituição do que houver prestado (artigo 433º do Código Civil).

Em tese geral, a resolução é a destruição da relação contratual operada por acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado (assim Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 7ª Edição, vol. II, Almedina pág. 275).
A resolução opera mediante simples declaração receptícia dirigida à contraparte (cfr. n.º 1 do artigo 224º e n.º 1 do artigo 436º, ambos do mesmo diploma). Estando em causa uma resolução operada extrajudicialmente, cabe, antes de mais, apreciar a conformidade legal desse acto.

Valorando os problemas de funcionamento a que alude o ponto n.º 27 do elenco factual e a medida em que, determinantemente, afectam a utilidade que a recorrida pretendia obter com o seu emprego no referido terminal e, mais abrangentemente, na actividade comercial a que se dedica (cfr. ponto n.º 49 do mesmo elenco), crê-se ser indisputada a conclusão de que a grua vendida pela recorrente deve, em face do que expusemos, ser tida como um bem defeituoso.

Os ditos problemas de funcionamento foram comunicados pela recorrida à recorrente no dia 29 de Janeiro de 2010 e no dia 2 de Fevereiro do mesmo (cfr. ponto n.º 28 do elenco factual), tendo-lhe sido exigida a sua resolução mediante a intervenção de um técnico da empresa fabricante (cfr. o conteúdo do e-mail parcialmente reproduzido no ponto n.º 31 do mesmo elenco).

Como vimos, a recorrente não pôs em questão a sua existência (cfr. pontos n.ºs 29, 30, 34, 36, 37, 40 e 47 da facticidade provada), o que não deixa de ser contrastante com a sua atitude anterior, visto ter anunciado antes do negócio ajustado com a recorrida que a dita grua se encontrava operacional a cem por cento, indicação que, aliás, se revelou importante para que a recorrente a adquirisse (cfr. pontos n.ºs 12 e 16 dos factos provados).

Sucede que, apesar de, em 1 de Fevereiro de 2010, a recorrente ter informado a recorrida de que seria enviado um técnico para ver a máquina (cfr. ponto n.º 30 daquele elenco), a mesma, nos dias 11, 22 e 25 desse mês, solicitou informações adicionais sobre as avarias registadas (cfr. pontos n.ºs 32, 34 e 37 do aludido elenco factual).

É certo que a recorrente não prestou à recorrida as informações por ela solicitadas (cfr. pontos n.º 33, 35 e 38 do mesmo elenco).

Repare-se, porém, que, de premeio, mais, concretamente no dia 23 do mesmo mês, a recorrente deu nota da sua exasperação com o arrastamento da situação e referiu que “(…) não sabemos explicar melhor o que se passa (…)”, afirmando, inclusive, que iria recorrer a terceiro para solucionar as avarias e apresentar a conta à recorrente (cfr. teor do e-mail parcialmente transcrito no facto n.º 35). 

É, por isso, de estranhar que a recorrente insistisse na prestação de outras informações quando era patente que a recorrida não estava em condições de as fornecer.

Mas, sobretudo, o certo é que não emerge dos factos provados a relevância dessas informações para a concretização da reparação a que a recorrida estava adstrita e com a qual se comprometera.

Daí que não se possa considerar que a dita atitude omissiva daquela evidencie falta de colaboração relevante para a valoração da resolução em apreço.

Prosseguindo na análise dos factos, temos que a recorrente, em 1 de Março de 2010, fez deslocar às instalações da recorrida um técnico, o qual constatou a necessidade de abertura e desmontagem da transmissão para resolver o problema localizado nesse componente mecânico (cfr. ponto n.º 40 do elenco factual).

No dia 22 desse mês compareceu nas instalações da recorrida um técnico da recorrente para recolher o dito componente, tendo, nessa ocasião, sido impedido de o fazer por esta última (cfr. pontos n.ºs 41 e 42 do mesmo elenco).

Nessa sequência e após um exame que efectuou a recorrida veio a comunicar à recorrente a intenção de resolver o contrato em causa (cfr. pontos n.ºs 44 e 46 do mesmo elenco).    

Apreciando estes factos, sobressai, desde logo, o lapso de tempo decorrido entre o dia 1 de Fevereiro de 2010 – data em que, pela primeira vez, a recorrente anunciou o propósito de reparar alguns dos problemas detectados - e o dia 22 de Março de 2010, data em que, pela primeira vez, praticou um acto que se deve ter como preparatório da reparação de um desses problemas (não estamos, pois, perante a execução da reparação em si mesma, como sustenta a recorrente). É também de referir que, como transparece da factualidade provada (cfr. parte final do ponto n.º 48), ainda permaneciam por resolver, nessa data, os defeitos de funcionamento dos hidráulicos e das luzes a que atrás aludimos.

Por outro lado, há a observar que a recorrente não alegou nem demonstrou qualquer facto que, de algum modo, justificasse plausivelmente a delonga que mediou entre o momento em que se constatou a necessidade de abertura e desmontagem da transmissão e o momento em que fez comparecer um técnico para a recolher, sendo certo que a comunicação telemática parcialmente transcrita no ponto n.º 40 do elenco factual nada indica a esse respeito.

Desse modo, apesar de a reparação se apresentar como possível, é patente que a recorrente, a quem foi exigida essa prestação de facere (cfr. factos n.º 48 e n.º 31), se achava em mora quanto à sua execução (cfr. n.º 2 do artigo 804.º e n.º 1 do artigo 805.º, ambos do Código Civil).

Ora, a distinção entre o incumprimento definitivo e a mora assenta na manutenção do interesse do credor na realização da prestação, pressupondo-se que esta é ainda possível (n.º 1 do artigo 808º do Código Civil).

É, porém, possível que a mora se transmute em incumprimento definitivo.

Para tanto, cumpre ter presente o que se dispõe o artigo 808º do Código Civil, onde, sob a epígrafe, “Perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento” se lê:

1. Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.

2. A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente.”.

Como deriva deste preceito, para que a mora no cumprimento da prestação possa redundar numa situação de incumprimento definitivo, é imperioso que se verifique a perda de interesse do credor na execução da prestação (sendo esta apreciada objectivamente – n.ºs 1 e 2 do artigo 808º do Código Civil) ou, por outro lado, que o credor fixe um prazo suplementar razoável para o cumprimento da prestação e o devedor, ainda assim, a não realize.

Não tendo a recorrida interpelado admonitoriamente a recorrente para realizar a necessária reparação, abordemos a perda de interesse na prestação.

Por via de regra, a prestação é primordialmente estabelecida no interesse do credor, pelo que o desinteresse deste implica que o devedor já não a possa realizar.

Todavia, a perda de interesse que desencadeia a resolução do contrato tem de ser demonstrada (e não somente alegada) e, sobretudo, há-de ser objectivamente evidenciada, i.e. não pode ser meramente subjectiva[32].

Essa apreciação objectiva visa evitar que o devedor fique sujeito ao capricho do credor (não basta um “não quero”) ou que venha a ser confrontado com a invocação de razões banais ou infundadas para justificar a destruição do contrato[33].

Como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2005[34] essa objectividade “(…) é verificável se fundada em causa objectiva, razoavelmente compreensível e aceitável ao juízo comum de pessoas normais em actuação negocial, de boa fé, de lisura e de honestidade no trato (…)”.

A perda (e não a simples diminuição), deve, pois, ser aferida tendo em vista a “(…) utilidade que a prestação teria para o credor, atendendo a elementos susceptíveis de serem valorados pelo comum das pessoas (e necessariamente à especificidade dos interesses em causa no concreto negócio jurídico onde tal apreciação se suscite), devendo mostrar-se justificada segundo o critério da razoabilidade própria do comum das pessoas (…)”[35].

Contudo, convém não olvidar o interesse credíticio, o qual deve nortear a avaliação da gravidade ou relevo do inadimplemento gerador da resolução.

Como lucidamente escrevia BAPTISTA MACHADO[36] “(…) O que essa objectividade quer significar é, antes, que a importância do interesse afectado pelo incumprimento, aferida embora em função do sujeito, há-de ser apreciada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer outra pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz), e não segundo o juízo valorativo arbitrário do próprio credor. Isto fundamentalmente porque o direito de resolução legal tem a sua fonte imediata na lei. (…) sabendo-se que, “na maioria das vezes, o desaparecimento do interesse do credor na manutenção do contrato tem a ver com as finalidades de uso ou de troca que o credor visava conseguir com a prestação”.

Revertendo estas considerações para o caso vertente, há a sopesar, na avaliação da conduta da recorrida, o seguinte.

O anúncio, feito pela recorrida, de que se socorrerá de terceiros para solucionar os problemas detectados na grua a expensas da recorrente e a posterior inviabilização da recolha da transmissão constituem sinais claros da perda de interesse, por parte daquela, na prestação debitória a cargo da recorrente.

Daí que o facto vertido no ponto n.º 42 do elenco factual não represente, como a recorrente sustenta, uma falta de colaboração do credor na execução de uma prestação que ainda se deve ter como possível mas antes a manifestação do desinteresse na mesma, o qual veio a desembocar na resolução posteriormente operada.

Avaliemos se essa perda de interesse se deve ter como razoavelmente fundada.

Para além da verificação de uma situação de mora - que, ao tempo da resolução, perdurava já há cerca de 2 meses -, há a ter em conta o valor elevado pelo qual a grua foi adquirida (€ 125.000,00), bem como a circunstância de a recorrida estar privada da sua projectada utilização na actividade a que se dedica em virtude da falta de reparação dos defeitos e de se ver forçada a parqueá-la (cfr. facto n.º 49). Avulta ainda que a recorrida jamais teria efectuado o negócio por aquele valor se conhecesse o estado de funcionamento da grua (cfr. facto n.º 48), o que traduz bem a importância que a prestação de facto a cargo da recorrente representava para a recorrente. Há também a ter em consideração a inusitada persistência na solicitação de informações adicionais já referidas.

Valorando conjugadamente todos estes dados factuais à luz dos ensinamentos de que demos nota e num prisma estritamente objectivo, temos que, por um lado, a perda de interesse na prestação a cargo da recorrente evidenciada pela recorrida assenta na mora em que a contraparte se achava incursa e, por outro, resulta de uma causa objectiva – a privação do uso a que o bem vendido se destinava em virtude da inaceitável subsistência dos defeitos e que a recorrente assegurara estar totalmente operacional.

Por outras palavras, a mudança de atitude da recorrida, consubstanciada na recusa da prestação da recorrente, é, face ao juízo comum da boa fé negocial, objectivamente fundada.

Na verdade, como bem se reflectiu no acórdão recorrido: “Evidentemente que, face aos valores envolvidos na aquisição da máquina, qualquer comprador colocado na posição da recorrida que, passados quase dois meses, ainda não tivesse a máquina com aptidão para ser utilizada para aquilo que a havia destinado, com a agravante de que só 08.03.2010 a Ré recorrente se dispôs a recolher a transmissão, teria optado por termo ao contrato, tanto mais que nessa decisão sempre teria de estar latente a imprevisibilidade do tempo em que a máquina continuaria paralisada para reparação, com os inerentes prejuízos que isso continuava a acarretar.

Daí que, sendo embora a prestação da recorrente possível, a mesma deixara de apresentar, numa perspectiva objectiva, qualquer utilidade para a recorrida.

Ora, como vimos, a subsistência do interesse do credor é o critério decisivo para aferir da existência de incumprimento definitivo.

Evidenciando o quadro factual supra destacado a perda de interesse na prestação, a mora em que a recorrente incorreu converteu-se em incumprimento definitivo.

O facto vertido no ponto n.º 42, além de evidenciar, de sobremaneira, essa perda, constitui uma manifestação clara perante a recorrente de que o interesse na sua prestação deixou de existir, assim se respeitando a exigência, decorrente da boa fé contratual, de que a perca do interesse deve ser imediatamente comunicada ao devedor[37].

Desse modo, há que considerar a subsequente resolução contratual justificada e legítima, em face do disposto nos artigos 432º a 436º e n.º 1 do artigo 808º, todos do Código Civil, donde se conclui que a recorrida respeitou a sequência lógica a que antes aludimos e a que a recorrente também faz referência.

E não se antevê que o comportamento da recorrida seja contrário aos ditames da boa fé, entendidos por referência às concepções ético-jurídicas prevalentes na nossa sociedade, ou evidencie qualquer abuso de direito, na acepção do artigo 334.º do Código Civil.

Na verdade, os factos valorados como faltas de colaboração e que são destacados pela recorrente não podem ser analisados fora do contexto em que ocorreram e, sobretudo, olvidando a inexplicável mora em que esta já então se achava incursa. 

E mesmo que somente se tomassem em consideração as pertinentes disposições do CCE a solução não seria diferente.

Como vimos, a entrega da grua com os defeitos graves de que a mesma padecia consubstanciava um incumprimento contratual da obrigação de entrega decorrente da compra e venda.

Encontrando-se a recorrente em mora quanto ao cumprimento dessa obrigação em termos perfeitos (cfr. primeira parte do artigo 1461.º e n.º 1 do artigo 1100.º, ambos do CCE), ou seja, em termos que satisfizessem o interesse da recorrida e sendo esta prestação sinalagmática da prestação pecuniária por esta antes realizada (cfr. a definição do contrato de compra e venda constante do artigo 1445.º do mesmo diploma), o segundo parágrafo do artigo 1124.º daquele diploma faculta à comprador a opção entre a resolução do contrato e o cumprimento.

Assim, pese embora a reparação fosse possível, nada impediria a recorrida de resolver o contrato, tanto mais que, face ao contexto do autos, é por demais evidente a desnecessidade/impossibilidade de estabelecer qualquer prazo (terceiro parágrafo daquele mesmo preceito) para que a recorrente cumprisse a prestação a que estava adstrita.

Dir-se-ia ainda que, tendo em vista o dito quadro factual, de onde ressalta o contraste entre a operacionalidade da grua assegurada pela recorrente e a mora na efectivação da reparação das avarias graves que foram detectadas, dele não sobressaindo, ao invés, a apregoada falta de colaboração da recorrida, não se vislumbra que o exercício do direito à resolução contratual contenda com as exigências de boa fé que devem nortear o exercício de qualquer direito (n.º 1 do artigo 7.º do CCE).

Não podem, por isso, ser acolhidas as conclusões 10.ª a 14.ª, nem se têm por violadas as normas jurídicas enunciadas na conclusão 33.ª da alegação recursória.

Em síntese conclui-se:
1. Resultando da aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 593/2008, de 4 de Julho, do Parlamento e do Conselho ser aplicável uma lei estrangeira, o juiz do foro, em consonância com o disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Código Civil, deve efectuar a respectiva interpretação no contexto do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas nele estabelecidas, o que impõe que se faça apelo à jurisprudência e doutrina dominantes no país de origem, que se tenha, como ponto de partida, a correcção da interpretação usual no Estado estrangeiro e que se actue com sensatez e prudência, de modo a colmatar a inerente menor familiarização com a lei estrangeira, só devendo tal interpretação ser afastada quando puder ser tida como inexacta.
2. Sendo aplicável à apreciação da questão da caducidade o Código Civil Espanhol e enquadrando-se duas das pretensões formuladas pela Autora na previsão do artigo 1486.º do mesmo diploma, há que considerar o prazo a que alude o artigo 1490.º daquele diploma como sendo de caducidade, como uniformemente tido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Espanhol e por grande parte da doutrina.
3. Resultando da facticidade provada que os vícios que afectam a máquina vendida pela recorrente impedem o seu uso na actividade comercial da recorrida, há que considerar, em face da jurisprudência do Supremo Tribunal Espanhol, que estamos perante o incumprimento da obrigação de entrega e não de meros vícios redibitórios que apenas desencadeiam as acções a que alude o artigo 1486.º do Código Civil Espanhol.
4. Não estando a acção resolutiva sujeita ao prazo de caducidade, mas antes a um prazo de prescrição de 15 anos que ainda não havia decorrido ao tempo da propositura da presente acção, cabe concluir pela tempestividade da mesma.
5. Devendo atender-se à lei portuguesa (i.e. a lei do país onde é cumprida a obrigação – cfr. n.º 2 do artigo 12.º do Regulamento (CE) n.º 593/2008) no tocante às medidas que o credor deve tomar em caso de cumprimento defeituoso, a tutela do comprador reconhece-lhe o direito à anulação do contrato com base em erro ou dolo (artigo 905.º ex vi artigo 913.º, ambos do Código Civil), à redução do preço (artigo 911.º ex vi artigo 913.º, ambos daquele diploma) e à reparação ou substituição da coisa (primeira parte do artigo 914.º do mesmo diploma), só sendo admissível a resolução contratual caso se frustre a exigência do cumprimento perfeito do contrato consubstanciada no exercício destas duas últimas faculdades.
6. Como deriva dos n.ºs 1 e 2 do artigo 808.º do Código Civil, para que a mora no cumprimento da prestação possa redundar numa situação de incumprimento definitivo, é imperioso que, além do mais, se verifique a perda de interesse do credor na execução da prestação.
7. A perda de interesse que desencadeia a resolução do contrato há-de ser objectivamente evidenciada, a fim de evitar que o devedor fique sujeito ao capricho do credor ou que venha a ser confrontado com a invocação de razões banais ou infundadas para justificar a destruição do contrato.
8. Havendo que concluir pela licitude da resolução, o enquadramento factual provado não autoriza que o comportamento da recorrida se deva ter por contrário aos ditames da boa fé ou que evidencie qualquer actuação em abuso de direito.

Improcede, assim, o recurso.

Porque vencida, as custas ficam a cargo da recorrente (n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil).

III. Decisão:

Pelo exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso de revista excepcional e, consequentemente, em manter o acórdão recorrido, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2015

Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Pires da Rosa

Maria dos Prazeres Beleza

___________________________
[1] É, aliás, curioso que a recorrente se socorra do teor da parte final desta – tido como excessivo – para sustentar o seu recurso (cfr. conclusão 14.ª).
[2] Publicado no JOCE n.º L 177/6 de 4 de Julho de 2008.
[3] Curiosamente e tendo em conta que, como emerge do texto contratual aludido no ponto n.º 15 do elenco factual, o mesmo foi subscrito em Madrid, alcançar-se-ia o mesmo resultado se tivéssemos em consideração a pertinente norma de conflitos nacional – cfr. n.º 2 do artigo 42.º do Código Civil.
[4] A este respeito, v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Março de 2006, C.J.S.T.J., 2006, Tomo I, pág. 113 e PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Cumprimento Defeituoso, Em especial na empreitada e na compra e venda”, Almedina, pág. 129.
[5] A este respeito, v. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Novembro de 2003 – proferido no processo n.º 03B2835 e acessível em www.dgsi.pt – e de 31 de Janeiro de 2012 – proferido no processo n.º 2357/08.6TVLSB.L2.S2 e sumariado pela assessoria cível do Supremo Tribunal de Justiça em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/revistaexcecional/revistaexcepcional2012.pdf.
[6] Cita-se FERRER CORREIA “Lições de Direito Internacional Privado”, vol. I, Almedina, pág. 434.
[7] Preconizando até que se deve atender mais às lições da doutrina e jurisprudência do Estado estrangeiro do que à análise dos textos legislativos aplicáveis, v. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (com a colaboração de HENRIQUE MESQUITA), “Código Civil Anotado”, vol. I, 4.ª Edição, Coimbra, pág. 70.
[8] Assim BAPTISTA MACHADO “Lições de Direito Internacional Privado”, Almedina, 3.ª Edição, págs. 244 e 245 e LUÍS DE LIMA PINHEIRO “Direito Internacional Privado”, vol. I, Almedina, pág. 648.
[9] Não mencionamos a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização, já que a Autora se conformou com a decisão da primeira instância em não lhe reconhecer o correspondente jus.
[10] Publicado por Real Decreto de 24 de Julho de 1889 e acessível em https://www.boe.es/buscar/act.php?id=BOE-A-1889-4763.
[11] Assim JOSÉ RAMÓN DE VERDA Y BEAMONTE (a quem pertencem as palavras em itálico do texto, por nós traduzidas) “El régimen de conformidad y garantia en los productos y serviciosin Derecho de Consumo”, coord. de MARIA JOSÉ REYES LÓPEZ,  Tirant Lo Blanch, págs. 446 e 447.
[12] Sentença de 31 de Janeiro de 1970, citada por JOSÉ MANUEL LETE DEL RIO e JAVIER LETE ACHIRICA - “Derecho de Obligaciones - Contratos”, vol. II, Thomson/Aranzadi pág. 111 e, entre outras, pela Sentença da Sala Civil do Supremo Tribunal Espanhol n.º 3899/2010, de 8 de Julho de 2010 – de onde se extraiu o trecho citado no texto -, a qual é acessível, em língua castelhana em http://www.poderjudicial.es/search/doAction?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=5697683&links=1490%20y%20caducidad&optimize=20100812&publicinterface=true.
[13] A equiparação das consequências “desistência do contrato” às consequências da nulidade e da resolução da venda de animais (artigos 1303.º e 1498.º do CCE) é efectuada por BLAS PÉREZ GONZÁLEZ e JOSÉ ALGUER, na nota de adaptação e estudo comparativo (face ao Direito Espanhol) da pág. 74 da tradução para língua castelhana do “Tratado de Derecho CivilDerecho de Obrigaciones”, tomo II, 2.º vol., da autoria de LUDWIG ENNECCERUS e HEINRICH LEHMAN, Bosch, Casa Editorial. Propugnando pela identificação da acção redibitória com a resolução no direito pátrio, v. CALVÃO DA SILVA “Compra e venda de coisas defeituosas”, 4ª Edição, Almedina, pág. 72.
[14] Neste sentido, opinam também PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., pág. 415, bem como BLAS PÉREZ GONZÁLEZ e JOSÉ ALGUER, loc. cit.
[15] Localizaram-se, entre muitas outras, as seguintes decisões que apontam ou decidiram nesse sentido:
· Sentença n.º 6465/2007, de 5 de Junho de 2007, acessível em http://www.poderjudicial.es/search/doAction?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=443392&links=1490%20y%20caducidad&optimize=20070709&publicinterface=true;
· Sentença n.º 4481/2007, de 21 de Junho de 2007, acessível em http://www.poderjudicial.es/search/doAction?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=418100&links=1490%20y%20caducidad&optimize=20070719&publicinterface=true;
· Sentença n.º 5011/2007, de 29 de Janeiro de 2002, acessível em http://www.poderjudicial.es/search/doAction?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=398591&links=1490%20y%20caducidad&optimize=20070802&publicinterface=true;
· Sentença n.º 36/2009, de 22 de Janeiro de 2009, acessível em http://www.poderjudicial.es/search/doAction?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=4273109&links=1490%20y%20caducidad&optimize=20090205&publicinterface=true;
· Sentença n.º 3899/2010, de 8 de Julho de 2010, acessível em http://www.poderjudicial.es/search/doAction?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=5697683&links=1490%20y%20caducidad&optimize=20100812&publicinterface=true;
Do cariz uniforme, ou, pelo menos, claramente preponderante, desta mesma corrente jurisprudencial dão nota JOSÉ RAMON DE VERDA Y BEAMONTE, ob. cit., pág. 447 - que, citando outras decisões, salienta ser este o verdadeiro obstáculo processual às acções redibitórias – e JOSÉ MANUEL LETE DEL RIO e JAVIER LETE ACHIRICA ob. cit., vol. I, pág. 372 e vol. II, pág. 113, sendo que estes autores apenas referem a existência de um autor que opina em sentido divergente.
[16] De notar que o correspondente preceito do Código Civil português – artigo 917.º - consagra inequivocamente um prazo de caducidade.
[17] Ob. cit., págs. 434 e 435.
[18] Assim o ensinam, relativamente a um outro preceito com idêntica redacção que transcrevem, BLAS PÉREZ GONZÁLEZ e JOSÉ ALGUER, loc. cit. na nota 15. No mesmo sentido DIAZ PAIRÓ – apud JOSÉ MANUEL LETE DEL RIO e JAVIER LETE ACHIRICA, ob. cit., vol. I, pág. 371 -, ao referir que se estará perante um prazo de caducidade sempre que o legislador, em função de um interesse social mais intenso, fixa um determinado lapso de tempo para se exercer um direito, prescindindo de qualquer ideia de abandono ou negligência por parte do seu titular.
[19] A este respeito, v. a Sentença do Supremo Tribunal Espanhol n.º 3760/2008, de 12 de Junho de 2008,  acessível              em                                               www.poderjudicial.es/search/doAction?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=54407&links=caducidad&optimize=20080626&publicinterface=true e JOSÉ MANUEL LETE DEL RIO e JAVIER LETE ACHIRICA, loc. cit. na nota 19, págs. 371 e 372.
[20] Assim JOSÉ RAMÓN DE VERDA Y BEAMONTE, ob. cit., págs. 447 e 448, com citação de vária jurisprudência. Também JOSÉ MANUEL LETE DEL RIO e JAVIER LETE ACHIRICA, ob. cit., vol. II, págs. 111 e 112 dão nota dessa jurisprudência.
[21] A este respeito, v., entre outras, as seguintes Sentenças do Supremo Tribunal Espanhol:
· Sentença n.º 907/2010, de 17 de Fevereiro de 2010, acessível em http://www.poderjudicial.es/search/doAction?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=5072372&links=1490%20y%20caducidad&optimize=20100318&publicinterface=true;
· Sentença n.º 775/2010, de 25 de Fevereiro de 2010, acessível em http://www.poderjudicial.es/search/doAction?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=5072358&links=1490%20y%20caducidad&optimize=20100318&publicinterface=true;
· Sentença n.º 6253/2010, de 22 de Novembro de 2010, acessível em http://www.poderjudicial.es/search/doAction?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=5798530&links=aliud%20por%20alio&optimize=20101216&publicinterface=true;
· Sentença n.º 3925/2013, de 30 de Abril de 2013, acessível em http://www.poderjudicial.es/search/doAction?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=6728782&links=1490%20y%20caducidad&optimize=20130603&publicinterface=true;
[22] No mesmo sentido, face ao direito português, v. BAPTISTA MACHADO, “Pressupostos da Resolução por incumprimento - Obras dispersas”, vol. I, Scientia Ivridica, págs. 172 e 173.
[23] Neste sentido, v., inter alia, a Sentença da Sala Civil do Supremo Tribunal de Justiça Espanhol n.º 7750/2012 de 20 de Novembro de 2012, acessível em www.poderjudicial.es/search/doAction?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=6566437&links=aliud%20por%20alio&optimize=20121210&publicinterface=true.
[24] Neste sentido, entre outras, as Sentenças n.º 775/2010 e n.º 907/2010, já citadas e a Sentença da Sala Civil do Supremo Tribunal Espanhol n.º 6402/2005, de 21 de Outubro de 2005, acessível em http://www.poderjudicial.es/search/doAction?action=contentpdf&databasematch=TS&reference=1135470&links=aliud%20pro%20alio%20y%201964&optimize=20051110&publicinterface=true.
[25] Atente-se no que se lê no 2º parágrafo dos considerandos preliminares do contrato – cfr. fls. 55 -.
[26] A este respeito, v. RICHARD PLENDER e MICHAEL WILDERSPIN “The European Private Law of Obligations”, Sweet & Maxwell, 3.ª Edição, pág. 408.
[27] Assim CALVÃO DA SILVA, ob. cit., págs. 44 e 45.
[28] A este respeito, v. PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., pág. 167.
[29] Assim CALVÃO DA SILVA, ob. cit., pág. 81 e 82.
[30] Assim CALVÃO DA SILVA, ob. cit., págs. 83 a 85 e, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 2010, proferido no processo n.º 12764/03.5TOER.L1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.
[31] Neste sentido, ROMANO MARTINEZ, ob. cit., págs. 440 e 441 e, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2012 – proferido no processo n.º 1288/08.4TBAGD.C1.S1 – e  de 25 de Outubro de 2012 – proferido no processo n.º 3362/05.TBVCT.G1.S1 -, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[32] Assim, v. ANTUNES VARELA, ob. cit., pág. 124. Noutro local – R.L.J. n.º 118, pág. 55, nota 1 – escreve impressivamente o mesmo autor: (…) a perda do interesse na prestação não pode assentar numa simples mudança de vontade do credor, desacompanhada de qualquer circunstância além da mora - ou seja não pode o credor alegar como fundamento da resolução de, não tendo o devedor cumprido a obrigação na altura própria, o negócio não ser já do seu agrado, exigindo a apreciação objectiva da situação algo mais do que esse puro elemento subjectivo que é alteração da vontade do credor, apoiada na mora da outra parte (…)”.
[33] Assim, v. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, tomo II, 2ª Ed., Coimbra, pág. 71.
[34] Publicado na C.J.S.T.J., tomo I/2005, pág. 126.
[35] Cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Fevereiro de 2008, proferido no processo n.º 07A4437 e acessível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, v. PESSOA JORGE “Ensaio Sobre Pressupostos da Responsabilidade Civil”, Lisboa, pág. 290 nota 3, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Maio de 1998 - B.M.J. n.º 477, pág. 468 -, de 18 de Julho de 2003 - proferido no processo n.º03B3697 e acessível em www.dgsi.pt - de 5 de Julho de 2007 – proferido no processo n.º 07B1835 e acessível em www.dgsi.pt – e de 6 de Julho de 2011 – proferido no processo n.º 868/08.2TBCBR.C1.S1 e acessível em www.dgsi.pt -.
[36] Ob. cit., págs. 136 e 137.
[37] Assim, BAPTISTA MACHADO, ob. cit., pág. 162 e, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Setembro de 2009, proferido no processo n.º 170/09.2YFLSB e acessível em www.dgsi.pt.