Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1389/15.2T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
CADUCIDADE
BENFEITORIAS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
RECURSO DE REVISTA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIDO O OBJECTO DA REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / INTERPOSIÇÃO E EXPEDIÇÃO DO RECURSO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2.ª Edição, 2014, p.46-47;
- Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª Edição, 2008, p.116;
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, p. 273 a 275;
- Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência., ano 108, nº. 3554, p. 266.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.º 2, ALÍNEA D) E 671.º, N.º 1.
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES/99 (CEXP): - ARTIGOS 13.º, N.ºS 3 E 4 E 66.º, N.º 5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA DE 14/05/1996, IN DR N.º 144/96, SÉRIE II, DE 24/06/1996;
- DE 25/02/2003, PROCESSO N.º 02A4378, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17/02/2009, PROCESSO N.º 08A3761 JSTJ000, IN CJSTJ, TOMO I, P. 102 E WWW.DGSI.PT;
- DE 04/05/2010, PROCESSO N.º 3272/04.8TBVISC.1.S1, IN CJSTJ, TOMO III, P. 63 E IN WWW.DGSI.PT;
- DE 13/10/2011, PROCESSO N.º 6496/08.5TBMAL.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 24/04/2014, PROCESSO N.º 48/ 07.4TBLLE.E2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18/09/2014, PROCESSO N.º 1100/11.7TBCHV-B.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20/11/2014, PROCESSO N.º 7382/07.1TBVNG.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Nos termos do art.º 66.º, n.º 5, do CE/99, não cabe revista do acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização devida em sede de expropriação por utilidade pública, salvo quando a mesma seja sempre admissível, como sucede, além de outros, no caso de contradição jurisprudencial previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC.

II. A razão de ser dessa limitação recursória prende-se com o facto de tal fixação passar por três níveis decisórios – o acórdão arbitral, a decisão em sede de recurso para o tribunal judicial da 1.ª instância e o acórdão da Relação –, não se justificando assim um 4.º grau de jurisdição.

 III. Além disso, tem-se vindo a entender que a referida restrição compreende também a impugnabilidade de decisões interlocutórias ou de questões respeitantes a vícios formais ou substanciais dessa decisão de fixação da indemnização como questões menores que são no confronto com esta.

IV. Nesse quadro, a decisão sobre pretensão de declaração de caducidade da declaração de utilidade pública, suscitada ao abrigo do disposto no artigo 13.º, n.ºs 3 e 4, do CE/99, não assume natureza meramente instrumental da decisão arbitral que fixa a indemnização, tanto mais que pode ocorrer em situações em que nem sequer tenha sido promovida a arbitragem, não obstante o seu efeito preclusivo de subsequente promoção desta ou da subsistência de arbitragem já realizada sem remessa ao tribunal, não estando, por isso, abrangida pela norma de irrecorribilidade prescrita na 2.ª parte do n.º 5 do art.º 66.º do CE/99, ficando, portanto, sujeita aos termos gerais de admissibilidade da revista.

V. De resto, tal declaração de caducidade deve ser requerida, em primeira linha, perante o tribunal judicial da 1.ª instância competente para conhecer do recurso da decisão arbitral, não se justificando assim a supressão do 3.º grau de jurisdição.

VI. No caso em que, em sede de recurso da decisão da 1.ª instância que recuse o conhecimento da pretendida declaração de caducidade, por se considerar incompetente em razão da matéria, a Relação confirme aquela decisão mas com o fundamento em que tal pretensão fora suscitada por meio inidóneo e inoportuno, não cabe revista desta decisão nos termos do n.º 1 do art.º 671.º do CPC, mas, quando muito, nos casos excecionais perconizados no n.º 2 do mesmo normativo, nomeadamente com fundamento em contradição jurisprudencial ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do mesmo Código.

VII. Do acórdão da Relação que confirme a decisão do tribunal judicial da 1.ª instância no sentido de que o valor das benfeitorias realizados no bem expropriado se encontra já englobado no valor da indemnização arbitrada, não devendo ser autonomizadas para acrescer a este valor, não cabe revista nos termos do artigo 66.º, n.º 5, 2.ª parte, do CE/99, salvo nas situações em que ela seja sempre admissível, como sucede em caso de contradição jurisprudencial conforme o disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC.

VIII. A não verificação da invocada contradição jurisprudencial, como sucede no presente caso, obsta ao conhecimento do objeto da revista.  

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


 

I – Relatório


1. AA, S.A.”, requereu a expropriação por utilidade pública, com carácter de urgência, da parcela n.º ... consistente na fração autónoma ... do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito no ... e ... da freguesia de ..., em ..., pertencente a BB, ora expropriado.

2. Por acórdão arbitral de março de 2015, constante fls. 31-36, foi arbitrada ao expropriado a indemnização de € 120.565,88.

3. Em 25/05/2015, o mesmo expropriado interpôs recurso daquele acórdão, em que, no essencial:

- Arguiu irregularidades, ilegalidade e desconformidade do processo de expropriação;

- Suscitou a necessidade de suspensão da instância com fundamento em prejudicialidade, pedindo que se aguardasse o trânsito em julgado da decisão a proferir em sede ação intentada no foro administrativo;

- Por fim, sustentou que a fração expropriada tem o valor de € 271.302,50, pugnando para que naquela indemnização se considere as obras de beneficiação levadas a cabo no imóvel, no montante de € 45.000,00, o custo da mudança no valor de € 4.300,00 e o custo da insta-lação, no valor de € 3.600,00, a ser atualizados de acordo com a lei.

4. A entidade expropriante AA contra-alegou, a sustentar a recusa da apreciação das questões prévias suscitadas, por considerar ser o tribunal judicial materialmente incompetente para o efeito, concluindo ainda pela confirmação do valor indemnizatório arbitrado.

5. Procedeu-se à avaliação pericial, nos termos do qual os peritos designados pelo tribunal concluíram pelo valor de € 198.365,72, reportado à data da DUP, com atualização nos termos legais, e os restantes peritos pelos valores apontados, respetivamente, pela parte que os nomeou, não tendo sido considerados quaisquer valores, a acrescer, relacionados com os custos de mudança ou o custo da instalação.

6. Seguidamente, foi proferida a sentença de fls. 635-647, datada de 03/03/2017, a julgar o recurso interposto pelo expropriado parcialmente procedente e, em consequência, atribuir-lhe uma indemnização no valor de € 208.065,72, atualizável nos termos do AUJ do STJ n.º 7/2001 de 12-07-2001.

7. Inconformados com essa decisão, tanto o expropriado como a entidade expropriante apelaram para o Tribunal da Relação de Guimarães que, através do acórdão de fls. 725-766/v.º, datado de 11/07/2017, por unanimidade, julgou totalmente improcedente o recurso interposto pelo expropriado e deferiu a correção do erro de adição apontado pela expropriante, julgando, no mais, improcedente o recurso pela mesma interposto e decidindo atribuir ao expropriado a indemnização de € 204.465,72, atualizável nos termos do AUJ do STJ n.º 7/2001 de 12/07/2001.

8. Mais uma vez inconformado, vem agora o expropriado pedir revista com o fundamento especial de contradição jurisprudencial, formulando extensas conclusões de teor predominantemente argumentativo, mas que enunciam como questões essenciais a resolver as seguintes:

i) – O invocado erro de julgamento quanto ao segmento decisório do acórdão recorrido que se pronunciou no sentido de considerar que, não obstante o tribunal competente para conhecer do recurso da decisão arbitral ser materialmente competente para conhecer da caducidade da declaração da expropriação por utilidade pública, não havia que conhecer dessa questão porquanto não fora suscitada pelo expropriado através do meio processual idóneo e oportuno, ou seja, no âmbito da decisão de adjudicação proferida em 14/04/2015;    

ii) – A pretensa nulidade do acórdão recorrido por nada ter ordenado no sentido de apurar se efetivamente houve ou não violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade, da procura da verdade e da justiça para a fixação da justa indemnização, com violação do disposto nos artigos 5.º, 6.º, n.º 1, 410.º, 411.º, 417.º, 607.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, 652.º, n.º 1, alínea d), e 662.º, n.º 2, do CPC;  

iii) – O também invocado erro de julgamento que afetaria o acórdão recorrido, ao ter aceite que as benfeitorias/obras feitas na fração expropriada foram incluídas – de forma autonomizada – pelos peritos no valor da indemnização, criando uma situação de clara violação dos referidos princípios da igualdade, proporcionalidade e da justa indemnização.

      Acessoriamente, vem ainda arguida a nulidade do acórdão recorrido com fundamento em excesso de pronúncia, porquanto:

iv) – No âmbito do pronunciamento sobre a invocada caducidade, se ter considerado que tal questão fora suscitada por meio inidóneo e intempestivo sem que tais fundamentos tivessem sido sequer invocados pelas partes;

v) – E ainda terem ainda sido eliminados os factos dados como provados sob os pontos 3.1 a 3.39.    

9. A entidade expropriante apresentou contra-alegações, em que começa por arguir a inadmissibilidade da revista por entender não caber na exceção ressalvada no artigo 66.º, n.º 5, do Código das Expropriações nem se enquadrar em nenhuma das situações previstas no artigo 629.º, n.º 2, do CPC e, subsidiariamente, pugna pelo não provimento do recurso.

10. O recurso foi liminarmente admitido, de forma tabelar, pela Exm.ª Relatora da Relação, conforme despacho de fls. 1076, de 18/01/ 2018, e, subsequentemente, foi proferido, em conferência da mesma Relação, o acórdão de fls. 1082 a 1084/v.º, de 25/01/2018, a “julgar” improcedente a arguição das nulidades suscitadas com fundamento em excesso de pronúncia.  


II – Quanto a admissibilidade da revista


1. Do regime recursório aplicável  


Antes de mais, importa determinar qual o regime recursório aplicável, tendo em linha de conta, nomeadamente, a data do início do presente processo litigioso de expropriação por utilidade pública.


Dos factos provados, no que aqui releva, consta que:

i) - Não se tendo alcançado acordo em relação ao valor da justa indemnização devida pela expropriação em causa, por ofício datado de 10/08/2006, o Expropriado foi notificado para, no prazo de 5 dias, proceder à indicação de perito para integrar a comissão que procederia à arbitragem;

  ii) - Por carta datada de 21/08/2006, o mandatário do Expropriado procedeu à indicação de perito para integrar a comissão arbitral.

   iii) - Em 04/09/2006, o Expropriado foi notificado do agendamento do ato de posse administrativa da fração expropriada, para o dia 19/ 09/2006 e da realização de depósito no montante da avaliação.

  iv) - Por ofício datado de 22/09/2006, o Expropriado foi notificado da cópia do auto de posse administrativa referente à sua fração.

  v) - Por carta datada de 25/09/2006, o Expropriado apresentou, por intermédio do seu mandatário, reclamação do ato de transmissão da posse administrativa.

  vi) - Por ofício datado de 06/10/2006, a entidade Expropriante respondeu à reclamação apresentada, pugnando pela inaplicabilidade da base legal invocada para a reclamação e pela improcedência dos fundamentos apresentados;

  vii) - Por despacho do Senhor Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional n.º 18909/2007, de 03/08/2007, publicado no Diário da República, II Série, n.º 162, de 23/08/2007, foi renovada a declaração de utilidade pública acima mencionada.

  viii) - Por ofício datado de 11/09/2007, o Expropriado foi notificado da nova declaração de utilidade pública emitida.

  ix) - Ao referido ofício, o Expropriado respondeu, por carta datada de 19/09/2007, pugnando pela realização de uma nova avaliação da fração expropriada e pela atribuição de uma indemnização adicional.

  x) - Por ofício datado de 10/10/2007, a Entidade Expropriante notificou o Expropriado para proceder à indicação do seu árbitro.

  xi) - Por carta datada de 20/10/2007, o Expropriado respondeu à Entidade Expropriante, por intermédio do seu procurador, defendendo que o procedimento expropriativo estaria suspenso e que o mesmo se encontrava inquinado por inúmeras irregularidades.

  xii) - Entretanto, foi suspenso o procedimento tendente à presente expropriação, por efeito da providência cautelar, da qual era requerente o aqui Expropriado, que foi decretada no âmbito do processo n.º 1312/05.2BEBRG, por via da qual foram suspensos os atos administrativos declarativos da respetiva utilidade pública;

  xiii) - A referida decisão foi confirmada pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 30/10/2008;

  xiv - Entretanto, a ação administrativa especial tramitada a título principal da providência cautelar, que corre os seus termos sob o n.º 1333/05.2BEBRG, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga e na qual é autor o aqui Expropriado, foi sendo julgada sucessivamente improcedente por todas as instâncias da jurisdição administrativa, designadamente por acórdão datado de 13/05/2011, confirmado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, por via de acórdão proferido em 14/12/2012 e confirmado ainda por acórdão proferido em 18/12/ 2013, pelo STA, o qual ainda não transitou em julgado por força da interposição de recurso, com efeito suspensivo, para o Tribunal Constitucional.

  xv) - Em abril de 2014, a Entidade Expropriante requereu ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a revogação da providência cautelar anteriormente decretada, tendo tal pretensão sido julgada improcedente pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, por sentença datada de 15/07/2014.

  xvi) - A decisão em causa foi revogada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 06/11/2014, que concedeu provimento ao recurso interposto pela entidade Expropriante e procedeu à revogação da providência cautelar anteriormente decretada.

 xvii) - Por ofício datado de 04/12/2014, a entidade Expropriante notificou o Expropriado de que iria retomar o processo de expropriação da fração XA.

  xviii) - Por ofício datado de 19/12/2015, o Expropriado foi noti-ficado para proceder à indicação de um árbitro para integrar a comis-são que procederia à arbitragem relativa à fração XA.

  xix) - Não tendo o identificado Expropriado procedido à indicação do seu árbitro, dentro do prazo estabelecido para o efeito, por ofício datado de 12/01/2015, a entidade Expropriante requereu ao Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães que, nos termos legais, procedesse à respetiva nomeação;

  xx) -  Por ofício datado de 14/01/2015, o Juiz Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães procedeu à nomeação de um perito da lista oficial.

  xxi) - Encontrando-se constituída a comissão arbitral em causa, por ofício datado de 06/02/2015, o Expropriado foi notificado da sua composição, tendo ainda sido notificado para a apresentação dos respetivos quesitos.

  xxii) - Não tendo o Expropriado procedido à apresentação de que-sitos, em março de 2015, foi elaborado o acórdão arbitral relativo à fração XA, ora recorrido, que fixou um quantum indemnizatório no valor de € 120.565,88.


    Dos autos colhe-se ainda que, nos termos do despacho judicial de fls. 158, datado de 10/04/2015, foi decretada a adjudicação à entidade expropriante a propriedade da fração ... objeto da expropriação em referência, na sequência do que foram as partes notificados, nos termos do art.º 51.º, n.º 5, do CE.

Deste universo circunstancial resulta que, não obstante o procedimento expropriativo remontar a 2006, o certo é a originária declaração de expropriação por utilidade pública foi renovada por despacho ministerial de de 03/08/2007, publicado no Diário da República, II Série, n.º 162, de 23/ 08/2007.

Na sequência disso, após vicissitudes várias, incluindo a suspensão do referido procedimento entre 2007 e 2014, só em 04/12/2014 é que a entidade expropriante notificou o expropriado de que iria retomar o processo de expropriação da fração XA, tendo o expropriado sido notificado para proceder à indicação de um árbitro para integrar a comissão que procederia à arbitragem relativa à fração ....

Subsequentemente, foi constituída a comissão arbitral, sem que o expropriado tivesse indicado o respetivo árbitro, conforme ofício datado de 06/02/2015 a notificar aquele dessa constituição e para apresentar os respetivos quesitos, após o que, sem que o mesmo expropriado os tivesse apresentado, foi proferido, em março de 2015, o acórdão arbitral, em março de 2015, a fixar a indemnização de € 120.565,88 para a fração em expropriada.

Decretada a adjudicação da propriedade da sobredita fração à expropriante por decisão de 10/04/2015, o expropriado interpôs recurso do acórdão arbitral, em 25/05/2015 (fls. 194), no âmbito do qual arguiu irregularidades, ilegalidade e desconformidade do processo de expropriação, suscitou a necessidade de suspensão da instância com fundamento em prejudicialidade, pedindo que se aguardasse o trânsito em julgado da decisão a proferir em sede ação intentada no foro administrativo, sustentando, por fim, que a fração expropriada tem o valor de € 271.302,50 e que naquela indemnização fossem considerada as obras de beneficiação levadas a cabo no imóvel, no montante de € 45.000,00, o custo da mudança no valor de € 4.300,00 e o custo da instalação, no valor de € 3.600,00, a ser atualizados de acordo com a lei.

O referido recurso foi julgado parcialmente procedente com a fixação de uma indemnização no valor de € 208.065,72, atualizável nos termos do AUJ do STJ n.º 7/2001 de 12-07-2001, conforme sentença proferida pelo tribunal da 1.ª instância de 03/03/2017

Tendo ambas as partes recorrido dessa decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães, foi o recurso interposto pelo expropriado julgado totalmente improcedente e o interposto pela entidade expropriante apenas julgado procedente quanto à invocada correção de um erro de cálculo, fixando-se, em virtude disso, a indemnização no valor de € 204.465,72, atualizável nos termos do AUJ do STJ n.º 7/2001 de 12/07/2001, conforme o acórdão ora recorrido, aprovado por unanimidade, datado de 11/07/2017.


Ante o quadro evolutivo acima retratado, afigura-se que, diversamente do que sustenta o recorrente, se deve considerar o presente processo de expropriação litigiosa iniciado em 2015 ou, porventura no limite, nunca antes de 2014, sendo-lhe aplicável o regime recursal constante do CPC na versão dada pela Lei n.º 41/2013, de 16/06, em vigor desde 01/09/2013.

  Por sua vez, considerando que a expropriação aqui em referência respeita à declaração de utilidade pública renovada em 2007, é-lhe aplicável o regime constante do Código das Expropriações (CE) aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18-9, alterado pelas Leis n.º 13/2002, de 19-02, e n.º 4-A/2003, de 19-02 (CE/99).

2. Enquadramento preliminar sobre o cabimento da revista

O n.º 5 do artigo 66.º do citado CE/99 preceitua que:

   Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida.         

       Nesta base, sustenta o Recorrente, em primeira linha, a admissibilidade da revista, em termos gerais, considerando que as questões aqui suscitadas não respeitam à fixação do valor da indemnização arbitrada pelas instâncias, em relação às quais não se verificaria a ocorrência da dupla conforme.

       Porém, subsidiariamente, invoca, em relação a tais questões, o fundamento especial de contradição jurisprudencial a coberto do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC.

E ainda, para o caso de se entender que ocorre dupla conforme, convoca o regime da revista excecional, ao abrigo do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, afirmando que, por esta via, se visa alcançar a boa solução jurisprudencial, a certeza na aplicação do direito e promover uma coerência interpretativa.

Vejamos se e em que medida lhe assiste razão nesse particular da admissibilidade da revista.  

       

      Em face do normativo acima transcrito, hoje não sofre dúvida de que não cabe revista do acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização devida em sede de expropriação por utilidade pública, salvo nos casos em que em que a mesma seja sempre admissível, como sucede nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 629.º do CPC.  

      A razão de ser dessa limitação recursória prende-se com o facto de tal fixação passar por três níveis de decisão – acórdão arbitral, decisão em sede de recurso para o tribunal judicial da 1.ª instância e acórdão da Relação -, não se justificando assim um 4.º grau de jurisdição.

     Além disso, tem-se vindo a entender que a referida restrição compreende também a impugnabilidade de decisões interlocutórias ou de questões respeitantes a vícios formais ou substanciais dessa decisão de fixação da indemnização, como questões menores que são no confronto com esta, conforme foi considerado nos acórdãos deste Supremo de 25/02/2003, 13/10/ 2011, 24/04/2014 e de 18/09/2014, proferidos, respetivamente, nos processos n.º 02A4378, n.º 6496/08.5TBMAL.P1.S1, n.º 48/ 07.4TBLLE.E2.S1 e n.º 1100/11.7TBCHV-B.P1.S1[1].       

    No caso presente, o expropriado e ora recorrente, tendo sido notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 51.º, n.º 5, com referência ao artigo 52.º do CE, interpôs recurso do acórdão arbitral, conforme alegações de fls. 164-189, em que, além de arguir irregularidades, ilegalidade e desconformidade do processo de expropriação, no que aqui interessa:

a) – invocou a caducidade da declaração de expropriação por utilidade pública publicada em 16/08/2005, por não ter sido promovida a constituição de arbitragem no prazo de um ano a contar dessa data nem a remessa do processo ao tribunal no prazo de 18 meses, nos ter-mos do 13.º, n.º 3, do CE;

b) – e sustentou, por fim, que a fração expropriada tem o valor de € 271.302,50, pugnando para que naquela indemnização fossem consideradas as obras de beneficiação levadas a cabo no imóvel, no montante de € 45.000,00, o custo da mudança no valor de € 4.300,00 e o custo da instalação, no valor de € 3.600,00, a ser atualizados de acordo com a lei.

Na apreciação dessas duas questões, o tribunal da 1.ª instância considerou:

i) – quanto à questão da caducidade, que se tratava de matéria da esfera da jurisdição administrativa, para cujo conhecimento o tribu-nal judicial era materialmente incompetente;   

ii) – relativamente às benfeitorias realizadas pelo expropriado na fração, que o valor destas se encontrava já englobado no valor atribuído àquela fração pelos peritos e que, no tocante às despesas, se mostrava equitativo atribuir ao expropriado a indemnização de € 3.600,00.


     No recurso interposto pelo expropriado para a Relação, veio este, além do mais:

a) - arguir, a omissão de pronúncia do tribunal da 1.ª instância quanto à invocada caducidade, sustentando que compete ao tribunal judicial conhecer dela;

b) – impugnar o decidido em sede de benfeitorias, pugnando pelo seu atendimento no valor de € 45.000,00.


    Sobre tais questões, o Tribunal da Relação, quanto à questão da caducidade, considerou que o tribunal da 1.ª instância não tinha deixado de conhecer dela. Porém, acrescentou, em resumo, que o tribunal competente para a decisão arbitral era também competente para conhecer dessa questão, nos termos do artigo 13.º, n.º 4, do CE, só que o recurso da decisão arbitral não era o meio idóneo e oportuno para o expropriado suscitar tal questão, devendo tê-lo feito em termos dela poder ser apreciada em sede do despacho de adjudicação, tanto mais que não se trata de questão que seja de conhecimento oficioso;         

    E, quanto à questão das benfeitorias, julgou improcedente a argumentação do recorrente.  

        

    É sobre tais segmentos decisórios que o expropriado vem agora pedir revista, como já foi dito, nos seguintes moldes:

- Em primeira linha, em termos gerais, por considerar que se trata de questões não alcançadas pela irrecorribilidade prescrita no art.º 66.º, n.º 5, do CE, dado não respeitarem à fixação do valor da indemnização arbitrada pelas instâncias, em relação às quais não se verificaria a ocorrência da dupla conforme;  

- Para o caso de se entender que ocorre dupla conforme, a título de revista excecional, ao abrigo do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, afirmando que, por esta via, se visa alcançar a boa solução jurisprudencial, a certeza na aplicação do direito e promover uma coerência interpretativa;

- Subsidiariamente, com o fundamento especial de contradição jurisprudencial a coberto do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC.

    Ora, no que respeita à questão da caducidade da declaração de expropriação por utilidade pública, a coberto do disposto no artigo 13.º, n.º 3 e 4, do CE, estamos perante uma questão sujeita a invocação do expropriado ou de qualquer outro interessado, a deduzir perante o tribunal competente para conhecer da decisão arbitral, e que visa provocar a extinção da concreta relação jurídica expropriativa por falta de promoção da arbitragem ou da sua subsequente judicialização, por parte da entidade expropriante, nos prazos legalmente estabelecidos, obstando, desse modo, à própria adjudicação judicial da parcela expropriada prevista no artigo 51.º, n.º 5, do CE.

    Nessa medida, trata-se de questão e vicissitude processual autónomas em relação à própria decisão arbitral, tanto mais que pode ocorrer em situações em que nem sequer tenha sido promovida a arbitragem, não obstante o seu efeito preclusivo de subsequente promoção desta ou da subsistência de arbitragem já realizada sem remessa do processo ao tribunal.    

     Por outro lado, a declaração de caducidade deve ser requerida, em primeira linha, perante o próprio tribunal da 1.ª instância, não se justificando assim a supressão do 3.º grau de jurisdição.

Nessa conformidade, não se afigura lícito considerar a decisão judicial proferida sobre a pretensão de sobredita declaração de caducidade meramente instrumental da decisão arbitral mormente para efeitos de lhe aplicar a norma de irrecorribilidade prescrita na 2.ª parte do n.º 5 do art.º 66.º do CE, ficando, portanto, sujeita aos termos gerais de admissibilidade da revista, o que importa agora definir.

        

Ora o referido segmento decisório do acórdão recorrido, ao rejeitar o conhecimento da invocada caducidade por considerar tal questão deduzida por meio processualmente inidóneo e inoportuno, não conheceu do mérito da causa nem se traduz em decisão que ponha termo ao processo em moldes equiparáveis às situações previstas no artigo 671.º, n.º 1, do CPC.    

    Estamos antes, quanto a tal segmento, perante um acórdão da Relação que, nessa parte, apreciou uma decisão interlocutória da 1.ª instância que recaiu unicamente sobre a relação processual, pelo que só pode ser objeto de revista nos termos do n.º 2 do citado artigo 671.º, mais especificamente nos casos em que o recurso seja sempre admissível, como são os casos previstos no artigo 629.º, n.º 2, do CPC.

     Assim sendo, a revista, nesta parte, não tem cabimento em termos gerais - não o tendo também, por isso, em sede de revista excecional -, mas apenas no caso de se verificar o fundamento especial de contradição jurisprudencial invocado pelo Recorrente, a coberto do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), ex vi do art.º 671.º, n.º 2, alínea a), e ainda da alínea b) deste n.º 2, ambos do CPC.  

    Relativamente à questão das benfeitorias, afigura-se óbvio que a decisão recorrida versa, nesta parte, sobre questão inerente à fixação da indemnização que, como tal, está subtraída ao recurso de revista, nos termos da 2.ª parte do n.º 5 do artigo 66.º do CE, só sendo admissível caso se verifique a invocada contradição jurisprudencial.

       

   Aqui chegados, importa ajuizar sobre a verificação dos fundamentos de contradição jurisprudencial invocados pelo Recorrente.

3. Verificação da invocada contradição jurisprudencial

3.1. Critério de aferição

Como já acima ficou dito, dos segmentos decisórios aqui impugnados não cabe revista nos termos gerais ou comuns: quanto à questão da caducidade, por força do artigo 671.º, n.º 2, do CPC; quanto à questão das benfeitorias, por virtude do preceituado no artigo 66.º, n.º 5, do CE.

Resta agora verificar se a revista tem cabimento com base nos fundamentos especiais de contradição jurisprudencial convocados pelo Recorrente, a coberto do  629.º, n.º 2, alínea d), do CPC.

Nos termos daquele normativo, há sempre lugar a recurso:

Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

Por sua vez, relativamente a esses casos, o n.º 2 do art.º 637.º do citado Código exige que, no requerimento de interposição do recurso, o recorrente indique o fundamento específico de recorribilidade e que, quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junte obrigatoriamente, sob pena de imediata rejei-ção, cópia, ainda que não certificada, do acórdão-fundamento.

De referir que esta possibilidade especial de recurso de revista tem por finalidade obstar à persistência e até proliferação de contradições jurisprudenciais em ações insuscetíveis do recurso de revista nos termos gerais, desde que verificados determinados pressupostos ou requisitos. 

  Com efeito, na esteira da jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal[2], a admissibilidade de revista, ao abrigo da disposição transcrita, implica a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

i) – a existência de, pelo menos, dois acórdãos da mesma ou diferente Relação em oposição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito fundamental, tendo por objeto idêntico núcleo factual, ali versados;  

ii) – a anterioridade do acórdão-fundamento, já transitado em julgado;

iii) – o não cabimento de recurso ordinário impugnativo do acórdão recorrido por motivo alheio à alçada;

iv) – a não abrangência da questão fundamental de direito por jurisprudência anteriormente uniformizada pelo STJ.

    De destacar que, relativamente ao requisito enunciado em i), importa que a alegada oposição de acórdãos se inscreva no âmbito da mesma legislação, no sentido de que as decisões em confronto tenham convocado um quadro normativo ou regras de conteúdo e alcance substancialmente idênticos, ainda que porventura incluídos em dispositivos legais distintos[3].  

    Por sua vez, tal oposição tem de incidir sobre a mesma questão de direito fundamental, o que pressupõe que as decisões em confronto tenham subjacente um núcleo factual idêntico ou coincidente, na perspetiva das normas ali diversamente interpretadas e aplicadas[4].

    Para tanto, a oposição deve revelar-se frontal nas decisões em equação, que não implícita ou pressuposta, muito embora não se mostre necessária a verificação de uma contradição absoluta, não relevando a argumentação meramente acessória ou lateral (obiter dicta)[5]. Essa oposição só é relevante quando se inscreva no plano das próprias decisões em confronto e não apenas entre uma decisão e a fundamentação de outra, ainda que as respetivas fundamentações sejam pertinentes para ajuizar sobre o alcance do julgado, como, aliás, se considerou no acórdão do STJ, de 17/02/2009, proferido no processo 08A3761 JSTJ000[6].

        

     Posto isto, debrucemo-nos sobre as invocadas contradições jurisprudenciais em relação a cada um dos segmentos decisórios aqui impugnados.

        3.2. Quanto à questão da caducidade.  

           

     Neste capítulo, o Recorrente alega que o segmento do acórdão recorrido sobre a questão da caducidade/incompetência material, além de afetado do vício de excesso de pronúncia, está em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07/07/2005, proferido no processo n.º 053469, conforme cópia junta a fls. 955-960, considerando que, neste ares-to, foi seguido entendimento diametralmente oposto ao do acórdão recorrido, por ali (no acórdão-fundamento) se ter considerado que o tribunal comum é materialmente competente para apreciar a caducidade da DUP/ RDUP, ao invés do entendimento seguido no acórdão recorrido no sentido de que o tribunal foi considerado materialmente incompetente para apreciar essa questão.     


   Desde logo, convém dilucidar que o invocado vício de excesso de pronúncia, salvo o devido respeito, não tem assento em qualquer base legal.

     Com efeito, o tribunal da 1.ª instância recusou conhecer da questão da pretendida declaração de caducidade por considerar que era incompetente para tal em razão da matéria, para o que seria competente a jurisdição administrativa.

      Por sua vez, o Tribunal da Relação, apreciando a impugnação do expropriado ali apelante, reconheceu, de forma bem explícita, que o tribunal competente para conhecer do recurso da decisão arbitral era também competente para conhecer da caducidade da declaração de utilidade pública, nos termos do artigo 13.º, n.º 4, do CE.

     Não obstante isso, considerou, na linha de jurisprudência e doutrina ali citadas, que a referida questão de caducidade não fora suscitada pelo expropriado através do meio processual idóneo e oportuno em termos de ser apreciada no âmbito da decisão de adjudicação da parcela expropriada, e que não seria, como foi, em sede do recurso da decisão arbitral.

     Significa isto que o Tribunal da Relação, apesar de não sufragar o fundamento da 1.ª instância sobre a questão da caducidade, concluiu ainda assim pelo não conhecimento desta questão com base na inidoneidade e intempestividade do meio impugnativo utilizado, fundamentos estes que são claramente de conhecimento oficioso, não dependentes portanto da invocação das partes, e que àquele tribunal de recurso competia conhecer, segundo a regra da substituição, nos termos conjugados dos artigos 608.º, n.º 2, aplicável por via do artigo 663.º, n.º 2, e 665.º, n.º 2, do CPC.      

    Mostrando-se assim lícita uma tal convolação, é nessa base que se tem de ponderar a invocada contradição jurisprudencial.

        

     Ora o entendimento seguido no acórdão-fundamento em referência, segundo a própria tese do Recorrente, foi precisamente o mesmo do perfilhado no acórdão recorrido, ou seja, o de que o tribunal comum é o competente para conhecer da declaração de utilidade pública da expropriação.

     Já relativamente ao meio impugnativo pelo qual deve ser suscitada a declaração de caducidade pelo expropriado e à oportunidade de o fazer, o acórdão-fundamento não se mostra explícito, nem o Recorrente sequer procura caracterizar a pretensa contradição nessa base.

      Nesse particular, do acórdão-fundamento consta apenas o seguinte:

 «Conclusos os autos para ser proferida sentença fixando a indemnização (art.º 64.º, n.º 1, do C.Exp./91), surge o conhecimento das excepções que haviam sido alegadas aquando das alegações dos recursos da decisão arbitral, declarando-se a caducidade da declaração de utilidade pública por se ter entendido que a notificação aos expropriados pela expropriante da designação dos árbitros [art. 45.º, a)], efectuada a 2 de Janeiro de 2001, o foi para além do prazo fixado no art.º 10.º, n.º 3 (não tiver promovido a constituição de arbitragem no prazo de um ano a contar da DUP).

   Insurge-se a expropriante contra o assim decidido, pugnando pela improcedência da excepção invocada.

   Com inteira razão, a nosso ver e por várias razões.

    A propósito dessas razões, o acórdão-fundamento cita o sumário do acórdão da Relação do Porto, de 6/5/96 proferido no processo n.º 386/96, donde consta, no que aqui interessa, o seguinte:

«III – Na expropriação, a caducidade reporta-se ao processo expropriativo na fase que antecede a transferência, quer suscitando a questão perante o tribunal, quer face à administração e como sanção para a morosidade do processo expropriativo.

 IV – Se o bem expropriado já foi adjudicado à expropriante já não pode ter lugar a caducidade e apenas poderá haver lugar à reversão se se verificarem os pressupostos.»

     É certo que o acórdão-fundamento, no quadro alegatório ali descrito, acabou por julgar improcedente a exceção de caducidade, não obstante o ponto iv) do sumário citado, mas não é menos certo que não se pronunciou de forma explícita sobre o meio impugnativo pelo qual deve o expropriado suscitar a questão da caducidade e a oportunidade de o fazer.

   Nestas circunstâncias, face ao critério exposto no ponto precedente e considerando que nem o próprio Recorrente caracteriza a invocada contradição jurisprudencial no exato plano em que a questão foi julgada pelo acórdão recorrido – no sentido da inidoneidade e intempestividade do meio impugnativo utilizado pelo expropriado -, não resta senão concluir pela não verificação da invocada contradição entre o acórdão-fundamento e o acórdão recorrido, nos termos e para os efeitos do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC.                  

Termos em que é vedado a este Supremo conhecer do objeto da revista no respeitante à questão da caducidade decidida pela Relação e aqui impugnada.


   3.3. Quanto à questão das benfeitorias


Como acima ficou relatado, o tribunal da 1.ª instância desatendeu a pretensão recursória do expropriado no sentido de fazer acrescer à indemnização pela parcela em causa o valor de benfeitorias nela realizadas no valor de € 45.000,00, por considerar que o valor delas já se encontrava englobado no valor atribuído pelos peritos.


De referir que, relativamente às referidas benfeitorias, do ponto 3.22 dos factos provados consta que:

«O expropriado realizou na fração identificada nos autos obras diversas com vista ao melhoramento da mesma, as quais não são amovíveis, suportando o respectivo custo, em valor não concretamente apurado, designadamente: tecto rebocado; canalização nova; piso substituído com madeira e alcatifa na sala e quartos; portas em madeira (2m x 0.80 x 3,5); portas com vidros (2m x 0,80 x 3,5); armários roupeiros feitos por medida (2,50 x 140 x 0.60); móvel de sala com estantes feito por medida (2,50 x 150 x 0,60); móvel de corredor feito por medida (2,00 x 0,60); louças e casas de banho completas; piso das casas de banho substituídos; cozinha e móvel de cozinha feitos por medida; chão e paredes da cozinha em ladrilho e tijoleira.»

Tendo o mesmo expropriante reiterado tal pretensão em sede do recurso de apelação, tal foi também desatendido pela Relação nos seguintes termos:

«Fundamentando que a factualidade descrita no ponto 3.9 [rectius 3.22] dos factos provados consubstancia uma benfeitoria, pretende o Expropriado que lhe seja paga a indemnização correspondente, a qual quantifica em € 45,000.00.

O artº. 216º., do Código Civil (C.C.) define benfeitorias como sendo “todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa”.

O Prof. Vaz Serra escreveu que a benfeitoria “consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico”, sendo uma despesa feita “para a conservação ou melhoramento da coisa, que, assim, não é alterada na sua substância” (in Revista de Legislação e Jurisprudª., ano 108, nº. 3554, pág. 266).

São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa.

As benfeitorias úteis são as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam, todavia, o valor.

Como refere o Prof. Manuel de Andrade, as benfeitorias úteis, “apesar de dispensáveis, todavia aumentam o valor objectivo da coisa, que é o valor venal, o valor que a coisa tem no comércio e que pode realizar-se com a sua alienação” (in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. I, pág. 273 a 275).

As benfeitorias voluptuárias são as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante, são as que aumentam “o valor subjectivo (“hoc sensu”) da coisa, enquanto servem apenas para gozo ou regalo de quem as faz”, nos dizeres daquele Ilustre Civilista.

Às obras descritas em 3.9, na medida em que melhoram a fracção cabem no conceito de benfeitoria.

Sem embargo, o critério seguido pelos peritos, incluindo o perito indicado pelo expropriado, foi o de englobar esse valor no valor do preço do metro quadrado (ver resposta ao quesito 28º fls. 413 destes autos).

Deste modo, atribuindo um valor autónomo às referidas benfeitorias estar-se-ia a sobrevalorizar o valor da fracção extravasando, em igual medida da sobrevalorização, o conceito de “justa indemnização”.

Acresce referir que tendo o possuidor o gozo da coisa, cabe-lhe, como é natural, a faculdade de nela fazer benfeitorias, que são alterações – conservações/ melhoramentos – trazidos à coisa, enfim, benefícios de que o possuidor, se e enquanto continuar no gozo da coisa, é o primeiro a colher/gozar as respectivas vantagens e utilidades.

Significa isto – continuando o possuidor no gozo da coisa, após a realização das benfeitorias, anos a fios (como será o caso dos autos) – que até pode dar-se o caso, no limite, de ter sido ele a esgotar/exaurir a totalidade das vantagens e utilidades das benfeitorias por si efectuadas.

Em tal hipótese, mantendo-se a coisa sobre o seu domínio anos a fio, mal andaria o direito – seria até um pouco “torto” – se viesse a consagrar como solução a obrigação do titular/proprietário reembolsar todos os gastos feitos com benfeitorias, ainda que feitos há 15 ou 10 ou 5 anos, ainda que respeitantes a conservações e melhoramentos que, entretanto, com o passar/erosão/desgaste dos anos e da utilização/gozo por parte do possuidor, tivessem perdido todo ou a maior parte do seu valor.

Também, pois, quanto a esta parte não pode ser concedido provimento à pretensão deduzida pelo Expropriado.

E este modo de ver nada tem de inconstitucional.

Inconstitucional seria, por violação dos princípios da igualdade e da justa indemnização (artigos 13.º e 62.º da CRP) valorizar a fracção expropriada com base em critérios legalmente inaptos, como seria o caso de se aceitar aquele que são sugeridos pelo Apelante/ expropriado.

De modo que se julga improcedente esta argumentação.»


Vem o Recorrente alegar que o assim julgado está em contradição com o decidido nos seguintes arestos:

- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, n.º 25/10. 8TBAMM.C1, de 30/06/2015;   

- Acórdão da Relação de Coimbra, n.º 1631/09.9TBVIS. C1, de 20/06/2012, conforme cópia junta a fls. 961-970; cuja decisão foi no sentido de que impõe-se que o tribunal de recurso considere deficientes as respostas dadas em tal relatório, assim se devendo anular, parcialmente, o referido laudo pericial, nos termos do art. 712.º, n.º 4, do CPC (actual artigo 662.º do CPC) e, se o tribunal a quo tiver deixado de apurar elementos relevantes para o cálculo do valor de indemnização da parcela expropriada, deverá ser ordenada a ampliação da matéria de facto, nos termos do mesmo artigo e número do CPC.

- Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, 30/01/1992, publicado na Colectânea de Jurisprudência – Coimbra "Expropriações por Utilidade Pública 1976-2006" – Ed. Associação de Solidariedade Social "Casa do Juiz", 2007, págs. 19 a 22, conforme cópia junta a fls. 971-974, segundo o qual "...deve ser anulado todo o processado posterior à peritagem, a fim do julgador ordenar as diligências instrutórias que entender úteis à boa decisão da causa, designadamente uma avaliação pericial complementar, com vista ao suprimento das mencionadas insuficiências.”


Dos excertos transcritos extraídos dos acórdãos da Relação de Coimbra de 20/06/2012 e da Relação de Évora de 30/01/1992, o que consta é a determinação da ampliação da matéria de facto com vista a apurar elementos relevantes para o cálculo do valor indemnizatório da parcela expropriada, em face de deficiências do relatório pericial.

Quanto ao citado acórdão da Relação de Coimbra, de 30/06/2015, o Recorrente, além de não juntar sequer cópia do mesmo, nem tão pouco identifica o critério decisório que ali terá sido adotado em termos de permitir relacioná-lo com o decidido no acórdão recorrido.

Seja como for, o que no acórdão recorrido se considerou, fundamentalmente, foi que as obras descritas no ponto 3.22 dos factos provados, na medida em que melhoram a fração, cabem no conceito de benfeitoria e que o critério seguido pelos peritos, incluindo o perito indicado pelo expropriado, foi o de englobar esse valor no valor do preço do metro quadrado.

Nessa base, concluiu-se que, atribuindo um valor autónomo às referidas benfeitorias, estar-se-ia a sobrevalorizar o valor da fração extravasando, em igual medida da sobrevalorização, o conceito de “justa indemnização”.

Perante o assim julgado, não se divisa como se possa colocar sequer a necessidade de ampliação da matéria de facto, não se verificando tão pouco, nessa medida, qualquer contradição relevante com o critério decisório adotado nos acórdãos-fundamento convocados.

  Em suma, o segmento decisório do acórdão recorrido, ao considerar que o valor das benfeitorias se encontrava já englobado no valor atribuído à fração expropriada pelos peritos, incluindo o perito do expropriado, em nada colide com o decidido nos acórdãos-fundamento convocados, muito menos nos termos e para os efeitos do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC.

   Termos em que também aqui é vedado a este Supremo conhecer do objeto da revista.  

   

4. Quanto às nulidades do acórdão recorrido invocadas acessoriamente com fundamento em excesso de pronúncia


Tendo-se chegado, como se chegou, nos pontos precedentes à conclusão de não se tomar conhecimento do objeto da revista por se considerar não verificados os fundamentos especiais invocados pelo Recorrente da alegada contradição jurisprudencial, prejudicado fica o conhecimento por este Supremo Tribunal das nulidades do acórdão recorrido acessoriamente arguidas, como decorre do disposto no artigo 617.º, n.º 5, do CPC.

Com efeito, a arguição dessas nulidades só é admissível por via recursória, nos termos do artigo 615.º, n.º 4, do CPC, quando caiba recurso ordinário do acórdão impugnado, o que não acontece quando esse recurso não tenha cabimento, como sucede no caso presente, sem prejuízo de essas nulidades serem ainda apreciadas pelo tribunal a quo, após a baixa dos autos.

Porém, como o Tribunal da Relação já se pronunciou no sentido da improcedência de tais nulidades, conforme acórdão de fls. 1082-1084/v.º, datado de 25/01/2018, torna-se desnecessária à baixa dos autos à Relação.


III – Decisão


Pelo exposto, acorda-se em não tomar conhecimento do objeto da revista, tendo-se, por isso, também prejudicado o conhecimento das arguidas nulidades do acórdão recorrido

As custas do recurso ficam a cargo do Recorrente.  


Lisboa, 7 de junho de 2018


Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching  

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[1] Todos acessíveis na Internet http://www.dgsi.pt/jstj.
[2] Vide, por todos, o acórdão do STJ, de 20/11/2014, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Granja da Fonseca, no processo 7382/07.1TBVNG.P1.S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj. 
[3]  Este propósito, vide Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª Edição, 2008, p.116; e ainda o AUJ do STJ, de 14/05/1996, publicado no DR n.º 144/96, Série II, de 24/06/1996.   
[4] Vide Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, Almedina, 8.ª Edição, 2008, p.116; e ainda o acórdão do STJ, de 04-05-2010, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Sebastião Póvoas, no processo 3272/04.8TBVISC.1.S1, in CJSTJ, Tomo III, p. 63 e também disponível na Internet http://www.dgsi. pt/jstj
[5] Neste sentido, vide Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2.ª Edição, 2014, pp.46-47.
[6] Acórdão relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Salazar Casanova, publicado na CJSTJ, Tomo I, p. 102 e disponível na Internet http://www.dgsi. pt/jstj.