Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
612/15.8T8CBR-N.C1-A.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: PROCESSO URGENTE
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR – CARÁCTER URGENTE DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA E PUBLICAÇÕES OBRIGATÓRIAS –EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS PROCESSUAIS / EFEITOS SOBRE AS ACÇÕES PENDENTES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / REVELIA DO RÉU / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CRIRE): - ARTIGOS 9.º E 85.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 567.º E 641.º, N.º 2, ALÍNEA A).
LEI DA ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LOSJ): - ARTIGO 128.º, N.ºS 1, ALÍNEA A) E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 09-07-2014, RELATOR PINTO DE ALMEIDA.
Sumário :

I Tendo a 1.ª instância determinado a apensação dos autos ao processo de insolvência, não se poderia, a partir de então e pese embora tenha anteriormente sido afirmado que se tratava de processo comum, suscitar dúvidas sobre o cariz urgente do processo (art. 9.º do CIRE), pelo que, limitando-se a recorrente a reafirmar posição diversa, é de confirmar o despacho do relator que concluiu pela inadmissibilidade da revista.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

A MASSA INSOLVENTE DE AA, LDA vem reclamar para a conferência do despacho que indeferiu a sua reclamação, deduzida nos termos do art. 643º do CPC, da decisão que não admitiu o recurso de revista interposto pela reclamante.

No essencial, a reclamante sustenta que a decisão reclamada vem sancionar a violação do caso julgado intraprocessual, uma vez que a questão da urgência ficou definitivamente decidida quando o juiz da 1ª instância o declarou comum e essa decisão não foi posta em causa.

A parte contrária respondeu, pugnando pela improcedência da reclamação.

Cumpre decidir.

O despacho reclamado é deste teor:

"A MASSA INSOLVENTE DE AA, LDA vem reclamar, nos termos do art. 643º do CPC, do despacho que não admitiu o recurso de revista que o mesmo interpôs do Acórdão da Relação de Coimbra de 29.01.2019, certificado a fls. 14 e segs.

No despacho reclamado teve-se em conta informação prestada pela Secretaria de que havia decorrido o respectivo prazo, considerando o disposto no art. 9º, nº 1, do CIRE:

Em face da informação supra, não admito o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, por extemporâneo.

Notifique.

A reclamante assenta o seu requerimento, no essencial, em três razões:

- Foi violado o princípio do contraditório, porquanto não foi ouvida previamente sobre a extemporaneidade do recurso, o que impediu que sobre ela se pudesse pronunciar;

- Foi violado o caso julgado, por ter sido decidido, na fase dos articulados da acção, que esta consubstanciava uma acção de processo comum não urgente;

- Apesar de a reclamante aceitar que os autos deveriam ser processados como processo urgente, o certo é que assim não se considerou, continuando a ser tratados como acção comum não urgente; tal facto não decorreu de qualquer lapso da Secretaria, uma vez que se verificou na sequência do referido despacho, criando a expectativa e a convicção de que assim continuaria a suceder.

Não foi apresentada resposta.

Cumpre decidir.

Afigura-se-nos, com o devido respeito, que estas razões não procedem.

Com efeito, tendo sido considerado que o recurso era extemporâneo, a decisão que, de imediato, deveria ter sido tomada era, obviamente, a de indeferimento desse recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al. a), do CPC. Não faria sentido que, para decidir, tivesse de ser ouvido previamente o recorrente, tratando-se de situação diferente da prevista no art. 655º do mesmo diploma: nesta, justifica-se que sejam ouvidas as partes por se projectar tomar decisão diferente da que foi anteriormente proferida sobre a possibilidade de conhecimento do objecto do recurso, contrariando, no fundo, a decisão anterior sobre a admissibilidade deste.

Repare-se que a questão da admissibilidade do recurso e, designadamente, a sua tempestividade, foi abordada pela recorrente nas suas alegações, não podendo, portanto, ter-se por inesperada a decisão que apreciou essa questão e a resolveu, embora em sentido diferente. E menos inesperada será se puder entender-se, como a recorrente diz que entende, que o processo é urgente.

Acresce, de todo o modo, que não ficou precludido definitivamente o direito da recorrente, como se vê pela presente reclamação.

Também nos parece que não existe caso julgado formal – art. 620º do CPC – constituído pela decisão que, na fase dos articulados, se pronunciou sobre a natureza da acção, considerando-a como acção de processo comum não urgente.

É que, entretanto, tal entendimento foi contrariado pela sentença que veio a ser proferida, que julgou o tribunal de comércio materialmente competente, justamente por se considerar que a acção deveria correr termos por apenso ao processo de insolvência da autora, com fundamento no art. 85º, nº 1, do CIRE.

Coerentemente, a partir daí, não deveriam, razoavelmente, colocar-se dúvidas sobre a natureza urgente da acção, como apenso do processo de insolvência, nos termos do art. 9º do CIRE.

Sobre as expectativas da recorrente e a violação da boa fé processual e da confiança das partes:

A presente situação parece-nos bem distinta da que foi apreciada no Acórdão do STJ de 09.07.2014 (relatado, aliás, pelo ora relator), invocado pela reclamante: no caso deste acórdão, estava em causa uma acção muito antiga (1996) que foi apensada a processo de insolvência (2006), mas que, apesar disso, não sofreu no período subsequente (mais de 6 anos) qualquer alteração na sua tramitação, tudo continuando a fazer-se como até aí, designadamente quanto a prazos, como se de uma acção normal, não urgente, se tratasse.

Nesta acção, pelo contrário, o processado na 1ª instância foi expedito (cfr. art. 567º do CPC, face à não apresentação de contestação), culminando com a sentença em que se tomou a posição já referida sobre a apensação, que constituía, aliás, pressuposto da competência material do Tribunal que a proferiu (comércio – cfr. art. 128º, nºs 1, a) e 3, da LOSJ).

Neste condicionalismo, não existiam razões, pelo menos a partir da sentença, que pudessem justificar a expectativa e a convicção de que a acção seria tratada como uma acção normal, não urgente.

Se a recorrente até entende que o processo era urgente, pensa-se que deveria ter actuado em conformidade, acautelando a observância dos prazos que correspondiam a tal natureza do processo.

Afirma a recorrente que o comportamento da Secretaria e o despacho proferido pelo Tribunal criaram na autora a expectativa de que este processo seria tramitado como se de um processo comum se tratasse. O que, de facto, sempre ocorreu.

Já vimos, porém, que, depois desse despacho, foi proferida a sentença que, pronunciando-se favoravelmente à apensação, conduz, no fundo, a entendimento diferente.

Por outro lado, os elementos que constam destes autos de reclamação não confirmam a afirmação da recorrente de que o processo sempre foi tratado como não urgente.

De todo o modo, tendo em conta os termos que se seguiram ao aludido despacho – cumprimento do art. 567º do CPC, apresentação das alegações aí previstas, prolação da sentença e interposição do recurso de apelação –, só os prazos observados nas alegações desse recurso poderiam indiciar – se foi esse o caso – o tratamento que a reclamante afirma ter sido adoptado.

Admitindo, por mera hipótese, essa situação, crê-se que, mesmo assim, esse facto isolado (que, eventualmente, só por lapso não foi controlado) não seria susceptível de criar a convicção fundada e legítima de que o processo seria sempre assim tratado, como não urgente.

Em face do exposto, indefere-se a reclamação apresentada por Massa Insolvente de AA, Lda, mantendo-se o despacho reclamado.

Custas pela reclamante.

Notifique.

Do teor da reclamação da recorrente resulta que esta não concorda com a fundamentação acabada de reproduzir, mantendo o entendimento de que a decisão da 1ª instância resolveu definitivamente a questão da urgência, declarando a acção como acção de processo comum não urgente.

Não parece que seja assim, tenho em consideração as razões que constam da referida fundamentação, que aqui se dão por reproduzidas e que justificam perfeitamente, a nosso ver, a solução adoptada de considerar a natureza urgente da acção.

Nestes termos, indefere-se a reclamação apresentada pela recorrente Massa Insolvente de AA, Lda, mantendo-se o despacho reclamado.

Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UCs.

                                            Lisboa, 04 de julho de 2019

Pinto de Almeida (Relator)

José Rainho

Graça Amaral

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[1] Proc. nº 612/15.8T8CBR-N.C1-A.S1