Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
47/11.1GBRMZ-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO CLEMENTE LIMA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
ADMISSIBILIDADE
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
DESPACHO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
DOCUMENTO
CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 10/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISÃO
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO.
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / REVISÃO / FUNDAMENTOS E ADMISSIBILIDADE DA REVISÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 56.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 449.º N.º 1 ALÍNEA D) E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 09-12-2010, PROCESSO 346/02.3TAVCD-B.P1.S1
- DE 02-04-2014, PROCESSO 159/07.6PBCTB-A.S1;
- DE 07-05-2015, PROCESSO 50/11.1PCPDL-A.S1;
- DE 20-10-2016, PROCESSO 14217/03.2TDLSB-A.S1;
- DE 17-05-2017, PROCESSO 872/06.5GCLRS-C.S1;
- DE 31-01-2019, PROCESSO 516/09.3GEALR-A.S1, DISPONÍVEIS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - No âmbito e termos do disposto no n.º 2 do art. 449.º, do CPP, o despacho que revoga a suspensão da execução da pena, por via do disposto no art. 56.º, do CP, configurando um «aggiornamento» do deciso pretérito, com apreciação (substantiva), designadamente, do incumprimento das condições da suspensão, é indissociável da primitiva (e condicionada) decisão, verificando o (contexto do) incumprimento das condições formuladas para a suspensão na sequência do esgotamento do prazo para tanto concedido.
II - Ademais, sempre configuraria uma lesão insuportável do disposto no art. 32.º, n.º 1, da CRP, se o condenado, apresentando prova cabal de que, afinal, a condição tinha sido cumprida em tempo, não pudesse prevalecer-se de uma revisão desse segmento, cujo efeito poderia evitar o cumprimento de uma pena de prisão a todos os títulos injusta.
III - A revisão não pode, porém, ser concedida, desde logo, na medida em que, como resulta do despacho sindicado, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, ao abrigo do disposto no art. 56.º, n.º 1, al. a), do CP, resultou (i) do incumprimento da injunção pecuniária fixada na sentença condenatória, (ii) da prática de outros crimes no período da suspensão, (iii) da não entrega do título de condução no prazo fixado na sentença, (iv) da declaração do arguido de que, mesmo que tivesse na sua posse o original da guia de substituição, o não entregaria ao Tribunal, e (v) da recusa em receber notificação para prestar declarações acerca das razões do incumprimento das condições da suspensão, materialidade relevada na decisão recorrida enquanto violação «grosseira ou repetida os deveres ou regras de conduta impostos» demonstrativa de que «as finalidades subjacentes à suspensão se não verificaram».
IV - Por outro lado, os factos resultantes da matéria documental oferecida pelo recorrente não podem considerar-se «novos» no âmbito de previsão da al. d) do n.º 1 do art. 449.º, do CPP, na medida em que, tendo o despacho que revogou a suspensão da pena de prisão sido prolatado a 9 de Outubro de 2018, os factos e os meios de prova em referência constavam já dos autos acessíveis por todos os sujeitos processuais desde 2014.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Nos autos de processo comum em referência, o arguido, AA, interpôs recurso extraordinário de revisão, ao abrigo do disposto no artigo 449.º n.os 1 alínea d) e 2, do Código de Processo Penal (CPP).

Nos seguintes termos:

«A) Nos presentes autos de processo comum singular, por sentença transitada em julgado em 25/06/2012, foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, dois crimes de injuria agravada e um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena única de 2 anos de prisão, com execução suspensa por igual período, sob a condição de pagamento da quantia de 960,00€ à Santa Casa da Misericórdia de ..., durante o período da suspensão da pena de prisão.

B)   Por despacho transitado em julgado, de 08.10.2018, foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada e determinado que o arguido AA cumprisse a pena de 2 anos de prisão que lhe foi aplicada na sentença proferida nestes autos, nos termos do disposto no artigo 56º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal.

C)   Tal decisão fundou-se no facto do arguido não ter comprovado nos autos a entrega da quantia de 960,00 € à Santa Casa da Misericórdia de ... e não ter feito a entrega do título que o habilita a conduzir.

D)   A fls. 413 dos autos, consta que o arguido AA enviou ao tribunal a guia de substituição do título que o habilita à condução, dentro do prazo dos 10 dias que lhe foram concedidos – 17-07-2014.

E)    O arguido AA procedeu à entrega da quantia de 960,00 € diretamente à Santa Casa da Misericórdia de ..., tendo sido esta instituição a enviar, via fax, o respetivo comprovativo, a 04-12-2014 – fls. 428.

F)    Verifica-se assim, que o douto despacho em crise (despacho que revogou a suspensão da execução da pena) assenta no errado pressuposto de que o arguido não procedeu ao cumprimento das condições fixadas para a suspensão da execução da pena, uma vez que não foram atendidos na prolação do despacho que revogou a suspensão da execução da pena, tais documentos juntos aos autos a fls. 412, 413 e 428.

G)   parece-nos que tal despacho que revogou a suspensão da execução da pena a que o arguido foi condenado nos presentes autos só poderá ser impugnado em sede de recurso de revisão – neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, proferido a 06.12.2018, no Proc. n.º 149/05.3PULSB-C.S1, em que considerou:

“Pese embora a inexistência de unanimidade, quer da doutrina quer na jurisprudência, para o estrito plano da recorribilidade no âmbito do recurso extraordinário de revisão de sentença a solução que se crê mais adequada é a de fazer equivaler o despacho que revoga a suspensão da pena a uma sentença quando se pretende pôr em causa tal despacho.”

H) Verifica-se a fls. 412, 413 e 428 que o arguido cumpriu integralmente com o que lhe foi fixado na respetiva sentença, meio de prova bastante que, de per si, suscita graves dúvidas sobre a justiça da revogação da suspensão da pena de prisão

Assim e pelo exposto,

Deve ser dado provimento ao recurso, determinando-se o reenvio do processo para o tribunal competente nos termos e para os efeitos previstos no artigo 457º e ss. do Cód. Proc. Penal».

2. O recurso foi admitido, por despacho de 5 de agosto de 2019.

3. O Ministério Público no Tribunal de 1.ª instância respondeu ao recurso.

Nos seguintes termos:

«I O recurso em apreço visa a revisão do despacho revogatório da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos, proferido em 09-10-2018 e transitado em julgado em 17-12-2018.

Alegou o recorrente que o despacho impugnado assentou em fundamento de facto não verdadeiro - o incumprimento da obrigação de entregar à Santa Casa da Misericórdia de ... a quantia de 960,00€, condicionante da suspensão da execução da pena -já que entregou a referida quantia e o recibo da entrega foi enviado aos autos pela entidade beneficiária, estando junto a folhas 428.

E, de facto assim sucedeu, como consta dos autos (telecópia enviada em 04-12-2014, com a ref.a 28870979), mais constando do recibo que a entrega do valor mencionado foi realizada peio arguido.

O fundamento legal invocado é o previsto no art. 449-°, n-°1, al, d), do CPP.

Parece-nos que, manifestamente, o recurso não merece provimento.

II De facto, os motivos do recurso não se enquadram no fundamento legai invocado, porquanto não constituem facto novo nem novo meio de prova (não há novidade subjectiva, posto que o facto alegado era do conhecimento do recorrente, já que foi por ele praticado, e não há novidade objectiva, porque o meio de prova daquele facto já constava dos autos desde 04-12-2014, sendo acessível por todos os sujeitos processuais, incluindo pela ilustre defensora do arguido), como, de resto está alegado no recurso.

Assim, o recurso de revisão não é o meio processual próprio para remediar a alegada injustiça da decisão impugnada.

E, sentindo-se injustiçado, o requerente só de si próprio pode queixar-se, por não ter exercido os seus direitos de presença e de audição, dando os seus contributos para a decisão a proferir (segundo consta dos autos alheou-se do incidente destinado a eventual revogação da suspensão, nunca tendo comparecido para ser ouvido, apesar de ter sido diversas vezes notificado para comparência) e por ter deixado precludir a faculdade de impugnar a decisão em apreço através de recurso ordinário, com alegação dos motivos agora invocados e que pôde utilizar dentro do prazo da interposição do mencionado recurso, cabendo-lhe o ónus de comunica-los à sua ilustre defensora.

Os motivos do recurso não correspondem a qualquer outro dos fundamentos legais da sua admissibilidade, enunciados nas demais alíneas do preceito legal antes citado.

Ill Por tudo o exposto, em conclusão, deve julgar-se o recurso improcedente e manifestamente infundado, negando-se a pretendida revisão do despacho revogatório da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos.»

4. Informaram-se os autos, nos termos prevenidos no artigo 454.º, do CPP – despacho de 7 de Agosto de 2019.

Nos seguintes termos:

«[…] o recurso não deverá merecer provimento porquanto a decisão recorrida se encontra fundamentada, não descurou quaisquer dos elementos trazidos aos autos pelo arguido, o Tribunal protelou até a decisão de revogação da suspensão da pena durante vários meses, não obstante as oportunidades que foram dadas ao arguido para pagamento, mormente porque praticou vários crimes na pendência da suspensão.»

5. O Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça emitiu parecer.

Nos seguintes termos:

«[…]

5.  A primeira questão a abordar nesta pronúncia é a da admissibilidade do recurso de revisão, sabido que incidente sobre despacho de revogação de suspensão de execução da pena previsto no art.º 56º do CP, sabido da dificuldade que alguma jurisprudência deste STJ tem em ver naquele acto uma sentença ou um despacho que ponha termo ao processo,  que só relativamente a tais espécimes admitem os n.os 1 (corpo) e 2 do art.º 449º do CPP o recurso extraordinário.

Sem alongar, por desnecessário, a discussão, o signatário declara que adere ao entendimento acolhido no, entre outros, Ac. STJ de 29.7.2016 - Proc. n.º 1035/03.7PDCSC-A.S1 - 5.ª Secção 3, de que “O despacho que revoga a suspensão da execução da pena, põe fim à pena de substituição em causa e efectiva a execução desta, não se limitando a dar mera sequência à decisão condenatória que, antes prolatada, suspendeu a pena de prisão aplicada, fazendo dela parte integrante, pelo que, nessa medida, põe fim ao processo, para efeitos do n.º 2 do art. 449.º do CPP”.

[…]

como fundamentos da revisão, convoca o recorrente os documentos ora reproduzidos a fls. 36 - requerimento, com registo de porta de 17.7.2014, a capear a entrega de Guia de Substituição de Documentos relativa à carta de condução de que era titular -, 37 - guia de substituição propriamente dita - e 38 -declaração da Santa Casa da Misericórdia de ..., datada de 4.12.2014 e remetida por telefax a tribunal no mesmo dia, certificativa de ter recebido do recorrente a quantia de € 960,00 - como meios de prova novos para os fins do art.º 449º n.º 1 al.ª d) do CPP.

E embora não o diga expressamente, quererá convocar também factos novos para os mesmos fins, precisamente os factos por aqueles provados da entrega do título de condução e do pagamento da injunção pecuniária nas datas referidas.

Meios de prova e factos esses que, no seu ver, infirmam e que devem substituir as conclusões probatórias do Despacho Recorrido de que nem tinha procedido à entrega do título nem cumprido a injunção - conclusões que, no seu ver também, fundaram a revogação da suspensão executiva da pena nos termos do art.os 56º n.º 1 al.ª a) do CP -tudo, assim, justificando a autorização da revisão.

8. Mesmo que se concedesse que o que no Despacho Recorrido relevou para o preenchimento da cláusula de revogação do art.º 56º n.º 1 al.ª a) do CP foi, singelamente, a não entrega do título de condução e o não cumprimento da injunção pecuniária - no que, de qualquer modo, se não concede isso pois que, da economia daquele, resulta que o que foi valorizado foi, a um mesmo tempo, o não cumprimento da injunção pecuniária nas condições fixadas na sentença condenatória fixado na sentença, é dizer, em 24 prestações mensais de € 40,00 cada, com início no dia 1 do mês seguinte ao trânsito; a comissão de outros crimes no período suspensivo; a não entrega no prazo de 10 dias determinado na sentença do título de condução; a declaração do recorrente de que, mesmo que tivesse na sua posse o original da guia de substituição, o não entregaria ao tribunal; a recusa em receber notificação para prestar declarações acerca das razões do incumprimento das condições da suspensão, que tudo ali foi relevado enquanto violação «grosseira ou repetida os deveres ou regras de conduta impostos» demonstrativa de que «as finalidades subjacentes à suspensão se não verificaram» -, a verdade é que, os documentos e os factos de que o recorrente se vale jamais poderão ser considerados novos na acepção acima referida e por isso, jamais, poderão fundar a revisão.

[…]

com referência à data do Despacho Recorrido, que é a que importa, nem os factos nem os meios de prova são novos nem para o Recorrente nem para o Tribunal no sentido que se assinalou em 6. supra, por isso que não podendo fundar revisão nos termos do art.º 449º n.º 1 al.ª d) do CPP.

Mais do que isso: evidenciam que um qualquer recurso que ora se admitisse com base neles equivaleria a «uma apelação disfarçada», a um «recurso penal encapotado», a um estratagema do recorrente para se subtrair às consequências, para si nefastas, do trânsito em julgado do despacho revogatório que a sua, pelo menos, inábil conduta processual deu, ou pode ter dado, azo.

9. Motivos por que, dispensando-se de outras considerações, o Ministério Público é, como referido pela não autorização de revisão com fundamento no art.° 449° n.° 1 al. d) do CPP.»

6. O recorrente replicou reiterando o essencial do alegado.

7. Figurando-se desnecessário proceder a qualquer diligência (artigo 455.º n.º 4, do CPP), os autos foram continuados aos vistos e à conferência.

7. O objecto do recurso – tal como demarcado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, respeita a saber, seguindo um critério de lógica e cronologia preclusivas, (i) se o recurso é admissível, por via do disposto no n.º 2 do artigo 449.º, do CPP, e (ii) se, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo 449.º, do CPP, se revela, ex novo, que o arguido deu cumprimento às condições fixadas para a suspensão da execução da pena em que foi condenado.

II

8. Com relevo para a decisão, consta certificado nos autos que o arguido foi condenado, por sentença proferida a 24 de Maio de 2012 no Tribunal Judicial de ... (fls. 13-35), transitada em julgado a 25 de Junho de 2012 (fls. 12), nas penas parcelares de 2 meses de prisão por cada um de dois crimes de injúria agravada, de 6 meses de prisão pela prática de um crime de condução perigosa, de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário e, em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, foi condenado na pena única de dois anos de prisão «suspensa na respectiva execução por igual período, mediante a obrigação de entregar à Santa Casa da Misericórdia de ... a quantia de €960,00, em 24 prestações mensais de € 40,00, com início no dia 1 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão e comprovada nos autos […]», bem como «na pena acessória de inibição de conduzir quaisquer veículos motorizados, pelo período de quatro meses […]», mais se tendo ordenado «a entrega da carta e/ou licença de condução pelo arguido, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente sentença, na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial».

9. Certifica-se ainda que, por despacho de 9 de Outubro de 2018, transitado em julgado a 17 de Dezembro de 2018 (fls. 12), foi revogada a suspensão da execução da pena aplicada e determinado o cumprimento pelo arguido da pena de 2 anos de prisão em que fora condenado.

Nos seguintes termos:

«Nos presentes autos de processo comum singular, por sentença transitada em julgado em 25/12/2012 (fls. 267), foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, dois crimes de injúria agravada, e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na pena única do concurso de 2 anos de prisão, com execução suspensa por igual período, e sob condição de pagamento da quantia de 960,00 € à Santa Casa da Misericórdia de ... durante o período da suspensão da pena de prisão.

De acordo com o disposto no art. 50.°, n.° 5 do Código Penal, o período da suspensão é fixado entre um e cinco anos, a contar da data do trânsito em julgado da decisão condenatória, pelo que o período de suspensão da pena de prisão já foi largamente ultrapassado. Dispõe o art. 57.° do CP que a pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação.

Decorrido o prazo de suspensão, retira-se do certificado do registo criminal de fls. 610 a 617 que o arguido sofreu as seguintes condenações por crimes praticados durante o período de suspensão da execução da pena em que foi condenado nestes autos: um crime de condução estado de embriaguez; um crime de ameaça agravada; um crime de injúria agravada; um crime de furto na forma tentada; um crime de dano qualificado; um crime de resistência e condenação sobre funcionário; e um crime de injúria agravada.

Além disso, o arguido não comprovou nos autos a entrega da quantia de 960,00 € à Santa Casa da Misericórdia de ....

Mais foi o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de quatro meses.

O arguido não cumpriu a condição de suspensão da execução da pena prisão (fls. 294).

O arguido não procedeu à entrega da carta de condução, para efeitos de execução da pena acessória em que foi condenado, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, nem até à presente data. Ordenada a apreensão da carta de condução, o arguido referiu não a ter na sua posse, por ter sido apreendida e ter sido emitida uma guia de substituição. Contudo, referiu que não podia entregar essa guia porque não sabia da mesma e que, mesmo que soubesse, nunca a entregaria (fls. 286, 295).

Face ao incumprimento da condição de suspensão da execução da pena de prisão, foram designadas datas para a audição do arguido nos termos do atrt. 495.° do Código de Processo Penal, às quais o arguido nunca compareceu, não apresentado justificação para a sua falta de comparência (fls. 331 e 332, 376 a 378).

Face a estes elementos, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido a fim de o mesmo cumprir a pena de prisão imposta na sentença.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do artigo 56.°, n.° 1 do Código Penal, "A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:

a)    Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de inserção social;

b)    Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas"

A suspensão da pena aplicada ao arguido no âmbito dos presentes autos deve ser revogada se o incumprimento da condição de suspensão que lhe foi imposta revelar inequivocamente que as finalidades que estiveram na base da suspensão já não podem, por meio desta, ser alcançadas. Tal como refere o Professor Jorge de Figueiredo Dias no seu manual Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime: "... se nascesse dali a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade" (pgs. 356 e 357).

Importa considerar que na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar um. juízo de prognose social favorável ao arguido (parafraseando Jescheck), ou seja, a perspectiva fundada de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.

E, nesse juízo ponderativo "O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa".

Importa, assim, aferir se se encontram preenchidos os requisitos cumulativos que determinam a revogação da suspensão da execução da pena de prisão e que traduzem a "culpa" do arguido. Por outras palavras, importa saber se o comportamento concreto do arguido revela que a condenação não foi sentida como advertência suficiente e que não tem a capacidade individual de adesão aos valores societários dominantes, e se infringiu tal condição de forma grosseira ou repetida.

Ora, o tribunal decidiu suspender a execução da pena de prisão porque, na altura, efectuou um juízo prognóstico social favorável relativamente ao arguido, designadamente tendo em consideração o facto de que a pena de prisão suspensa, já tinha, de per si, um efeito ressocializador e de reprovação suficiente (fls. 251).

O arguido tomou conhecimento da pena de prisão em que foi condenado, e da condição a que a suspensão da execução de tal pena ficou subordinada.

Contudo, nunca cumpriu tal condição, nem manifestou a menor intenção de iniciar tal cumprimento, ainda que de forma meramente incipiente, sendo certo que o arguido poderia ter cumprido, ainda que de forma parcial, tal condição, não tendo evidenciado qualquer esforço nesse sentido. Com efeito, dadas as condenações posteriores, o arguido revelou ter uma clara predisposição para a assunção de comportamentos atentatórios dos valores e regras de vivência em sociedade, o que concorre fortemente a seu desfavor. Por outro lado, a sua conduta denota um completo desinteresse pelo destino dos presentes autos, um absoluto alheamento no que concerne à execução da pena que lhe foi aplicada, e um absoluto desprezo pelas instituições judiciais - chegando a declarar que não tinha a guia de substituição e que, mesmo que a tivesse, não a entregava, e recusando-se a assinar a notificação pessoal que lhe foi dirigida pelo tribunal, para efeitos de audição.

Ocorreu, assim, uma violação grosseira da condição imposta, que compromete claramente as finalidades subjacentes à suspensão, pois a conduta posterior do arguido infirmou a asserção constante da sentença, já que a ameaça de pena de prisão não o vinculou ao cumprimento dos mais elementares deveres impostos, demonstrando um total desprezo não só pela sentença condenatória como pelo próprio processo, revelador de que as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena - tanto as de prevenção especial positiva como as de prevenção geral - não foram, por meio dela, alcançadas.

Este comportamento do arguido no decurso do período da suspensão contraria ostensivamente o juízo de prognose positivo que esteve na base da suspensão da pena.

Entendemos, por isso, que a indiferença revelada pelo arguido relativamente às condições de cumprimento da pena suspensa demonstra que as finalidades subjacentes à suspensão não se verificaram, tendo sido infringidos de forma grosseira ou repetida os deveres ou regras de conduta impostos.

Face ao exposto, não vemos fundamento para se determinar a prorrogação do período de suspensão da pena de prisão que foi aplicada ao arguido.

Por conseguinte, nos termos do disposto pelo art. 56.°, n.° 1, al. a) do Código Penal, revogo a suspensão da execução da pena de prisão aplicada e determino que o arguido AA cumpra a pena de 2 anos de prisão que lhe foi aplicada na sentença proferida nestes autos.»

10. Como acima se deixou editado, importa, antes de tudo, averiguar da admissibilidade do recurso extraordinário de revisão nos casos, como o presente, de impugnação do despacho que decidiu revogar a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado.

11. Nos termos prevenidos no n.º 2 do artigo 449.º, do CPP, reportado aos «fundamentos e admissibilidade da revisão», equipara-se à sentença «o despacho que tiver posto fim ao processo».

12. O Supremo Tribunal de Justiça não tem respondido, de modo unívoco, à questão de saber se o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão é, para tal efeito, equiparável à sentença.

13. Disso são exemplo (para citar apenas os mais recentes e significativos), no sentido de uma resposta negativa a tal equação, os acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Maio de 2017 (processo 872/06.5GCLRS-C.S1, disponível, como os mais citandos sem menção de origem, em www.dgsi.pt), e de 2 de Abril de 2014 (processo 159/07.6PBCTB-A.S1), no sentido de que «o despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão em que o recorrente foi condenado não põe termo ao processo, posto que, prolatado depois da sentença, limita-se a dar sequência à decisão antes proferida», não sendo, por isso, susceptível de revisão.

14. Já no sentido de que o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão «não se limita a dar mera sequência à decisão condenatória que, antes prolatada, suspendeu a pena de prisão aplicada, faz dela parte integrante», vão os acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, 31 de Janeiro de 2019 (processo 516/09.3GEALR-A.S1), e de 7 de Maio de 2015 (processo 50/11.1PCPDL-A.S1).

15. Afigura-se ser esta última a interpretação que melhor respeita as garantias de defesa consignadas, maxime, no n.º 1 do artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

16. Desde logo, na medida em que o despacho que revoga a decretada suspensão da execução da pena de prisão, por via do disposto no artigo 56.º, do Código Penal (CP), configurando um aggiornamento do deciso pretérito, com apreciação (substantiva), designadamente, do incumprimento das condições da suspensão, é indissociável da primitiva (e condicionada) decisão, verificando o (contexto do) incumprimento das condições formuladas para a suspensão na sequência do esgotamento do prazo para tanto concedido.

17. Por outro lado, «mal se compreenderia que, por exemplo, não tendo o tribunal conhecimento de que o condenado cumprira a obrigação que lhe foi determinada como condição de suspensão da pena e, em consequência, ter revogado a suspensão da pena, vir o condenado, posteriormente, apresentar prova cabal de que, afinal, a condição tinha sido cumprida em tempo, que não pudesse haver uma revisão desse segmento, cujo efeito poderia evitar que o condenado sofresse uma prisão a todos os títulos injusta. Creio mesmo que tal colide com o disposto no art.º 32.º, n.º 1, da CRP.» (voto de vencido, no acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Outubro de 2016 (processo 14217/03.2TDLSB-A.S1), além de que o «campo de aplicação do instituto da revisão tem uma amplitude mais abrangente em relação à que é professada na decisão ora proferida. O despacho que determina a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, em termos práticos essa revogação é mais prejudicial para o arguido (conduz à efectiva privação da sua liberdade) do que a condenação inicial. Embora ela não ponha termo ao processo (art. 449.º, n.º 2, do CPP), é evidente que, se estiver errada, deverá ser revista. Os seus efeitos são equiparados: termina o incidente respectivo e inicia-se a execução efectiva da pena.» (voto de vencido no acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Maio de 2017 (processo 872/06.5GCLRS-C.S1).

18. Ainda no sentido de consentir o pedido de revisão da decisão que revoga a suspensão da execução da pena de prisão, figura-se incontornável até ao presente o decidido no acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Dezembro de 2010 (processo 346/02.3TAVCD-B.P1.S1), de que se transcreve o excerto mais significativo:

«[…] o despacho que revoga a suspensão da execução da pena, na medida em que põe termo à pena de substituição da pena de prisão, dando efectividade à execução desta, não se limita a dar sequência à condenação antes proferida e, por outro lado, integra-se na decião final.

Na verdade, enquanto que a sentença condenatória impôs uma pena de prisão mas pressupôs um juízo de prognose favorável ao arguido e a esperança fundamentada de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e, por isso, não ordenou a prisão, o despacho que revogou a suspensão da execução da pena reconheceu, ou que o arguido infringiu grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, ou cometeu crime pelo qual foi condenado e revelou que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, e determinou, em consequência o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença. Tal despacho não se limita, como se disse, a dar sequência à “execução” da pena anteriormente cominada, mas aprecia factos novos entretanto surgidos e que põem em causa a suspensão (condicional) da pena de prisão, pois toda a suspensão da pena se estriba numa condição, que é, pelo menos, a de o condenado não cometer nenhum crime no período da suspensão que ponha em causa as finalidades determinativas da referida substituição da pena de prisão. Outras condições, para além dessa que está implícita, podem ser expressamente ordenadas, como a imposição de certos deveres ou a sujeição a regras de conduta, ou ainda a sujeição a regime de prova, com definição de um plano de reinserção que deve ser seguido pelo condenado.

No caso de violação da condição fundamental de não cometer nenhum crime durante o período da suspensão, ou de infracção de qualquer dos deveres, regras de conduta a que ficou subordinada a suspensão ou não cumprimento das condições impostas no plano de reinserção, o tribunal aprecia essa conduta do condenado e, com base na culpa com que tenha agido, decide ou não revogar a suspensão da execução da pena, ou determinar-se por outra medida. Por conseguinte, há aqui um juízo autónomo efectuado pelo tribunal, baseado em facto ou omissão entretanto surgidos e imputáveis ao condenado e apreciados segundo o critério da culpa.

O despacho que revoga a suspensão da execução da pena é, assim, um despacho que não pode deixar de integrar-se na decisão final, dando efectividade à condenação cuja execução ficara condicionalmente suspensa.

De resto, o recurso do despacho que revoga a suspensão da execução da pena tem efeito suspensivo (art.º 408.º, n.º 2-c) e, embora a lei o distinga da sentença final condenatória (n.º 1-a), por força, naturalmente, da referida apreciação autónoma, confere-lhe igual dignidade. E subirá imediatamente e nos próprios autos (art.ºs 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2), ao contrário dos despachos que respeitam à mera execução da pena já transitada, como, por exemplo, os que recusam a aplicação de um perdão de pena, cujo recurso tem efeito não suspensivo e sobem imediatamente, mas em separado.

Com o devido respeito, não se pode aceitar que um erro judiciário, grave e grosseiro, relativo ao despacho que revogou a suspensão da execução da pena, com base em determinados factos que não se verificaram, não ponha em causa a justiça da própria condenação, pois será inaceitável que o arguido esteja a cumprir a pena de prisão que foi inicialmente substituída por pena não detentiva, apesar de não ter infringido os deveres de conduta impostos ou o plano de reinserção ou cometido outro crime, ao contrário do que, erroneamente, se decidiu. Essa situação geraria uma disfunção do sistema, pois o arguido estaria preso por facto que não cometeu e sem possibilidade de alterar a decisão erradamente tomada, através de um recurso extraordinário de revisão, o que seria, de todo, inaceitável do ponto de vista da ordem jurídica.

Por isso, entende-se que o despacho que revoga a suspensão da execução da pena é também, nesse sentido, um despacho que põe fim ao processo e é equiparado à sentença, para o efeito do disposto no n.º 2 do art.º 449.º do CPP.»

19. Assim, nesta parcela e nos termos do exposto, é de concluir pela admissibilidade de recurso de revisão do despacho que revoga a pretérita decisão de suspensão da execução da pena de prisão.

20. Importa, em sequência, averiguar se, no caso, e no âmbito do disposto na alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo 449.º, do CPP, se revela, ex novo, que o arguido deu cumprimento às condições fixadas para a suspensão da execução da pena em que foi condenado.

21. O arguido reporta o pedido de revisão do acórdão condenatório à pretextada verificação dos fundamentos previstos na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, do CPP.

22. Nos termos ali preceituados, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando (d) se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

23. Resulta desde logo da literalidade da citada alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, do CPP, que, ao abrigo de tal segmento normativo, a revisão (extraordinária) só pode ser concedida se e quando se demonstre que, posteriormente à decisão revidenda, se descobriram factos ou meios de prova (ou mesmo meios de obtenção de prova) novos, vale dizer, outros (ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo da decisão, e que, por isso, não puderam nele ser relevados, ou que, justificadamente, o requerente não pode produzir), que aquela decisão tenha deixado por apreciar.

24. Tanto quanto resulta das conclusões da motivação recurso (cujo teor define e demarca o respectivo objecto), o arguido adianta, como fundamentos para a revisão, os documentos de fls. 36 deste apenso, que configura requerimento, com registo de porta de 17 de Julho de 2014, a capear a entrega de Guia de Substituição de Documentos relativa à carta de condução de que era titular, de fls. 37, que configura guia de substituição propriamente dita, e de fls. 38, que configura declaração da Santa Casa da Misericórdia de ..., datada de 4 de Dezembro de 2014, remetida por telefax a tribunal no mesmo dia, certificativa de ter recebido do recorrente a quantia de € 960,00, invocando (pelo menos implicitamente), como factos novos, para os efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, do CPP, a entrega do título de condução e o pagamento da injunção pecuniária, nas datas documentadas, visando infirmar as conclusões probatórias levadas, a respeito, na decisão revidenda.

25. A revisão não pode ser concedida.

26. Desde logo, na medida em que, como resulta do despacho sindicado (acima transcrito), a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, ao abrigo do disposto no artigo 56.º n.º 1 alínea a), do CP, resultou (i) do incumprimento da injunção pecuniária fixada na sentença condenatória («entregar à Santa Casa da Misericórdia de ... a quantia de €960,00, em 24 prestações mensais de € 40,00, com início no dia 1 do mês seguinte ao do trânsito em julgado da presente decisão e comprovada nos autos»), (ii) da prática de outros crimes no período da suspensão, (iii) da não entrega do título de condução no prazo fixado na sentença, (iv) da declaração do arguido de que, mesmo que tivesse na sua posse o original da guia de substituição, o não entregaria ao Tribunal, e (v) da recusa em receber notificação para prestar declarações acerca das razões do incumprimento das condições da suspensão – materialidade relevada na decisão recorrida enquanto violação «grosseira ou repetida os deveres ou regras de conduta impostos» demonstrativa de que «as finalidades subjacentes à suspensão se não verificaram».

27. Por outro lado, os factos resultantes da matéria documental oferecida pelo recorrente não podem considerar-se novos no âmbito de previsão do citado segmento normativo, na medida em que, tendo o despacho que revogou a suspensão da pena de prisão sido prolatado a 9 de Outubro de 2018, os factos e os meios de prova em referência constavam já dos autos – acessíveis por todos os sujeitos processuais – desde 2014 (cf. fls. 412/413 e 428).

28. Assim, nesta parcela e nos termos do exposto, é de concluir que, não podendo a a materialidade oferecida pelo recorrente considerar-se facto ou meio de prova novo, no âmbito e para os efeitos prevenidos na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, do CPP, a revisão não pode ser concedida.

III

29. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se:

(a) negar a revisão pedida pelo arguido, AA;

(b) condenar o recorrente nas custas com a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta.

Lisboa, 31 de Outubro de 2019

António Clemente Lima (relator) – Margarida Blasco (adjunta) – Manuel Joaquim Braz (presidente da Secção), com declaração de voto

Declaração de voto:

O despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão não é um despacho que põe termo ao processo, não cabendo por isso na previsão do nº 2 do artº 449º do CPP. Despachos que põem termo ao processo são actos decisórios que afirmam a cessação da relação processual por uma forma diversa e alternativa à sentença, ou seja, actos decisórios que obstam ao prosseguimento do processo até à sentença. Estão nesse caso, por exemplo, os despachos de não pronúncia e de extinção do procedimento criminal.

Havendo sentença, que será o meio normal de pôr fim ao processo, sendo ela de condenação, nenhuma das posteriores decisões que dela sejam um desenvolvimento põe fim ao processo, independentemente dos respectivos efeitos, até porque não pode pôr-se fim àquilo a que já foi posto fim. Não põe termo ao processo o despacho de revogação da suspensão da pena, como o não põe o despacho de revogação de um perdão de pena concedido sob condição resolutiva, decisões que, no tocante a efeitos, se encontram rigorosamente no mesmo plano.

A lógica que suporta o recurso extraordinário de revisão pressupõe que o normal fluir do processo só comporta uma decisão susceptível de revisão: aquela que lhe ponha termo, sendo que a posição que fez maioria admite necessariamente o contrário, pois defende a admissibilidade da revisão do despacho de revogação da suspensão e não pode negar que a sentença que aplicou a pena suspensa já era passível de revisão.

Em abono deste ponto de vista apontam também as normas sobre a legitimidade para requerer a revisão estabelecidas no artº 450º do CPP. Enquanto o assistente tem legitimidade para requerer a revisão relativamente a sentenças absolutórias e despachos de não pronúncia [alínea b) do nº 1], o condenado ou o seu defensor têm legitimidade para pedir a revisão em relação a sentenças condenatórias [alínea c)].

Parece claro que o critério usado para balizar as decisões cuja revisão pode ser requerida por cada um desses sujeitos processuais foi o da sua enumeração, e não o da equiparação de decisões em função dos respectivos efeitos. Outra leitura retiraria lógica à técnica usada na alínea b) e não faria por isso justiça ao legislador sábio e racional presumido pelo nº 3 do artº 9º do C. Civil. O condenado só tem assim legitimidade para requerer a revisão de sentenças condenatórias. E nesta categoria, porque o legislador não confunde conceitos, não cabem as decisões de revogação da suspensão da pena, atenta a definição do artº 97º, nº 1, alínea a), do CPP.

A ilegitimidade do condenado, por si só, inviabilizaria o conhecimento do pedido de revisão.

Mas, mais que a falta de legitimidade, o que deve retirar-se do artº 450º é a inadmissibilidade de revisão de qualquer decisão desfavorável ao condenado que não seja uma sentença condenatória. De facto, se o artº 61º, nº 1, alínea i), lhe confere o direito de recorrer das decisões desfavoráveis, não teria sentido que a lei, se admitisse o recurso extraordinário de revisão de um despacho como o de revogação da suspensão, não lhe atribuísse legitimidade para a requerer, atento o alcance dessa decisão.

A solução que se defende encontra ainda apoio no artº 464º, que indica o alcance da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que conceda a revisão de despacho. Afirma-se aí que o Supremo, «se conceder a revisão, declara sem efeito o despacho e ordena que o processo prossiga». Desta norma parece resultar que só pode ser revisto um despacho que tenha determinado o não prosseguimento do processo, pois o que se obtém com a decisão de concessão da revisão é o prosseguimento do processo. Dito de outro modo, a revisão de despacho tem em vista a remoção de um obstáculo ao prosseguimento do processo, o que a restringe a despachos do tipo já apontado, com exclusão do que revoga a suspensão da execução da pena.

Pronunciei-me, pois, pela inadmissibilidade da revisão.

Clemente Lima (relator) *
Margarida Blasco
Manuel Braz (com declaração de voto no sentido de que não é admissível recurso de revisão de um despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão)