Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5570/10.2 TBSTS-APL-A. S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 03/06/2014
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, 73, 14.04.2014, P. 2410-2419
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Sumário :
“Sendo proferida decisão favorável ao recorrente em recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não há lugar à restituição da taxa de justiça, paga nos termos do art.º 8º, nºs 7 e 8, do Regulamento das Custas Processuais.”
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

A AA, SA (...), interpôs recurso para fixação de jurisprudência do acórdão proferido pela Relação do Porto em 3 de Abril de 2013 no âmbito do recurso interposto no P.º n.º 5570/10.2TBSTS, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso, onde se decidiu que não há lugar à restituição da taxa de justiça devida e paga pela impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, que foi favorável à recorrente.

O acórdão em causa, alega, mostra-se em oposição com o acórdão da Relação de Lisboa, de 18.4.2012, proferido no P.º n.º 691/11.7TALRS.L1, do Tribunal de Pequena Instância Criminal, de Loures, onde se decidiu que, em caso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, favorável ao recorrente, ainda a AA, S A, “é manifesto que a taxa de justiça adiantada lhe tem de ser devolvida“.

Constatada e, como tal, declarada, em conferência, a oposição entre os supracitados julgados, prosseguiram os autos em ordem à resolução do conflito subsistente, em vista da fixação de jurisprudência uniformizante.

O Exm.º Procurador Geral – Adjunto neste STJ apresentou as sua alegações, face ao que preceitua o art. 442.º, 2, do Cód. Proc. Penal, concluindo que:

1- O CCJ de 96 (artigos 86.º e 87.º) distinguia a taxa de justiça pela interposição de recurso (taxa de justiça inicial) da taxa de justiça a fixar na decisão dos recursos (taxa de justiça subsequente). O RCP eliminou este sistema de pagamento em duas fases, passando a prever o pagamento único de uma taxa de justiça, por cada interveniente processual, no início do processo;

2- Na vigência do CCJ, em sede de impugnação judicial de decisão administrativa, nunca havia lugar ao pagamento de taxa de justiça (inicial) pela interposição de recurso de decisão de autoridade administrativa. Porém, era devida taxa de justiça a fixar na decisão do recurso, sempre que a decisão fosse desfavorável ao arguido;

3- O artigo 8.º do RCP estabelece para o processo penal e contraordenacional um único pagamento da taxa de justiça, diferenciando-se o momento de pagamento em função do facto de ter ou não havido lugar ao pagamento prévio da coima;

4- O artigo 25.º, n.º 1, do DL nº 34/2008, de 26.02, veio revogar expressamente o n.º 2 do artigo 93.º do RGCO, que previa uma isenção objectiva de pagamento de taxa de justiça pela impugnação judicial de decisão administrativa;

5- Com a reforma introduzida pelo aludido DL 34/2008, de 26.02, pretendeu-se concentrar no Regulamento das Custas as regras quantitativas e de procedimento sobre custas devidas em qualquer processo, independentemente da sua natureza, bem como a manutenção nas leis do processo, designadamente, no processo civil e no processo penal (aplicável subsidiariamente ao processo contraordenacional), das regras fundamentais e de carácter substantivo, em matéria de custas;

6- A norma central e de carácter substantivo que, na lei processual contraordenacional, regula especialmente a responsabilidade pelo pagamento de taxa de justiça no recurso de impugnação judicial de decisão administrativa é o artigo 93.º, n.º 3 do RGCO. Não foi expressamente revogado pelo DL 34/2008, harmoniza-se com a letra do artigo 8.º do RCP, e é coerente com o sistema;

7- Na verdade, sendo a “taxa de justiça”, por definição, o montante devido pelo impulso processual do interessado, perante a manutenção do princípio de que “dão lugar ao pagamento de taxa de justiça todas as decisões desfavoráveis ao arguido” e o fecho da distinção entre taxa inicial/taxa subsequente, o princípio previsto no n.º 3 do artigo 93.º do RGCO não pode deixar de se aplicar à taxa de justiça tal como esta é encarada actualmente no Regulamento das Custas.

8- Não se pode ignorar que, correspondendo 1 UC a 102 €, e que a taxa de justiça se situa de 1 a 5 UC, existe um significativo universo de Contraordenações em que, face às molduras das coimas, os valores destas se situam na proximidade do valor a pagar pelo arguido a título de taxa de justiça;

10- Nestas situações, o encargo seria tão oneroso e limitativo que poderia conduzir à próprio negação do direito constitucional ao recurso

11- Por haver uma certa contiguidade entre a tutela do direito penal e do direito contraordenacional - manifestada maxime no quadro do direito de audição e de defesa do arguido -, justifica-se que, para efeitos de recurso de impugnação judicial de decisão administrativa, se aplique paridade na solução adoptada para o arguido em recurso de decisão em processo penal (artigo 513.º CPP).

12- O entendimento que considera que não há lugar à restituição da taxa de justiça, em caso de decisão favorável ao recorrente, conduz a um tratamento injustificadamente desigual entre o arguido que efectuou o pagamento prévio da coima e o que não o fez.


Propõe pois, que o Conflito de Jurisprudência existente entre os acórdãos da Relação do Porto, de 3 de Abril de 2013 (recorrido) e da Relação de Lisboa, de 18 de Abril de 2012 (fundamento), seja resolvido nos seguintes termos:

«Em recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, tendo havido pagamento da taxa de justiça nos termos do artigo 8.º n.º s 7 e 8 do RCP [anterior nº 4, na versão do DL nº 34/2008, de 26.02], há lugar à sua restituição, caso a decisão venha a ser favorável ao recorrente.»


A AA, S A, alegou do modo a seguir transcrito:  

“A) O douto Acórdão recorrido não merece a concordância da recorrente, por ilegal, porquanto indeferiu o reembolso da taxa de justiça inicial paga no âmbito deste processo de impugnação, pelo que o presente recurso vem interposto dessa decisão;

B) O referido acórdão recorrido baseou-se em dois fundamentos: (i) o art. 8º do RCP revogou tacitamente o art. 93º/2 RGCO; e (ii) no processo penal, que se aplica subsidiariamente ao processo contraordenacional, a lei só admite excepcionalmente a devolução da taxa de justiça: "(…) ao arguido no caso de ter sido absolvido no recurso extraordinário de revisão, e ao assistente na hipótese de a decisão revista ter sido absolutória e, no juízo de revisão, haver sido condenatória".

C) Em primeiro lugar, diga-se que a interpretação de que o art. 8º/4 RCP revogou tacitamente o art. 93º/2 RGCO não tem fundamento na lei, pois desde logo, as duas normas, não são incompatíveis nem se contradizem, antes sendo fáceis de compatibilizar;

D) No entender da Recorrente, existindo uma forma de compatibilizar as redacções aparentes contraditórias dos normativos aplicados, pela via da interpretação jurídica, não haverá lugar à conclusão de que o artigo 8°, nº 4 do RCP revogou tacitamente o artigo 93° do RGCO ou o desaplica;

E) O entendimento que o pagamento de taxa de justiça na impugnação de decisões administrativas de contra-ordenação é efectuado, sem qualquer possibilidade de reembolso, mesmo quando o recurso venha a ser totalmente procedente, constitui mesmo uma violação do princípio da igualdade das partes e uma limitação ao princípio do acesso à Justiça!

F) Note-se que uma coisa é a obrigação de pagar a taxa de justiça neste tipo de impugnações (imposta pelo 8°/4 RCP);

G) Outra coisa diferente é a saber se o valor em causa pode ser devolvido ao impugnante, em caso de procedência do recurso (regulado pelos arts. 93° e 94° do RGCO).

H) Dois artigos e duas normas com funções diversas, que não podem ser confundidas, como o faz o douto Acórdão recorrido.

I) A norma do artigo 8° RCP não é diferente da que vigorava anteriormente no artigo 87° CCJ e nunca antes se afirmou que esta revogara a do artigo 93° RGCO.

J) Considera-se, que uma correcta interpretação do artigo 8°, nº 4 do RCP, lido em conjugação com o 93° do RGCO, implica o pagamento de taxa de justiça - o que a Recorrente fez - e o respectivo reembolso, no caso de a decisão final ser no sentido da procedência do recurso.

K) Outra interpretação acarreta inconstitucionalidade da norma, por violação dos princípios do processo equitativo e do acesso à Justiça, constante do artigo 20° CRP, razão porque não deve ser acolhida.

L) Por outro lado, existindo a previsão especial do art. 93°/2 e 3 do RGCO não vamos aplicar, neste caso, as normas sobre devolução de taxa de justiça aplicáveis no processo penal - que apenas se verificam em situações muito específicas - como faz o douto Acórdão recorrido.

M) Além de que o art. 93° RGCO também afasta o disposto em contrário no RCP.

N) Veja-se igualmente o disposto no n.º 4 do artigo 94° RGCO, que, referente à parte das custas, determina que nos casos em que não há aplicação de coima ao arguido, as custas serão suportadas pelo erário público, como sucede neste caso.

O) Neste sentido e contra o decidido no douto Acórdão recorrido, veio o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, (de 18/04/2012 - Proc. N.º  691/11.7TALRS.L1) que, numa situação praticamente igual à do presente, julgar procedente o recurso interposto pela ora Recorrente e dar-lhe inteira razão, determinando o reembolso da taxa de justiça paga com a impugnação da contra-ordenação, dado que tinha havido vencimento de causa.

P) Entendendo-se que é esta a orientação jurisprudencial que deve prevalecer, devendo ser proferida decisão em uniformização de jurisprudência neste sentido: "o artigo 8º RCP é compatível com o artigo 93ºRGCO, pelo que em caso de vencimento na causa a taxa de justiça adiantada deve ser devolvida.".

Q) Revogando-se o douto Acórdão recorrido e determinando-se o reembolso do valor da taxa de justiça paga pela Recorrente.

Termos em que deve :

a) Ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se o douto Acórdão recorrido, devendo em consequência ser ordenado o reembolso do valor da taxa de justiça paga pela Recorrente.

b) Proferindo-se ainda decisão em uniformização de jurisprudência de acordo com o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18/04/2012 (Proc. Nº 691/11.7TAlRS.l1), no sentido de "o artigo 8º RCP é compatível com o artigo 93º RGCO, pelo que em caso de vencimento na causa a taxa de justiça adiantada deve ser devolvida.".

A decisão adoptada no Acórdão recorrido, resumida ao que interessa:

No despacho judicial de 3.12.2012, proferido no processo n.º 5570/10.2TBSTS, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso, em recurso de impugnação de contra-ordenação reapreciando a coima aplicada, decidiu não devolver à recorrente, como por ela peticionado, a taxa de justiça paga pela interposição do recurso da decisão da autoridade administrativa, o Instituto de Infra-Estruturas Rodoviárias, I P.

Antes da prolação do despacho recorrido, foi julgado prescrito o procedimento contraordenacional, pronunciando-se o Exm.º Magistrado do M.º P.º em sentido concordante com a não devolução, como o Exm.º Procurador Geral Adjunto na Relação do Porto, extraindo-se do despacho judicial a seguinte ordem de considerações:

O art.º 93.º n.º2, do RGCO, prescreve que está isenta de taxa de justiça, a impugnação judicial de qualquer decisão das autoridades administrativas.

Preceitua, no entanto, o art.º 8.º n.º 7 , do RCP (Regulamento das Custas Processuais) que é devida taxa de justiça no montante de 1 UC, pela impugnação das decisões das autoridades administrativas no domínio dos processos contraordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, como é o caso, podendo ser corrigida a final, nos termos da Tabela III, integrante do Regulamento, tendo em consideração a gravidade do ilícito.

Assim o citado art.º 93.º n.º 2 foi, tacitamente revogado pelo RCP, que lhe é posterior.

O art.º 22.º do RCP atinente à restituição da taxa de justiça em processos cíveis não comporta aplicação em matéria de contraordenações.

A devolução em processo penal, subsidiariamente aplicável ao processo contraordenacional, só tem lugar nos casos previstos nos art.ºs 462.º n.º 1 e 463 .º n.º 3 b), do CPP, atinentes ao recurso extraordinário de revisão.

O acórdão recorrido, de 3.4.2013, ressalta que no art.º 93.º, seus n.ºs 2 e 3, do RGCO, se estipula que a impugnação judicial de qualquer das decisões das autoridades administrativas está isenta de taxa de justiça, dando lugar ao seu pagamento todas as decisões desfavoráveis ao arguido.

Esta redacção que faz parte das alterações introduzidas pelo DL n.º 323/2001, de 17/12, não colidia com qualquer norma do CCJ, cujos art.ºs 87 º n.º 1 a) e 97.º, previam limites dentro dos quais devia fixar-se a taxa de justiça na decisão final de recurso, em caso de ser desfavorável ao impugnante e a liquidação judicial no caso de rejeição de recursos.

Alterado o CCJ pelo RCP, este aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26/2 -posteriormente alterado pelo Dec.º Lei n.º 181/2008 -, que fez constar o n.º 4, de onde deriva que, não sendo liquidada previamente a coima aplicada, em caso de impugnação judicial, há lugar ao pagamento prévio de taxa de justiça, autoliquidada em 10 dias no montante de 1 UC, podendo haver lugar à sua correcção, a final, pelo julgador, nos termos da Tabela III, tendo em apreço a gravidade do ilícito.

A nova alteração (a 6.ª na área da lei de custas) introduzida pela Lei n.º 7/2012 , de 13/2, agora condensada nos seus n.ºs 7 e 8, manteve aquela obrigação de pagamento e sua forma de autoliquidação.

È inquestionável a negada incompatibilidade de normas do CCJ e RCP, o que se harmoniza com o art.º 1.º obrigando ao pagamento de custas em todos os processos, custas abrangentes de taxa de justiça, encargos e custas de parte.

O n.º 4, do art.º 93º, do RCCO, não prevê a restituição “do que quer que seja “.

Da argumentação do acórdão fundamento exarado na Relação de Lisboa em 18.4.2012, seu P.º n.º 691/11.7ALRS.L1, emergente de despacho judicial proferido no Tribunal Judicial de Loures, em que a AA, S A, a quem tinha sido aplicada pelo INIR, a coima total de 3.196€, correspondente à prática de sete contraordenações, obtendo aquela em recurso decisão judicial favorável a reputar nula a decisão da autoridade administrativa, a corrigir a anomalia detectada, demandando, por isso, a restituição da taxa de justiça paga previamente à impugnação, por não liquidação da coima, sendo o teor daquele despacho, de 10.2.2012, no sentido de indeferimento.

O M.º P.º em 1.ª instância pronunciou-se no sentido do acerto do despacho recorrido, de não devolução.

A decisão judicial recorrida teve em linha de conta que o Dec.º -Lei n.º 419-A /2009, regulamentando o RCP, não prevê a devolução; a justiça não é gratuita e nos casos em que haja contradições legais o último diploma revoga o anterior, sendo, ainda, de considerar que o processo não está findo.

O acórdão fundamento alicerça a sua decisão a partir da consideração de que se um regulamento ordenar o pagamento de taxa de justiça não significa que, em caso de pagamento indevido por erro, lapso ou qualquer outro motivo, não haja lugar ao reembolso, em nome do repúdio do abuso de direito, com proibição do enriquecimento sem causa, nos termos do art.º 31.º n.º 8, do RCP.

A circunstância de se haver julgado nula a decisão e ordenada a correcção implica o termo do processo, que está findo, pois a decisão do processo transitou em julgado, havendo lugar, se for caso disso a nova condenação e a hipotético recurso.

O art.º 8.º do RCP, diploma situado na mesma ordem de grandeza que o Dec.º Lei n.º 433/82, de 27/10 (ambos Dec.ºs – Lei), apenas revogou em parte o vertido no art.º 93.º, do RGCO, apenas impondo o pagamento de taxa de justiça ao impugnante não liquidatário prévio da coima aplicada.

E como a taxa de justiça inicial representa um adiantamento de quantitativo devido a final, de soma que o Estado pretende garantir em caso de condenação a final, pelo menos a partir do depósito já efectuado.

Por outro lado o arguido não foi condenado em custas e nos termos dos art.ºs 513.º, do CPP e 94.º n.º 3, do RGCO, terá o erário público que suportar a devolução da taxa paga.


Colhidos os legais vistos, cumpre decidir:

I. A questão a dirimir neste STJ é a de definir, se, no âmbito do processo contraordenacional, em caso de impugnação judicial de decisão da entidade administrativa aplicando uma coima por contra-ordenação a taxa de justiça legalmente devida por parte de quem, previamente, não procedeu ao pagamento daquela coima, deve ser restituída ao arguido –in casu a AA, SA - em ambos os acórdãos -  no caso de a decisão lhe ser favorável, respondendo o acórdão recorrido negativamente e o fundamento ordenando a restituição da taxa “adiantada“.

Assim delimitado o poder cognitivo demandado a este STJ, é pertinente a consideração de que a denominação e regulamentação das contraordenações, integrando o ilícito de mera ordenação social entra, pela primeira vez, no nosso ordenamento jurídico com a publicação do Dec.º -Lei n.º 232/79, de 24/7, alterado pelo Dec.º -Lei n.º 411.º -A /79, de 1/10 , revogado e substituído pelo actual Dec.º -Lei n.º 433/82, de 27/10, vulgo RGCO, alterado sucessivamente, como consagração de uma reacção, com génese no direito germânico, logo após a 2.ª Grande Guerra, contra a tendência prégeneralizada, da hipercriminalização instalada.

Num Estado Social preocupado com a existência dos cidadãos, surge, como dá nota o Prof. Figueiredo Dias, in O Movimento de Descriminalização, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, I, págs. 319 e segs., uma “ Administração conformadora “ , que hiperboliza o arco de previsão criminal, vindo a reconhecer-se , em parte , sob o influxo de Eberhard Schmidt, a necessidade, numa visão agora diferenciada, de subtrair ao direito criminal inúmeras situações sem, ou dubitativa, ressonância ética, reservando–se as penas criminais para comportamentos eticamente reprováveis, bastando-se aquelas situações, para sua dissuasão, com a aplicação preponderante de simples advertências, coimas ou sanções ordenativas e, para agilização do novo direito emergente, deveria confiar-se a sua aplicação e execução aos agentes administrativos.

Iescheck vê no ilícito em presença o corolário de uma “negligência incolor de carácter ético-social“, sendo a falta nele de um elevado grau de censurabilidade do ponto de vista subjectivo do comportamento do agente que marca o fundamento e o traço de distinção do juízo de desvalor ético-social na pena criminal“, outros autores como H.J.Hirch refutam a autonomização dos ilícitos, vendo nele a forma, ao retirarem-se do ilícito penal certas condutas, a forma mais conseguida de inflacionar a penalização, á revelia de escrúpulos conceptuais -cfr. Regime Geral das Contraordenações e Coimas, de A. Beça Pereira, pág. 24-.

A proximidade com o direito administrativo é a nota que lhe atribui a Prof. Teresa Beleza, sendo o recurso judicial permitido da coima aplicada pelas entidades administrativas ante os tribunais comuns uma forma de compromisso entre a declaração pelas autoridades administrativas, mais próximo do direito administrativo, e a apreciação, como no caso de hipotética violação de direitos fundamentais própria do direito penal, nessa medida e por essa razão pertencendo a sua protecção aos tribunais, que fornecem adequada garantia de defesa e independência –cfr. Direito Penal, I, 1979-80, págs. 129-130.

Mais do que relação de proximidade com o direito administrativo o Prof. Cavaleiro de Ferreira configura, pela referência que no regime contraordenacional se faz para o direito penal e processual penal, como regime subsidiário, a natureza de um autêntico direito penal administrativo, in Direito Penal, Lições, 1979/80, pág. 9, contestando o Prof. Figueiredo Dias essa natureza de “ filho ou herdeiro de um direito penal administrativo falecido ou uma sua máscara “ –Direito e Justiça , Vol. IV, 1989/90 , 22 .

Trata-se de um direito penal especial no entendimento de Fernanda Palma, in Direito Penal, FDUL, 1993 ; a circunstância de a CRP ter, no seu art.º 32.º , consagrado o direito de audiência e defesa ao arguido em processo contraordenacional e a aplicabilidade em forma subsidiária do direito e processo penal e o sigilo de justiça, numa interpretação sistemática, retirando-lhe aquela propugnada natureza administrativa, “empurra-o“, para o âmbito do processo criminal“, na consideração de Nuno Lumbrales, in Sobre o Conceito Material de Contra-ordenação, pág. 51, citado in Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, da autoria dos Srs. Cons.ºs Oliveira Mendes e Santos Cabral, Almedina, 3.ª ed., pág. 113 .

A dimensão do direito contraordenacional não se cinge, contudo, à mera compreensão de um direito pura e altamente bagatelar, dominado por critérios de desobediência, falta de atenção, intempestividade relativamente ao incumprimento de normas administrativas, com implicações meramente sociais, e que menos do que a ideia ética de expiação de culpa e, portanto, pena, exige a aplicação de outras medidas, como multas não penais, ligeiras e incaracterísticas reacções sancionatórias.

A definição legal de contra-ordenação, no art.º 1.º , do Dec.º Lei n.º 433/82 , de 27/10, como acção ilícita e censurável , (pressuposto subjectivo dispensado até que a alteração introduzida pelo Dec.º -Lei n.º 244/95, de 14.9, revogou o n.º 2 ), que preconiza a aplicação de uma coima, enquanto sanção puramente patrimonial, a que podem ser associadas pesadas sanções acessórias ( art.º 21.º .) dissociadas de qualquer ideia de  retribuição ou expiação ética ou de reinserção social no tecido que o arguido hostilizou, desligado da sua personalidade, da sua atitude interna, sem sentido positivo de prevenção especial ou de ressocialização, de natureza não reparadora ou repressiva, como tal desprovido da ideia de um “ pathos “, nessa medida se não confundindo com a pena criminal ( cfr. , ainda o Prof. Figueiredo Dias , in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Ed. 2001 , págs . 144-152 ).

O direito penal apodado de primário não disciplina todos valores eticamente fundamentais, mas apenas o “mínimo ético“, essencial à vida em sociedade, de que falava Iellineck, deixando espaço interventivo a um outro normativismo qual “alliud“, diferenciado qualitativamente do criminal, endereçado à protecção de valores sociais, mas que não são “directamente fundamentais num plano eticamente jurídico“, na expressiva descrição do Prof. Eduardo Correia, in BFDUC, XLIX, 1973, 77/78, ao traçar o âmbito de aplicação do ilícito de mera ordenação social.

Trata-se de um autêntico direito público sancionatório, punitivo, mas a verdade é que a sua sanção típica se distingue, na sua essência e finalidades, da pena criminal (cfr. Ac. do TC n.º 336/2008), vocacionada como é à ideia de admoestação, de especial advertência ou reprimenda relacionada com a violação de específicos interesses e proibições que, segundo razões de politica legislativa, não podem passar impunes, conexionadas com o mundo fiscal, financeiro, do mercado de títulos, regras de circulação rodoviária, de segurança imobiliária, urbanística, sanitária e social, etc, etc .

II . Os princípios de direito penal e processual penal são aplicáveis, subsidiariamente, em sede substantiva e adjectiva, respectivamente, às contraordenações e seu processo, devidamente adaptados, por força dos art.ºs 32.º e 41.º, do Dec.º-Lei n.º 433/82 , de 27/10

O direito subsidiário tem a ver com a determinação do elenco das fontes de direito mobilizáveis como critérios para a sua realização, diferentemente, no problema das lacunas vai ínsita a ausência de uma fonte ou critério positivo para essa mesma objectivação, problema que só surge quando se intenta conhecer o critério delimitativo do jurídico realizando, na expressão do Prof. Castanheira Neves, in Metodologia Jurídica, Problemas Fundamentais, 214, BFDUC, Studia Jurídica.

O legislador autolimita-se, há limites de jurisdicidade, criando espaços vazios de direito, espaços livres de intervenção, campos livres de vinculação jurídica, que, por isso, convocam a indagação até que ponto a realidade da convivência humana deverá ou não ainda ser atingida por ele, e, ainda, sobre quais as dimensões reais que se hão-de ter por subtraídas à normação jurídica, situações que Carbonnier apelidou de “ vacances du droit “, de “ sommeil de la loi “, in L,Hypothèse du non droit, XXX Sèminaire, de Liége, de 21 a 23 10/77/78.

III. Por isso o legislador para não deixar espaços livres de direito em sede do direito das contraordenações pois o direito, em princípio, não comporta lacunas, que, no dizer de Larenz, in Metodologia da Ciência do Direito, pág. 588, são “inacabamentos contrários ao plano da lei”; o juiz tem que integrá-las para aplicar a lei adequadamente ao plano subjacente da regulação e ao das valorações a ela imanentes, recorrendo ao direito penal e processual como direito subsidiário, com o propósito de afastar quaisquer “hiatos“ ou “fracturas“, que negariam o carácter fechado, lógico, completo, concluso, do sistema, na teorização de Bergbhom, in Jurisprudência e Filosofia do Direito, 1982, pág.s 382, 385 e 386, atentos os marcados pontos de contacto com os citados campos de direito e o direito contraordenacional, onde vigoram linhas mestras ancorando aqueles ramos de direito, conexionadas com o carácter punitivo, sancionatório das reacções contraordenacionais.

E a subsidiariedade a que vimos de referir continua-se, numa “expansibilidade lógica“, própria do direito, ainda nas palavras de Bergbhom, encerrando o conjunto normativo, em matéria de custas, que se regerão pelos preceitos reguladores das custas em processo criminal “se o contrário não resultar deste diploma, nos termos precisos do art.º 92.º n.º 1, do Dec.º -Lei n.º 433/82 , de 27/10, sucessivamente alterado.

IV. O artigo 93.º do DL 433/82, de 27.10, na sua originária redacção, estipulava em matéria de taxa de justiça, reportando-se ao processo contraordenacional, que:

“1. O processo de contra-ordenação que corra perante as autoridades administrativas não dá lugar ao pagamento da taxa de justiça.

2. Está também isenta de taxa de justiça a impugnação judicial de qualquer decisão das autoridades administrativas.

3. Dão lugar ao pagamento de taxa de justiça todas as decisões judiciais desfavoráveis a arguido.

4. O imposto de justiça não será inferior a 100$00 e nem superior a 50.000$00.”.

A referência a imposto de justiça é, posteriormente, substituída pela menção de taxa de justiça e os valores em causa elevados pelo Dec.º-Lei n.º 244/95, de 14/9, para 150$00 e 75.000$00, respectivamente, a que se fez corresponder, em data posterior, os valores de €0,75 e € 374,10, na conversão daquela moeda pelo Dec.º-Lei n.º 323/2001, de 17/12, devendo o seu montante ser fixado em razão da situação económica do infractor bem como da complexidade do processo.

Por seu turno, no que concerne à taxa de justiça devida nos recursos, os artigos 86.º e 87.º do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo DL n.º 224-A/96, de 26.11, que revogou o velho Código, aprovado pelo Dec.º -Lei n.º 44.329 , de 8/3/62, dispunham, na alteração introduzida pelo Dec.º -Lei n.º 324/2004, de 27/12 , de feição agravativa :

O artigo 86.º, com a epígrafe “Taxa devida pela interposição de recurso “, que:

«1. Pela interposição de qualquer recurso ordinário ou extraordinário é devida taxa de justiça correspondente a 2 UC.

2. (…)»

O artigo 87.º, com a epígrafe  “Taxa de justiça nos recursos”, que:

1. A taxa de justiça a fixar na decisão dos recursos é a seguinte:

a) […]

b) […]

c) Nos recursos de decisões proferidas por autoridades administrativas em processos de contra-ordenação, entre 2 UC e 20 UC.

2. (…)

3. (…)

4. (…).

V. Em permanente inquietude o direito regente de custas, o Dec.º -Lei n.º 34/2008, de 26/9, aprovando o Regulamento das Custas Processuais, no seu art.º 25.º n.º 2 a), estabeleceu um amplo alcance revogatório de normas por que se dispersava o regime de duração secular, em matéria de custas -atingindo, ainda outras áreas -, sendo, “ad libitum“, o supracitado Dec.º -Lei n.º 224-A/96, de 26.11, aprovando o CCJ, iniciando a Parte IV daquele Dec.º-Lei preambular n.º 34/2008, aquele novo Regulamento.

Do art.º 3.º do Dec.º -Lei n.º 181/2008, de 28/8, resultava que os efeitos do Regulamento se produziam a partir de 31.8.2008, todavia o seu art.º 26.º , tendo em conta a alteração decorrente do art.º 156º , da Lei n.º 64.º-A /2008, de 31/12, veio a estabelecer que o Regulamento se aplicava aos processos iniciados, seus incidentes, recursos e apensos, após a sua entrada em vigor reportada a 20.4.2009.

O seu art.º 1º n.º 1 estabelece o princípio da universalidade em termos de sujeição a custas, especificando o seu n.º 2 a base de incidência objectiva, todos os processos autónomos ou sejam acções, execuções, incidentes, procedimentos cautelares ou recursos, desde que dêem origem a uma tributação própria.

E nessa linha de afirmação de princípio o art.º 25.º daquele Dec.º -Lei n.º 34/2008, firma, no seu n.º 1, serem revogadas todas as isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento, portaria, conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, não previstas naquele diploma.

O n.º 1, do art.º 6.º, define a taxa de justiça como o montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o Regulamento, aplicando-se na falta de especial disposição os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

O art.º 8.º do Dec.º-Lei n.º 34/2008, de 26/9, nos seus n.ºs 4 e 5, comporta as estatuições que, mais tarde, na 6:ª alteração (a 9.ª sobreveio pelo Dec.º -Lei n.º 126/13, de 31 /8) em legislação de custas, os n.ºs 7e 8, da Lei n.º 7/2012, de 13/2 , acolhem, incorporando o regime jurídico antes introduzido pela Portaria n.º 419-A/2009, de 17/4, no seu art.º 13.º n.ºs 2 e 3, regulamentando aquele Dec.º Lei n.º 34/2008, e estatuindo que é devida taxa de justiça pela impugnação das decisões das autoridades administrativas a ser autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação do dia marcado para julgamento ou do despacho reputando a audiência desnecessária, indicando-se expressamente ao arguido o prazo e modo de pagamento –n.ºs 1, 2 e 3 .

E assim no dito artigo 8.º, cuja epígrafe é “Taxa de justiça em processo penal e contraordenacional “, na posterior redacção por força da citada Lei n.º 7/2012, de 13/2, para entrar em vigor 45 dias depois da sua publicação oficial, preceitua-se que:

«1.(…);

2.(…);

3.(…);

4.(…);

5.(…);

6.(…);

7. É devida taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito dos processos contraordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, nos termos da tabela III, que faz parte integrante do presente regulamento, tendo em consideração a gravidade do ilícito.

8. A taxa de justiça referida no número anterior é autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação do arguido da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária, devendo ser expressamente indicado ao arguido o prazo e os modos de pagamento da mesma.

9. Nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados na tabela III.

10. Se o juiz não fixar a taxa de justiça nos termos do número anterior, considera-se a mesma fixada no dobro do ser limite mínimo.»

VI. A isenção de taxa de justiça em caso de impugnação judicial de qualquer decisão das autoridades administrativas, consagrada no n.º 2 , do art.º 93 , do Dec.º -Lei n.º 433/82, de 27/9,  foi eliminada, face à redacção do art.º 8º, dos antecedentes diplomas, pela tácita revogação a que se assistiu em virtude do normativismo citado, fortemente apoiada pelo princípio da universalidade de pagamento em paralelo com a não gratuitidade da justiça .

A revogação é a morte da lei –art.º 7º, do CC -, que, por esse processo perde a sua eficácia, em vista do seu dinamismo social e da complexidade das relações humanas, às quais procede a adaptações específicas sem limites, e que, sendo tácita, incumbe ao seu aplicador descobrir a inconciliabilidade entre preceitos e declará-la.

Os decretos regulamentares em via de regra não derrogam ou modificam disposição de lei, operando a infrequente chamada “deslegalização, deslegislação ou degradação“, atenta a hierarquia normativa.

VII. Esta questão da não revogação da isenção do pagamento de taxa de justiça do agente de contraordenação que deseja impugnar judicialmente a coima aplicada- não paga previamente.-, nos termos consentidos no art.º 59.º do RGCO, que o juiz decidirá em sede de audiência ou por simples despacho, por força do art.º 64.º n.º 1, merece a concordância dos comentadores já citados, como os Cons.ºs Oliveira Mendes e Santos Cabral, Juiz Beça Pereira e ainda do Prof. Paulo Pinto de Albuquerque e Sérgio Passos, in Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Comentário do Regime Geral das Contraordenações e Contraordenações, a págs. 293, 235, 343 e 599, respectivamente.

VIII. Mas a centralidade da questão cuja resolução é demandada a este STJ sedia-se em saber se, sendo favorável a decisão ou o despacho proferidos em via de recurso, esse desfecho importa a restituição da taxa de justiça, pois que do pagamento de custas não está isento quanto às decisões desfavoráveis o arguido –n.º 3 do art.º 93.º .

Taxativamente, “As custas em processo contraordenacional abrangem, nos termos gerais, a taxa de justiça, os honorários dos defensores oficiosos, os emolumentos a pagar aos peritos e os demais encargos resultantes do processo“, por força do n.º 3 , do art.º 92.º ,do Dec.º-Lei n.º 433/82, de 27/10.

As custas, nos termos do art.º 94.º n.º 2 , do RGCO, destinam-se a cobrir as despesas efectuadas com :

“1. (…);

2. a) O transporte dos defensores oficiosos e peritos;

            b) As comunicações telefónicas, telegráficas ou postais, nomeadamente as que se relacionam com as notificações,

            c) O transporte de bens apreendidos;

            d) A indemnização das testemunhas.

            3. As custas são suportadas pelo arguido em caso de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória, de desistência ou da rejeição da impugnação judicial ou dos recursos do despacho ou sentença condenatória.

            4. Nos demais casos, as custas serão suportadas pelo erário público“.

            A este respeito, da amplitude e responsável de custas, os Cons.ºs Oliveira Mendes e Santos Cabral , op.cit., pág. 294 e 295, 3.ª ed. , fazem questão de comentar que o n.º 3 foi definitivamente inserto no preceito pelo Dec.º -Lei n.º 244/95, enumerando-se os casos em que o arguido suporta as custas, sem aplicabilidade do CPP, exemplificando que um dos casos não contemplados no n.º 4 , será o de aplicação da sanção de admoestação –nota 244 .

O primitivo regulamento das custas processuais, traduzido no Dec.º Lei n.º 34/2008, resultante da autorização ao Governo concedida pela Lei n.º 26/2007, de 23/7, obedeceu à ideia de moralização e racionalização dos recursos, com o reconhecimento de que as taxas de justiça não são uma condição de validade do acto mas uma exigência tributária.

É consabida a clássica distinção entre taxa de justiça e imposto e a dificuldade no seu estabelecimento, mas essencialmente ela repousa no basilar critério da divisibilidade ou indivisibilidade dos serviços públicos; sempre que o Estado presta, através de serviços públicos, utilidades particulares, individualizáveis, essas prestações são taxas, situando-se as de justiça entre elas, tendo sido o critério da especificidade e divisibilidade de serviços que inspirou a Constituição brasileira de 1988 ( cfr. Direito Fiscal, Soares Martinez, pág. 35 ).

A taxa apresenta, ainda, uma característica qual seja a de uma génese sinalagmatizada, sendo normalmente a utilidade solicitada, voluntaria e normalmente, pelo cidadão, a fim de beneficiar de serviço público.

Outros fiscalistas, caso de Saldanha Sanches, in Manual de Direito Fiscal, pág. 33, atribuem á remoção de um limite jurídico uma justificação tradicional para a cobrança de taxa, porém desde há muito que se colocam reservas quanto a esta legitimação de cobrança impondo Teixeira Ribeiro a distinção entre a taxa que possibilita a utilização de bem semipúblico e a que a não consente, como forma de a fixar e seus limites –RL J , 117 , 1985 , 292.Cfr., ainda Casalta Nabais, In Fisco, 1997, 82/83 -15 .

Quanto às modalidades de que a contraprestação da taxa pode revestir, incluem-se, e isso é havido como ponto assente, a da prestação de um serviço e a da possibilidade da utilização de bem semi-público a quem ou por quem a paga. Acrescenta, agora, a Lei Geral Tributária ( art.º 4.º n.º 2 ), a remoção de um limite ou obstáculo jurídico à possibilidade prática de certa actividade ou gozo de certa situação, mas uma parte da doutrina considera que nesta hipótese só há taxa se a remoção do limite respeitar ao uso de um bem público -Ac . n.º 143 /2002, do TC, DR I Série –Ac.de 9/572002.

A criação de uma taxa deve, por isso, obedecer ao princípio da cobertura do custo e o TC, chamado a pronunciar-se sobre a opção que a administração pública e autárquica fazem em termos de quantitativo, afirmou só dever “ cassar tais opções se, entre o montante do tributo e o custo do bem ou serviço prestado, houver uma desproporção intolerável “, se a taxa for de montante manifestamente excessivo -Cfr. Ac. do TC n.º 640/95, de 15/11/95 -, ofensivo do princípio de equivalência jurídica com tradução na Nova Lei das Finanças Locais e do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais.

A onerosidade dos processos judiciais é a afirmação historicamente milenar e permanente do que foi a linha mestra em sede de custas dos processos judiciais, com origem no direito romano, e a que ficava sujeita a parte vencida no primitivo processo das “ legis actiones “ e que inspirou o nosso direito nessa matéria, somente na baixa Idade Média se conhecendo alguns casos de isenção, mas por “ favor Dei “, divino, em nome do alcance da verdade e realização da justiça ; por influência do ideário da Revolução Francesa assistiu-se por essa altura à sua dispersão, mas , e seguindo de perto o Cons.º Salvador da Costa , no comentário ao Regulamento das Custas Processuais , edição de 2012, a generalidade das legislações recuperou e manteve a onerosidade a contrabalançar com o recurso ao apoio judiciário –cfr. pág. 160 .

E a definição de custas, ou custeio do processo, para este Magistrado, “representa as despesas ou encargos judiciais com os processos de natureza cível, criminal, administrativa ou tributária, ou seja o dispêndio necessário à obtenção em juízo da declaração de um direito ou da verificação de determinada situação fáctico-jurídica“ -op. cit . pág . 160.

Este Exm.º Magistrado, com a reconhecida autoridade na matéria, dá nota de que a restituição da taxa de justiça prevista para os processos cíveis ou a exigência da parte vencedora à parte vencida, na proporção em que o for, a título de custas de parte e da taxa de justiça que pagou no decurso da acção e por causa dela nos art.ºs 25 .º e 26.º , do novíssimo Regulamento das Custas Processuais , e no art.º 447.º -D , do CPC , a que corresponde o art.º 534.º na redacção actual, não tem lugar, por aquelas disposições do Regulamento não serem aplicáveis, em matéria de contraordenações.

No processo penal, aplicável ao de contraordenação, escreve: “…a lei só admite, excepcionalmente, a devolução da taxa de justiça ao arguido no caso de ser absolvido em caso de recurso extraordinário de revisão e ao assistente na hipótese de a decisão revista ter sido absolutória e, no juízo de revisão, haver sido condenatória“ , considerando o disposto nos art.ºs 462.º n.º 1 e 463.º n.º 3 , do CPP –cfr. comentário ao Regulamento, a págs. 277, excluindo-se a hipótese, incontroversa, de cobrança ou retenção indevidas por erro ou contra a lei .

Em consequência, conclui que, carece de legal fundamento, no caso de procedência do recurso de impugnação judicial de decisão proferida em procedimento de contraordenação, sendo indevida a referência conjunta em decisão judicial de “sem custas nem taxa de justiça paga pelo impugnante“.

IX. Esta solução afigura-se–nos ser inteiramente de seguir arrancando, e aí reside o seu cerne, da ideia de que tal taxa se trata do pagamento do custo de uma utilidade a obter pelo arguido, in casu o desencadeamento da intervenção, do impulso da autoridade judiciária e do seu poder de julgar, norteado por um intuito de obtenção de decisão ou despacho favorável, que uma vez prestado, seja qual for o seu desfecho, não lhe é devolvido, consumido como está pela prestação de serviço mercê da relação de sinalagmaticidade estabelecida.

E não deixa de ser expressivo o que se escreveu no Ac. do TC n.º 410/2000, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.n.º 48, págs . 141-163, de que para a função da taxa pode ser menos relevante o custo da taxa de justiça e mais relevante a contenção da utilização de um serviço, pois que o carácter sinalagmático da taxa não exige a correspondência do montante ao custo do bem ou serviço prestado:  “ a bilateralidade mantém-se mesmo na parte excedente ao custo”, no segmento do Ac. do TC n.º 640/95, in DR; II Série, de 20/1/96.

Igualmente do Ac. da Rel. Lisboa, de 6.5.2008, sumariado na CJ; Ano XXXII, TIII, 2008, pág 72, extrai-se que o pagamento com que o Estado onera as partes constitui uma verdadeira taxa

O próprio legislador desde que impôs e pormenorizou o pagamento de tal taxa e nas sucessivas alterações legislativas em matéria de custas manteve sempre fiel à exigência legal na fase de impugnação e podendo abdicar da arrecadação da taxa não o declarou em caso de desfecho de favor do processo ao arguido, sinal de que quis manter o regime de desembolso inicial.

Quer isto significar que há um espaço sem legislação ao nível do direito, um espaço livre de intervenção, como acima se aludiu, não sendo legítimo ao intérprete intrometer-se nele, substituindo-se-lhe, assumindo indevida função de legislador, invadindo a sua reserva; o legislador não vê necessidade de legislar e o intérprete deve obediência à lei e aos critérios de interpretação que permitem atingir o espírito do legislador, no sentido da não devolução taxa prépaga.

Excepcionalmente, e só a esse título, as últimas leis de amnistia tem estabelecido a restituição aos assistentes, da taxa de justiça devida pela constituição de assistente, que por princípio não é devolvida ou a compensar com o já pago, como no antigo CCJ se estabelecia para certas hipóteses.

X. A taxa de justiça é, agora, com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar por cada processo, como contrapartida de um serviço, procurando adequar-se o valor da taxa ao tipo de processo e serviço que, em concreto, acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva, sem perder de vista os elevados índices de litigância, com o que concorre para a moralização e racionalização dos recursos, escreveu-se no preâmbulo do Dec.º-Lei n.º 34/2008, de 26/2, a iluminar o intérprete e aplicador da lei .

A exigência de taxa de justiça é, pois, uma forma de obstar à banalização dos recursos, considerando a taxa elevada de insucesso neles registada, alicerçados como estão esses mecanismos de reponderação das decisões na álea que sempre comportam, ao arrepio da razão evidente da interposição, não representando um qualquer adiantamento a devolver ou a compensar com o já pago, em moldes de um ultrapassado preparo inicial, como, em evidente paralelismo resulta do art.º 7.º n.º s 1 e 2, do RCP quanto à exigência de taxa de justiça devida pela constituição de  assistente ou requerimento de abertura de instrução , respectivamente, que é autoliquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida pelo  juiz para um valor entre 1 e 10 Ucs ,condicionada ao desfecho do processo e a actividade desenvolvida pelo assistente e a utilidade prática na tramitação global do processo, mas sem registar devolução .

Do art.º 513.º, do CPP – como já dissemos inaplicável em matéria de custas contraordenacionais- também dele não contemplando a devolução, bem certo sendo que quando, no seu n.º 1, se averba que o arguido é isento do pagamento de taxa de justiça quando não ocorra condenação ou decaimento total no recurso, numa visão sistémica e intrasistemática do preceito não pode ele deixar de ter como referência a taxa de justiça devida a final, naquele específico casuísmo e não à devida para impulso processual enquanto prática de acto judicial em vista da obtenção de um resultado .

XI. Tem-se questionado a conformidade constitucional da exigência de custas, comprometendo o acesso ao direito e à justiça consagrado no art.º 20.º, da CRP, mas também se opõe que a gratuitidade facilita a “judicialização das bagatelas“ e, por isso, dificulta a pronta intervenção judicial “, mas apesar da estatuição de garantia de acesso universal ao direito e à justiça, a onerosidade mantém-se desde que se assegure, para hipóteses de situação económica deficitária o mecanismo de apoio judiciário, escreve o Cons.º Salvador da Costa, no comentário ao Regulamento das Custas Processuais, a págs. 163, isto sem embargo de poder inexistir rigorosa equivalência económica entre o serviço prestado e a taxa, nem por isso esse pagamento deixando de assumir a contrapartida de serviço.

E na fixação de acesso ao direito e à justiça mediante o pagamento de custas o Estado goza de grande margem de liberdade, pois a e ele incumbe optar por uma justiça “ mais barata ou mais cara “ O nosso direito concebe um direito de acesso como meio ao serviço dos cidadãos efectivamente carenciados de um ponto de vista económico e não já também para pessoas de médios rendimentos, salvo tiverem de intervir em processos de muito elevado valor e o custo da demanda se “ tornar insuportável ou excepcionalmente gravoso “,salientou-se nos Acs do TC n.ºs 352/91, 467/91, 608/99, 284/e 227/07, os quatro primeiros publicados nos DR II Série , de 17/12/91 , 2/4/92 , 16.3.2000 e 2676/94 e  no P.º 946/05, respectivamente .

Desde que o montante da taxa constitua, no caso concreto, uma barreira intransponível de acesso aos tribunais, muito superior à condição económica de um cidadão médio, considerando, ainda, as vantagens em comparação com os gastos, afronta-se o princípio da proporcionalidade, que não dispensa, citando-se o Ac .n.º 608/99 , do TC, “ pelo menos três exigências : o de um equilíbrio entre a consagração do direito ao acesso e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício; o da responsabilização de cada parte pelas custas de acordo com a regra da causalidade e o do ajustamento dos quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes“.

Como critério decisivo de solução da não devolução acolhe-se o que repousa na qualificação de taxa de justiça da importância paga por quem não pagou a coima correspondente à contraordenação em que eventualmente incorreu e a impugna judicialmente, sendo-lhe favorável o recurso, não se confundindo com o preparo inicial do velho Código de Custas revogado pelo citado e também já revogado pelo  Dec.º_lei n.º 224-A /96 , de 26/11.

O preparo inicial, no Código aprovado pelo Dec.º-lei n.º 224-A/96, deu lugar à taxa de justiça inicial; o preparo subsequente substituiu a taxa para julgamento ; aquela taxa é paga gradualmente pelo responsável ( art.º 22.º ), perdendo a taxa, em contrário do que se afirma no acórdão fundamento, natureza garantística, simples adiantamento da coima não paga.

O TC tem, ainda, decidido que se não trata de um imposto, mas taxa, por isso que não está sujeita à reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, constante da al.i) , do n.º 1 , do art.º 165.º , da CRP-cfr. Ac. do TC n.º 8/2000, acessível in www.tribunslconstitucional.pt.

Beça Pereira um dos comentadores, como já vimos, ao RGCO, pág. 236, escreve que a taxa de justiça préliquidada, pelo não pagamento da coima, deve devolver-se ao arguido a quem a decisão é favorável, pois em tal caso “…não há uma coima que pudesse ter “sido previamente liquidada“, argumento que, com o devido respeito, se assume como uma ficção sem correspondência real, porque na data da interposição do recurso a obrigação de liquidação prévia subsistia, na óptica do legislador em face de uma coima por contraordenação, que o arguido se propôs contestar em juízo.

Paulo Pinto de Albuquerque defende a solução da devolução aderindo, sem mais, citando-o, o Ac. da Rel. de Guimarães de 27.9.2010, CJ, Ano XXXV, IV, 2010, 279, op.e loc. cit .

XII. O Exm.º Procurador Geral –Adjunto neste STJ defende que, devendo a taxa de justiça inicial em caso de impugnação situar-se num arco entre 1 a 5 UC e que cada Uc se cifra em 102 € ,e mais que existe um universo de contraordenações em que o valor da coima se aproxima da taxa de justiça de interposição, a não devolução limitaria de forma incomportável o acesso ao direito e à justiça, afrontando aquele princípio constitucional, além de que, em caso de decisão favorável ao recorrente, a não restituição conduziria ao tratamento desigual entre o arguido que pagou  previamente a coima e o que não fez .

Em sede de argumentação próxima se posiciona a recorrente ao alegar na conclusão K) que “ outra interpretação acarreta inconstitucionalidade da norma por violação dos princípios do processo equitativo e do acesso à justiça “ e essa outra interpretação é aquela que da conjugação do art.º 8.º n.º 4 , do RCP em conjugação com o preceituado no art.º 93 do RGCO, implicando o pagamento de uma taxa de justiça inicial sem reembolso no caso de a decisão final ser favorável ao arguido, é limitativa daquele direito de acesso e da igualdade das partes (processo equitativo) .

A eventual ofensividade ao princípio do acesso ao direito e à justiça reside mais especificamente “ ex ante “ à solução final, nessa altura se colocando a possibilidade económica do arguido que não pode, se carente de rendimentos, prejudicar a movimentação da máquina judiciária, para além de que dispõe de mecanismos de superação da dificuldade, como o de apoio judiciário, vigente em qualquer jurisdição, além de que mesmo nas hipóteses de contraordenações puníveis com coimas de valor baixo, âmbito , de resto , cada vez menos limitado, excedendo a taxa esse montante, sempre se poderá dizer que o benefício a conseguir pela via de recurso –veja-se a hipótese de à coima, revigorando a sua força punitiva, acrescer sanção acessória –art.º 21.º , do RGCO – pode, largamente, compensar o obrigado ao pagamento. Considere-se a vulgar hipótese de inibição de conduzir, cuja privação pode acarretar prejuízos vultuosos tanto pessoal como profissionalmente, sendo inadequado falar, em termos genéricos, de um custo da justiça escandaloso, tornado insuportável, excepcionalmente gravoso, chocante do ponto de vista do cidadão médio, sendo proporcionados ou podendo ser o custo-benefício em indagação casuística.

Karl Engish define a justiça como tratamento igual do que é essencialmente igual, do princípio da equivalência, sublinhando que o reverso do preceito de igual tratamento implica o tratamento desigual do que é desigual desde o princípio, como manifestação, também, da proporcionalidade ou da divisa “ suum cuique tribuere “

O filósofo do direito e da moral, o belga Perelman, citado como Engish , in Metodologia do Direito de Karl Larenz , a págs . 243 e 248 , escreve em 1945 e 65, na sua obra “ Uber die Gerechtigkeit , pág. 27( traduzindo do léxico germânico “Sobre a justiça “), “que ser justo significa igual tratamento para todos seres que são, sob determinada perspectiva, iguais, que apresentam a mesma índole“, a justiça deixa-se assim permear e definir , “como sendo um princípio de acção no qual os seres da mesma categoria ontológica devem ser tratados do mesmo modo“ .

Sublinhe-se que o princípio da proporcionalidade, também com o alcance ínsito de proibição de excesso, de compressão mínima da franja dos direitos fundamentais, com tradução constitucional no art.º 18.º, da CRP, não sofre qualquer desvio no caso concreto em se tratando sempre a AA, SA, a recorrente nos acórdãos declarados em oposição, com o poder económico que se lhe reconhece, a quem, seguramente, não lesa desmedida e intoleravelmente a retenção de 1 (uma) Uc de taxa de justiça, em qualquer dos dois recursos, nos termos do art.º 8 .º, do RCP, atento, até , porque, pela prescrição declarada num, ficou, desde já, a salvo de qualquer pagamento ao Estado por coima.

De todo o modo o pagamento da taxa de justiça devida sempre que a coima não haja sido paga, contrastando, inexigindo-se-lhe, com aquele que a pagou previamente não violenta o princípio da igualdade significando, apenas, o tratamento diferenciado do que, por princípio, é desigual.

É uma questão de opção do legislador, que não cumpre ao intérprete e aplicador corrigir, sequer

Tão pouco ressalta da conjugação do art.º 94.º nº3, do RGCO, segundo o qual “ As custas são suportadas pelo arguido em caso de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória, de desistência ou de rejeição da impugnação judicial ou dos recursos de despacho ou sentença condenatória “ com o n.º 4, por força do qual “ Nos demais casos as custas serão suportadas pelo erário público “ ; o elemento gramatical do preceito respeita ao encargo de assunção de custas não compreendidas no n.º anterior, cometido ao Estado, suposta a responsabilidade do arguido, nada dispondo ou tendo que ver com a restituição da taxa inicial paga para impugnação, pois que “ as entidades administrativas com competência para aplicação das coimas e para arrecadar o seu produto é que, naturalmente, devem suportar os respectivos encargos, postulou-se no preâmbulo do Dec.º-Lei n.º 133/96, de 13/8 –cfr, ainda, Contraordenações, Anotações ao Regime Geral , comentada por Simas Santos e Jorge Sousa , pág. 650 .

De resto as custas e multas pagas no decurso do processo não são restituídas, era o princípio previsto no art.º 81 n.º 1, do revogado CCJ, que não se mostra revogado, ao menos implicitamente, nas leis posteriores sobre custas.

A jurisprudência que tem por temática a devolução ou não da taxa de justiça, sendo o desfecho do recurso de favor ao agente de contraordenação, além de escassa, é contraditória, sinal de que não gera controvérsia por ser um puro derivado da sua natureza, da lei e sua interpretação histórico-sistemática, à luz do seu processo evolutivo, sem afrontar princípios estruturantes da Constituição, como os invocados, além que mal se compreende que se faça recair sobre o erário público, sobre os cidadãos em geral que o alimentam, o suporte de uma importância devida por quem pugna por alcançar um seu interesse exclusivo.

O princípio “solve et repete“, tão querido em direito tributário, não cobra aplicação no caso em apreço.

No sentido do Ac. recorrido posiciona-se o da Relação de Évora, de 8.5.2012, P.º n.º 304/11.7TASTB–A–E1, recusando a restituição; em sentido oposto o supracitado de 27.9.2010, da Relação de Guimarães, alinhando em sentido do acórdão fundamento.

XIII. Incumbindo tomar posição final no litígio se decide, na conformidade do antes exposto:

1. Julgar improcedente o recurso, mantendo-se o Acórdão recorrido.

2 Fixar jurisprudência do seguinte teor:

“Sendo proferida decisão favorável ao recorrente em recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não há lugar à restituição da taxa de justiça, paga nos termos do art.º 8º, nºs 7 e 8, do Regulamento das Custas Processuais.”

Taxa de justiça: 8 Uc .

Cumprimento do art.º 444.º, do CPP.

Lisboa, 6 de Março de 2014

Santos Monteiro (Relator)

Arménio Sottomayor

Santos Cabral

Oliveira Mendes

Souto de Moura

Maia Costa

Pires Graça

Raul Borges

Isabel Pais Martins

Manuel Braz

Isabel São Marcos

Pereira Madeira

Santos Carvalho

Rodrigues da Costa

Henriques Gaspar (Presidente).

------------------

Voto de vencido



            Votei vencido pelas razões que resumidamente passo a expor.

            O art. 93º, nº 2, do Regime Geral das Contraordenações dispunha na sua versão originária (a do DL nº 433/82, de 27-10), que a impugnação judicial das decisões das autoridades administrativas estava isenta de taxa de justiça.

            Essa disposição foi tacitamente revogada pelo Código das Custas Judiciais de 1996 (aprovado pelo DL nº 224-A/96, de 26-11), por sua vez revogado pelo Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL nº 34/2008, de 26-2.

            Atualmente regem os nºs 7 e 8 do art. 8º do dito Regulamento, na versão da Lei nº 7/2012, de 13-2, que dispõem:

            7. É devida taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contraordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, nos termos da tabela III, que faz parte integrante do presente Regulamento, tendo em consideração a gravidade do ilícito.

                8. A taxa de justiça referida no número anterior é autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação ao arguido da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária, devendo ser expressamente indicado ao arguido o prazo e os modos de pagamento da mesma.

                A razão de ser da imposição da “taxa-preparo” terá sido a de evitar a necessidade de instauração de “pequenas execuções por custas” (como se refere no preâmbulo do DL nº 34/2008), cobrando assim inicialmente a taxa devida, no caso de o recurso ser improcedente. É uma medida pragmática, visando evitar a “multiplicação” daquelas execuções, como se diz no referido preâmbulo. Mas não impede, antes de alguma forma até pressupõe, a restituição da taxa, caso o recurso proceda.

                Acresce que se mantém em vigor o nº 3 do referido art. 93º do Regime Geral das Contraordenações, que estipula:

            3. Dão lugar ao pagamento de taxa de justiça todas as decisões judiciais desfavoráveis ao arguido.

                Este deve ser considerado o “princípio geral” em matéria de custas no âmbito do processo contraordenacional: há lugar ao pagamento de taxa de justiça quando (e quando) as decisões judiciais sejam desfavoráveis ao arguido.

            É essa também a regra do processo penal, estabelecida no art. 513º, nº 1, do Código de Processo Penal.

            E é esse entendimento o único que se harmoniza com o princípio do direito ao recurso (art. 32º, nºs 1 e 10, da Constituição): se o arguido obteve vencimento no recurso não pode ser sancionado, em termos de custas, por ter exercido esse direito.

            Se a lei lhe impõe um pagamento prévio de uma taxa de justiça para o seguimento da impugnação, essa taxa terá de lhe ser restituída, se a decisão desta lhe for favorável.

            Por outro lado, o entendimento que fez vencimento envolve uma desigualdade de tratamento que não tem justificação material. Na verdade, segundo o nº 7 referido, há lugar ao pagamento da taxa de justiça nos casos em que as coimas não tiverem sido previamente liquidadas.

            Não há, no entanto, qualquer razão material para distinguir entre essas situações e aquelas em que as coimas foram previamente liquidadas (e em que o recorrente não terá de pagar a taxa de justiça para o seguimento da impugnação).

            Esta desigualdade de tratamento de situações substancialmente idênticas (condenação em coima por infração contraordenacional) ofende o princípio da igualdade, previsto no art. 13º da Constituição.

            Por último, refira-se que não existe, em processo contraordenacional ou penal, qualquer regra geral que impeça a devolução da taxa de justiça. E existem casos em que essa devolução é expressamente contemplada. Assim, no processo de revisão, a lei prevê expressamente, no caso de sentença absolutória no juízo de revisão, a restituição ao arguido das quantias relativas a custas que tiver suportado (art. 462º, nº 1, do Código de Processo Penal), assim como a restituição ao assistente das custas que tiver pago, no caso de a sentença, no juízo de revisão, ser condenatória (art. 463º, nº 3, b), do mesmo diploma).

            Por este conjunto de razões, entendo que deveria ter sido fixada jurisprudência no sentido de, em caso de procedência de impugnação judicial de coima não previamente liquidada, há lugar à restituição ao arguido da taxa de justiça que tiver pago, nos termos do nº 7 do art. 8º do Regulamento das Custas Processuais, na versão vigente.

                                              

   Maia Costa