Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
53/14.4T8CBR-D.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO EUROPEU
CRÉDITOS NÃO CONTESTADOS
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FUNDAMENTOS
DECISÃO JUDICIAL
INJUNÇÃO
FALTA DE CONTESTAÇÃO
CASO JULGADO MATERIAL
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
DIREITO COMUNITÁRIO
REENVIO PREJUDICIAL
EXECUÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA
INCONSTITUCIONALIDADE
TÍTULO EXECUTIVO
UNIÃO EUROPEIA
Data do Acordão: 09/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO EUROPEU - TÍTULO EXECUTIVO EUROPEU PARA CRÉDITOS NÃO CONTESTADOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 729.º, AL. G).
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 805/2004: - ARTIGO 4.º, 13.º, 20.º, N.ºS 1 E 8.
Jurisprudência Internacional:
TJUE:
-ACÓRDÃO DE 16/6/2016, PROC. C-511/14.
Sumário :
I - Conforme tem sido afirmado pelo TJUE, “decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União Europeia, interpretação essa que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa (acórdão de 5 de Dezembro de 2013, Vapenik, C-508/12, EU:C:2013:790, n.º 23 e jurisprudência referida)” – acórdão de 16/6/2016, proc. C-511/14.

II - A definição de “Decisão”, constante do art. 4.º do Regulamento (CE) n.º 805/2004 (que criou o título executivo europeu para créditos não contestados) é perfeitamente clara quanto à respectiva interpretação e aplicação ao caso concreto, não se justificando, portanto, proceder ao reenvio prejudicial para o TJUE.

III - Estando em causa uma decisão jurisdicional – posto que não há qualquer dúvida de que a decisão certificada nos autos como título executivo europeu por um tribunal italiano constitui, para efeitos do referido Regulamento, uma decisão – e não uma injunção, não valem aqui as razões subjacentes à declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, “da norma constante do art. 857.º, n.º 1, do CPC (…) quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta fórmula executória”.

IV - Não pode ser invocado como fundamento de oposição à execução, que tem por base a decisão do tribunal italiano, um facto extintivo da obrigação exequenda que seja anterior ao início do processo nesse tribunal ou, mais rigorosamente, à citação nele efectuada nos termos certificados.

V - A limitação temporal constante do art. 729.º, al. g), do CPC está relacionada com a eficácia temporal do caso julgado material formado pela decisão (quando esta se torna definitiva) e com a regra da preclusão da defesa na contestação; esta inadmissibilidade ou preclusão vale nesta execução, tal como valeria na execução de uma sentença transitada em julgado, proferida por um tribunal português, numa acção não contestada, tanto mais que a decisão certificada como título executivo europeu é executada no Estado de execução “nas mesmas condições que uma decisão proferida” nesse mesmo Estado (art. 20.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 805/2004 e considerando n.º 8).

Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. No âmbito da execução sumária movida por AA, Srl., contra BB LDA – ..., Lda., no valor de € 112.118,00, com base num título executivo europeu proveniente do Tribunal de Cremona, Itália (cfr. requerimento executivo, certificado a fls. 16), a executada deduziu “oposição à execução e à penhora com pedido de suspensão da execução” (cfr. fls. 29, v.).

Para o que especialmente releva para o presente recurso, a executada veio alegar ter pago até 20/10/2003 a totalidade do preço correspondente ao contrato invocado na execução, celebrado através de um representante da exequente, CC, a quem sempre foram feitos os pagamentos parciais, e que lhe deu quitação do pagamento de todo o preço devido, em 31/10/2003; e que, “nunca, desde 2003 até 2012, data em que a ora oponente recebeu o (…) documento do Tribunal de Cremona (…), quer a exequente, quer o seu representante, reclamaram o que quer que fosse à oponente (…)”.

No despacho saneador (fls.64) decidiu-se, por entre o mais, que não procedida a excepção [de falta de título válido, exequível e inteligível] invocada pelo embargante”, por contrariar “a certificação como título executivo europeu, o que não é admissível” e definiram-se o objecto do litígio e o tema de prova – “saber se a embargante pagou à embargada a quantia exequenda” –, como alegara na petição de embargos.

Pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls.111, que revogou a decisão sumária proferida na apelação interposta pela exequente (fls. 72), com o objectivo de que os embargos fossem julgados inadmissíveis, nos termos do artigo 729º do Código de Processo Civil, e que procedesse a correspondente contestação, foram liminarmente indeferidos os embargos de executado, determinando-se “o normal andamento dos termos da execução”.

Para assim decidir, a Relação considerou que “ao admitir a oposição deduzida pela embargante nos termos do disposto no artº 729º, al. g) do C. P. Civil, ao não julgar totalmente improcedentes os embargos de executado sem necessidade de realização de audiência de discussão e julgamento e ao não ordenar o normal andamento da execução até final – violou, designadamente, o disposto no invocado artº 729º, do C. P. Civil” e 857º do mesmo Código, aplicáveis por força do disposto no nº 1 do artigo 20º do Regulamento (CE) 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, uma vez que o pagamento invocado nos embargos “é anterior (…) à citação da embargante efectuada pelo Tribunal de Cremona, ocorrida em 2012, pelo que, porque não houve contestação naquela acção instaurada no tribunal italiano, deve ter-se por adquirido que a ora embargante não pagou a peticionada dívida e, assim, o referido título executivo europeu deve abranger a quantia aí peticionada, ou seja, a ora quantia exequenda”. E recordou ainda que, de acordo com o nº 2 do artigo 21º do Regulamento, o Estado da execução não pode rever o mérito, nem da decisão, nem da sua certificação como título executivo europeu.

O acórdão de fls. 111 referiu ainda que no recurso “tramitado no Apenso nº 53/14.4T8CBR-E.C1” havia sido proferida em 5 de Julho de 2016 decisão sumária que, “julgando improcedentes os embargos de executado deduzidos pela recorrente BB, declarou válido e exequível o Título executivo europeu dado à execução e ordenou o normal andamento dos autos de execução”.

Este acórdão de fls. 111 foi completado pelo acórdão de fls. 166, aprovado na sequência do despacho de fls. 161, no qual se decidiu que, contrariamente ao alegado pela apelante, não era inconstitucional a norma constante do nº 2 do artigo 21º do Regulamento (CE) nº 805/2004, não devendo, por conseguinte, ser recusada a respectiva aplicação. E foi ainda junta cópia da decisão proferida no apenso 53/14.4T8CBR-E.C1, com a indicação de ter transitado em julgado.

Ficou assim a conhecer-se neste recurso – que, tal como a apelação, subiu em separado – o teor dessa decisão, e pode verificar-se que as questões colocadas na revista foram já parcialmente resolvidas com força de caso julgado no presente processo.

A fls.178, a recorrente veio alargar o âmbito do recurso, invocando o suprimento da nulidade operado pelo acórdão de fls. 166.

2. Nas alegações de revista foram formuladas as conclusões seguintes, que se transcrevem parcialmente:


1- (…)
2 - Partindo da hipótese – que se não aceita, como adiante se explanará – que existe um título válido e eficaz, temos então que nenhum reparo ou censura merecem, nem o douto despacho saneador proferido, nem a douta decisão singular do Tribunal da Relação que o confirmou, porquanto podia e devia aquele ter enunciado o Objecto do Litígio e identificado o Tema de Prova, o que fez correctamente.
3- É que, ao contrário do que alega a Exequente e foi considerado pelo douto Tribunal a quo, o documento dado à execução não passa da versão italiana de uma injunção portuguesa.

4 -  Com efeito, o Tribunal Italiano "limitou-se" a ordenar à ora recorrente que
pagasse um crédito à Exequente, uma vez que existia uma factura emitida por força
de um contrato de compra e venda, datado de 14/10/2000, sem que juntasse
qualquer documento – o Balcão Nacional de Injunções envia uma comunicação ao
Requerido, ordenando-lhe que pague ao Requerente uma determinada quantia
certa, devida pela existência de uma factura concretamente identificada, emitida por força de um contrato de compra e venda, com uma data concreta e perfeitamente identificada, sem que junte qualquer documento.

5 - Nenhuma outra intervenção teve o  Tribunal italiano  através  do  sr. magistrado titular do processo, designadamente, não foi proferida qualquer decisão, após análise do comportamento processual da Ré, isto é, não houve qualquer  "sentença" proferida pelo   Tribunal Italiano  após constatar a revelia (alegadamente operante) da Ré, sentença essa que, por não existir, não foi notificada à mesma, como obrigatoriamente teria de ser.

6 - Ora, a mera leitura do documento notificado à ora recorrente por qualquer pessoa com um entendimento médio – o bonus pater familiae – permite constatar e concluir sem nenhuma margem para dúvidas que as indicações do prazo para oposição, a obrigatoriedade, ou não, de se fazer representar por um advogado, as consequências da falta de contestação e a sua responsabilidade pelos custos da acção, não constam da notificação do documento que dá início à instância e que é, aliás, o único documento emitido pelo tribunal italiano, o que permite, portanto, fazer o Tribunal Português perceber e constatar que o constante do ponto 11.2 do modelo italiano da Certidão de Título Executivo Europeu, dado à execução, não corresponde à verdade, não tendo o devedor sido informado em conformidade com os artigos 16° e 17° do Regulamento.

7 - Por outro lado, os pontos 13.1, 13.2 e 13.3 referem-se à comunicação da decisão tomada após o decurso do prazo para contestar (característica, aliás, de qualquer "Sentença") e, consequentemente, querem forçosamente referir-se a uma nova comunicação ao devedor,  necessariamente diferente da notificação do documento que deu início à instância e que sanaria este – documento esse que não existe, pois a existir teria sido junto ao presente processo, por tal ser obrigatório nos termos do artigo 20° n° 2, alínea a) do Regulamento (CE) n° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/2001.

8 -  Ou seja, após o decurso do prazo da contestação, não foi proferida qualquer sentença, como se alcança facilmente pelos documentos juntos, não tendo sido efectuada qualquer nova notificação à Ré, comunicando-lhe a (inexistente) sentença contra si proferida.
9 - Estipula o artigo 20°, n° 1 do Regulamento (CE) n° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/2001, que os trâmites da execução são regidos pelo direito do Estado-Membro de execução, sendo uma decisão certificada como Título Executivo Europeu executada nas mesmas condições que uma decisão proferida no Estado-Membro de execução.
10 - Ora, considerando – na hipótese que analisamos e que se não aceita – a validade do título executivo, então não pode haver dúvidas de que pode e deve o Estado-Membro de execução analisar o título dado à execução e tratá-lo. para efeitos de execução, como entender mais adequado, designadamente, tratá-lo como se de uma Injunção Portuguesa se tratasse, como, efectivamente, trata.
11 - Em primeiro lugar porque, como vimos já, o procedimento italiano utilizado é idêntico ao do instituto da injunção portuguesa, nada tendo de comum com qualquer acção portuguesa, ou estrangeira, desde logo porque, apesar de existir intervenção inicial do juiz, face à falta de contestação da Ré, não é este chamado a apreciar tal comportamento, inexistindo qualquer sentença, qualquer apreciação (e muito menos critica, ou fundamentada) de tal comportamento, inexistindo, portanto, intervenção judicial na fase de decisão, não sendo proferida qualquer sentença.
12 - Por outro lado, o certo é que as palavras são importantes e têm significados próprios e concretos e jurídicos, motivo pelo qual é absolutamente fundamental que um qualquer  procedimento  que   implique  consequências, patrimoniais ou não patrimoniais, nos destinatários, seja traduzido de forma clara, precisa,  rigorosa e fiel ao original, sob pena de não poder tal procedimento considerar-se válido ou eficaz na esfera jurídica do destinatário, não produzindo, consequentemente, quaisquer efeitos.

13 - Ou seja, ao contrário do alegado pelo exequente e aparentemente aceite
pelo douto Tribunal da Relação, "a
sentença italiana de condenação da Embargante" não é, no caso concreto, nem pode ser "equiparada à sentença portuguesa", porquanto o documento dado à execução não contém qualquer elemento que o possa fazer equiparar-se a uma sentença portuguesa – análise crítica da prova, fundamentação e motivação dos elementos decisivos para a formação da convicção do julgador, indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis (cf. artigo 607° do Código de Processo Civil) – não contendo, sequer, qualquer "decisão final", que, clara e inequivocamente, condene (ou absolva) o destinatário.

14 - Com efeito, a interpretação que o douto Tribunal da Relação (e a
exequente) faz da conjugação do artigo 20° n° 1 com o artigo 21° n° 2 do Regulamento (CE) n° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/2001 e seguida pelo douto Tribunal da Relação, interpretando-os no sentido de que está vedado ao Estado-Membro de execução qualificar processualmente como Injunção a decisão dada à execução e, consequentemente, admitir oposição
à execução com qualquer fundamento que possa ser invocado como defesa no processo de declaração, viola o princípio fundamental do estado de direito democrático que é o Acesso ao Direito e a uma Tutela JurisdicionalEfectiva, pelo que padecerá de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 8
o e 20° da Constituição da República Portuguesa, não devendo ser admitida, inconstitucionalidade que se invocou nas contra-alegações de recurso apresentadas e que novamente ora se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

15 - Ora, nenhum dos argumentos agora explanados pela recorrente foi
considerado, analisado ou sequer referido no douto acórdão de que se recorre, designadamente,
não foi apreciada a questão da inconstitucionalidade levantada pela ora recorrente, deixando o Tribunal de se pronunciar sobre questão que devia apreciar, sendo nulo o douto acórdão proferido, nos termos do artigo 615° n° 1, al. d) do Código de Processo Civil, nulidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
16 - Por outro lado e ao contrário do constante do douto acórdão recorrido, não é exacto que "quer na execução fundada em sentença, quer na fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, apenas podem ser alegados os fundamentos de embargos previstos no artigo 729° do Código de Processo Civil. E ainda quanto a esta última, as situações excecionais previstas nos n°s2 e 3 do artigo 857°do C. R Civil,"
17 -  É que e como consta do douto despacho saneador proferido, o artigo 814°, n° 2 do Código de Processo Civil (versão antiga) – que corresponde ao artigo 857° do novo Código de Processo Civil – foi declarado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional através do seu Acórdão n° 388/13 de 09/07, podendo, consequentemente, servir de fundamento à Oposição à Execução quaisquer fundamentos que pudessem ser invocados como defesa no processo de declaração, nos termos do artigo 731° do Código de Processo Civil.
18 - Temos assim que, na hipótese de validade do título executivo que analisamos – e que se não aceita – não é a douta decisão proferida merecedora de qualquer reparo ou censura, devendo ser mantida nos seus precisos termos.
19 - Mas o certo é que o documento dado à execução pela exequente é inexequível, uma vez que o mesmo é ininteligível, mesmo para um profissional do foro, sendo certo que não continha, nem contém os elementos necessários para que o destinatário ficasse a perceber quais os requisitos processuais para deduzir a oposição, incluindo o prazo de contestação e a obrigatoriedade, ou não, de se fazer representar por advogado, bem como quais as consequências da falta de contestação, nomeadamente, a possibilidade de uma decisão ser proferida ou executada contra si e a sua responsabilidade pelos custos da acção judicial.

20 - Como se disse já, a mera leitura do documento notificado à ora
recorrente por qualquer pessoa com um entendimento médio
permite constatar as faltas do mesmo, designadamente permite perceber que o destinatário não foi informado dos seus direitos e obrigações.
21 - Não se quer, de forma alguma, com tal afirmação, pôr em causa o douto Tribunal de Cremona, nem dizer que o mesmo afirmou que tais artigos foram cumpridos, sabendo que o não foram – não é isso, de todo, o que se pretende afirmar, sendo que está-se em crer que o Tribunal de Cremona não sabe (e, em bom rigor, nem pode saber) o que foi comunicado ao (alegado) devedor, porquanto não sabe o que consta da tradução que foi feita.
22 - Mas o Tribunal Português sabe e tem concreta obrigação de saber, porquanto foi junta tal tradução.

23 - Não tendo sido efectuada uma nova notificação ao devedor,
designadamente, não lhe tendo sido notificada qualquer sentença, mas apenas a notificação que padece dos vícios já invocados,
o que também é imediatamente constatado pelo Estado-Membro de execução, não pode o simples preenchimento dos pontos 13.1, 13.2, 13.3 e 13.4 da Certidão de Título Executivo Europeu sanar a
inobservância dos artigos 13° a 17° do Regulamento (CE) n° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/2001, não podendo, em consequência, a decisão ser certificada, nos termos do artigo 18°, n° 1 do mesmo Regulamento (CE).

24 - Qualquer interpretação do referido artigo 18°, n° 1 do Regulamento (CE) n° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/2001,diferente da agora exibida, designadamente, a interpretação daquele artigo 18° no sentido de
que, mesmo que não exista sentença, ou o devedor não tenha sido notificado da decisão (sentença) proferida no Estado-Membro de origem, mas apenas da petição
inicial de onde não consta a informação acerca dos requisitos processuais para deduzir oposição, incluindo o prazo de contestação e a obrigatoriedade de constituição de advogado, nem acerca das consequênciasdafaltadecontestação,designadamente, a possibilidade de uma decisão ser proferida ou executada contra
o devedor e a sua responsabilidade pelos custos da acção, considera-se sanada a inobservância dos artigos 13° a 17° do mesmo Regulamento (CE) desde que se mostrem preenchidos os pontos 13.1, 13.2, 13.3 do Anexo I do referido Regulamento, viola o princípio fundamental do Estado de Direito Democrático que é o Acesso ao Direito e a uma Tutela Jurisdicional Efectiva, pelo que padecerá de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 8° e 20° da Constituição da República Portuguesa,
inconstitucionalidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

25 - O documento dado à execução é, como se demonstrou, inválido e inexequível, o que resulta à saciedade da simples leitura do mesmo, que permite concluir que não foram respeitados, nem assegurados os direitos de defesa da ora recorrente, pelo que não pode o Estado-Membro de execução deixar de ter competência, ou seja, o poder e o dever de verificar e decidir, não o mérito da causa, mas o cumprimento dos requisitos processuais para que a decisão proferida possa ser executada, sob pena de violação séria, grave e de impossível reparação dos princípios fundamentais do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, da legalidade e da igualdade.

26- Pelo que podia e devia o tribunal de 1a instância e o douto Tribunal a quoter decidido a desaplicação do artigo 21°, n° 2 do Regulamento (CE)n°805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/2001, porestanorma,conjugada com a correcta interpretação do artigo 18° do mesmo regulamento, violar os artigos 8o,
9
o, 12°, 13°, n°2e 20° da Constituição da República Portuguesa.

27 - Ao decidir da forma constante do douto acórdão proferido, violou o douto Tribunal a quo, entre outros, o disposto nos artigos 729°, 731° e 857° do Código de Processo Civil, 13°, 14°, 16°, 17°, 18° e 21°, n° 2 do Regulamento (CE) n° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/2001, 8o n° 4, 9°, alínea b), 13°, 18°, e 20° da Constituição da República Portuguesa, o acórdão do Tribunal Constitucional n° 388/13 de 09/07 e ainda os princípios constitucionalmente consagrados da legalidade, do acesso ao direito e aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, da igualdade e do direito a um processo equitativo.

Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, consequentemente, ser revogado o douto acórdão proferido, tudo com todas as legais consequências. JUSTIÇA!»

O recurso de revista foi admitido.

Na ampliação de fls. 178, a recorrente formulou as seguintes conclusões adicionais:

«1-A – (…)

2-A – Partindo da hipótese – que se não aceita, como adiante se explanará – que existe um título válido e eficaz, temos então que nenhuma reparo ou censura merecem nem o douto despacho saneador proferido, nem a douta decisão singular do Tribunal da Relação que o confirmou, porquanto podia e devia aquele ter enunciado o objecto do litígio e identificado o tema da prova, o que fez correctamente.

3-A – No caso concreto, a ora recorrente não pode defender-se no tribunal italiano, por não perceber o que lhe era dito acerca de tal matéria – o que é perfeitamente verificável em Portugal e possivelmente escapou ao tribunal italiano (sem qualquer culpa sua, pois confiou no tradutor) – e, a manter-se a decisão recorrida, não poderá defender-se no tribunal português, ou seja, não pode defender-se em lado nenhum!

4-A – E não pode o princípio da segurança jurídica, e muito menos neste caso concreto, sobrepor-se ao direito fundamental do acesso ao direito e aos tribunais e uma tutela jurisdicional efectiva, antes devendo ceder perante este direito fundamental.

5-A – Mantendo-se as inconstitucionalidades invocadas e que devem ser declaradas.»

Em contra-alegações, a embargada começou por suscitar, como questão prévia, a inadmissibilidade do recurso, por estar já decidido com força de caso julgado que o título executivo é válido e eficaz (apenso E) e, se assim se não entendesse, a sua improcedência, concluindo assim, quanto a esta:

(…)
10. «Face ao título executivo que titula a execução – Titulo Executivo Europeu (doravante TEE) de Sentença proferida por Tribunal Italiano –, prova apresentada pelas partes e peças processuais juntas, a oposição apresentada pela Embargante deve, tal como foi, ser considerada inadmissível por falta de fundamento legal, e bem assim estando os autos em condições de prolação de sentença. Só deste modo é feita uma correcta interpretação e integração, da matéria e facto constante dos autos e do disposto no art. 729.º do CPC, aplicável ex vi art. 20.º do Regulamento 805/2004, de 21 de Abril que criou o TEE.
11. A presente execução está baseada em sentença emitida por órgão jurisdicional italiano (Tribunale di Cremona) certificada com Título Executivo Europeu e, ao contrário do alegado pela ora recorrente, e tentando convencer os Mmos. Juízes ad quem, o documento que serviu de base à execução não corresponde a uma injunção à qual foi aposta fórmula executória por Tribunal Italiano e certificada pelo mesmo Tribunal como «Titulo Executivo Europeu», mas sim uma sentença emitida por Juiz proferida na sequência de uma acção declarativa com articulação dos factos causa de pedir e pedido. Sentença que, adquiriu imediata força executiva.
13. A executada nas suas alegações confunde cabalmente o procedimento de Injunção Italiana que consequentemente, e uma vez que não houve oposição legitima da executada, deu lugar ao Titulo Executivo Europeu foi criado pelo Regulamento 805/2004, de 21 de Abril de 2004, para os créditos não contestados pelos seus devedores, com o Requerimento de Injunção Europeia criado pelo Regulamento (CE) 1896/2006, de 12 de Dezembro de 2006. E ainda, tentando confundir, chamando aos autos o procedimento de injunção portuguesa, que nada tem a ver com os restantes.
14. Conforme refere o Regulamento “O título executivo europeu é um certificado que permite que as decisões, transacções judiciais e instrumentos autênticos relativos a créditos não contestados sejam reconhecidos e executados automaticamente noutro Estado-Membro sem qualquer procedimento intermédio.” Decisão é definida pelo art. 4.º do referido Regulamento como “qualquer decisão, proferida por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro, independentemente da designação que lhe for dada, tal como acórdão, sentença, despacho judicial ou mandado de execução, bem como a fixação, pelo secretário do tribunal, do montante das custas ou despesas do processo.”
15. Assim, ao abrigo do Regulamento (CE) 805/2004, uma injunção portuguesa à qual tenha sido aposta fórmula executória nunca poderia ser certificada como título executivo através da emissão de um Titulo Executivo Europeu, por não ser uma decisão jurisdicional, mas sim meramente um acto de secretaria.
16. A Embargante, ora Recorrente, foi citada para a acção, e não apresentou qualquer contestação válida entrando em revelia (operante) e, consequentemente, tendo sido proferida sentença. Pois, conforme resulta dos autos, a Embargante enviou uma contestação ao processo, tendo sido notificada pelo Tribunal italiano (doc. que se juntou com o requerimento de 13.02.2015) que a mesma não aceite sugerindo a representação por advogado italiano para apresentação de válida contestação.
17. Ou seja, a Embargante não descurou a citação recebida, mas reagiu de forma inadequada e apesar do aviso recebido por parte do juiz italiano nada fez, caindo assim por terra a argumentação da recorrente nas suas alegações dizendo que não compreendeu o conteúdo da notificação recebida e como tal não reagiu. Por conseguinte, foi emitida sentença por juiz italiano que após trânsito em julgado, o Mmo. Juiz italiano certificou como Titulo Executivo Europeu nos termos do Reg. (CE) 805/2004, de 21 de Abril.
18. A Recorrente invoca, ainda, o absurdo argumento de que o Balcão Nacional de Injunções age enviando “uma comunicação ao Requerido, ordenando-lhe que pague ao Requerente uma determinada quantia certa, devida pela existência de uma factura concretamente identificada. (…) e foi só, no caso concreto, o que o Tribunal italiano fez, ou seja, o Tribunal italiano, agiu da mesma forma como age o Balcão Nacional de Injunções”. No entanto, quando, em Portugal se apresenta petição inicial para acção declarativa sob a forma de processo comum, o requerido limita-se a receber uma notificação (citação) com documento (petição inicial) onde se peticiona o pagamento de determinada factura, sem qualquer intervenção do Juiz para tal citação. Caso não haja contestação, o Juiz profere sentença. Dessa sentença pode ser preenchido o formulário a que alude o art. 805/2004 para que a mesma seja título executivo noutro estado membro da EU.
19. Ora, em Itália, ao contrário, é feito um pedido de emissão de decreto/despacho injuntivo, ou seja, é apresentada uma petição inicial, que é vista pelo Juiz, que, por sua vez, emite o despacho (decreto) injuntivo, sendo este, juntamente com a petição inicial, notificado ao requerido. Pelo conteúdo da petição inicial e do despacho, que se encontra assinado pelo Juiz italiano, é o Requerido informado e avisado que deverá proceder ao pagamento do valor em dívida e de que não o fazendo ou não apresentando oposição é declarada executoriedade ao decreto emitido. Por sua vez, com base na sentença/despacho e para que tal sentença seja titulo executivo noutro estado membro, é então preenchido o formulário de titulo executivo europeu a que aludo o Regulamento 805/2004. Sendo os procedimentos judiciais italiano e português muito semelhantes. Isto é, tal como em Itália, também os tribunais portugueses usam o Formulário de Título executivo europeu se quiserem que as suas sentenças sejam directamente executadas noutros estados membros! Coisa diversa é a injunção portuguesa, que não é judicial, e que não pode, à luz do reg. 805/2004 conferir titulo executivo europeu por não se tratar de uma decisão jurisdicional!
20. Posto isto, apresentado o requerimento executivo em Portugal, escolhendo como título no “Titulo Executivo Europeu”, foi o embargando citado podendo a ele opor-se, apenas, nos termos dos artigos 20.º, 21.º e 23.º do Regulamento, conforme despacho do Mmo. Juiz de 3.06.2015. Nos termos do art. 20.º n.º 1 do Regulamento “Uma decisão certificada como Título Executivo Europeu será executada nas mesmas condições que uma decisão proferida no Estado-Membro de execução” e nos termos do art. 21.º n.º 2 “ A decisão ou a sua certificação como Título Executivo Europeu não pode, em caso algum, ser revista quanto ao mérito no Estado-Membro de execução.” E como bem cita a Mma. Juiz “Isto significa que «não compete ao Tribunal da execução avaliar nem do mérito da decisão nem da sua certificação como Título Executivo Europeu» (neste sentido, cf. o ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, de 21 de Setembro de 2010, inwww.dgsi.pt).”
21. Isto significa que a sentença emitida pelo órgão jurisdicional italiano (Tribunal de Cremona), junta aos autos, tem o mesmo reconhecimento e força em âmbito comunitário, (no caso Portugal), que uma sentença emitida por um órgão jurisdicional do próprio País (Tribunal Português), da mesma forma que igual tratamento teria uma sentença emitida por um juiz português perante um tribunal italiano, no respeito do princípio de confiança reciproca entre órgãos jurisdicionais comunitários.
22. Ou seja, conforme Douto acórdão recorrido, equiparando o Reg. Comunitário 805/2004 uma decisão italiana a uma decisão portuguesa, à presente execução apenas poderão ser admitidos como fundamentos para oposição, os do art. 729.º CPC, isto é “Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença”.
23. A sentença italiana de condenação da Embargante, é equiparada à sentença portuguesa, aplicando-se-lhe o art. 729 cpc, não por força do n.º 1 do art. 857 CPC relativo exclusivamente ao instituto jurídico das injunções portuguesas entretanto declarado inconstitucional,   mas  por  força  do  art. 20  n.º  1  do  Regulamento CE  805/2004.  
Assim decidiu   o  Ac.   TRP  de   21.09.2010, supra   referido   “(…)   Estando   em  causa  a  execução  em Portugal de uma decisão judicial proferida por Tribunal Italiano e certificada pelo mesmo Tribunal como “Título Executivo Europeu”, nos termos previstos no Regulamento (CE) n.° 805/2004, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, não compete ao Tribunal da execução avaliar nem do mérito da decisão nem da sua certificação como Título Executivo Europeu (art. 21.°, n.° 2, do dito Regulamento).
24. Esta execução processa-se segundo os trâmites do Estado-Membro de execução e nas mesmas condições que uma decisão proferida no Estado-Membro de execução (art. 20.°, n.° 1, do mesmo Regulamento).
25. Deste modo, a oposição à referida execução apenas pode incidir sobre algum dos fundamentos previstos no art. 814.º do Código de Processo Civil. (ao qual corresponde o actual art. 729.º CPC). (…)”
26. Embargante/recorrente alega no seu articulado o suposto pagamento à embargada da quantia exequenda. No entanto, esse alegado pagamento, – que a recorrida reitera que não recebeu – é anterior à acção judicial que correu termos em Itália. Pois bem, a Embargante alega pagamentos de 2001 e 2003, tendo sido citada para a acção italiana em 17.10.2012, cfr. doc. n. 1 junto com o requerimento executivo e nos termos do art. 729.º al. g) é fundamento de oposição à execução baseada em sentença “qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.” (negrito e sublinhado nosso) e como se viu o pagamento alegado pela Embargante é muito anterior à decisão judicial. Motivo pelo qual não é admissível, a sua discussão.
27. A Embargante ao apresentar uma oposição com base em certos fundamentos que estão fora dos legalmente admissíveis não pode ter outra consequência, que não seja a rejeição da mesma, pois quer fazer uso indevido da acção executiva, e da aparente possibilidade de deduzir embargos, para nomeadamente invocar factos que deveriam ter invocados na acção declarativa em Itália.

28. Assim, bem estiveram os Mmos. Juízes a quo, ao considerarem a oposição apesentada como inadmissível, indeferindo-o liminarmente por falta de fundamento legal, uma vez que não estão ao abrigo de nenhum dos fundamentos previstos no art. 729 cpc, estando os autos em condições para prolação de sentença e por conseguinte ser julgada procedente a contestação da Embargada, prosseguindo a execução seu termos.

Pede-se assim que o presente recurso não seja admitido (…) e, caso assim não se entenda (…), seja o recurso considerado improcedente (…).»

Em resposta ao alargamento de fls. 178, a recorrida veio reiterar o seu acordo ao acórdão recorrido e, portanto, à improcedência do recurso. Salientam-se as seguintes conclusões:

«(…). 5. Por conseguinte, conforme douto acórdão recorrido, equiparando o Reg. Comunitário 805/2004 uma decisão italiana a uma decisão portuguesa, à presente execução apenas poderão ser admitidos como fundamentos para oposição, os do art. 729º CPC, isto é, ‘Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença’.

6. Não estamos perante uma situação em que, conforme alega a recorrente, o princípio da segurança jurídica se sobrepõe ao princípio do acesso ao direito e aos tribunais. Estamos sim perante o casamento perfeito entre ambos, pois é permitido o acesso ao direito e aos tribunais sempre, mas evitando a discussão da mesma temática vezes sem fim, daí o legislador ter criado mecanismos como o instituto despacho revelia operante e inoperante e a (im)possibilidade de invocar argumentos em sede de execução que deveriam ter sido levantados em sede de acção declarativa, evitando-se assim maior morosidade na justiça! Já quanto a matéria/factos novos, modificativos ou extintivos da obrigação existentes posteri9ormente à acção declarativa, o legislador não levantou quaisquer limitações, como é óbvio (art. 729º al.g)).

7. A embargante/ recorrente alega no seu articulado o suposto pagamento à embargada da quantia exequenda. No entanto, esse alegado pagamento – que a recorrida reitera que não recebeu – é anterior à acção judicial que correu termos em Itália, pois a embargante alega pagamentos de 2001 e 2003, tendo sido citada para a acção italiana em 17.10.2012, e como tal fora dos motivos elencados no art. 729º CPC e motivo pelo qual não é admissível a sua discussão.

8. Discutir o tema de prova enunciado de ‘saber se a embargante pagou à embargada a quantia exequenda’ é entrar no mérito da causa, pois os factos alegados são anteriores à sentença emitida pelo tribunal italiano e respectivo título executivo europeu. Or seja, o tribunal português está a rever no mérito uma decisão jurisdicional italiana, em violação do estabelecido no Reg CE 805/2004; Reg CE 44/2001 e subsequente Reg CE 1215/2012.

9. A embargante, ao apresentar uma oposição com base em certos fundamentos que estão fora dos legalmente admissíveis não pode ter outra consequência, que não seja a rejeição da mesma, não sendo tal situação, de todo, inconstitucional, não tendo a decisão proferida violado a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente os princípios da legalidade, acesso ao direito e aos tribunais, e a uma tutela jurisdicional efectiva, da igualdade e do direito a um processo equitativo.»

3. Os factos relevantes resultam do relatório.

      O objecto do recurso reduz-se a saber se, no presente processo executivo, é admissível alegar como fundamento de oposição à execução um pagamento da dívida exequenda anterior à citação ou notificação da embargante, efectuada, segundo consta do certificado de título executivo europeu – decisão judicial junta a fls. 23v., nos termos do artigo 13º do Regulamento (CE) 805/2004 (cfr. ponto 11, fls. 24v.).

A recorrente coloca ainda a seguinte questão de constitucionalidade: “a interpretação que o douto Tribunal da Relação (e a exequente) faz da conjugação do artigo 20° n° 1 com o artigo 21° n° 2 do Regulamento (CE) n° 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/2001 e seguida pelo douto Tribunal da Relação, interpretando-os no sentido de que está vedado ao Estado-Membro de execução qualificar processualmente como Injunção a decisão dada à execução e, consequentemente, admitir oposição
à execução com qualquer fundamento que possa ser invocado como defesa no processo de declaração, viola o princípio fundamental do estado de direito democrático que é o Acesso ao Direito e a uma Tutela Jurisdicional Efectiva, pelo que padecerá de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 8
o e 20° da
Constituição da República Portuguesa, não devendo ser admitida,
inconstitucionalidade que se invocou nas contra-alegações de recurso apresentadas e que novamente ora se invoca para todos os devidos e legais efeitos.”

Observa-se desde já que a delimitação do objecto do presente recurso, que desconsidera as questões relativas à validade, exequibilidade e inteligibilidade (aqui incluída a questão da tradução) da decisão italiana, certificada como título executivo europeu, se explica pela circunstância de tais questões se encontrarem decididas com força de caso julgado no presente processo pela decisão proferida no Apenso 53/14.4T8CBR-E.C1, junto ao recurso na sequência do despacho de fls. 161, como se disse já. Não serão, portanto, apreciadas; mas essa circunstância não impede a admissão do recurso, uma vez que não esgota as questões directa ou indirectamente colocadas pela recorrente.

4. A recorrente insiste em que a decisão italiana que constitui o título executivo seja tratada como injunção, por razões de todos conhecidas. O acórdão nº 264/2015 do Tribunal Constitucional, de 12 de Maio de 2015, reiterando a orientação formulada pelo acórdão nº 388/2013 do Tribunal Constitucional quanto ao nº 2 do artigo 814º do anterior Código de Processo Civil, na redacção resultante do Decreto-Lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, que o declarara inconstitucional, com força obrigatória geral, “quando interpretado “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual fo[ra] aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição”, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, «da norma constante do artigo 857.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, quando interpretada “no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória”», também “por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”. Julgou-se assim que as alterações introduzidas pelo Código de Processo Civil de 2013, quanto aos termos possíveis da oposição a uma execução baseada numa injunção a qual foi aposta a fórmula executória, eram irrelevantes para a questão da conformidade constitucional.

    O acórdão recorrido considerou que, tendo em conta a proibição de revisão do mérito da decisão italiana, certificada como título executivo europeu – nº 2 do artigo 21º do Regulamento nº 805/2004 –, nunca a alegação do pagamento poderia ser admitida no caso presente, não relevando saber se a execução se baseia “em sentença ou em requerimento de injunção ao tenha sido aposta a fórmula executória” (fls. 116).

     A recorrente pretende, assim, que se recuse a aplicação do nº 2 do citado artigo 21º do Regulamento nº 805/2004 com fundamento em inconstitucionalidade, entendendo desconforme com os princípios constitucionais que refere ser impossível considerar a concreta decisão italiana como uma injunção e, portanto, permitir a discussão de todos os fundamentos que poderiam ser invocados como meio de defesa numa acção declarativa.

   5. Mas, na verdade, no contexto da afirmação de inconstitucionalidade da recorrente, nem interessa saber se os tribunais portugueses estão ou não impedidos de “qualificar processualmente como Injunção a decisão dada à execução” no presente processo, para usar os termos em que a recorrente se exprime. Para além de se tratar de uma decisão proveniente de um juiz, o que faz toda a diferença numa ordem jurídica, como a portuguesa, em que o juiz não tem intervenção quando o secretário judicial apõe a fórmula executória numa injunção sem oposição, a verdade é que, se fosse possível que os tribunais portugueses avaliassem se a decisão do tribunal italiano deve ou não ser considerada como uma decisão jurisdicional para os efeitos do nº 1 do artigo 4º do Regulamento 805/2004, chegar-se-ia à conclusão de que essa decisão contém os elementos necessários para ser tratada como sentença, mesmo à luz da lei portuguesa. Recorde-se, aliás, que a não intervenção de um juiz é o fundamento essencial do julgamento de inconstitucionalidade atrás referido.

      É todavia certo que não se pode recorrer à lei interna (do Estado da execução, neste caso, Portugal) para interpretar o sentido que deve ser atribuído às decisões definidas no nº 1 do artigo 4º do Regulamento 805/2004, com o objectivo de saber se a decisão do Estado de origem (Itália, no caso) deve ser havida como sentença ou como injunção, para efeitos de determinação do âmbito de oposição à execução (cujos trâmites e condições da execução se regem pela lei portuguesa, nº 1 do artigo 20º do Regulamento).

Na verdade, como todos sabemos e foi mais uma vez recordado, por exemplo, no acórdão de 16 de Junho de 2016 do Tribunal de justiça da União Europeia, processo).” C‑511/14, Pebros Servizi srl contra Aston Martin Lagonda Ltd,“decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União Europeia, interpretação essa que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa (acórdão de 5 de Dezembro de 2013, Vapenik, C‑508/12, EU:C:2013:790, n.º 23 e jurisprudência referida)”.

Ora, a definição de decisão constante do artigo 4º do Regulamento – “Para efeitos do presente regulamento, aplicam-se as seguintes definições:

1. «Decisão»: qualquer decisão, proferida por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro, independentemente da designação que lhe for dada, tal como acórdão, sentença, despacho judicial ou mandado de execução, bem como a fixação, pelo secretário do tribunal, do montante das custas ou despesas do processo.” – é perfeitamente clara  quanto à respectiva interpretação e aplicação ao caso concreto. Não se justifica, no entender deste Supremo Tribunal, a suspensão da execução e o pedido de interpretação ao Tribunal de Justiça da União Europeia, como questão prejudicial. Nem nenhuma das partes, nem nenhuma das instâncias suscitou a questão, e o Supremo Tribunal de Justiça não tem qualquer dúvida de que a decisão certificada como título executivo europeu pelo Tribunal de Cremona é uma decisão, no sentido do nº 1 do artigo 4º acabado de transcrever, e uma decisão jurisdicional.

   6. Mas suponha-se, apenas para efeitos de raciocínio, que era possível que os tribunais portugueses recorressem à lei portuguesa para avaliar se a decisão do tribunal italiano deve ser considerada como uma decisão jurisdicional – como uma sentença, no caso concreto – ou como uma injunção, ou seja, para interpretar o sentido que deve ser atribuído às decisões previstas no nº 1 do artigo 4º do Regulamento 805/2004, e se a decisão sob execução estava abrangida por esse sentido.

     Ainda assim, e contrariamente ao que afirma a recorrente, concluir-se-ia que a referida decisão contém os elementos necessários para ser considerada como sentença, mesmo à luz da lei portuguesa.

Com efeito, e tendo como referência os argumentos constantes da conclusão 13ª, na qual a recorrente, invocando o artigo 607º do Código de Processo Civil, sintetiza as razões pela qual “o documento dado à execução não contém qualquer elemento que o possa fazer equipara-se a uma sentença portuguesa”, sempre se acrescenta que tal afirmação não corresponde à lei portuguesa: cfr. nº 2 do artigo 152º do Código de Processo Civil (noção de sentença), nº 1 do artigo 153º (requisitos externos) e nº 3 do artigo 567º (simplificação da sentença proferida em processo não contestado).

Por esta razão, não se aprecia a questão de constitucionalidade tal como foi formulada pela recorrente, por inutilidade: com efeito, também a lei portuguesa impediria o tratamento da decisão do Tribunal de Cremona como injunção.

   7. Não pode pois ser invocado como fundamento de oposição à decisão do Tribunal de Cremona um facto extintivo da obrigação exequenda que seja anterior ao início do processo nesse Tribunal, ou, se formos mais rigorosos, à citação nele efectuada (nos termos certificados). Como todos sabemos, a limitação temporal constante da al. g) do artigo 729º do Código de Processo Civil, que é o preceito a que naturalmente nos estamos a referir, está relacionada com a eficácia temporal do caso julgado material formado pela decisão, quando se torna definitiva, e com a regra da preclusão da defesa na contestação.

    Esta inadmissibilidade – ou preclusão, se quisermos – vale nesta execução, tal como valeria na execução de uma sentença proferida numa acção não contestada transitada em julgado proferida por um tribunal português. Recorde-se mais uma vez, e a terminar, que uma decisão certificada como título executivo europeu será executada no Estado de execução “nas mesmas condições que uma decisão proferida” nesse mesmo Estado (nº 1 do artigo 20º do Regulamento (CE) 805/2004 e considerando nº 8.

    8. Assim sendo, resta negar provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.

      Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

      Custas pela recorrente.

Lisboa, 21 de Setembro de 2017

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Távora Victor