Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
78/09.1TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: ADVOGADO
MANDATO FORENSE
PERDA DE CHANCE
RESPONSABILIDADE CIVIL
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
NEXO DE CAUSALIDADE
TEORIA DA DIFERENÇA
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 03/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO / PARTES / PATROCÍNIO JUDICIÁRIO - RECURSOS.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - PROFISSÕES FORENSES.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 562º, 563º, 566º, 798º, 1157º SEGS..
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 35º E SEGS., 729º.
ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS APROVADO PELO DECRETO-LEI Nº 84/84, DE 16 DE MARÇO: - ARTIGO 83º .
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 22/01/2009, PROC. Nº 3955/08, EM WWW.DGSI.PT E COM SUMÁRIO EM WWW.STJ.PT;
-DE 5/11/2009, PROC. Nº 381/2002.S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 7/1/2010, PROC. Nº 542/09.2YFLSB, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 29/4/2010, PROC. N.º 2622/07.0TBPNF.P1. S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 7/7/2010, PROC. 1399/06.OTVPRT.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 28/9/2010, PROC. Nº 171/2002.S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 26/10/2010, PROC. Nº 1410/04.0TVLSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 28/10/2010, PROC. Nº272/06.7TBMTR.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 10/3/2011, PROC. Nº 9195/03.0TVLSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 14/4/2011, PROC. Nº 3075/05.2TBPBL.C1.S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 29/5/2012, PROC. Nº 8972/06.5TBBRG.G1.S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 18/10/2012, PROC. Nº 7/04.9TVLSB.L1.S1, COM SUMÁRIO DISPONÍVEL EM WWW.STJ.PT;
-DE 5/2/2013, PROC. Nº 488/09.4TBESP.P1.S1.
Sumário :

1. Um lapso manifesto, ostensivo, detectável pela simples leitura do acórdão não justifica a respectiva anulação.
2. No cumprimento do mandato forense, o advogado deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos interesses do seu constituinte, naturalmente com respeito das regras de conduta genericamente impostas ao exercício da profissão respectiva, e dispõe de uma margem significativa de liberdade técnica.
3. Nesse cumprimento não se inclui, pelo menos em regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender aqueles interesses diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide.
4. No caso, o réu estava absolutamente vinculado a requerer a prova, tendo em conta os termos da contestação que apresentou e da reconvenção que deduziu; a falta de requerimento implica incumprimento do contrato de mandato, pois não praticou um acto manifestamente indispensável ao preenchimento dos objectivos contratualmente reconhecidos.
5. A falta de apresentação oportuna do requerimento de prova determinou a improcedência da sua defesa e da reconvenção; mas não se pode determinar qual seria o provável resultado da prova que viesse a ser oportunamente requerida e produzida; nem tão pouco o provável desfecho jurídico da causa.
6. Mas a falta de requerimento de prova para lograr demonstrar os factos controvertidos é causa adequada da perda de oportunidade, autonomamente considerada.
7. O dano da perda de oportunidade de ganhar uma acção não pode ser desligado de uma probabilidade consistente de a vencer. Para haver indemnização, a probabilidade de ganho há-de elevada.
8. No caso presente, a chance de vencimento é suficiente para que a consistência da oportunidade perdida justifique uma indemnização, a calcular segundo a equidade.
Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA e BB instauraram uma acção contra CC, advogado, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização de € 149.639,37 a título de danos patrimoniais e de € 25.000,00 por danos morais, com juros de mora, contados à taxa legal desde a citação, e da “quantia de capital e juros em que os autores vierem a ser, eventualmente, condenados na execução de sentença promovida por DD, no âmbito do processo nº 10.098, da 10ª Vara Cível de Lisboa, 2ª secção”.

Em síntese, alegaram que foram esses os prejuízos que sofreram em virtude de o réu não ter cumprido, culposamente, as obrigações decorrentes do contrato de mandato forense que com ele celebraram, para os representar na acção atrás identificada, contra eles proposta por DD, não apresentando o “requerimento de meios de prova” e assim provocando “irremediavelmente” a “derrota naquele processo, ie, a sucumbirem quer no pedido quer na reconvenção”.

Tratava-se de uma acção na qual a (então) autora pedira a condenação dos réus (agora autores) na restituição de uma moradia, situada em Lisboa, que lhes fora entregue “na sequência de um contrato-promessa de permuta/compra e venda”, e no pagamento do montante correspondente à renda que poderia ter auferido desde a resolução do contrato, estimada em 350.000$00 por mês. Nessa acção, os (então) réus, para além de se defenderem, invocando incumprimento da autora, tinham pedido a sua condenação na devolução em dobro do sinal que prestaram, 30.000.000$00 (15.000$00 x 2), (€ 149.639,37), e no pagamento de uma indemnização de 5.000.000$00 por litigância de má fé. Foram, porém, condenados, em 1ª instância, “a entregar o prédio (…) à autora”, sendo “absolvidos na restante parte do pedido (condenação no pagamento de uma indemnização)”, e ainda, já na Relação, a pagar “uma indemnização a liquidar em execução de sentença desde 22 de Setembro de 1992 até efectiva entrega do imóvel, considerando como ilícita a ocupação do mesmo por parte dos réus”. A reconvenção foi julgada improcedente.

Afirmam, portanto, que a actuação do réu teve como consequência: a perda do direito à restituição em dobro do sinal prestado (€ 149.639,37), garantido por direito de retenção; a possibilidade de virem a ser executados pelo montante de € 223.461,46 (ocupação do imóvel); a perda da oportunidade de verem a sua pretensão apreciada judicialmente; e danos morais (cuja compensação adequada seria de € 25.000,00).

CC contestou. Em síntese, alegou: não ter participado, nem nas negociações entre os autores e a proprietária do imóvel, nem nas diversas vicissitudes que descreve, relativas a divergências sobre as condições do contrato (que incluíram a recusa de celebração do contrato definitivo, por entenderem que a promitente alienante não cumprira a obrigação de fazer determinadas obras), sobre o estado do prédio e sobre as obrigações assumidas pelas partes (relativas a obras a realizar, por exemplo); que, na realidade, foram celebrados dois contratos-promessa, um de permuta, outro de compra e venda, este simulado, nos quais foram atribuídos os valores de 56.500.000$00 e 18.000.000$00, respectivamente; ter sido contratado, apenas, quando o diferendo já tinha diversos desenvolvimentos.

Disse também que a acção proposta não espelhava a dimensão do litígio; que, “sem deixar de aceitar a omissão que lhe é imputada” – não apresentação do “requerimento do rol de testemunhas e de outros meios de prova” –, omissão que “ficou a dever-se à circunstância de, desde meados de 1998, se ter agravado o estado de saúde de sua mulher (…), que veio a falecer em 28.06.2000”, “não admite (…) que a prova porventura alcançada, se tal omissão não tivesse acontecido, modificasse os entendimentos seguidos pelas instâncias, que entenderam o contrato como bom e sem qualquer vício”, “sem dar qualquer relevo às obras” ou “à desconformidade das áreas existentes e registadas”; que a prova documental e os factos assentes por acordo das partes permitiriam o acolhimento da posição dos então réus.

Alegou ainda que, quando a sua mulher adoeceu, solicitou a vários clientes que o substituíssem, mas que os autores não acederam a esse pedido; que, por essa razão, pediu a um colega de escritório que prestasse atenção a notificações que lhe fossem dirigidas, mas que, apesar disso, “só tardiamente teve conhecimento da notificação” relevante; e que apenas veio a substabelecer após a morte da mulher, mas antes da audiência de discussão e julgamento.

Concluiu a contestação afirmando que “a prova não produzida, pelas razões evidenciadas, em nada teria contribuído para alterar o sentido em que a douta sentença se pronunciou sobre os factos que lhe foi dado apreciar, portanto, sem dar qualquer relevo às obras, que nos sobreditos termos os AA. reclamavam como da responsabilidade dos promitentes vendedores e por isso lhes imputando o incumprimento do contrato, nem tão pouco à desconformidade das áreas existentes e registadas, apesar das evidências que se deixam apontadas”.

Houve réplica.

Pela sentença de fls. 312, a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo o réu condenado a pagar aos autores a quantia de € 187.639,37 (149.630,37 + 35.000,00 + 3.000,00), com juros de mora, à taxa de 4%, desde 19 de Janeiro de 2009 até integral pagamento.

Entendeu-se na sentença que, ao não apresentar o requerimento para produção de prova, o réu incumpriu culposamente o contrato de mandato celebrado com os autores, sendo a sua conduta causalmente adequada ao “desfecho da acção em desfavor dos seus então patrocinados” e tornando-o responsável pelos prejuízos assim provocados:

«Pretendem os AA obter do R:

-a quantia de €149.639,37;

-a quantia que venham a desembolsar no âmbito da acção executiva para pagamento de quantia certa decorrente da referida decisão judicial;

-a quantia de €25.000 para cada um dos AA para compensação de danos de natureza não patrimonial.

Ora vejamos. É certo que o prejuízo patrimonial efectivamente sofrido pelos AA radica naquilo que perderam em resultado da condenação que lhes foi sentenciada e em resultado da improcedência da reconvenção que tinham deduzido.

O desfecho da acção naqueles moldes implicou no seguinte:

-os aqui AA foram condenados a devolver o prédio cuja entrega tinham obtido a coberto de um contrato-promessa;

-os aqui AA foram condenados a pagar quantia monetária que, no âmbito da subsequente acção executiva, veio a fixar-se em €35.000;

-os aqui AA resultaram vencidos na pretensão de ver o contrato-promessa resolvido por incumprimento contratual da parte contrária, com a consequente condenação na devolução do sinal em dobro, no montante global de €149.639,37.

Note-se, desde já, que a obter vencimento a pretensão dos aqui AA, sempre ficariam adstritos à devolução do prédio, dada a resolução do contrato-promessa por via do qual alcançaram a sua entrega.

Uma vez que a indemnização visa cobrir os danos cuja verificação era lícito nessa altura prever que não ocorressem se não fosse a lesão (Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2.° vol., 915), resulta o R obrigado a ressarcir os AA da quantia despendida em sede da acção executiva que lhes foi movida bem como da quantia que deixaram de obter da parte contrária por força da improcedência da reconvenção. O prejuízo de ordem patrimonial suportado, pois, pelos AA, em consequência da conduta ilícita e culposa do R ascende ao montante de €184.639,37.

No que respeita aos danos de cariz não patrimonial, importa considerar a seguinte factualidade assente:

– os AA viveram angústia e inquietação por terem estado sujeitos a execução de €211.715,33;

– a conduta do R implicou em perturbações psicológicas na A.

Tais factos traduzem que os AA, em consequência da conduta do R, suportaram danos que, atenta a sua gravidade, reclamam compensação, dado merecerem a tutela do direito.

De modo a definir o montante pecuniário adequado a operar tal compensação importa considerar, à luz do já referido regime dos art.°s 496.° n.° 4 e 494.° do CPC, que o grau de culpa do R não é acentuado. Desconhecendo-se a situação económica quer do R quer dos AA, mais importa considerar que os AA foram relutantes em aceitar o substabelecimento dos poderes inerentes ao mandato que tinham conferido ao R apelando, nomeadamente, a razões de índole espiritual para manter o R no exercício do cargo, bem sabendo da doença que afectava a mulher do R e da influência que tal doença vinha acarretando para o exercício da actividade profissional do R –  v. als. CD, CF a CM dos factos assentes.

Termos em que, levando a cabo um juízo de equidade, afigura-se ser de fixar em €1.000 o montante a compensar os danos sofridos pelo A e em € 2.000 os sofridos pela A.

Sobre as quantias arbitradas são devidos juros de mora a contar da citação, que teve lugar a 19.01.2009 (v. fls. 48), até integral pagamento, à taxa anual de 4% – art.°s 805.°, 806.°, 559.° do CC e Portaria n.° 291/2003, de 08.04.»

O réu recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Por acórdão de fls. 380, foi concedido provimento parcial à apelação, sendo a condenação reduzida para “a quantia global de € 95.319,70, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais”, nestes termos:

«Dos factos provados, nomeadamente dos mencionados, constata-se a culpa do Apelante na aludida omissão que conduziu à não apreciação pelo tribunal da pretensão dos ora Apelados.

Nos termos do artigo 798º do Código Civil o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.

O Apelante não logrou ilidir a presunção que sobre si recaía, sendo certo que a sua conduta causou danos aos Apelados.

A questão que a nosso ver se coloca, não é a de saber se o Apelante é obrigado a indemnizar os Apelados, pois que tal se afigura indubitável, mas de que forma e em que medida.

A sentença escorando-se nos factos provados, nos artigo 562º, 563º e 496º do Código Civil, nos acórdãos ali referidos, um dos quais é o aqui citado do S.T.J. de 7/1/2012 e ainda nos Professores Pires de Lima e Antunes Varela e Menezes Cordeiro, entendeu fixar indemnização pelos danos não patrimoniais e condenar o Apelante nessa indemnização e a título de danos patrimoniais, no mesmo montante em que os Apelados foram condenados na acção, com excepção da devolução do prédio, como é óbvio, já que a ser procedente a reconvenção os Apelados sempre o teria de entregar, devido à resolução do contrato promessa, não obstante, terem pedido que lhes fosse reconhecido o direito de retenção.

Os Apelados foram condenados na devolução do sinal em dobro, no montante global de € 149.639,37, tendo a execução de sentença fixado em € 211.715,33 o valor a pagar pelos Apelados aos Autores da referida acção, mas por transacção este montante acabou por ficar reduzido a € 35.000,00.

A nosso ver, as possibilidades que a reconvenção teria de ser procedente e a acção improcedente, eram a nosso ver as mesmas que as da acção ser procedente e a reconvenção improcedente, já que do questionário constava a matéria de facto suficiente, para uma ou outra das decisões, dependendo da prova que fosse produzida.

Seguindo de perto o acórdão do S.T.J. de 28/9/2010, atrás citado, onde foi Relator o Exms. Conselheiro Dr. Moreira Alves, e num caso em que o mandatário não apresentou contestação e foram considerados provados os factos alegados pelo Autor, apesar de haver outros Réus nessa acção, há que ter em conta que a reconstituição natural a que alude o artigo 562º do Código Civil, naquele caso como neste, não tem aqui aplicação.

A indemnização terá obviamente de ser em dinheiro, como determina o artigo 566º, nº 1, do Código Civil.

Naquele caso, a falta de contestação levou à condenação da parte e à condenação da respectiva mandatária, com apelo aos critérios de equidade, nos termos do artigo 566º, nº 3, do Código Civil, no montante correspondente a 50% do valor em que a cliente foi condenada, deduzida da indemnização que teria recebido, por se entender que as hipóteses seriam de 50% de ganho ou de perda.

Não regateamos o recurso aos mencionados critérios de equidade e concordamos inteiramente em que as possibilidades de produção de prova e de obter a procedência da reconvenção com a consequente improcedência da acção, por parte dos Apelados era igual à dos Autores da citada acção de obterem a procedência desta e improcedência do pedido reconvencional.

Na esteira do acórdão que seguimos de perto entendemos que a condenação do Apelante terá pois, de ser em metade da quantia em que foi condenado na 1ª instância, a título de danos patrimoniais, ou seja, em metade de € 184.639,37, mais precisamente em € 92.319,685, que se arredonda para € 92.319,70.

No que tange aos danos não patrimoniais o valor de € 1.000,00 atribuído ao Apelado marido e de € 2.000,00 à Apelada esposa, estão dentro dos parâmetros normais para casos semelhantes.

Neste circunstancialismo, procedem parcialmente as conclusões das alegações.

Assim, face ao exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se parcialmente a douta sentença recorrida, condenando-se o Apelante a pagar aos Apelados a quantia global de € 95.319,70, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, mantendo-se no mais a sentença recorrida.»

2. O réu recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

«1ª A omissão da apresentação do requerimento probatório, por parte do recorrente, na acção judicial em que patrocinava interesses dos recorridos, ocorreu em circunstâncias alheias à sua vontade, em momento difícil da sua vida pessoal, aliás, explanadas a fls. 19 e 20 do douto acórdão recorrido;

2ª Essa omissão, como vem decidido, enquadra-se na responsabilidade civil profissional do advogado, dando lugar a reparação que se mostre devida, quanto ao dano conexo, portanto, emergente desse acto (C.C. art°s 562° e 563°), eventualmente com o recurso a critérios de equidade (C.C. art° 566°, n° 3);

3ª Por efeito dessa omissão, na fase da audiência de discussão e julgamento da referida acção judicial, os recorridos ficaram privados de produzir a contra prova e a prova que eventualmente pudessem alcançar, na acção contra eles proposta, onde deduziram pedido reconvencional;

4ª Na composição da lide, nessa referida acção, os recorridos foram condenados a entregarem o prédio, que estava na sua posse, sendo a reconvenção julgada improcedente (vd. p, 20 § 6º);

5ª E ainda, por acórdão da 2ª Instância, os recorridos foram condenados em indemnização, a liquidar em execução de sentença, pela ocupação do imóvel, julgada ilícita (vd. p, 15, al. "KKK");

6ª Consignando-se no douto acórdão recorrido que a devolução do imóvel sempre teria de acontecer, devido à resolução do contrato promessa de permuta, essa devolução vinha sustentada, por não ocorrer a "traditio" que justificaria o direito de retenção, previsto no art° 755°, n° 1, alínea h) do código Civil (vd. p, 14, al. "RR");

7ª E também porque aos recorridos foram imputadas responsabilidades, no âmbito do contrato promessa celebrado com a Autora, na referida acção judicial: não comparecerem à escritura, não pagaram o remanescente do preço, não entregaram a fracção prometida permutar (vd. fls. 70 desse documento);

8ª Assim, mesmo que os recorridos tivessem alcançado prova cabal, em relação aos quesitos em que tinham o ónus da prova, na referida acção judicial, nem por isso deixariam de ficar sujeitos aos efeitos dos incumprimentos, ali declarados, por douta sentença;

9ª Aliás, o douto acórdão recorrido labora em contradição, quando admite que os recorridos foram nessa acção judicial condenados na devolução do sinal em dobro, porquanto tal não aconteceu (vd. p, 21 § 2o);

10ª Constata-se, assim, que a douta sentença da 1ª Instância valorou em excesso os danos eventualmente sofridos pelos recorridos, concedendo-lhes vantagens que não se mostram em harmonia com o nexo de causalidade, previsto no art° 563° do Código Civil;

11ª Fazendo o douto acórdão recorrido a apologia desses fundamentos e condenação, evidencia-se que a restituição do sinal em dobro, na referida acção judicial, configurava um direito litigioso, que naturalmente não reporia qualquer situação antes existente, na forma prescrita no art° 562° do Código Civil (vd. p, 21 § 3º);

12ª Fazendo apelo a todo o exposto no douto acórdão de 28.09.2010 deste Venerando Tribunal, sempre haveria então que dar relevância às questões conexas resolvidas pela douta sentença, na referida acção judicial;

13ª E também, como elucida o mesmo douto acórdão, a aludida omissão, por parte do recorrente "implica a verificação de um dano autónomo, independente do resultado da acção", comprovadamente verificado e devidamente fundamentado;

14ª Sendo a violação da lei substantiva fundamento de recurso de revista, assim ocorre quando, por efeito da omissão do recorrente, o douto acórdão recorrido admite indemnização a favor dos recorridos, pelo valor que pagaram pela ocupação do imóvel, nas referidas circunstâncias, declarada ilícita, por não existir o nexo de causalidade prescrito no art° 563° do Código Civil;

15ª E assim ocorre também quando o douto acórdão recorrido imputa ao recorrente a responsabilidade do pagamento de € 149.639,37 (valor do dobro do sinal) que errada e contraditoriamente vem referido como condenação sofrida pelos requeridos;

16ª Na condenação do recorrente pesa a indemnização de € 35.000,00, admitida pelo douto acórdão recorrido, reportada à ocupação ilícita do imóvel pelos recorridos, que não atende à inexistência da "traditio" e direito de retenção, situação que não configura dano conexo com a omissão imputada ao recorrente (vd. p, 14 al. "UU e p, 15, al. "KKK");

17ª E também pesa a condenação relacionada, contraditoriamente, com prejuízos sofridos pelos recorridos, no montante de € 149.639,37 (dobro do sinal prestado), crédito litigioso que não corresponde a condenação por estes sofrida;

18ª Sem qualquer grau de certeza, em relação a prejuízos sofridos pelos recorridos, por efeito da omissão do recorrente, o único valor envolvido no aludido contrato promessa de permuta refere-se ao sinal prestado, no valor de € 74.819,68/15.000.000$00, que não tem qualquer nexo de causalidade com o evento da responsabilidade do recorrente;

19ª Excluindo os danos patrimoniais, que efectivamente não revelam nexo de causalidade, em relação à omissão da não apresentação do requerimento probatório, por parte do recorrente, e violam a lei substantiva prescrita nos art°s 562° e 563° do Código Civil, o douto acórdão recorrido não evidencia outros que possam reportar-se ao conceito de "perda de chance";

20ª Estatuindo o art° 729°, n° 1, do Código de Processo Civil que é vedado ao Supremo Tribunal de Justiça alterar os factos materiais fixados pelo Tribunal da Relação, na contradição que se evidencia, cabe-lhe, para decisão jurídica da causa, ordenar que baixem os autos, para correcção, conforme dispõe o n° 3 desta disposição legal.

Por todo o exposto e com o douto suprimento que se impetra, deve ser dado provimento ao recurso e, em conformidade com o disposto no art° 729°, n° 3 do Código de Processo Civil, julgar-se que ocorre contradição na matéria de facto julgada pelo douto acórdão recorrido, inviabilizando a decisão jurídica da causa, pelo que devem os autos voltar ao Venerando Tribunal da Relação, para a necessária correcção, seguindo-se os ulteriores termos até decisão final.»

Os autores contra-alegaram, defendendo a manutenção do decidido e concluindo nestes termos:

«1.Desde o início da lide que o aqui recorrente tinha na sua posse um conjunto de potenciais testemunhas dos factos controvertidos que lhe foram relatados, bem como o conhecimento dos técnicos que haviam colaborado e elaborado a peritagem do imóvel;

2.E, bem assim, todos os elementos suficientes e necessários, para poderem ser requeridos outros meios de prova;

3.Tinha, por isso, a obrigação jurídica de juntar aos referidos autos o Rol de Testemunhas, perito e requerer outros meios de prova, o que faria qualquer advogado médio, minimamente dominador da sua arte;

4.Ao não o ter feito, sentenciou, irremediavelmente, os aqui contra-alegantes, à derrota naquele processo, a sucumbirem quer no pedido, quer na reconvenção;

5.Como escreveu a Digníssima Juíza do processo a peritagem de fls. 53 a 56 não foi considerada. Com efeito, a dita peritagem mandada efectuar apenas pelos Réus foi impugnada [na] réplica. // Por outro lado, podiam os Réus ter feito comparecer como testemunhas o seu perito, a fim de prestar depoimento e esclarecimentos sobre aquilo que, na altura, lhe foi dado observar, e não curaram de o fazer (sublinhado nosso);

6.Podem, por isso, os aqui contra-alegantes transferir para a esfera jurídica do Réu o prejuízo pela perda da acção e da reconvenção, responsabilizando este pelo resultado daquela outra lide, uma vez que ao não apresentar qualquer meio de prova levou, a que os factos necessários para fundamentar de mérito a pretensão que patrocinava, fossem todos eles dados por não provados;

7.Não o tendo feito, actuou com culpa, que aliás se presume nos termos do disposto no art.° 799.° do CC;

8.O advogado médio, no exercício do seu mandato, no cumprimento das suas obrigações, não omite a prática de actos processuais quando por qualquer motivo o não pode fazer. Por dever de patrocínio deve delegar ou substabelecer em colega;

9.A actividade do advogado transcende a simples delimitação conceitual de profissão, alcançando carácter de múnus público, pois que procede da autoridade pública ou da Lei e obriga o indivíduo a certos encargos em benefício da colectividade;

10.Realça-se a circunstância de que o advogado, além de observar as normas a que está sujeito o cidadão comum, está ainda vinculado às disposições específicas do seu estatuto profissional;

11.No caso concreto, aos danos causados ao cliente aplica-se a regulamentação jurídica do instituto da responsabilidade contratual, na medida em que decorre da violação do dever de jurídico referente ao contrato de mandato celebrado entre as partes;

12.Em conformidade com o preceituado no art.° 1161.° alínea a) do CC, devia o recorrente ter praticado todos os actos compreendidos no contrato, onde se realça, com interesse para a causa, a apresentação do requerimento de meios de prova, tal constituiria o efeito essencial do contrato;

13.Assim, o recorrente é inadimplente por não ter agido com a prudência necessária e por não ter empregado os esforços possíveis para obter sucesso no pleito, a apresentação do requerimento de meios de prova;

14.Nos termos do art.° 566.°, n.° 2, do CC o dano a indemnizar é o que resulta da diferença entre a situação real do património do lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse o facto, i. e o dano a indemnizar deve ser todo o dano causado pelo facto;

15.Os contra alegantes, não só viram a sua pretensão de devolução do sinal prestado em dobro, como se viram na contingência de perder o sinal que prestaram, bem como no pagamento de rendas desde a data que o imóvel lhes foi entregue;

16.Pelo que, não podem colher as alegações do recorrente, na violação do nexo de causalidade previsto no art.° 563.° do CC.

17.Se Vossas Excelências, em face do supra referido, ordenarem a manutenção do acórdão proferido na Relação, farão uma vez mais serena e objectiva JUSTIÇA».

O recurso foi admitido como revista, com efeito devolutivo.

3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

A.        Em Setembro de 1992, DD fez distribuir uma acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra AA e BB, estes agora aqui autores.

B.        Na mencionada acção, aquela DD afirmou ser proprietária do prédio urbano descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob a ficha 0000, sito na freguesia de S. João de Brito, em Lisboa, correspondente a uma moradia identificada pelo nº 00 da Rua ........., que havia sido entregue a título precário aos ali réus (aqui autores) na sequência de um contrato promessa de permuta/compra e venda.

C.        Após outras alegações, concluiu pedindo a condenação dos ali réus (aqui autores) a largar mão do prédio e a entregá-lo devoluto à autora.

D.        A acção foi distribuída com o n.º 10.098, ao 10^º Juízo (hoje 10ª Vara) Cível de Lisboa, 2ª Secção.

E.        Foram juntos 4 documentos e procuração a favor de advogado.

F.        Citados os ali réus (aqui autores), marcaram uma consulta com o advogado CC, aqui réu, que usa profissionalmente tão só CC, no intuito de o contratarem e lhe conferirem mandato forense com vista ao patrocínio judiciário.

G.        Os aqui autores reuniram-se com o aqui réu no seu escritório profissional.

H. Na reunião tida foi apresentado o litígio e a situação de facto que lhe estava subjacente, tendo os aqui autores explicado com pormenor todos os contornos e pormenores da mesma.

I. Nessa mesma reunião, os aqui autores e réu acordaram, após aconselhados pelo último, na contestação da acção e na apresentação de uma reconvenção e, bem assim, requerer a intervenção principal provocada do marido da mencionada DD, o que foi explanado nos dois articulados (cf. fls. 18 e segts. e fls. 91 e segts.).

J. Na mencionada contestação com reconvenção, os ali réus (aqui autores), com o patrocínio do aqui réu, terminaram pedindo a condenação da ali autora, entre outras coisas, em indemnização no valor de 5.000.000$00 como litigante de má fé e na devolução do sinal em dobro, 30.000.000$00, acrescidos de juros à taxa legal, desde a data da decisão condenatória.

K. Pela narração factual e jurídica do mencionado advogado, os ali réus afirmaram que prometeram permutar o supra mencionado prédio urbano (moradia) por uma fracção de sua propriedade, com um adicional em dinheiro, tendo-lhe sido prometido uma moradia totalmente remodelada, mas que na realidade vieram a verificar que a mesma estava com defeitos e por isso carecia de obras no valor de 5.000 contos.

L. Mais articularam, pela narração factual e jurídica do mencionado advogado, que na mesma moradia existiam obras de ampliação não licenciadas pela Câmara Municipal de Lisboa, de tal sorte que as áreas cobertas e descobertas do prédio constantes na matriz e no registo predial não coincidiam com a realidade, que o prédio não tinha licença de utilização para a parte ampliada.

M. Mais alegaram que a moradia não se encontrava totalmente desocupada uma vez que na mesma ainda se existiam bens móveis e uma viatura da promitente alienante, razão pela qual a promitente alienante não podia dispor validamente do prédio urbano, havendo assim incumprimento por parte desta.

N. Em face do que exigiram a devolução do sinal em dobro e reclamaram o exercício do direito de retenção.

0. Foram juntos 28 documentos e procuração.

P. A ali autora, a mencionada DD, respondeu na réplica, contradizendo a matéria das excepções e impugnado a reconvenção, concluindo pela improcedência da reconvenção e ampliou o pedido, pedindo a condenação dos réus no pagamento de 350.000$00 por mês, desde 22 de Setembro de 1992 até efectiva entrega do imóvel.

Q. O incidente de intervenção principal veio a ser indeferido, tendo os réus apresentado recurso de agravo, o qual foi julgado procedente pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e ordenado o prosseguimento do incidente.

R. Foi proferido saneador sentença que foi posteriormente anulado por douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

S. Prosseguindo os autos, o marido de DD foi citado para os termos do incidente de intervenção principal, e apresentou o seu articulado onde aceitou os articulados da ali autora e aditou ainda outros factos, concluindo com um pedido próprio.

T. Os ali réus apresentaram resposta.

U. Finda a fase dos articulados, saneando a causa, o Digníssimo Juiz elaborou a seguinte especificação conforme fls. 205 e 206, nos seguintes termos:

"A) A A. é titular inscrita da moradia situada na Rua ........., n.º 00 de polícia, em Lisboa, descrita na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha 0000 da freguesia de S. João de Brito e inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 171.

B) A A. e os RR. outorgaram em 24/01/92, no contrato de promessa de compra e venda de fls. 35 dos autos, também assinado por EE, pelo qual:

- A primeira promete vender aos segundos outorgantes e estes aceitam comprar-lhe o imóvel anteriormente referido, sendo o valor da venda de 18.000.000S00 e o pagamento feito da seguinte forma:

- Como sinal e princípio de pagamento os promitentes-compradores entregam naquela data à promitente vendedora a quantia de 7.000.000$00;

- O saldo em dívida, de 11.000.000$0 será liquidado no acto da escritura de compra e venda que se realizará logo que o processo de hipoteca de poupança emigrante do Banco Nacional Ultramarino esteja concluído.

C) O referido documento encontra-se assinado, para além da já referida assinatura, pela promitente vendedora e pelos RR. (sendo a assinatura destes reconhecida pela exibição dos respectivos Bilhetes de Identidade).

D) A A., EE e os RR. outorgaram no contrato-promessa de permuta que consta de fls. 36 e 37 dos autos no qual:

A A. e os RR., reciprocamente prometem permutar o imóvel já referido (moradia da Rua .........) e o lº............ do prédio urbano sito na rua Rebelo ........, n.º... e ..., tornejando para a Rua .........., n.º ..., em Lisboa, de que os RR. são proprietários, atribuindo à moradia o valor de 56.500 contos e à fracção o preço de 25.000 contos.

Na clausula 4.ª estabeleceram as condições de pagamento da diferença de 31.500 contos, tendo a A. e EE recebido dos RR a quantia de 8.000 contos a título de sinal e princípio de pagamento, na data da assinatura do contrato, e em 7 de Fevereiro de 1992, como reforço de sinal, a quantia de 7.000 contos.

E) O referido contrato mostra-se assinado por todas as outras as partes, sendo a A. casada com EE em regime de separação de bens.

F) Entre a A., EE, e os RR. foi trocada a correspondência que se encontra a fls. 11,12, 34, 41, 43 a 52 e 63.

G) Os contratos prometidos nos documentos de fls. 35 e 36 não chegaram a ser celebrados.

H) O contrato promessa de permuta veio a ser rescindido pela A. e comunicado aos RR. por cartas de 2/9/92 e 17/9/92 (fls. 11 e 12), assinadas pela A. e pelo EE.

I) A solicitadora FF remeteu ao R. a carta que se encontra a fls. 38 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, carta essa datada de 18/05/92, na qual, para além de referir que "a escritura está marcada para o próximo dia 25/05/92", lhe apresenta um saldo a seu favor de 160.964$00, solicitando a respectiva liquidação.

J) O R. AA remeteu à A. a carta junta aos autos a fls. 43 a 45, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais."

V. Elaborou o questionário, conforme fls. 206 a 208, que, após reclamações, veio a constar no seguinte:

"1) Na ocasião em que pela primeira vez estiveram na moradia referida em a), o marido da A. teceu elogios sobre a qualidade dos materiais da edificação e obras de remodelação que tinha mandado executar, garantindo que tudo estava em perfeito estado de conservação e funcionamento, sobretudo com grande aproveitamento de espaços, pelo especial cuidado que ele próprio tinha posto na direcção das obras?

2) Foi o marido da A. que indicou aos RR., para os orientar, a solicitadoraFF?

3) Com a qual os RR. tiveram várias reuniões ?

4) Em Março de 1992 a A. autorizou os RR. a mudarem as suas coisas do andar onde viviam para a vivenda identificada em A)?

5) E isso na convicção de que, em contrapartida, os RR. lhe entregariam a chave do 1º andar direito frente do prédio sito na Rua ........., .... e ........ - A, tornejando para a Rua ......., n.º , em Lisboa, objecto da permuta?

6) O adicional ao contrato de permuta foi redigido para permitir a mudança dos RR. para a vivenda?

7) A A. e seu marido continuam a ocupar parte da moradia, designadamente, a garagem onde guardam um carro e o anexo, onde se encontram coisas que lhes pertencem?

8) Após terem passado a residir na moradia, os RR. constataram haver necessidade de reparações, designadamente no madeiramento das janelas e nas canalizações?

9) E até a banheira da casa de banho teria de ser substituída, por estar rota?

10) Os interiores da casa tinham sido só parcialmente pintados, apresentando cores claras de diversas tonalidades, umas recentes e outras antigas?

11) Estes factos foram por diversas vezes referidos ao marido da autora, tendo em atenção o elevado custo da moradia, começando ele por concordar com estas reclamações e prometendo mandar pintar todos os seus interiores ao gosto dos RR., subordinando a entrega das chaves da sua fracção à conclusão de tais trabalhos?

12) Já depois de os RR. estarem a ocupar a moradia, o marido da A. prometeu que deixaria completamente livres os compartimentos que ainda ali ocupava, como condição de receber as chaves da fracção autónoma dos RR. ?

13) O marido da A. não satisfez as reclamações dos RR., quer no tocante a deixar devolutos os compartimentos que ainda ocupam, quer em relação às reparações que prometeu fazer na moradia, no sentido de a deixar em boas condições de habitabilidade?

14) Vindo a alegar que não estava obrigado a fazer quaisquer obras, dizendo que os RR. haviam comprado "uma moradia à vista"?

15) Os RR. dirigiram-se então ao escritório da solicitadora referida em 2), tendo-os esta aconselhado a não comparecer na escritura enquanto não fossem resolvidas as questões relativas às obras e à desocupação da moradia ?

16) Os RR. aceitaram o preço pedido pela moradia na pressuposição de que a respectiva descrição na Conservatória do Registo Civil estava em conformidade com as características actuais da construção?

17) As obras de que a moradia carece montam a 5.000.000$00?

18) As obras efectuadas na moradia não obtiveram aprovação municipal?

19) Tendo sido ampliada a área coberta da moradia?

20) E não havia certificado da licença de habitação?

21) Os RR., já depois de estarem a ocupar a moradia, recusaram-se a fazer a entrega do seu andar, inicialmente com o argumento de que pretendiam fazer uma limpeza geral?

22) Logo após a entrega pelos RR. à A., dos cheques de sinal, aqueles pediram à A. que suprimisse o quarto existente no rés-do-chão, deitando abaixo a parede e porta respectivas e substituindo a viga de betão armado por viga metálica e construindo arco de alvenaria ligando as duas áreas, com todas as obras complementares necessárias, nomeadamente, de electricidade ?

23) Essas obras, que o marido da A. aceitou mandar fazer, vieram a ser facturadas aos RR. pela quantia de 155.000$00, de que estes apenas pagaram 150.000$00?

24) Tais obras apenas vieram a concluir-se em meados de Março de 1992 e só depois disso pediram as chaves à A., para fazerem a mudança?

25) Na garagem e anexo da moradia ficaram móveis que deviam transitar para a fracção que os RR. se tinham comprometido a entregar e que aí permaneceram por essa razão ?

26) Só depois da data marcada pela primeira vez para a escritura (25 de Maio de 1992), os RR. invocaram a necessidade de obras na moradia ?

27) Os RR. invocaram como razão para não comparecerem no Cartório Notarial, na data da escritura, o facto de estar doente uma empregada da sua pastelaria e não poderem fechar o estabelecimento?

28) Desde o início das negociações que os RR. tomaram conhecimento, por lhes ter sido dito, que a área coberta do prédio constante da descrição predial e da caderneta predial é inferior à que efectivamente existe ?

29) Os RR. não compareceram nas datas das duas escrituras que marcaram ?

30) Os RR. não satisfizeram a prestação de 15 de Setembro de 1992, no valor de 3.800.000$00?

31) E não responderam à carta da A., de 17 de Setembro de 1992, em que lhe era concedido um prazo suplementar de 5 dias para poderem cumprir o contrato?

32) A moradia em apreço poderia proporcionar ao A uma renda mensal não inferior a 350.000$00?"

W. O que foi notificado, por correio registado em 18 de Dezembro de 1997, aos mandatários das partes, os quais apresentaram reclamações.

X. Em 5 de Janeiro de 1999, conforme fls. 229, as partes foram expressamente notificadas para apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova.

Y. Os mandatários das partes receberam tal notificação.

Z. Em 15 de Janeiro de 1999, os ali autores apresentaram o seu rol de testemunhas.

AA. Os réus na acção, aqui autores, nada apresentaram ou requereram em sede de instrução do processo.

BB. Posteriormente, devido ao falecimento do marido da ali autora DD, deu-se uma alteração subjectiva da instância, para habilitação dos seus sucessores.

CC. Em 15 de Fevereiro de 2001, o aqui réu substabeleceu no Senhor Dr. GG, afastando-se da condução da lide.

DD. Realizou em 19 de Setembro de 2001 a audiência de discussão e julgamento, presidida pela Ex.ª Senhora Juiz Titular da 10.ª Vara Cível de Lisboa Senhora Dra. HH (cf. fls. 281).

EE. Aberta a audiência, o referido Senhor Dr. GG requereu um pedido de inspecção judicial, pedido que foi de imediato indeferido pelo Tribunal.

FF. A audiência prosseguiu com a inquirição das testemunhas arroladas pela autora.

GG. Suspensa a audiência foi marcada a sua continuação para 19 de Outubro de 2001.

HH. Nessa data foi ouvida a última testemunha da autora e produzidas as alegações pelos mandatários das partes (cf. fls. 289).

II. A 31 de Outubro de 2001 teve lugar a leitura da resposta aos quesitos.

JJ. Toda a matéria que interessava aos aqui autores foi dada por "não provada" face à ausência de toda e qualquer prova (quesitos 1 a 6, 12 a 21, 23 a 28 e 30 a 32) - cf. fls. 291.

KK. Os quesitos 7 a 11 foram dados por provados na medida do que já constava da ai. F) da especificação, na resposta ao quesito 22 foi apenas provado que a pedido dos ali réus foi deitada abaixo uma parede e substituída a viga de betão armado por um viga metálica com arco de alvenaria e quanto ao quesito 29 foi dado por provado apenas o que constava das ais. F), G) e H) da especificação.

LL. Consta do despacho de fls. 292 o seguinte: "A peritagem de fls. 53 a 56 não foi considerada. Com efeito, a dita peritagem mandada efectuar apenas pelos Réus foi impugnada réplica. // Por outro lado, podiam os Réus ter feito comparecer como testemunhas o seu perito, a fim de prestar depoimento e esclarecimentos sobre aquilo que, na altura, lhe foi dado observar, e não curaram de o fazer".

MM. Com patrocínio do Sr. Dr. GG, os aqui autores, ali réus, recorreram do despacho proferido na audiência de 19 de Setembro de 2001 que indeferiu a realização de uma inspecção ao local; aceite o mencionado recurso, foram apresentadas alegações em 6 de Novembro de 2001 (cf. fls. 297).

NN. Em 1 de Março de 2002, os autos foram conclusos para ser proferida sentença, veio a mesma a ser elaborada, conforme fls. 321 e segts.

OO. Naquele documento, os réus foram condenados a entregar o prédio identificado nos autos à autora e absolvidos na restante parte do pedido (condenação no pagamento de uma indemnização).

PP. A reconvenção foi julgada improcedente.

QQ. Notificados da sentença, os ali réus (aqui autores) apresentam recurso de apelação, o mesmo tendo acontecido por parte da autora.

RR. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão 15 de Fevereiro de 2007, revogou parcialmente a decisão impugnada e condenou os réus no pagamento de uma indemnização a liquidar em execução de sentença desde 22 de Setembro de 1992 até efectiva entrega do imóvel, considerando como ilícita a ocupação do mesmo por parte dos réus.

SS. Para tal o Tribunal da Relação de Lisboa alterou a resposta ao quesito 32.e, dando-lhe a seguinte redacção: "A moradia em apreço poderia proporcionar à autora uma renda mensal de montante não concretamente apurado".

TT. O que veio a ser confirmado pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça.

UU. No âmbito do processo de execução de sentença para entrega de coisa certa, em 5 de Maio de 2003 os réus entregaram o imóvel à autora.

W. O advogado réu ao tempo dos factos fazia, e ainda hoje faz, da advocacia a sua profissão, tendo escritório profissional na Rua............, ........Esq., 1150-279 Lisboa.

WW. Os AA acreditaram na competência, experiência e eficiência do R enquanto mandatário forense.

XX. O R afirmou aos AA que as suas pretensões eram justas e conformes ao Direito.

YY. O R manifestou aos AA firme convicção que a acção seria julgada improcedente e os ali RR seriam absolvidos do pedido e que a reconvenção seria vitoriosa e a autora condenada a pagar-lhes o valor de 30.000 contos.

ZZ. Nos dois primeiros artigos da contestação, o R pede a condenação da A numa indemnização por litigância de má fé no valor de 5.000.000$00 – fls. 18.

AAA. Depois de reuniões dos AA com o R, entre 21 e 29 de Julho de 1992, constatou-se que a área coberta da "moradia" era superior à assinalada no contrato de 17.01.1992 (contrato-promessa de permuta) por remissão a uma descrição predial que atribuía a essa área 82,5 m2 (moradia e garagem), dada a construção de um anexo de 40 m2.

BBB. A ali A e marido não se opuseram aos documentos n.ºs 13,15,17, 24 e 25 juntos com a contestação no que respeita à discrepância da área coberta.

CCC. Quanto à ocupação da moradia, resulta da contestação e dos art.ºs 18.º e ss da réplica que foi entregue aos aqui AA, para a ocuparem, depois de feitas as obras.

DDD. Quanto à discrepância de elementos referentes à área coberta, a ali A afirmou na réplica que os ali RR conheciam o facto desde o início das negociações; quanto às obras realizadas pela anterior proprietária, a ali A afirmou na réplica que tinham sido autorizadas pela Câmara Municipal de Lisboa, não tendo tido lugar a rectificação junto da Repartição de Finanças – art.ºs 31.º e 34.º.

EEE. EE, autor naqueles autos, faleceu a 30.12.1998 – doc. de fls. 242 dos referidos autos.

FFF.II faleceu a 28.06.2000 no estado de casada com o R – doc. de fls. 82.

GGG. O R tinha na sua posse, desde o início da lide, a identificação de um conjunto de potenciais testemunhas dos factos que foram relatados nos articulados e vieram a constar do questionário.

HHH. O R dispunha dos elementos necessários para requerer peritagem, inspecção ao local ou a requisição de documentos à Câmara Municipal de Lisboa.

HL O substabelecimento referido na al. CC foi realizado por única e exclusiva vontade do R.

JJJ. Até 15.02.2001 os aqui autores não tiveram conhecimento de que não havia sido apresentado o requerimento probatório.

KKK. Na sequência da decisão final proferida no proc. n.ºs 10.098 do 10.º Juízo Cível (actual 10.ª Vara Cível) de Lisboa, 2ª secção, foi instaurada, a 26.03.2008, acção executiva contra os aqui AA pelo valor de € 211.715,33, acção executiva essa que veio a findar, em Março de 2010, mediante transacção nos termos da qual os aqui AA entregaram ao exequente € 35.000, montante a que foi reduzido o pedido – doc. de fls. 231 e ss.

LLL. Os AA viram-se confrontados com a ausência de possibilidade de verem as suas pretensões apreciadas pelos Tribunais.

MMM. Correspondia à verdade que, depois de terem passado a residir na moradia, os AA constataram a necessidade de reparações, designadamente no madeiramento, janelas, canalizações, pinturas.

NNN. Os AA viveram angústia e inquietação por terem estado sujeitos a execução de € 211.715,33.

000. A conduta do R implicou em perturbações psicológicas na A.

PPP. Para a prova dos quesitos 8.º, 17.º e 19.º, para requerer vistoria, os AA indicaram o Eng. JJ, Tanagra, Lda. e Eng. KK.

QQQ. Para a prova dos quesitos 2.º, 3.º, 15.º e 20.º, 0s AA admitiam poder contar com o depoimento da solicitadora FF.

RRR. A omissão de apresentação do requerimento de meios de prova ficou a dever-se à circunstância de, desde meados de 1998, se ter agravado o estado de saúde da mulher do R,II.

SSS. O R afastou-se quase completamente dos afazeres do seu escritório, deixou de receber novos clientes, solicitou e teve a compreensão de clientes para constituírem novo mandatário.

TTT.  Assim procedeu também em relação aos AA.

UUU. Como os AA. não acedessem ao pedido de o substituírem, o R. teve o cuidado de pedir ao seu colega de escritório, Dr. LL, para estar atento a notificações, que respeitassem à acção judicial, em que estes eram interessados.

WV. Sem tempo para estar no escritório, durante dias seguidos, nem ali permanecer senão por escassas horas, o R. só tardiamente teve conhecimento da notificação a que se reporta a referida carta de 05.01.1999, dando azo à referida omissão.

WWW. Os AA. mostraram-se relutantes em substituir o R.

XXX. A A. referia-se a conselhos que lhe eram dados pelo seu "mentor espiritual" sobre a orientação da acção judicial, sendo que só com o R a acção poderia ser ganha.

YYY. A A contactou telefonicamente a mulher do R., aludindo às suas práticas religiosas, sem que o R. disso tivesse conhecimento.

ZZZ. A A. deslocou-se ao escritório do R. referindo-se à sua orientação religiosa e à mulher do R.

AAAA. Estupefacto, na presença da empregada do escritório e do seu referido colega, o R. proibiu a A. de voltar a falar com sua mulher e mais uma vez insistiu em que o substituíssem.

BBBB. Sem que os AA. o tenham feito, durante o ano de 2000.

CCCC. Como o R. tivesse ficado bastante debilitado pela prolongada doença e morte de sua mulher, receando também que tivesse que sujeitar-se a intervenção cirúrgica, definitivamente deu a saber aos AA. que abandonaria o seu patrocínio, sendo-lhe então por eles pedido que lhes indicasse um colega para o substituir.

DDDD. O R. providenciou, então, no sentido de substabelecer o seu mandato.

EEEE. Em Janeiro de 2001, teve conversações com o seu colega Dr. GG, do que deu conhecimento aos AA., muito antes de, para a audiência de discussão e julgamento, na referida acção judicial, estar designado o dia 28 de Março de 2001.

FFFF. Antes dessa audiência, os AA. tiveram várias reuniões com esse seu colega, no escritório de outro colega, em Almada, onde tinham o seu negócio, para evitar que se deslocassem ao seu escritório, em Sesimbra.

GGGG. Consta do despacho exarado a fls. 291 do processo supra referido, nomeadamente, o seguinte: "As respostas negativas aos quesitos 1 a 6, 12 a 21, 23 a 28 e 30 a 32 resultaram de quanto a essa matéria não ter sido produzida qualquer prova.

Por um lado, os Réus nem sequer apresentaram rol de testemunhas."

3. Cumpre conhecer do recurso.

O recorrente suscita duas questões:

– existência de “contradição na matéria de facto julgada pelo douto acórdão recorrido, inviabilizando a decisão jurídica da causa”, o que deve conduzir à anulação do acórdão, nos termos do nº 3 do artigo 729º do Código Civil;

– erro de julgamento, por não haver nexo de causalidade entre a omissão em que incorreu (não apresentação do requerimento de prova) e os prejuízos sofridos pelos autores: “valor que pagaram pela ocupação do imóvel”, € 35.000,00, e perda do “crédito litigioso” à restituição em dobro do sinal que prestaram, € 149.639,37.

O recorrente não questiona a indemnização por danos não patrimoniais; não serão, portanto, analisados.

4. É certo que, na fundamentação da condenação que determinou, o acórdão recorrido refere, a dado passo, que “Os Apelados foram condenados na devolução do sinal em dobro, no montante global de € 149.639,37 (…)” – pág. 21 do acórdão. Trata-se, todavia, de lapso manifesto, ostensivo, detectável pelo simples leitura do acórdão; basta ler a apresentação dos termos da acção e da condenação que foi imposta aos (então) réus (cfr., em especial, a descrição do pedido reconvencional, na pág. 18 do acórdão e da condenação, na pág. 20: “Os apelados acabaram por ser condenados em 1ª instância a entregarem o prédio e absolvidos do demais peticionado, sendo a reconvenção julgada improcedente”).

O lapso transcrito, aliás, não teve nenhuma relevância no raciocínio que suporta a decisão proferida, sendo evidente que a Relação se concentrou apenas na determinação do montante indemnizatório, afirmando expressamente que “A nosso ver, as possibilidades que a reconvenção teria de ser procedente e a acção improcedente, eram (…) as mesmas que as da acção ser procedente e a reconvenção improcedente, já que do questionário constava a matéria de facto suficiente, para uma ou outra das decisões, dependendo da prova que fosse produzida”.

Improcede, assim, a anulação pretendida.

5. O recorrente questiona a existência de nexo de causalidade entre o facto ilícito em causa nestes autos – a omissão de requerer a prova – e os danos sofridos pelos autores em consequência da perda da primeira acção, que conduziu ao pagamento de € 35.000,00, pelos proventos que os (então) autores deixaram de auferir em virtude da ocupação da moradia que foram condenados a entregar, e à perda do direito (de que se arrogavam titulares) à restituição em dobro do sinal que prestaram (€ 149.639,37).

Os recorridos, nas contra-alegações, sustentam a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual e salientam que perderam o sinal que prestaram, para além de não terem logrado a condenação da então autora no pagamento de outro tanto.

Está pois em causa, apenas, o pressuposto do nexo de causalidade, único ponto que o recorrente discute, sustentando ter sido violado o disposto no artigo 563º do Código Civil. O que significa que não cabe analisar de novo a questão de saber se houve ou não incumprimento culposo de uma obrigação decorrente do contrato celebrado com os autores, ou se estes sofreram ou não os danos indicados.

Cumpre, todavia, recordar o seguinte:

– Entre os autores e o réu foi celebrado um contrato de mandato, o mandato forense, ao qual se aplicam as regras definidas pelo Código Civil (em geral e, em especial, nos artigos 1157º e segs.), no Código de Processo Civil (particularmente, nos seus artigos 35º e segs.) e no Estatuto da Ordem dos Advogados vigente à data do contrato dos autos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, com diversas alterações (cfr. em especial o respectivo artigo 83º);

– No cumprimento do mandato forense, o advogado deve colocar todo o seu saber e empenho na defesa dos interesses do seu constituinte, naturalmente com respeito das regras de conduta (nomeadamente de deontologia) genericamente impostas ao exercício da profissão respectiva, e dispõe de uma margem significativa de liberdade técnica que carece de ser respeitada (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 542/09.2YFLSB, de 10 de Março de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 9195/03.0TVLSB.L1.S1); essa liberdade, no entanto, tem âmbitos diferenciados, consoante as situações, e deve ser exercida de acordo com o fim do contrato;

– Nesse cumprimento não se inclui, pelo menos em regra, a obrigação de ganhar a causa, mas apenas a de defender aqueles interesses diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide; trata-se, como habitualmente se refere, de uma obrigação de meios, e não de resultado (cfr., por exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 29 de Abril de 2010,  www.dgsi.pt,  proc.  2622/07.0TBPNF.P1. S1, de 28 de Setembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. Nº 171/2002.S1). Ora, ao alegar que “Podem, por isso, os aqui contra-alegantes transferir para a esfera jurídica do Réu o prejuízo pela perda da acção e da reconvenção, responsabilizando este pelo resultado daquela outra lide (…)”, os recorridos (autores nesta acção), pretendem, no fundo, transformar a obrigação a que se vinculou o recorrente, réu, numa obrigação de resultado – ou, dita de outra forma, numa obrigação de garantia de improcedência da acção contra eles proposta e de procedência da reconvenção que ali deduziram;

– Quanto ao pressuposto do nexo da causalidade, no âmbito da responsabilidade civil (contratual ou extracontratual), a lei portuguesa consagra a teoria da causalidade adequada, no artigo 563º do Código Civil. Significa isto que, para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cfr. acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Julho de 2010, www.dgsi.pt, proc. 1399/06.OTVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão (da não realização objectiva da prestação devida) resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ªed., Coimbra, 2000, pág. 900). Esta opção legal tem sido apontada como uma dificuldade à ressarcibilidade de danos relativamente aos quais se não consegue afirmar com suficiente segurança que não se teriam verificado se o incumprimento não tivesse ocorrido, como é manifestamente o caso presente (“O problema da perda ou diminuição de chances é caracterizado decisivamente pela interferência da incerteza relacionada com o futuro na questão da determinação da responsabilidade”, escreve Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, vol. II, Coimbra, 2008, pág. 1103, nota 3013);

– Tanto são indemnizáveis os danos emergentes como os lucros cessantes (nº 1 do artigo 564º do Código Civil); e os danos presentes ou futuros, desde que previsíveis (nº 2); em qualquer caso, no entanto, é à teoria da diferença que cumpre recorrer para calcular o montante da indemnização, o que poderá implicar dificuldades numa hipótese em que, como aqui sucede, é particularmente difícil comparar situações patrimoniais, nas quais uma é incerta (aquela que os autores teriam se o réu tivesse apresentado o requerimento de prova) – ou seja, nas quais ocorre uma situação de incerteza também quanto aos danos.

6. Está adquirido nesta acção que, ao não apresentar o requerimento de prova, quando foi notificado para o efeito, o réu violou o contrato de mandato que o ligava aos (agora) autores. Não tratou “com zelo a questão” de que foi “incumbido” (al. d) do artigo 83º do citado Estatuto), e que foi a representação dos autores na acção contra eles instaurada.

Com efeito, pese embora a liberdade técnica na condução do processo a que se fez referência, deve entender-se que, no caso, o réu estava absolutamente vinculado a requerer a prova, tendo em conta os termos da contestação que apresentou (maxime quanto à excepção de incumprimento) e da reconvenção que deduziu; o que significa, desde logo, que lhe estava vedado optar licitamente pela não apresentação do requerimento de prova e que houve, portanto, incumprimento do contrato de mandato, pois não praticou um acto “manifestamente (...) indispensável ao preenchimento dos objectivos contratualmente reconhecidos” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Novembro de 2008, proc. nº 07B4585).

No âmbito da responsabilidade contratual, o pressuposto do incumprimento traduz-se, apenas, na não realização objectiva da prestação devida (acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Novembro de 2008, www.dsgi.pt, proc. nº 07B4585, já citado). Estando em causa uma obrigação de meios, tendo em vista a procedência da excepção e da reconvenção deduzidas, o réu estava adstrito a praticar os actos necessários à obtenção do resultado previsto, embora, como se viu, o não garantisse; e entre eles figurava, manifestamente, o de requerer a produção de prova.

7. Trata-se então de determinar se, entre esta omissão (incumprimento) e os danos alegados pelos autores da acção (perda do direito à restituição do sinal em dobro e pagamento dos € 35.000,00, pelas lucros cessantes provocados pela detenção do imóvel), existe o nexo de causalidade exigido pelo artigo 563º do Código Civil.

Está também adquirido que, na acção proposta contra os autores, a falta de apresentação oportuna do requerimento de prova determinou a improcedência da sua defesa e da reconvenção, ou seja, que foi sua causa efectiva;

Como se sabe, no que toca à prova, a lei portuguesa conjuga a imposição às partes de diversos ónus – do qual agora interessa particularmente o ónus de requerer prova, tendo em conta a matéria de facto controvertida e, naturalmente, a repartição do ónus da prova entre elas – com um amplo poder de iniciativa probatória do juiz. Estes poderes inquisitórios, todavia, não se destinam a suprir o incumprimento daqueles ónus.

Como se vê da lista de factos provados, acima transcrita, foram levados ao questionário da primeira acção factos cuja prova era indispensável à procedência da excepção de incumprimento e da reconvenção; e sabe-se que incumbia aos (então) réus o ónus da prova dos factos constitutivos da excepção e do direito que pretendiam fazer valer reconvencionalmente (artigo 342º do Código Civil). Recorde-se o que consta do ponto JJ. da lista: “Toda a matéria que interessava aos aqui autores foi dado por ‘não provada’ face à ausência de toda e qualquer prova”.

Na sentença então proferida (não contrariada em recurso, quanto ao que agora releva), a págs. 49, recordou-se que “Os Réus excepcionaram invocando que ocupam a referida moradia ao abrigo do contrato-promessa de permuta celebrado com a Autora, o qual não foi por esta cumprido, e deduzem pedido reconvencional pedindo a restituição do sinal em dobro, invocando além disso o direito de retenção” e, a págs. 55, que “Não resultou provado qualquer dos factos que merecesse, nesta decisão final, apreciação em sede de excepção, nem em sede de pedido reconvencional”; e, uma vez que os (então autores) haviam demonstrado a titularidade do direito de propriedade, a reivindicação foi julgada procedente.

A não apresentação do requerimento de prova foi causa da improcedência da excepção de incumprimento e da reconvenção, naquela acção.

8. No entanto, há ainda que saber se ocorre a “causalidade adequada” definida no artigo 563º do Código Civil, ou seja, se pode ter-se como assente que, se o réu tivesse oportunamente requerido prova, provavelmente os autores não teriam perdido a acção e a reconvenção, ponto este susceptível de controlo pelo Supremo Tribunal de Justiça, como por diversas vezes se observou já (cfr, a título de exemplo, o acórdão de 14 de Abril de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 3075/05.2TBPBL.C1.S1 e jurisprudência nele citada). Não se trata, agora, de averiguar a causalidade naturalística, mas sim o critério legal de causalidade.

Como é manifesto, uma resposta afirmativa exigiria que se pudesse ter como suficientemente provável que, se a prova tivesse sido oportunamente requerida, da respectiva produção e apreciação pelo tribunal teria resultado o julgamento de que estavam provados os factos necessários à procedência da excepção e da reconvenção, incluídos no questionário (os que foram dados como não provados, por não ter sido produzida prova sobre eles); e, para além disso, de que a excepção e a reconvenção seriam juridicamente havidas como fundadas, mesmo em via de recurso (frisando as dificuldades de estabelecimento do nexo de causalidade, nomeadamente tendo em conta as diversas “opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores”, indispensável à procedência de um pedido de indemnização por perda de chance, cfr. o acórdão de 29 de Abril de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1).

Ora sucede que não é possível concluir nesse sentido, por razões evidentes. Não se pode determinar qual seria o provável resultado da prova que viesse a ser oportunamente requerida e produzida; nem tão pouco o provável desfecho jurídico da causa, quanto mais não seja por isso mesmo; pelo menos, quanto a todas as questões suscitadas na acção, como se verá.

9. Mas os autores fundamentam o pedido de indemnização, também, na perda da oportunidade de verem a sua pretensão apreciada judicialmente (perda de chance). Cumpre então verificar se o dano consistente na perda da oportunidade de vencer a acção, por procedência da excepção que deduziram, e a reconvenção, é indemnizável; em particular, à luz da causalidade adequada e da teoria da diferença.

São conhecidas as dificuldades sentidas quanto à resposta a dar a esta questão, em abstracto. Apenas a título de exemplo, e somente no âmbito de indemnizações pedidas com fundamento em violação do mandato forense, referem-se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:

– no sentido de que a perda da chance de vencer a acção constitui um dano autónomo, cfr. os acórdãos de 28 de Setembro de 2010, ou de 10 de Março de 2011, já citados e ainda o recente acórdão de 5 de Fevereiro de 2013, www.dgsi.pt, proc. nº 488/09.4TBESP.P1.S1, proferido num caso semelhante ao presente (foi julgado extemporânea a apresentação do requerimento de prova);

– afirmando que “A perda de oportunidade não sendo (…) um dano presente (…) só pode ser qualificado de dano futuro mas eventual ou hipotético, salvo se a prova permitir que com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida”, cfr. acórdão de 29 de Abril de 2010, também citado;

– observando que “a doutrina da perda de chance não tem, em geral, apoio na nossa lei civil que exige a certeza dos danos indemnizáveis e a existência de nexo de causalidade entre eles e a conduta do lesante. Apenas quando se prove que o lesado obteria, com forte probabilidade, o direito não fora a chance perdida, se pode fundamentar uma indemnização pelos respectivos danos”, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 29 de Maio de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 8972/06.5TBBRG.G1.S1), do qual se faz a transcrição, de 26 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 1410/04.0TVLSB.L1.S1), de 18 de Outubro de 2012, proc. nº 7/04.9TVLSB.L1.S1, com sumário disponível em www.stj.pt;

– no sentido de que basta um nexo causal entre o incumprimento e o dano traduzido no desentranhamento da contestação e subsequente condenação no pedido, sendo irrelevante uma causa virtual não provada, cfr. o acórdão de 22 de Janeiro de 2009, www.dgsi.proc. nº 3955/08, com sumário em www.stj.pt.

– entendendo que “a perda de oportunidade de utilização” de uma via processual “não constitui por si mesma um dano patrimonial” , cfr. o acórdão de 4 de Novembro de 2008, proc. nº 2713/08, com sumário em www.stj.pt.

10. A doutrina também não é conclusiva. Vejam-se alguns exemplos:

Manuel Carneiro da Frada, Direito Civil. Responsabilidade civil. O método do caso, Coimbra, 2006, pág. 100 e segs., a propósito das “dificuldades de estabelecimento de nexo causal”, afirma que, a par de outros caminhos possíveis (facilitação da prova, presunções de causalidade e consequente inversão do ónus da prova, por exemplo), um deles será o de “considerar a perda de oportunidade um dano em si”, quando esteja em causa uma “perda de oportunidade”.

Já Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, II, Coimbra, 2008, pág. 1103, nota 3103,  avança que “não parece que exista já hoje entre nós base jurídico-positiva para apoiar a indemnização da perda de chance”, sugerindo que “antes parece mais fácil percorrer o caminho da inversão do ónus, ou da facilitação da prova, da causalidade e do dano, com posterior redução da indemnização, designadamente por aplicação do art. 494º do Código Civil, do que fundamentar a aceitação da ‘perda de chance’ como tipo autónomo de dano, por criação autónoma do direito para a qual faltam apoios”. Supõe-se, no entanto, que a lei vigente não consente uma inversão do ónus da prova fora dos expressamente previstos ou das circunstâncias exigidas, em geral, pelo nº 2 do artigo 344º do Código Civil, nomeadamente distribuindo-o dinamicamente, segundo uma maior ou menor dificuldade na realização da prova.

Júlio Gomes, Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidade ou perda de chance, Cadernos de Direito Privado, II Seminário dos Cadernos de Direito Privado, “Responsabilidade Civil”, nº especial 02/Dezembro 2012, pág. 17 e segs., pág. 29, e Sobre o dano da perda de chance, Direito e Justiça, XIX, 2005, tomo II, pág 9 e segs., salientando as dificuldades de compatibilização com a lei portuguesa, acaba por concluir que “Reconhecemos (…) que, quando a chance ou oportunidade se tenha ‘densificado’ e fosse mais provável a sua realização do que a sua não verificação, se considere existir já um lucro cessante suficientemente ‘certo’ para que a fixação do seu montante possa ser feita pelo tribunal recorrendo à equidade (…)”.

Rui Cardona Ferreira, por seu lado, em Indemnização do Interesse Contratual Positivo e Perda de Chance (Em especial, na contratação pública), Coimbra, 2011, opta por se aproximar “dos autores que entendem não estar em causa, na perda de chance, um dano patrimonial autónomo”, tratando-se antes de uma hipótese de lucros cessantes, e propondo uma “revisão” da teoria da causalidade adequada. Para efeitos de cálculo da indemnização, entende que se deve ter em conta “o grau de aleatoriedade, ou incerteza, relativa à possibilidade de concretização da chance, não fora a prática do acto ilícito” (pág. 347).

11. Têm-se como relevantes, para o caso específico de que nos ocupamos, as seguintes considerações:

– É difícil sustentar a existência do nexo de causalidade adequada entre a omissão de apresentar prova e o dano final da perda da acção e da reconvenção; mas parece possível encontrar esse nexo quanto ao dano da perda de oportunidade de vencer, tendo em conta as regras sobre a oportunidade e a preclusão de requerer prova e sobre o ónus da prova; a falta de requerimento de prova para lograr demonstrar os factos controvertidos é causa adequada da perda de oportunidade, autonomamente considerada;

– Só que, afastada esta dificuldade, coloca-se o problema da compreensão exacta do dano e do cálculo da correspondente indemnização. Entende-se, quanto a este ponto, que o dano da perda de oportunidade de ganhar uma acção não pode ser desligado de uma probabilidade consistente de a vencer: se, por negligência do advogado, não foi requerida prova para sustentar uma acção, ou uma excepção, claramente infundada, carece de justificação substancial a atribuição de uma indemnização ao seu constituinte, pela perda da oportunidade de obter uma decisão favorável… que manifestamente não seria viável, ainda que a prova tivesse sido oferecida. Solução diferente equivaleria a esquecer que a lei portuguesa atribui à obrigação de indemnizar uma função primordialmente ressarcitória, e só pontualmente punitiva.

Todavia, na generalidade dos casos, o que se apresentará é uma maior ou menor probabilidade de vencer ou de perder a causa. O dano traduzir-se-á, então, na perda de uma certa probabilidade de ganhar a acção, seja a parte autora, ou ré; e esta afirmação é independente da dificuldade de quantificação dessa probabilidade.

Não releva saber se tal perda deve ser qualificada como dano emergente ou lucro cessante, actual ou futuro: todos são indemnizáveis. Mas a verdade é que a teoria da diferença (nº 2 do artigo 566º do Código Civil) impõe a comparação da situação patrimonial do lesado que sofreu o dano com a que teria se o mesmo não tivesse ocorrido.

Conclui-se, que, para haver indemnização, a probabilidade de ganho há-de elevada, sob pena de incompatibilidade com o regime legal. Como se escreveu no acórdão de 10 de Março de 2011, atrás citado, a «perda de chance” só poderá ser valorada em termos de uma “possibilidade real” de êxito que se frustrou».

12. No caso presente, pode ter-se como seguro que os autores não tinham qualquer chance de lhes ser reconhecido o direito de retenção que invocaram, para garantia do direito à devolução do sinal em dobro, na acção em que foram réus. Esta afirmação não resulta de nenhum juízo sobre o regime aplicável; mas sim da verificação de que, na acção concreta, a falta de apresentação do requerimento de prova foi irrelevante para este efeito.

Na acção presente, recorde-se, a 1ª Instância observou que “a obter vencimento a pretensão dos aqui AA, sempre ficariam adstritos à devolução do prédio, dada a resolução do contrato-promessa por via do qual alcançaram a sua entrega”; no entanto, essa circunstância não obstaria ao reconhecimento do direito de retenção. A verdade, porém, é que, na primeira acção, foi negado aos réus (agora autores) a titularidade do direito de retenção que invocavam, para garantia do direito à restituição em dobro do sinal, porque a sentença adoptou uma “interpretação restritiva” da al. f) do artigo 755º do Código Civil, nos termos da qual “o direito de retenção, consagrado no art. 755º f) só tem conexão com o direito ao aumento do valor da coisa ou do direito, que é o único crédito resultante do não cumprimento que tem uma relação directa com a coisa a reter. (…) Assim, a retenção não deve poder ser exercida em relação ao crédito da restituição do sinal em dobro, mas apenas em relação ao aumento do valor da coisa, se o credor optar por essa alternativa. E mesmo no caso de exercer essa opção, não devem ficar garantidos pelo direito de retenção os créditos relativos à restituição do sinal (em singelo) e do preço pago, uma vez que em relação a estes falta também a conexão directa com a coisa” (pág. 68 da sentença). Só a título adjuvante é que a mesma sentença acrescentou que, “todavia, mesmo que se entendesse em sede de uma interpretação lata, também por aí não assistiria razão aos (então) Réus. Com efeito, o direito de retenção pelos créditos do promitente comprador pressupõe que este logre fazer prova de que o incumprimento é imputável ao promitente vendedor. E, no caso dos autos, os Réus não lograram provar que o incumprimento do contrato-promessa de permuta” [no âmbito do qual lhes foi permitido ocupar a moradia] era “imputável à [então] Autora”.

Esta interpretação não foi então afastada, nem na Relação, nem no Supremo Tribunal de Justiça.

Significa isto que a falta de apresentação do requerimento de prova, por parte do réu, não foi causa adequada da perda da oportunidade de evitar a condenação na entrega do prédio, seja por não se ter demonstrado o incumprimento do autor, seja por não se ter reconhecido o direito de retenção; essa oportunidade nunca existiu para os (agora) autores. Falta, portanto, o nexo de causalidade entre a omissão do requerimento de prova e a perda da oportunidade de não ser condenada no pagamento dos proventos que a (então) autora deixou de obter por virtude da detenção da moradia pelos (agora) autores, e, portanto, dos € 35.000,00 que vieram a ser fixados em transacção.

Ao que acresce a verificação (decisiva, na verdade) de que os (agora) autores efectivamente tiveram a moradia em seu poder, ou seja, é certo que não ocorreu, no seu património, a diferença que justificaria a indemnização (nº 2 do artigo 566º do Código Civil).

Quanto a este ponto, o réu tem de ser absolvido.

13. Resta ponderar a perda de oportunidade de procedência do pedido reconvencional.

Como se frisou no acórdão recorrido, na acção de reivindicação foram levados ao questionário os factos alegados pelos (então) réus, por um lado, para sustentar a excepção de incumprimento do contrato-promessa pela autora, e por outro, para fundamentar o pedido de restituição, em dobro, do sinal prestado. Significa isto que o tribunal entendeu que tais factos eram relevantes para a decisão da causa (nº 1 do artigo 511º do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, relativo à “organização da especificação e do questionário”). Essa convicção, aliás, foi confirmada pela sentença, que, como se viu já, apontou a falta de prova como motivo da não procedência de uma e de outra.

A Relação e o Supremo Tribunal de Justiça não adoptaram (então) nenhuma posição quanto à solução jurídica do litígio que afectasse a consistência da situação dos (então) réus.

Considera-se, assim, com o acórdão recorrido e na linha da orientação seguida pelo acórdão deste Supremo Tribunal nele citado, de 28 de Setembro de 2010, que está em causa um dano – perda da oportunidade de procedência da excepção de incumprimento da parte contrária, e do direito à restituição em dobro do sinal prestado – cujo “valor exacto” se não consegue averiguar, cumprindo determinar o montante indemnizatório segundo critérios de equidade; e que os elementos disponíveis aconselham a que se repartam igualmente as hipóteses de ganho de causa, quanto a estes dois aspectos, pelas seguintes razões:

– Ficou assente (cfr. especificação da acção de reivindicação) que se encontrava registada em favor da então autora a aquisição do direito de propriedade sobre a moradia; beneficiava, portanto, da presunção da titularidade correspondente;

– Mas consta igualmente da especificação a celebração dos contratos-promessa de compra e venda e de permuta, bem como o pagamento do sinal;

– Vem ainda provado que a moradia foi entregue aos agora autores (cfr. CCC);

– Foram quesitados factos que, na perspectiva do tribunal, poderiam conduzir à procedência da excepção de incumprimento e da reconvenção.

Tal como no acórdão de 28 de Setembro de 2010, considera-se que “o grau da possibilidade de ocorrer uma ou outra situação (procedência, improcedência – total ou parcial), não pode deixar de fixar-se em 50% para cada uma das partes, visto que, salvo melhor opinião, qualquer outra percentagem se nos afigura arbitrária, por falta de base lógica em que assentar”. As duas situações são semelhantes, aliás. No caso ali tratado, não tinha sido apresentada contestação tempestivamente; os factos alegados pelo autor foram tidos como provados. No caso presente, houve contestação; mas a impossibilidade de fazer prova em que o réu colocou os autores acabou por lhes criar uma situação desfavorável não muito diversa..

Admite-se, no caso presente, que a chance de vencimento é suficiente para que a consistência da oportunidade perdida justifique uma indemnização, a calcular segundo a equidade (nº 3 do artigo 566º do Código Civil).

            14. Aqui chegados, cumpre recordar que, tratando-se de uma indemnização fixada segundo critérios de equidade, e como este Supremo Tribunal já repetidamente observou, citando o acórdão de 28 de Outubro de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº272/06.7TBMTR.P1.S1), em parte por remissão para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 381/2002.S1), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se o Supremo Tribunal da Justiça é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio”.

            Dentro destes limites, confirma-se o critério adoptado pelo acórdão recorrido, para cálculo da indemnização devida; apenas se considera indemnizável, todavia, o montante correspondente ao pedido reconvencional, pelas razões já indicadas.

            Não tendo sido questionada a condenação por danos não patrimoniais (€ 2.000,00 a BB e € 1.000,00 a AA), resta confirmar a condenação no pagamento de 50% de € 149.639,37 (74.819,70) e revogar o acórdão recorrido quanto à condenação em 50% de € 35.000,00.

À mesma ponderação, aliás, chegou o acórdão de 5 de Fevereiro de 2013, atrás citado.

            15. Nestes termos, concede-se provimento parcial à revista e condena-se o réu CC a pagar aos autores AA e BB, a título de danos patrimoniais, a quantia global de € 74,819,70, confirmando-se quanto ao mais o acórdão recorrido.

            Custas por recorrente e recorridos, na proporção do decaimento.

Lisboa, 14 de Março de 2013

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Lopes do Rego

Orlando Afonso