Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
328/21.6T8PTG.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO
RECURSO DE REVISTA
ERRO SOBRE O OBJECTO DO NEGÓCIO
ERRO SOBRE AS CIRCUNSTÂNCIAS DE FACTO
PRESSUPOSTOS
REGIME APLICÁVEL
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Data do Acordão: 03/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I – A possibilidade de junção de documentos no âmbito dos recursos de revista encontra-se prevista no art.º 680.º do CPC, estando a mesma reservada para os casos em que as instâncias tenham considerado provado um facto para o qual a lei exigia prova documental (v.g. escritura pública ou certidão de registo), com violação do direito probatório material, sustentando-o apenas em prova testemunhal ou em confissão, situação que pode ser regularizada, sem prejudicar o resultado, mediante a junção de documento que seja superveniente. Não se enquadra nesses pressupostos a requerida junção de uma Declaração camarária que declara o estado em que se encontra o processo de aprovação do seu PDM e duas plantas a ele atinentes, sem que se invoquem razões bastantes e adequadas àquelas finalidades.

II - O erro vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de contratar: se tivesse havido esclarecimento sobre essa circunstância, o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não o teria realizado nos termos em que o celebrou.

III - Tanto há erro sobre a base do negócio quando a falsa representação incide sobre circunstâncias passadas ou presentes, como quando ela recai sobre circunstâncias futuras, desde que, num caso e noutro, a decisão de contratar se tenha fundado em tais circunstâncias

IV - Numa situação em que as partes acordaram sob uma falsa representação incidente sobre as circunstâncias futuras, a qual foi determinante para que o mesmo tivesse sido celebrado, deparamo-nos perante a previsão do n.º 2 do art.º 252.º do CC.

V – O referido art.º 252.º, n.º 2 do CC, remete para o art.º 437.º, sendo que tal remissão tem por fim indicar os pressupostos para a relevância do erro.

VI – De entre os pressupostos de aplicabilidade de tal art.º 437.º há que ressaltar os seguintes: - A alteração deve caracterizar-se por ser “anormal”, conceito que deve ser associado à ideia da imprevisibilidade, não bastando que se trata de uma “grande alteração”; - Uma das partes deve ser lesada de modo “significativo” por essa alteração, no sentido de sofrer consequências de certa envergadura; - Dessa alteração deve resultar a afectação dos “princípios da boa fé”, se acaso a contraparte exigir as prestações que da mesma decorram; - As alterações devem ocorrer numa área que não esteja coberta pelos “riscos próprios do contrato” em causa.

Decisão Texto Integral:

Relator[[1]]: Juiz Conselheiro Sousa Pinto

Adjuntas:

Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza

Juíza Conselheira Fátima Gomes 

                                                   

I. Relatório


AA e esposa, BB, instauraram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, tendo pedido:

A título principal:

a) A declaração da nulidade do acordo verbal de promessa de compra e venda, por falta de forma, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 410°, n° 3 e 220°, ambos do Código Civil, condenando-se os RR. a entregarem aos AA. o prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o art. 2082°, sito em ..., da freguesia ..., concelho de Arronches, com a área de 207,8500 m2 e a área de 13.362,15 m2 do prédio rústico do art. 78° da Secção M, tudo livre e devoluto de pessoas e bens no mesmo estado em que os receberam;

Devendo ainda, os RR. serem condenados, solidariamente, ao pagamento, aos AA., na quantia diária de 75,00€ por cada dia de atraso na entrega do dito prédio, desde a data em que ocorreu a notificação judicial avulsa supra citada (07/07/2020) até à entrega efectiva desses prédios, assistindo o direito dos ora AA. de fazerem sua a coisa entregue (o sinal de 5.000€).

b) Sem prescindir do pedido em a), deve o dito acordo verbal de promessa de compra e venda ser imediatamente resolvido, sem mais, por perda de interesse na celebração da escritura definitiva, por total quebra de confiança nos RR. e por desinteresse pessoal, devendo, ainda, os RR. serem condenados a entregar aos AA. o mesmo prédio urbano, e a mesma área do prédio rústico, tudo livre e devoluto de pessoas e bens no mesmo estado em que os receberam;

- Devendo, ainda, os RR. serem condenados ao pagamento aos AA. da quantia diária de 75 € por cada dia de atraso na entrega do dito prédio, desde a data em que ocorreu a notificação judicial avulsa supra citada (07/07/2020) até à entrega efectiva desses prédios; assistindo, ainda, o direito dos ora AA. de fazerem sua a coisa entregue (o sinal de 5.000,00 €);

c) devem os RR. serem condenados a restituir aos AA. definitivamente a posse do referido prédio urbano e da referida área do prédio rústico e condenados a pagarem aos AA. solidariamente, o montante de 6.600,00€, bem como serem condenados a pagarem aos AA. o valor mensal de 600€ desde o mês de Abril de 2021 até à restituição definitiva dos prédios em causa;

d) devem os RR. serem condenados a restituir aos AA. definitivamente a posse do referido prédio urbano e da referida área do prédio rústico e condenados a pagarem aos AA. solidariamente o montante de € 4.800,00 correspondente ao valor locativo do imóvel e de parte do rústico, desde o início da ocupação (julho de 2020 até março de 2021) até à restituição definitiva, valores esses acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, ao abrigo do disposto nos artigos 1305° e 483°, ambos do Código Civil, ou caso assim não se entenda, sem prescindir, ao abrigo do disposto nos artigos 1284°, n° 1, art° 483° e 564° n° 2, todos do Código Civil;

e) devem os RR. serem condenados a pagar, solidariamente, aos AA. a quantia de €19.725,00, a título de danos nos prédios em causa, a que acrescem juros legais desde a data da citação até integral pagamento, pelos (danos) causados no referido prédio urbano e na referida área do prédio rústico e condenados a pagarem aos AA. todos os danos que se fixarem em liquidação de sentença.

Para o efeito, alegaram os Autores, muito em suma, que:

São donos dos seguintes prédios: rústico, artigo matricial 78°; urbano, artigo matricial 2081°; urbano, artigo matricial 2082°, sitos em ..., da freguesia ..., concelho de Arronches.

Os dois prédios urbanos encontram-se implantados no prédio rústico do art. 78°, estando estes descritos na Conservatória de Registo Predial como um só prédio misto.

Em Janeiro de 2018 os AA. tomaram a decisão de vender o prédio urbano correspondente ao art. 2082° e parte da área do prédio rústico do art. 78°.

Em Fevereiro de 2018 informaram-se junto da Câmara Municipal de Arronches no sentido de saber se podiam efectuar a divisão do prédio rústico de modo a integrar parte dele no urbano - artigo 2082°, através de uma operação de loteamento. Tendo obtido a informação que tal possibilidade dependia da alteração do PDM prevista para daí a quatro meses.

Confiantes com tal informação celebraram verbalmente um contrato promessa de compra e venda de imóvel com os Réus, tendo por objecto o prédio urbano inscrito sob o art. 2082° e 13.362,15 m2 de área do prédio rústico do art. 78° (na sequência de desanexação a efetuar, quando o PDM de Arronches o permitisse), pelo valor de € 220.000,00.

Combinaram verbalmente com os Réus que a escritura seria feita no prazo de seis meses. Tal como combinaram a entrega de 5.000€ de sinal, que os RR. efectivaram. Por conta do preço de 220.000,00 os Réus entregaram ainda aos AA. em diversas datas, a quantia total de 36.500,00 euros.

Por acordo entre todos, não foi o contrato reduzido a escrito.

A escritura definitiva de compra e venda foi sendo adiada porquanto a alteração do PDM não se concretizava.

Em Novembro de 2018 os AA. acederam em entregar as chaves aos Réus, passando estes a residir no local (art. 2082-U) e a explorar a parte do terreno rústico que lhes fora prometida. Tendo sido combinada uma renda de 600€ que os RR. pagaram de Outubro de 2019 a Abril de 2020.

Em 22-07-2020 a Câmara Municipal de Arronches informou os AA. de que a operação de loteamento não podia ser concretizada. E em 26-11-2020 a mesma Câmara Municipal informou os AA. de que ainda faltavam as fases 3.ª a 7.ª para que o PDM de Arronches se alterasse definitivamente.

Os AA. não sabem se o negócio acordado verbalmente se poderá realizar ou não, devido à alteração do PDM. Nem quando.

Os Réus passaram a criar conflitos com os AA. e a provocar danos nos prédios.

Não tem os AA. interesse em manter o negócio. O contrato é nulo por falta de forma.


Os Réus contestaram e deduziram Reconvenção.

Em síntese, referiram que existe uma promessa unilateral escrita e assinada pelos AA, a favor ao Réu DD, e sucessivamente repetida no tempo, designada por " DECLARAÇÃO", onde os AA, reconhecem expressamente receber valores a título de sinal, consubstanciada em 16 documentos.

A falta dos dois requisitos específicos de forma, no caso, o reconhecimento presencial e a certificação da existência de licença de utilização, não podem ser invocados pelos AA, na qualidade de promitentes vendedores, excepto se a falta desses requisitos fosse imputada aos RR, nos termos do art.º 410° n°3 CC, o que nem sequer foi alegado. Não podem, por isso, os AA. beneficiar da nulidade.

Do mesmo modo, não podem invocar a resolução do contrato - por perda de interesse dos próprios AA, e falta de confiança nos RR.- face ao pedido de nulidade, cumulando pedidos incompatíveis.

Não há incumprimento definitivo, imputável aos Réus.

Os AA. não mostram disponibilidade para restituir aos Réus os valores recebidos, em dobro.

Não há fundamento legal para os pedidos de restituição da posse e indemnização por privação de uso. Os RR. arrogam-se meros detentores com direito de retenção até que o pagamento do sinal em dobro ocorra.

Nunca os RR entregaram quaisquer quantias a título de rendas, mas tão só a título de adiantamentos de €1.600, cada.

Mais impugnam a existência de quaisquer danos.


Em sede de reconvenção deduziram os Réus os seguintes pedidos:

a) Se profira sentença que nos termos e ao abrigo do art.º 411.° do CC fixe um prazo aos AA. não superior a três meses, a contar da data da prolação da sentença para transmitirem o prédio de que são proprietários aos RR., livre de ónus e encargos. (Pedido este de que desistiram em audiência prévia. Mantendo os demais).

b) Subsidiariamente, e ultrapassado esse prazo, sem que a transmissão ocorra, deverão os AA. ser condenados, nos termos do art. 411.° e art. 442.° n° 2 do CC, a devolver aos RR, a quantia de 81.400,00€ respeitante ao dobro do sinal que destes receberam de 40.700,00€.

c) Decretando-se ainda nos termos do art. 755.° n° 1 alínea f) do CC, o gozo do direito de retenção dos AA, relativamente à parte do prédio onde reconhecidamente houve tradição, até ao integral pagamento do valor que vier a ser fixado pelo douto tribunal acrescido de juros de mora, e demais encargos.


Fundamentam o pedido reconvencional no seguinte:

O contrato escrito celebrado entre as partes, preenche os requisitos do art. 874° do Código Civil; O n.° 3 do art.410° do CC, não pode aproveitar aos AA..

À data do contrato o prédio não podia legalmente ser vendido em parcelas ou de uma outra qualquer modalidade que não na sua totalidade. Os AA sabiam disso.

Das declarações de quitação não consta qualquer limitação ou condicionante para que o contrato definitivo viesse a recair sobre uma parte do prédio e não sobre a totalidade.

Os AA., só 2 anos depois de decidirem vender o prédio, procuram obter da Câmara Municipal de Arronches, uma informação escrita sobre o estado do PDM.

Nem o PDM nem as respostas da Câmara garantem o sucesso da operação urbanística. Não tendo havido alterações desde a data do início do negócio, quer relativamente ao prédio, quer ao PDM, inexistem motivos para não vir a ser celebrado o contrato definitivo.

E a não ser celebrado o contrato definitivo a culpa é exclusiva dos AA. que agiram de má fé. Os RR. além de terem agido de boa fé, sempre mantiveram e mantêm um interesse sério na celebração do contrato definitivo,

A não ser assim, deverão os AA. devolver em dobro os valores que receberam de 40.700,006, a título de sinal. Com juros de mora desde a citação.

Mantendo-se o direito de retenção do imóvel até à restituição do sinal em dobro.


Não houve resposta à reconvenção.


Em audiência prévia foi admitido o pedido reconvencional.


Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu:

1) Julgar a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver os réus dos pedidos formulados pelos autores;

2)  Julgar o pedido reconvencional totalmente improcedente e, em consequência, absolver os reconvindos dos pedidos formulados pelos reconvintes.


Inconformados com tal decisão AA. e Réus recorreram de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.


Em tal tribunal de 2.ª instância, em 29-09-2022, foi proferido acórdão onde, na sua parte dispositiva, se decidiu:

“(…) revogar a sentença, julgando parcialmente procedente a apelação interposta pelos AA. e parcialmente procedente a apelação interposta pelos RR/ Reconvintes, decidindo-se:

Declarar a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes, e, por consequência:

Condenar os AA. a devolver aos RR. a quantia entregue a título de sinal, em singelo, no montante de € 41.500 (quarenta e um mil e quinhentos euros) acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, vencidos - desde a data da notificação da reconvenção e vincendos, e até ao seu integral pagamento/restituição.

E, condenar os RR. a entregar aos AA. o prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o art. 2082°, sito em ..., da freguesia ..., concelho de Arronches, com a área de 207,8500 m2 e a área de 13.362,15 m2 do prédio rústico do art. 78° da Secção M, tudo livre e devoluto de pessoas e bens no mesmo estado em que o receberam.”


Notificados desse acórdão, os Réus e recorrentes, DD e CC, requereram, nos termos do disposto nos artgs. 613.º n.º 2 e 614.º, n.º 1 do CPC, a rectificação de alegados erros materiais de que padeceria o acórdão do Tribunal da Relação de Évora.

Por acórdão de 10-11-2022, de tal Tribunal, indeferiram-se as pretendidas rectificações.


Os Réus, tendo discordado do acórdão de 29-09-2022, vieram recorrer do mesmo para este Supremo Tribunal, através de Revista, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteram as seguintes conclusões:

I - DAS NULIDADES (art.º 674.º n.º1 alínea c) do CPC).

Primeira:

Nem os AA, nem o tribunal de 1ª Instância, nem o TRE apreciaram ou fixaram o valor do recurso apresentado pelos AA., em violação do art.306.º do CPC, o que constitui uma omissão de pronúncia e uma nulidade do acórdão, e fundamento deste recurso ( V. art.º 306.º, art.º 615.º e art.º 674.º /1 al. c) CPC).

Segunda:

O recurso interposto pelos RR., tem autonomia ao nível da sua admissão e subsequente tramitação, bem como ao nível das custas processuais, apesar dessa autonomia, foi apreciado e decidido como recurso subordinado, o que levou à desconsideração do incumprimento definitivo por parte dos autores e do direito dos réus à devolução do sinal em dobro, por prejudicialidade da procedência da resolução do contrato derivada do reconhecimento de erros sobre as circunstâncias da base do negócio.

Em violação do art.º 633.º do CPC e art.º 1.º do RCP, o que constitui uma nulidade Acórdão por não ter analisado e apreciando devendo as questões que os R / recorrentes lhe colocaram, e fundamento deste recurso nos termos do art.º 674.º n.º1 alínea c) do CPC.

Terceira:

O TRE apreciou o erro sobre os motivos, em particular sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio sem que essa questão lhe tivesse sido submetida, ou apreciada pelo Tribunal de 1ª instancia, revogando a sentença nesta parte sem que a pudesse conhecer oficiosamente, em violação do art.608/2, art.579.º e art.3º do CPC, o que constitui uma nulidade do Acórdão por excesso de pronuncia nos termos do art.º 615.º n.º 1 alínea d) in fine do CPC.


II - DA VIOLAÇÃO OU ERRADA APLICAÇÃO DA LEI DE PROCESSO (art.º 674.º n.º1 alínea b) do CPC).

1ª - O TRE apreciou e decidiu a resolução do contrato com base em erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, sem que essa questão tivesse sido colocada pelos autores, ou que os réus tivessem tido oportunidade de exercer o direito ao contraditório.

2ª - O erro sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio, são factos constitutivos, que têm de ser alegados e provados por quem os invoca, não podendo o tribunal apreciá-los oficiosamente, pelo que não tendo sido nem alegados nem provados pelos autores como fundamento da resolução do contrato, não podia o TRE apreciar e decidir a resolução de forma oficiosa, tendo por isso violado o art.342.º do CC e o art.º 579.º do CPC.

3ª - O TRE violou assim o princípio do dispositivo e do contraditório, e o princípio da igualdade e do acesso ao direito, previstos no art.3.º n. º 1 e art.º 608.º do CPC e art.13.º e art.20.º da CRP.

4ª - O tribunal de 1ª instância defendeu a não aplicabilidade do art.º 437º, por considerar o procedimento de revisão do PDM de Arronches, como uma causa de exclusão da aplicabilidade do art.º 437.º do CC, por constituir o risco próprio do contrato.

5ª - O tribunal recorrido revogou a sentença nesta parte, dando por verificados os requisitos art.º 437 do CC, sem atender ou contrariar o fundamento da sua não aplicabilidade pelo Tribunal de primeira instância e sem apresentar qualquer fundamentação, o que viola o art.154.º do CPC, e o artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa.

6ª - Além do mais, verificados os requisitos do art.º 437º do CC, o regime aplicável no caso de erro sobre as circunstâncias da base do negócio, é o regime comum do erro o da anulabilidade, que exige a sua arguição em prazo razoável pelos AA, mas o TRE aplicou indevidamente o regime da resolução, em violação do art.247.º do CC,


III - DA VIOLAÇÃO DA LEI SUBSTANTIVA (art.º 674.º n. º1 alínea a) do CPC).

7ª - O TRE com todo o respeito, não fez uma correcta interpretação do art.437º do ex vi art.252.º n.º2 ambos do CC, no sentido de que o erro sobre os motivos que recaiu sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio, foi a informação prestada pela Câmara Municipal de Arronches em meados de Fevereiro de 2018.

8ª - E o que está verdadeiramente em causa nos autos não é propriamente a viabilidade da divisão do prédio em 2, de modo a permitir a concretização do negócio, mas o eventual erro de previsão temporal para aprovação do novo PDM de Arronches, sendo que o erro relativo a circunstâncias futuras só releva na medida em que se verifiquem e relevem os requisitos do artigo 437 do CCª

9ª - E relativamente aos fundamentos alegados pelos AA, como fundamento da resolução contratual, a sentença foi clara, no sentido de que

a) A nulidade do contrato invocada pelos AA., não constituía fundamento para a resolução, o que foi confirmado Pelo Tribunal recorrido.

b) O a sentença é clara também quando refere que a quebra de confiança invocada pelos autores como fundamento da resolução também não percebe porque se trata de circunstâncias pessoais e estas não relevam para efeitos do artigo 437.º CC, também não foi posto em causa pelo TRE.

10ª - A questão principal que se levanta nesta revista, e que este alto tribunal terá que dirimir é a interpretação que é feita do artigo 437.º do CC plasmada na sentença e aquela que é feita pelo Tribunal da Relação de Évora que a revogou.

11ª - Ou seja, o tribunal recorrido concluiu não se verificarem os obstáculos legais impeditivos da aplicação do artigo 437.º por remissão do art.º 252.º n.º2 do CC, por não haver violação do princípio da boa-fé, e por esse erro sobre as circunstâncias da base do negócio não estar coberto pelos riscos próprios do negócio.

12ª - E o Tribunal de 1ª instância não teve dúvidas que o art.437.º excluísse e não é aplicável ao caso dos autos, na mediada em que, “a demora verificado na conclusão do processo de revisão do PDM encontra-se cristalinamente abrangida pelos riscos próprios de um contrato dependente da aprovação de uma revisão do PDM (cfr. Artr.437.º n,2, do CC), sujeito naturalmente a atrasos e vicissitudes várias em virtude da marcha do respectivo processo administrativo”.

13ª - E determinar o sentido a atribuir à demora na conclusão do processo de revisão do PDM de Arronches em sede normativa com os critérios fixados na lei, envolve matéria de direito competindo a este Alto Tribunal apreciar se o TRE na sua actividade interpretativa se conteve ou não nos limites dos critérios legais previstos essencialmente no artigo 437.º do CC.

14ª - Sendo certo que enquanto a sentença indica os factos concretos que impedem a aplicação do artigo 437.º do CC, o TRE limita-se a afirmar que não se verificam os obstáculos legais da violação do princípio da boa-fé e da não cobertura do erro pelos riscos próprios do negócio, ou seja, revoga a sentença nesta parte sem apresentar as razões e fundamentos.

15ª - Não existem por isso, razões para que a sentença venha a ser revogada nesta parte que deu por improcedente a declaração da resolução do contrato, com base na perda de interesse na celebração da escritura definitiva, por total quebra de confiança nos RR e por desinteresse pessoal.

16ª - Não devendo assim operar as consequências derivadas dessa decisão, vindo a ser apreciados os fundamentos do recurso apresentados pelos apelantes réus e que ficaram prejudicados por tal decisão.

17.ª - Anulando o acordo na parte que condenou réus a entregar aos autores o prédio objecto do contrato promessa de compra e venda, por resolução contratual.

18ª - atendendo à fase adiantada da aprovação da revisão do PDM de Arronches, aguardem os autos pelo cumprimento ou incumprimento definitivo do contrato, decidindo então em conformidade.

19º - Sendo certo que em quaisquer circunstâncias a vontade manifestada pelos AA, e aceite pelos RR, foi o de que as entregas foram efectuadas a título de sinal, devendo em caso de incumprimento dos AA., o sinal vir a ser devolvido em dobro, ou seja, 83.000,00€ acrescidos de juros moratórios desde a data da notificação da reconvenção.

20º - E atento ao estado final em que se encontra o procedimento de revisão do PDM de Arronches, reservam-se os RR/ Recorrentes no direito de alterar o pedido para o valor que o bem tiver objetivamente à data do eventual incumprimento.

21ª - Vindo ainda as custas dos recursos a ser fixadas em conformidade com o valor que vier a ser fixado e atender do respetivo decaimento.

PELO EXPOSTO E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS DIGNÍSSIMOS CONSELHEIROS,

A) REQUEREM SEJA ADMITIDO ESTE RECURSO DE REVISTA

B) E APRECIANDO-O, SE O TRIBUNAL RECORRIDO NÃO O FIZER, SUPRIMAM OS ERROS MATERIAIS E AS NULIDADES INVOCADAS,

C) E CONHECENDO DOS DEMAIS FUNDAMENTOS, ANULEM O ACÓRDÃO RECORRIDO E AS CONSEQUÊNCIAS POR ELE DETERMINADAS,

D) MANTENDO A SENTENÇA PROFERIDA, PELA PRIMEIRA INSTÂNCIA NA PARTE QUE JULGOU A ACÇÃO INTENTADA PELOS AA. TOTALMENTE IMPROCEDENTE E ABSOLVEU OS RR/RECORRENTES DE TODOS OS PEDIDOS POR ELES FORMULADOS;

E) VINDO A SER APRECIADOS OS FUNDAMENTOS DO RECURSO DOS APELANTES RÉUS QUE FICARAM PREJUDICADOS COM O CONHECIMENTO DE ERRO SOBRE AS CIRCUNSTÂNCIAS QUE CONSTITUÍRAM BASE DO NEGÓCIO, COM OS FUNDAMENTOS NELE INVOCADOS

F) POR FIM REQUEREM A VOSSAS EXCELÊNCIAS, ATENDAM À INFORMAÇÃO ORA PRESTADA SOBRE O ESTADO DO PROCEDIMENTO DE REVISÃO DO PDM DE ARRONCHES, PARA OS FINS DE CUMPRIMENTO DO CONTRATO PROMETIDO E DEMAIS EFEITOS LEGAIS.»

Requerimento:

Os Recorrentes atenta a elevada relevância do estado do procedimento de revisão do PDM de Arronches e da possibilidade do contrato prometido vir a ser cumprido, requerem a Vexas nos termos e ao abrigo do disposto do art.º 680.º n.º1 do CPC, a junção de 3 documentos ( Doc. 1,2,3).

JUSTIÇA.»


Os Autores, aqui recorridos, apresentaram contra-alegações, nas quais verteram as seguintes conclusões:

«1 - Os Tribunais (de 1ª, de 2ª instância ou no STJ) não estão vinculados e obrigados a aceitarem o enquadramento jurídico que as partes oferecem para os factos alegados e provados, sendo os tribunais livres na aplicação do direito – artº 5º do NCPC, que corresponde ao antigo art. 664ºCPC.

2 - No caso sub judice, inexiste qualquer controversa, pois o Acórdão recorrido fez uso legítimo do poder conferido pelo apontado art. 5º, nº 3 do NCPC.

3 - Segundo este preceito, o juiz não está obrigado a aceitar o enquadramento jurídico que as partes oferecem para os factos provados, sendo, pois, livre na aplicação do direito.

4 - Este poder sofre de um limite fundamental: o tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos, contando que não altere a causa de pedir.

5 - O Acórdão recorrido qualificou juridicamente, de forma diferente, os factos invocados pelos ora recorridos.

6 - Ora, um dos efeitos práticos que os AA., ora recorridos, pretendem obter nesta acção, é a resolução do contrato promessa de compra e venda, compaginada com o pedido de resolução do contrato promessa que firmaram com os réus, ora recorrentes.

7 - A resolução foi, pois, pretensão deduzida que, sob o ponto de vista jurídico, está correctamente qualificada.

8 - A qualificação jurídica feita pelo TRE resultou da causa de pedir definida por uma série de factos apontados pelos AA. integradores do fundamento invocado para resolução. Foi com tal fundamento que se confrontaram os RR. no exercício do direito de defesa.

9 - O Tribunal recorrido decretou a resolução do contrato promessa de compra e venda com base na causa de pedir alegada.

10 - A coberto do princípio estabelecido no citado art. 5º CPC, o Tribunal pode, livremente, valorar os factos concretos apurados e operar diversa qualificação jurídica; que foi o que Acórdão recorrido fez (e bem).

11 - Dito de outra forma: os ora recorridos alegaram os factos na sua petição inicial, sendo que, relativamente a esses mesmos factos, o TRE deu-lhe qualificação jurídica diversa, o que pode, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 5º do CPC.

12 - PELO EXPOSTO, o douto Acórdão recorrido fez uma correcta aplicação da Lei ao caso dos autos.

13 - O TRE fez uma correcta interpretação e aplicação do art.437.º do CC.

14 - O que consta no art. 48º das Alegações dos recorrentes é inócuo juridicamente.

15 - Até porque, como alegam os recorrentes, nesse art. 48º que “… o procedimento de aprovação da revisão do PDM de Arronches se encontra praticamente concluído nesta data, e que o mesmo contempla da possibilidade de realização de operação …” (os sublinhados são nossos).

16 - O que é “praticamente concluído ???”

17 - “… possibilidade de realização de operação” – possibilidade é uma probabilidade e não uma certeza / garantia.

18 - Por tudo o exposto, o Acórdão recorrido está conforme com a Lei e em conformidade com o Direito.

19 - O Acórdão recorrido deve ser mantido, não devendo ser concedido provimento ao recurso interposto.

20 - Pelo exposto, deve ser negado provimento ao recurso interposto, confirmando-se a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais.

Nestes termos e ainda pelo muito que, como sempre, não deixará de ser proficientemente suprido, deve ser negado provimento ao recurso de revista interposto pelos recorrentes CC e DD, confirmando-se a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais, como é de inteira J U S T I Ç A ! ! !»


II. Da admissibilidade do recurso


O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638.º e 139.º do CPC), foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (artigo 631.º do CPC), encontrando-se as partes devidamente patrocinadas (artigo 40.º do CPC).

  Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (artigos 639.º do CPC).

  O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo seu conteúdo, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629.º e 671.º do CPC).

 Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675.º e 676.º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).

Pelo que se deixa exposto, o recurso merece conhecimento.


 III. Do objecto de recurso


Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da Recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir são as seguintes:

A – Da admissibilidade da junção aos autos dos 3 documentos apresentados pelos recorrentes/Réus com as suas alegações.

B – Das arguidas nulidades do acórdão recorrido.

C - Do erro de direito: da resolução do contrato promessa de compra e venda e da adequada interpretação do art.º 437.º do CC, face à matéria de facto dada como provada.


IV. Fundamentação


1. De facto


A) Factos provados:

1.  Pela Ap. 7 de 2003-09-25, encontra-se inscrita a aquisição, por compra, a favor dos autores, do prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...20, sito em ..., com uma área total de 15.750m2, composto de:

a.  Parte rústica, inscrita na respetiva matriz sob o artigo 78.°, composto por olival, pomar, outras árvores (das quais uma palmeira) e uma piscina com 10m por 5,30m.

b.  Parte urbana:

i. Casa de habitação correspondente ao artigo 2081.° da respectiva matriz;

ii. Casa de rés-do-chão para habitação correspondente ao artigo 2082.° da respetiva matriz, composto por 5 divisões assoalhadas, 1 cozinha e 3 casas de banho.

2.  Por pretenderem alienar o prédio identificado em 1.b.ii. (doravante designado por 2082) e uma área de 13.362,15m2 do prédio descrito em 1.a. (doravante designado por 78), os autores deslocaram-se, em meados de Fevereiro, à Câmara Municipal de Arronches a fim de obter informação atinente à possibilidade legal de dividir em duas partes o prédio rústico, integrando parte dele no 2082 através de uma operação de loteamento.

3.  Na sequência da informação transmitida pela CM. de Arronches ficaram os autores convencidos de que o plano diretor municipal iria ser alterado dentro de um período de 4 meses, passando a ser possível, a partir desse momento, proceder à almejada divisão e integração, através de uma operação de loteamento.

4.  Pelo que, em finais de Fevereiro de 2018, os autores, na qualidade de transmitentes, acordaram verbalmente com os réus, na qualidade de transmissários, na transmissão do prédio 2082 e, bem assim, na parcela de 13.362,15m2 do prédio 78, mediante a contrapartida da entrega da quantia de 220.000,00€.

5.  No âmbito desse acordo verbal, ficou ainda estipulado pelas partes que a respetiva escritura pública seria outorgada no prazo máximo de seis meses, tendo em conta o prazo expectável para a conclusão do processo de revisão do PDM referida em 3).

6.  Nesse contexto, foi também acordado verbalmente pelas partes a entrega por parte dos réus aos autores da quantia de 5.000,00€, o que ocorreu em 03-08-2018, como princípio da entrega da quantia de 220.000,00€ (mencionada em 4.), a que as partes designaram de «sinal».

7.  Ainda por conta da entrega da quantia de 220.00,00€, os réus entregaram aos autores as seguintes quantias:

a.  10.000,00€, em Novembro de 2018;

b.  1.000,00€, em inícios de Janeiro de 2019;

c.  1.000,00€, em finais de Janeiro de 2019;

d.  500,00€, em Fevereiro de 2019;

e.  24.000,00€, em prestações de 1.000,00€, entregues em datas não concretamente apuradas.

8.  Os autores e os réus decidiram que não era necessário reduzir a escrito o acordo verbal firmado entre si, de modo a evitar o pagamento de honorários relacionados com a elaboração por advogado do respetivo contrato, tendo em conta o prazo estipulado para a realização da escritura.

9.  Em 25 de Novembro de 2018, na sequência de um acordo firmado entre as partes, os réus passaram a residir no prédio 2082 e a utilizar a área de 13.362,15m2 do prédio 78, o que fazem até à presente data, mediante a entrega aos autores de uma quantia mensal de 600,00 €.

10. Não obstante o mencionado em 9), os autores continuaram a residir no prédio 2081.

11. Na sequência de informações verbais por parte da CM de Arronches que apontavam para um atraso na alteração do PDM, através de carta registada com aviso de

recepção remetida à Senhora Presidente da CM, os autores solicitaram informações sobre a aludida alteração do PDM, designadamente acerca da possibilidade de desanexação de uma parcela de 13.362,15m2 do prédio 78 e consequente anexação ao prédio 2082.°.

12. Em resposta à solicitação dos autores, a CM de Arronches, através de carta de 22 de Julho de 2020, informou que: "Em face das regras do PDM actualmente em vigor, tal operação não pode ser concretizada uma vez que a área mínima de uma parcela de terreno fora do perímetro urbano é 2,500 há e o terreno possui 1,575 ha".

13. Através de notificação judicial avulsa realizada em 07-07-2020, os autores comunicaram aos réus o seguinte:

a)  de que a promessa de compra e venda verbal descrita em 10° e 11.º é nula;

b)  de que os requeridos devem entregar aos requerentes o prédio urbano, inscrito na respetiva matriz sob o art. 2082°, sito em ..., da freguesia ..., concelho de Arronches, com a área de 207,8500 m2 e a área de 13.362,15 m2 do prédio rústico do art. 78° da Secção M, tudo livre e devoluto de pessoas e bens no mesmo estado em que os receberam, no prazo máximo de 20 (vinte) dias seguidos, a contar da notificação dos mesmos, através da presente notificação judicial avulsa;

c)  de que na data da entrega do prédio urbano e da área de 13.362,15 m2 identificados em b), os requerentes entregam aos requeridos o valor de € 36.500,00 (trinta e seis mil e quinhentos Euros).

14. Em 02-11-2020, os autores solicitaram nova informação à CM de Arronches acerca do estado do processo de revisão do PDM.

15. Através de carta datada de 26-11-2020, a Sra. Presidente da CM de Arronches comunicou aos autores o seguinte:

"Na sequência do pedido formulado por V. Exas. Relativamente à fase em que se encontra o processo de revisão do PDM, cumpre-me prestar as seguintes informações:

1 -  No dia 13 do corrente mês (sexta-feira), às 17h55min, a empresa a que foi adjudicado o serviço, remeteu, via, eletrónica, a documentação completa da 3.ª fase, que consiste na proposta final de revisão do plano;

2 -  No dia 16 (segunda-feira), a documentação foi remetida à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (CCDRA) para efeitos de ponderação, votação e emissão do parecer final;

3 -  Após a recepção do parecer final da CCDRA, terão lugar as fases 3.ª a 7.º, indicadas no ofício n.° 1248/2020, de 22 de julho".

16. Os autores desconhecem se a pretendida desanexação / integração será possível à luz do novo PDM, bem como a data da conclusão do respectivo processo de revisão.

17. Em 23-11-2020, a autora apresentou queixa contra a ré (NUIPC 32/20....).

18. Em 18-02-2021, foi lavrado pela Guarda Nacional Republicana um auto de notícia, no qual constam como vítimas os autores e como suspeitos os réus e EE (NUIPC 1/21....).

19. Em data e contexto não concretamente apurados, o pai da ré, munido de um ancinho, disse ao autor que o matava.

20. Autores e réus encontram-se de relações cortadas.

21. Por conta do acordo referido em 9), os réus entregaram aos autores as quantias de 600,00 € referente aos meses de Outubro de 2019 a Abril de 2020, Novembro de 2020, Janeiro de 2021 a Abril de 2021, havendo os autores devolvido as quantias de 600,00€ entregues pelos réus em Novembro de 2020, Janeiro de 2021 a Abril de 2021.

22. O valor de renda praticado no mercado referente à locação de um imóvel semelhante ao 2082, com uma parcela de terreno de 13.362,15m2, ronda os 600,00 € mensais.

23. Em data concretamente não apurada, os réus colocaram cabras na aludida parcela de 13.362,15m2.

24. As aludidas cabras acabaram por destruir um número não concretamente determinado das árvores existentes naquele terreno, cujo valor também não foi possível apurar.

25. Na sequência do mencionado em 23) e 24), foi levantado o auto de notícia mencionado em 18).

26. No mês de Novembro de 2020, por indicação dos réus, o pai da 2.ª ré lavrou a parcela em causa com um tractor, fazendo com que as árvores de fruto ficassem com as raízes de fora.

27. Em data não concretamente apurada, os réus retiraram a água da piscina acima mencionada.

28. A aludida piscina apresenta fissuras no seu interior.

29. Em data não concretamente apurada, os réus colheram uma quantidade não determinada de azeitona na parcela de terreno identificada em 4), cujo valor também não foi possível aferir.

30. Na sequência do mencionado no ponto anterior, a ré (leia-se "autora") apresentou a queixa crime mencionada em 17).

31. Para além do mencionado em 20), os autores devolveram aos réus a quantia global de 6.000,00€, entregue pelos réus em parcelas de 1.000,00€ durante os referidos meses de Novembro de 2020, Janeiro de 2021 a Abril de 2021.

32. Em data não concretamente apurada os autores entregaram aos réus um  documento denominado «Declaração», assinado pela autora, com o seguinte teor:

«Eu, BB, Contribuinte n.° ..., e AA, Nif, ..., casados em comunhão de adquiridos, moradores em St. ..., ... Arronches.

Declaramos que recebemos 5.000,00€, mais 10.000,00€ mais 4.000€, de sinal num total de (dezanove mil euros), de DD, Cartão de cidadão, ... e Nif, ..., morador em Bairro ..., Arronches para a compra da moradia em St. ..., pelo valor de220.000€.

Por ser verdade e estarmos de acordo, (as partes) assinamos em baixo.»

33. Em data não concretamente apurada os autores entregaram aos réus um documento denominado «Declaração», assinado pela autora, com o seguinte teor:

«Eu, BB, Contribuinte n.° ..., e AA, Nif, ..., casados em comunhão de adquiridos, moradores em St. ..., ... Arronches.

Declaramos que recebemos 5.000,00€, mais 10.000,00€ mais 4.000€, mais 1.000,00€ e mais 500€ de sinal num total de (vinte mil e quinhentos euros), de DD, Cartão de cidadão, ... e Nif, ..., morador em Bairro ..., Arronches para a compra da moradia em St. ..., pelo valor de 220.000 €.

Por ser verdade e estarmos de acordo, (as partes) assinamos em baixo.»

34. Em data não concretamente apurada os autores entregaram aos réus um documento denominado «Declaração», assinado pela autora, com o seguinte teor:

«Eu, BB, Contribuinte n.° ..., e AA, Nif, ..., casados em comunhão de adquiridos, moradores em St. ..., ... Arronches.

Declaramos que recebemos 5.000,00€, mais 10.000,00€ mais 4.000€, mais 1.000,00€ e mais 500€ e mais 500€ de sinal num total de (vinte e um mil euros), de DD, Cartão de cidadão, ... e Nif, ..., morador em Bairro ..., Arronches para a compra da moradia em St. ..., pelo valor de 220.000€.

Por ser verdade e estarmos de acordo, (as partes) assinamos em baixo.»

35. Em data não concretamente apurada os autores entregaram aos réus um documento denominado «Declaração», assinado pela autora, com o seguinte teor:

«Eu, BB, Contribuinte n.° ..., e AA, Nif, ..., casados em comunhão de adquiridos, moradores em St. ..., ... Arronches.

Declaramos que recebemos de sinal vinte e dois mil euros, de DD, Cartão de cidadão, ... e Nif, ..., morador em Bairro ..., Arronches para a compra da moradia em St. ..., pelo valor de 220.000€.»

36. Em data não concretamente apurada os autores entregaram aos réus um documento denominado «Declaração», assinado pela autora, com o seguinte teor:

«Eu, BB, Contribuinte n.° ..., e AA, Nif, ..., casados em comunhão de adquiridos, moradores em St. ..., ... Arronches.

Declaramos que recebemos de sinal vinte e três mil euros, de DD, Cartão de cidadão, ... e Nif, ..., morador em Bairro ..., Arronches para a compra da moradia em St. ..., pelo valor de 220.000€.»

37. Em data não concretamente apurada os autores entregaram aos réus um documento denominado «Declaração», assinado pela autora, com o seguinte teor:

«Eu, BB, Contribuinte n.° ..., e AA, Nif, ..., casados em comunhão de adquiridos, moradores em St. ..., ... Arronches.

Declaramos que recebemos de sinal vinte e quatro mil e quinhentos euros, de DD, Cartão de cidadão, ... e Nif, ..., morador em Bairro ..., Arronches para a compra da moradia em St. ..., pelo valor de 220.000 €.»

38. Em data não concretamente apurada os autores entregaram aos réus um documento denominado «Declaração», assinado pela autora, com o seguinte teor:

«Eu, BB, Contribuinte n.° ..., e AA, Nif, ..., casados em comunhão de adquiridos, moradores em St. ..., ... Arronches.

Declaramos que recebemos de sinal vinte e seis mil euros, de DD, Cartão de cidadão, ... e Nif, ..., morador em Bairro ..., Arronches para a compra da moradia em St. ..., pelo valor de 220.000 €.»

39. Em data não concretamente apurada os autores entregaram aos réus um documento denominado «Declaração», assinado pela autora, com o seguinte teor:

«Eu, BB, Contribuinte n.° ..., e AA, Nif, ..., casados em comunhão de adquiridos, moradores em St. ..., ... Arronches.

Declaramos que recebemos de sinal vinte e sete mil euros, de DD, Cartão de cidadão, ... e Nif, ..., morador em Bairro ..., Arronches para a compra da moradia em St. ..., pelo valor de 220.000€.»

40. Em data não concretamente apurada os autores entregaram aos réus um documento denominado «Declaração», assinado pela autora, com o seguinte teor:

«Eu, BB, Contribuinte n.° ..., e AA, Nif, ..., casados em comunhão de adquiridos, moradores em St. ..., ... Arronches.

Declaramos que recebemos de sinal vinte e oito mil euros, de DD, Cartão de cidadão, ... e Nif, ..., morador em Bairro ..., Arronches para a compra da moradia em St. ..., pelo valor de 220.000 €.»

41. Em data não concretamente apurada os autores entregaram aos réus um

documento denominado «Declaração», assinado pela autora e pelo réu, com o seguinte teor:

«Eu, BB, Contribuinte n.° ..., e AA, Nif, ..., casados em comunhão de adquiridos, moradores em St. ..., ... Arronches.

Declaramos que recebemos de sinal vinte e nove mil euros, de DD, Cartão de cidadão, ... e Nif ..., morador em Bairro ..., Arronches para a compra da moradia em St. ..., pelo valor de 220.000 €.»

42. Em data não concretamente apurada os autores entregaram aos réus um documento denominado «Declaração», assinado pela autora, com o seguinte teor:

«Eu, BB, Contribuinte n.° ..., e AA, Nif, ..., casados em comunhão de adquiridos, moradores em St. ..., ... Arronches.

Declaramos que recebemos de sinal trinta e um mil e quinhentos euros, de DD, Cartão de cidadão, ... e Nif, ..., morador em Bairro ..., Arronches para a compra da moradia em St. ..., pelo valor de 220.000 €.»

43. Em data não concretamente apurada os autores entregaram aos réus um documento denominado «Declaração», assinado pela autora, com o seguinte teor:

«Eu, BB, Contribuinte n.° ..., e AA, Nif, ..., casados em comunhão de adquiridos, moradores em St. ..., ... Arronches.

Declaramos que recebemos de sinal trinta e dois mil e quinhentos euros, de DD, Cartão de cidadão, ... e Nif, ..., morador em Bairro ..., Arronches para a compra da moradia em St. ..., pelo valor de 220.000 €.»

44. Em data não concretamente apurada os autores entregaram aos réus um documento denominado «Declaração», assinado pela autora e pelo réu, com o seguinte teor:

«Eu, BB, Contribuinte n.° ..., e AA, Nif, ..., casados em comunhão de adquiridos, moradores em St. ..., ... Arronches.

Declaramos que recebemos de sinal trinta e três mil e quinhentos euros, de DD, Cartão de cidadão, ... e Nif, ..., morador em Bairro ..., Arronches para a compra da moradia em St. ..., pelo valor de 220.000 €.»

45. Em data não concretamente apurada os autores entregaram aos réus um documento denominado «Declaração», assinado pela autora e pelo réu, com o seguinte teor:

«Eu, BB, Contribuinte n.° ..., e AA, Nif, ..., casados em comunhão de adquiridos, moradores em St. ..., ... Arronches.

Declaramos que recebemos de sinal trinta e quatro mil e quinhentos euros, de DD, Cartão de cidadão, ... e Nif, ..., morador em Bairro ..., Arronches para a compra da moradia em St. ..., pelo valor de 220.000 €.»

46. Em data não concretamente apurada os autores entregaram aos réus um documento denominado «Declaração», assinado pela autora e pelo réu, com o seguinte teor:

«Eu, BB, Contribuinte n.° ..., e AA, Nif, ..., casados em comunhão de adquiridos, moradores em St. ..., ... Arronches.

Declaramos que recebemos de sinal trinta e cinco mil e quinhentos euros, de DD, Cartão de cidadão, ... e Nif ..., morador em Bairro ..., Arronches para a compra da moradia em St. ..., pelo valor de 220.000 €.»

47. Os réus mantêm um interesse na manutenção do acordo firmado com os réus (leia-se “autores"), mencionado no ponto 4).

48. Os autores não procederam à participação tributária do recebimento das quantias de 600,00€, entregues aos réus, e mencionadas em 21)".


B) Factos não provados:

i. Os réus pressionaram os autores para que estes lhes entregassem as chaves do imóvel 2082 para ali passarem a residir e usar a parcela de terreno identificada em 4).

ii. Os réus colocaram as cabras mencionadas em 23) com o intuito de destruir as árvores existentes naquele terreno.

iii. Em virtude do mencionado em 26), as árvores em causa irão secar.

iv. Os Réus destruíram os equipamentos de ar condicionado instalados no prédio 2082, no valor de 3.000 euros.

v. Os réus destruíram os equipamentos de ar condicionado instalados no prédio 2082.

vi. Os réus dirigiram afirmações em tom de ameaça aos autores.

vii. Os réus cuidam das oliveiras plantadas na supra mencionada parcela de terreno desde o ano de 2018 e procederam à colheita da azeitona durante o ano de 2019, sem qualquer acto de oposição por parte dos autores.

viii. A apanha da azeitona mencionada em 25) foi realizada sem a autorização e o conhecimento dos autores.


2. De direito


Apreciemos então as questões suscitadas pelos recorrentes.


A – Da admissibilidade da junção aos autos dos 3 documentos apresentados pelos recorrentes/Réus com as suas alegações.


Vieram os Recorrentes/Réus requerer a junção aos autos, com as suas alegações da revista para este STJ, de 3 documentos, tendo-o feito nos seguintes termos:

“Os Recorrentes atenta a elevada relevância do estado do procedimento de revisão do PDM de Arronches e da possibilidade do contrato prometido vir a ser cumprido, requerem a Vexas nos termos e ao abrigo do disposto do art.º 680.º n.º1 do CPC, a junção de 3 documentos ( Doc. 1,2,3).”

Reza assim o indicado, n.º 1 do art.º 680.º do CPC:

«1. Com as alegações podem juntar-se documentos supervenientes, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art.º 674.º e no n.º 2 do art.º 682.º.

2. (…).»

Como refere Abrantes Geraldes[[2]]: «É mais restrita a possibilidade de apresentação de documentos no âmbito do recurso de revista, em comparação com o regime previsto para a apelação no art.º 651.º para a apelação. Tal encontra justificação no facto de o Supremo ter intervenção privilegiada em questões de direito, só excepcionalmente sendo admitido a pronunciar-se sobre questões de facto.

Neste contexto, uma vez que está praticamente vedado ao Supremo alterar a decisão da matéria de facto provada, a aplicabilidade do preceito está reservada para os casos em que as instâncias tenham considerado provado um facto para o qual a lei exigia prova documental (v.g. escritura pública ou certidão de registo), com violação do direito probatório material, sustentando-o apenas em prova testemunhal ou em confissão, situação que pode ser regularizada, sem prejudicar o resultado, mediante a junção de documento que seja superveniente.[[3] 

Ora, no caso, os documentos pretendidos juntar respeitam a uma Declaração emitida pela CM de Arronches sobre o estado em que se encontra o processo de aprovação do seu PDM e o possível enquadramento dos prédios a que respeitam os autos no seu seio, bem como 2 plantas relativas a estes.

É assim patente que tais documentos não se inserem no apertado feixe de permissão previsto no aludido art.º 680.º do CPC, sendo certo que os recorrentes não invocam razões bastantes para que os mesmos possam ser admitidos.

Tais documentos não poderão assim ser considerados no âmbito do presente recurso e processo.


B - Das arguidas nulidades do acórdão recorrido


Sustentam os recorrentes que “Nem os AA, nem o tribunal de 1ª Instância, nem o TRE apreciaram ou fixaram o valor do recurso apresentado pelos AA., em violação do art.306.º do CPC, o que constitui uma omissão de pronúncia e uma nulidade do acórdão, e fundamento deste recurso.”

Esta alegada nulidade foi apreciada pelo Tribunal da Relação de Évora que, em conferência, no seu acórdão de 10-11-2022, referiu:

«Quanto ao valor do recurso dos AA.

Dispõe o artigo 11.º do Código das Custas Judiciais, a propósito do valor da causa nos recursos que:

«1 - Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o seu valor no requerimento de interposição do recurso.

2 - Se o valor da sucumbência não for determinável ou na falta da sua indicação, o valor do recurso é igual ao valor da acção.»

Por despacho de 18/11/2021 a Mmª Juíza a quo decidiu:

“Atendendo ao objeto do litígio e à posição manifestada pelas partes quanto a esta matéria, fixa-se o valor da causa em 329.525,00€ (trezentos e vinte e nove euros e quinhentos e vinte e cinco euros), nos termos do disposto nos artigos 296.º, 299.º, 301.º e 306.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.”

O valor do recurso corresponde àquele valor de 329.525,00€, porquanto a sucumbência na 1ª instância foi total para ambas as partes.

As custas do recurso foram fixadas no acórdão em 50% para cada parte, assim se equivalendo o decaimento de AA. e RR. em 2ª instância.

Também quanto ao valor do recurso, não se verificou no acórdão, qualquer erro ou lapso material, que devesse ser retificado.»

De tal decisão, deriva obviamente também inexistir a invocada nulidade por omissão de pronúncia, posição que secundamos, pelos fundamentos invocados no aludido acórdão, assim improcedendo esta questão.


Entendem ainda os recorrentes/Réus que o recurso de apelação por si interposto da sentença «(…) tem autonomia ao nível da sua admissão e subsequente tramitação, bem como ao nível das custas processuais, apesar dessa autonomia, foi apreciado e decidido como recurso subordinado, o que levou à desconsideração do incumprimento definitivo por parte dos autores e do direito dos réus à devolução do sinal em dobro, por prejudicialidade da procedência da resolução do contrato derivada do reconhecimento de erros sobre as circunstâncias da base do negócio.

Em violação do art.º 633.º do CPC e art.º 1.º do RCP, o que constitui uma nulidade Acórdão por não ter analisado e apreciando devendo as questões que os R / recorrentes lhe colocaram, e fundamento deste recurso nos termos do art,.674.º n.º1 alínea c) do CPC.»

Também sobre esta questão se pronunciou o Tribunal da Relação de Évora, no indicado acórdão de 10-11-2022, ao referir:

«(…).

Pretendem os mesmos [os Réus] que interpuseram um recurso independente e que o tribunal tratou o recurso dos RR como recurso subordinado e não como recurso independente. E por via desse lapso não foi feito novo exame da causa na parte em que a decisão lhes foi desfavorável, indicadas nas alíneas a) e b) por prejudicadas com a decisão que recaiu sobre o recurso dos Autores.

Extraindo essa conclusão do facto de o acórdão se ter pronunciado nos seguintes termos:

“Passemos à apreciação dos fundamentos de recurso dos apelantes Réus.

Invocaram os Réus erro no julgamento de direito:

a) Na desconsideração de um incumprimento definitivo por parte dos AA., a extrair da declaração destes na acção de que se recusam a celebrar a escritura definitiva por desinteresse pessoal.

Questão que se mostra prejudicada pelo reconhecimento de erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, reconhecimento esse que se mostra contraditório com o reconhecimento de incumprimento culposo e definitivo dos AA.

Na verdade, dissemo-lo já, os AA. não estão em condições de cumprir por razões alheias à sua vontade e que supunham poder inverter, disso sabendo os Réus.

b) Na desconsideração do direito dos RR. à devolução do sinal em dobro, face à resolução do contrato por parte dos AA., que os RR. aceitam. Sendo o sinal prestado de 40.700,00€ e o seu dobro de 81.400,00€.

Também aqui se reforça o argumento de que, não sendo a resolução do contrato determinada por incumprimento, não tem lugar a consequência prevista no art. 442º nº 2 do CC para quem recebeu o sinal, mantendo-se cumpridor (restituição do sinal em dobro).

Prejudicada, pois, se mostra tal questão.”

Ora, a prejudicialidade na apreciação das duas questões assinaladas em a) e b) não resulta da desconsideração da qualidade do recurso dos Réus como recurso independente do recurso dos AA..

Sendo sim uma prejudicialidade de lógica jurídica, de natureza substancial.

O reconhecimento do erro por parte dos AA. sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é incompatível com o reconhecimento de incumprimento culposo e definitivo dos AA.

Sendo a resolução do contrato determinada por esse erro, não pode ter lugar a devolução do sinal em dobro, pressuposto dum incumprimento culposo, que o acórdão não reconheceu.

Conceder procedência à pretensão rectificativa seria entrar em contradição com a procedência substantiva.

Não só não há erros materiais a rectificar como a pretensão dos Requerentes se funda num erro interpretativo dos próprios, não do acórdão.

Pelo que se indefere a pretendida rectificação.

(…).»[[4]]

Nos termos em que vem alegada esta questão, afigura-se-nos que os recorrentes arguem a nulidade com fundamento em omissão de pronúncia.

Ora, encontramo-nos em absoluta concordância com o expendido no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10-11-2022, no segmento que aqui deixámos transcrito, dando-se particular relevo ao que nele se deixou sublinhado.

Com efeito, não se poderá afirmar, como afirmaram os Réus, que o seu recurso foi apreciado como tratando-se de um recurso subordinado e não principal, sendo que, como bem se deixou expresso em tal decisão, a não apreciação do fundamento invocado ficou a dever-se não a tal prejudicialidade, antes sim, derivou da incompatibilidade jurídica entre o resultado da apreciação que se fez sobre as razões que levaram à não realização do negócio prometido - erro por parte dos AA. sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio – o que se revela, tal como foi mencionado em tal aresto, incompatível com o reconhecimento de incumprimento culposo e definitivo dos AA, que era a posição sustentada pelos Réus, no seu recurso.

A ser assim, como se entende que é, não há a registar qualquer lapso ou mesmo nulidade por omissão de pronúncia, como pretendiam os recorrentes/Réus; a questão foi apreciada numa perspectiva ampla, abrangendo tanto o alegado no recurso dos AA, como no dos Réus.

Improcede, assim, também esta questão.


Ainda em sede de nulidades, defendem, por último, os recorrentes/Réus que «o TRE apreciou o erro sobre os motivos, em particular sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio sem que essa questão lhe tivesse sido submetida, ou apreciada pelo Tribunal de 1ª instância, revogando a sentença nesta parte sem que a pudesse conhecer oficiosamente, em violação do art.608.º/2, art.579.º e art.3º do CPC, o que constitui uma nulidade do Acórdão por excesso de pronúncia nos termos do art.º 615.º n.º 1 alínea d) in fine do CPC.

Ora, a nulidade de sentença por excesso de pronúncia prevista na al. d) do n.º 1 do art 615.º do Código de Processo Civil verifica-se quando o juiz se ocupe de “questões” que não hajam sido suscitadas pelas partes, como decorre do art 608.º, n.º 2 do mesmo diploma, que igualmente estipula que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.

Importante é ter presente que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, muito menos os meios de prova, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir. Tal vício só ocorre, assim, quando o juiz deixe de se pronunciar sobre as “questões” pelas partes submetidas aos seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, ou que delas conheça indevidamente[[5]].

Ora, é patente que os AA. pugnaram também na presente acção pela Resolução do contrato promessa de compra e venda, sendo que no acórdão recorrido se apreciou tal “questão”, em diversas vertentes, tendo-se concluído, face aos factos dados como provados (alegados pelas partes, portanto inseridos no seio da discussão da causa) que haveria lugar a tal resolução, por erro sobre a base do negócio. Ora tal postura do Tribunal “a quo” era-lhe permitida pelo disposto no art.º 5.º, n.º 3 do CPC, pois que a sua apreciação se mostra inserida dentro da factualidade alegada. Nesse mesmo sentido veja-se o acórdão deste STJ de 19-01-2017[[6]], onde se pode ler: «Incumbe ao tribunal proceder à qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, mas dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido, sendo-lhe vedado enveredar pela decretação de uma medida de tutela que extravase aquele limite, ainda que pudesse, porventura, ser congeminada por extrapolação da factualidade apurada.»  

No caso em apreço, o tribunal da Relação não ultrapassou tais limites, antes agiu e conheceu da Resolução do contrato dentro do que estipula e permite o citado art.º 5.º, n.º 3 do CPC, razão pela qual se entende que não se regista a nulidade invocada de excesso de pronúncia, assim improcedendo esta questão. 


C - Do erro de direito: da resolução do contrato promessa de compra e venda e da adequada interpretação do art.º 437.º do CC, face à matéria de facto dada como provada.


Começaremos por referir que contrariamente ao referido pelos recorrentes/Réus, não terá a decisão recorrida conhecido de matéria que lhe estava vedada, ao abordar a possibilidade do contrato poder ser resolvido com base na existência de uma situação de erro sobre as circunstâncias do negócio, pois que não se trata de matéria que saia do âmbito da resolução do contrato em que é invocado o desinteresse de uma das partes na sua concretização, tudo dependendo do tipo de vício/erro que em concreto se registe. Dir-se-á até que esse desinteresse poderá até resultar da existência, constatação, de tal erro. Acrescentar-se-á ainda que os AA. na sua petição inicial, alegaram suficientemente como “razão”, como sustentáculo do seu desinteresse na concretização do negócio prometido, a circunstância da enorme incerteza quanto ao resultado da revisão do PDM de Arronches e ao momento da sua aprovação – vejam-se os artgs. 63.º a 67.º e 70.º a 72.º da petição inicial. Poderia, pois, o tribunal recorrido abordar a eventual existência de erro sobre as circunstâncias do negócio, como efectivamente fez. 

Vejamos agora, se o tribunal recorrido, terá enquadrado adequadamente a factualidade apurada com o direito aplicável, designadamente se se mostra acertada a aplicação ao caso do disposto nos artgs. 252.º, n.º 2 e 437.º, ambos do CC.

No acórdão recorrido fundamentou-se a resolução do contrato essencialmente nos seguintes termos:

«(…). Revelam os factos que os AA. não teriam celebrado o contrato promessa se não fosse a informação errónea que colheram de que o PDM seria a curto prazo alterado, dando-lhes a possibilidade de divisão do terreno. Porventura com algum excesso de confiança, pois que tal informação não se mostra concretizada nem documentada, mas a verdade é que os AA. actuaram nessa convicção. Sendo da normalidade da vida, e a negociação subsequente assim o induz, que transmitiram essa confiança aos RR. e que estes aceitaram o negócio, sabendo da necessidade de concretização de um facto futuro e aderindo ao mesmo estado de espírito dos AA.

E daí passaram à negociação e à antecipação de prestações: entrega do imóvel e adiantamento do preço.

Esse pressuposto - alteração favorável do PDM - nunca se concretizou e o contrato definitivo não pôde ser celebrado, subsistindo uma incógnita sobre a sua possibilidade.

Na verdade, não ocorreu qualquer alteração das circunstâncias (art.º 437.° CC) porque as circunstâncias, objectivamente, são as mesmas. Estaríamos perante uma alteração das circunstâncias se, por exemplo, tivessem negociado ao abrigo de um PDM permissivo que depois se altera e torna a divisão impeditiva.

O que aqui ocorre é uma previsão futura que não se concretiza, logo, enganosa.

Enquadrando a acção no âmbito dos vícios da vontade e analisando os factos à luz do erro negocial, cremos estar perante uma situação de erro sobre os motivos, em particular sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, previsto no art. 252° n° 2 do CC.

Prevê esta norma que:

«1. O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objeto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.

2. Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído.»

Fala-se de erro sobre a base do negócio quando a falsa representação recai sobre "aquelas circunstâncias que, sendo conhecidas de ambas as partes, foram tomadas em consideração por elas na celebração do acto e determinaram os termos concretos do conteúdo do negócio. Tratar-se-á de circunstâncias que ou determinaram ambas as partes ou que, sendo relativas a uma delas, a outra não poderia deixar de aceitar como condicionamento do negócio, sem violação dos princípios da boa fé" (Carvalho Fernandes, in "Teoria Geral do Direito Civil", Vol. II, 163, citado pelo Ac. do STJ de 02/10/2014, proc. 1060/11.4T2STC.E1.S1, disponível in www.dgsi.pt).

"Pode dizer-se que o erro incide sobre a base do negócio em casos em que a não verificação da pressuposição releva, designadamente aqueles em que "a contraparte aceitaria ou, segundo a boa fé, deveria aceitar um condicionamento do negócio à verificação da circunstância sobre que incidiu o erro, se esse condicionamento lhe tivesse sido proposto pelo errante - e isto porque houve representação comum de ambas as partes da existência de certa circunstância, sobre a qual ambas edificaram, de um modo essencial, a sua vontade negocial" (MOTA PINTO, "Teoria Geral", 3a ed., 516, citado no Ac. anterior).

"Há erro sobre a base do negócio quando a falsa representação incide sobre circunstâncias (pretéritas, presentes ou futuras) em que as partes fundaram a decisão de contratar". "O facto de as circunstâncias constituírem a base do negócio e de o erro ser em regra, nestes casos, bilateral explica que a lei prescinda do acordo sobre a essencialidade do motivo a que se refere o n.° 1 do artigo 252º" - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, página 236, citado no Ac. do STJ de 18-06-2015, proc. 3200/04.0TVLSB.L2.S1, disponível no mesmo site.

Para que ocorra esse erro "é necessário que tenha ocorrido uma falsa representação do quadro circunstancial que constitui a base do negócio" (prof. Pedro Pais de Vasconcelos, in "Teoria Geral do direito Civil, 7.ª Ed., Almedina, pág. 567", citado no Ac. do TRC de 23-01-2018, proc. 6874/14.0T8CBR.C1, disponível também in www.dgsi.pt.

"É, pois, indubitável que continuamos a estar perante um erro-vício sobre os motivos mas que incide sobre a base do negócio" (cfr. Ac. do STJ de 18/06/2013, proc. 493/03.4TVLSB-A.L1.S1, disponível no mesmo site).

"Por força da remissão do art. 252° n° 2 do CC para o disposto no art. 437° do CC há que entender que o desvio motivado por esse erro ou falsa representação do declarante sobre a realidade não pode ser um qualquer, pois que terá que tratar-se um desvio "anormal" - e que choque o sentido ou ideia da justiça e da própria boa fé - que atinja as condições que, manifesta ou patentemente, se constituíram como a base fundamental em que assentou o negócio (Ac. do TRC de 23-01-2018, proc. 6874/14.0T8CBR.C1, anteriormente referido).

Ora, revertendo para o caso em apreço somos levamos a concluir, à luz das considerações que se deixaram expressas e dos factos apurados, ocorrer a situação prevista no n° 2 do art. 252° do CC.

Pois que, seria a previsível alteração do PDM, em sentido favorável à pretensão de divisão do prédio rústico que permitiria integrar uma das parcelas da divisão num dos prédios urbanos (1082) e, alienar este reconfigurado prédio aos RR.. O preço, o prazo inicial, os prolongamentos de prazo subsequentes, a entrega antecipada do imóvel aos RR. e o pagamento parcelar por parte destes, tudo foi estabelecido em função do pressuposto dessa alteração.

A qual não ocorreu, nem há segurança de que ocorra.

O n° 2 do art. 252° do CC remete para o art. 437.° do mesmo código, o que conduz a aquilatar da violação do princípio da boa fé e da não cobertura do erro pelos riscos próprios do negócio.

Obstáculos legais que não se verificam.

Manter as partes na indefinição quanto à concretização do negócio, com prestações adiantadas, não lhes permitindo um desfecho equitativo, é que poderá ser atentatório dos princípios que se visam prevenir.

Estamos pois, perante pressupostos idóneos a despoletar a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, tal como surge previsto e regulado no art. 437° do CC, por remissão do art. 252° n° 2 do mesmo Código. (…).»


Entendemos que a construção realizada pelo Tribunal da Relação até chegar à aplicação do art.º 437.º do CC se mostra adequada à realidade vivenciada nos autos, posto que do que resultou comprovado ressalta à evidência, por um lado, que ambas as partes celebraram o negócio no pressuposto de que a revisão do PDM de Arronches, iria ocorrer a curto prazo (daí o não terem celebrado por escrito o contrato promessa de compra e venda – vejam-se os pontos 3, 4, 5 e 8 da matéria dada como provada) e que tal revisão do PDM iria permitir que o prédio rústico pudesse vir a ser dividido, levando a que os RR ficassem com a parcela de 13.362,15m2; e, por outro, que passados mais de três anos, sobre tal acordo verbal, continua a não estar aprovada a indicada revisão do PDM.

Como bem se refere na decisão recorrida não se nos afigura que nos encontremos perante situação de alteração das circunstâncias, pois que efectivamente estas são objectivamente as mesmas – tanto no momento da celebração do acordo, como agora, se ignorava e ignora quando e em que termos será revisto o PDM. Na realidade, o que se revela existir é uma expectativa frustrada, uma previsão futura que não se concretiza, logo, enganosa, que juridicamente poderemos classificar, como foi classificado no tribunal a quo, como se tratando de um erro sobre as circunstâncias que estão na base do negócio (art.º 252.º, n.º 2 do CC).

A este propósito (erro sobre as circunstâncias) – sua natureza, forma como se revela e é visto, quer na doutrina, quer jurisprudencialmente – aqui deixamos um excerto do acórdão deste STJ de 14-10-2021, em que foi relator Fernando Baptista[[7]], o qual pela síntese que apresenta e qualidade expositiva ajuda-nos a caracterizar melhor tal figura jurídica e a visualizá-la no seio do caso em apreço:

«(…).

Deixemos um pequeno bosquejo acerca das linhas mestras traçadas pela doutrina e jurisprudência sobre esta(s) figura(s) jurídica(s).

Estabelece o artigo 251.º do Ccivil que “o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247.º”.

O erro corresponde a uma falsa representação da realidade, isto é, a falsa concepção acerca de um facto ou de uma coisa [[8]]-[[9]].

As diversas normas que o legislador associou a esta terminologia correspondem a conceitos distintos de erro com consequências diferentes, conceitos esses estudados e desenvolvidos por Doutrina e Jurisprudência.

A declaração negocial é uma decisão volitiva, precedida, no plano psicológico, de uma deliberação, rápida ou demorada, em que o possível autor representa o possível negócio e o seu circunstancialismo[[10]]-[[11]].

Na representação do negócio podem faltar elementos, ou pode haver elementos que não correspondam à realidade.

De particular relevo é o “erro sobre os motivos” (art. 252.º do CC), e, aqui, em especial, o chamado erro‑vício ou erro sobre os motivos determinantes da vontade, previsto no n.º 2 desse normativo legal.

O erro vício[[12]] traduz‑se numa representação inexacta ou na ignorância[[13]] de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de contratar [[14]]: se tivesse havido esclarecimento sobre essa circunstância, o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não o teria realizado nos termos em que o celebrou [[15]]-[[16]]-[[17]]-[[18]].

O Acórdão do STJ de 16 de Abril de 2002 [[19]] chama a atenção que:

— O erro, enquanto vício na formação da vontade, só existe quando falta um elemento, ou quando a representação mental está em desacordo com um elemento, da realidade existente no momento da formação do negócio jurídico;

— O erro só será relevante quando seja causa do negócio jurídico nos seus precisos termos, ou seja, quando corresponda à inserção de um factor anómalo no processo volitivo e quando a sua intromissão determine um resultado diferente.

«A cada passo cada um de nós, ao realizar um negócio jurídico, procede na plena convicção de que se verificou no passado, se verifica no presente ou virá ou continuará a verificar-se no futuro, certo acontecimento ou estado de coisas, de tal maneira que, se soubesse que esta sua convicção não correspondia à realidade pretérita ou actual ou se frustraria quanto à evolução posterior, não teria concluído o negócio ou tê-lo-ia concluído de modo diferente»[[20]]. «Contratou, e contratou nos termos em que o fez, porque estava possuído dessa firme convicção, não lhe passando sequer pela cabeça que não correspondesse à realidade a sua ideia sobre certa circunstância ou circunstâncias, passadas ou presentes, ou que não se confirmasse a sua previsão sobre o curso ulterior das coisas»[[21]]. «Este seu convencimento, fosse consciente ou subconsciente, era tão seguro que não hesitou em celebrar o contrato, e em celebrá-lo com o conteúdo que lhe atribuiu»[[22]].  «Não teve sequer o cuidado de introduzir nele uma cláusula limitativa, que o condicionasse dalgum modo à correspondência entre a sua ideia ou previsão e a realidade»[[23]]. «Chama-se justamente pressuposição este estado de espírito do estipulante, consistente em achar-se absolutamente seguro de que as coisas se passaram, estão a passar-se ou virão a passar-se de certo modo, e não hesitar por isso em contratar como contratou»[[24]].

Pode-se hipotizar um eventual erro sobre o objecto, isto é, “o que recai, ou sobre a identidade deste, ou sobre a sua substância, ou sobre as suas qualidades essenciais”[[25]]; aquele que abrange as qualidades e identidade daquele, bastando que por qualquer forma seja conhecido ou cognoscível para a outra parte que o errante só contratou por ter atribuído aquelas qualidades ou identidade ao objecto — cfr. artigo 251.º, do Código Civil.

E sobre ele, escreve, por sua vez, Menezes Cordeiro[[26]]:

«O erro relativo ao objecto tem sido prudente e correctamente alargado pela doutrina e pela jurisprudência.  Não está em causa, apenas, a identidade do objecto, as suas qualidades e, particularmente, o seu valor.  Relevam, também, as qualidades jurídicas do objecto.  Além disso, e numa interpretação correcta e da maior importância, o “objecto” abrange, também, o conteúdo do negócio»[[27]].

Comentando o art. 247.º do C.Civ., ensina Menezes Cordeiro [[28]]:

«Para a relevância do erro na declaração, a lei portuguesa apenas exige:

— A essencialidade, para o declarante, do elemento sobre erro;

— O conhecimento dessa essencialidade, pelo declaratário ou o dever de a conhecer.

E sobre a designada base do negócio:

Segundo Inocêncio Galvão Telles[[29]], «constituem base do negócio as circunstâncias determinantes da decisão do declarante que, pela sua importância, justificam, segundo os princípios da boa-fé, a invalidade do negócio em caso de erro do declarante, independentemente de o declaratário conhecer ou dever conhecer a essencialidade, para o declarante, dessas circunstâncias e, por maioria de razão, sem necessidade de os dois se mostrarem de acordo sobre a existência daquela essencialidade».

Para Oliveira Ascensão[[30]], «base do negócio e circunstâncias em que as partes fundaram a sua decisão de contratar são exactamente a mesma coisa: são a tradução de Geschäftsgrundlage, portanto a base ou o fundamento do negócio».  Segundo este Autor [[31]], «as circunstâncias que são a base do negócio são aquelas que explicam que o negócio seja aquilo que é».  «Tratando‑se de um contrato são comuns, no sentido que para as partes são determinantes da conformação concreta do negócio»[[32]].

Diversamente, segundo Menezes Cordeiro[[33]], «ao referir “base do negócio”, este preceito [o cit. art. 252.º-2 do Código Civil] não tem em vista o instituto desse mesmo nome (Geschãftsgrundlage) tal como hoje é correntemente usado na literatura alemã».  «O preceito em análise refere concretamente um erro na base do negócio: haverá, pois, na mens legis, uma realidade fáctica jurídica com essa designação»[[34]].  «A base do negócio será, então, uma representação duma das partes, conhecida pela outra e relativa a certa circunstância basilar atinente ao próprio contrato e que foi essencial para a decisão de contratar»[[35]].

Já para Carvalho Fernandes[[36]], «a base do negócio é constituída por aquelas circunstâncias que, sendo conhecidas de ambas as partes, foram tomadas em consideração por elas na celebração do acto e determinaram os termos concretos do conteúdo do negócio».  «Ao celebrar certo negócio jurídico existem, como bem se compreende, várias circunstâncias, de facto ou de direito, que mais ou menos profundamente determinam as partes a praticar ou não praticar aquele acto e a fazê-lo com certo conteúdo»[[37]].  Trata-se de «circunstâncias que, ou determinaram ambas as partes ou que, sendo relativas a uma delas, a outra não poderia deixar de aceitar como condicionamento do negócio, sem violação dos princípios da boa fé»[[38]].

O S.T.J., em acórdão de 20.01.2000, escreveu que “a base do negócio serão as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, verificando-se erro sobre a base do negócio sempre que ocorra uma falsa representação dessas circunstâncias” [[39]].

Tudo ponderado, parece que tanto há erro sobre a base do negócio quando a falsa representação incide sobre circunstâncias passadas ou presentes, como quando ela recai sobre circunstâncias futuras, desde que, num caso e noutro, a decisão de contratar se tenha fundado em tais circunstâncias.[[40]]

Note-se que Autores há — como Castro Mendes e Carvalho Fernandes — para quem o erro sobre a base do negócio tem de ser bilateral, isto é, tem de ser comum a ambas as partes. «Todavia, nada na lei exige a bilateralidade»[[41]].  «O erro é-o do declarante, recaindo embora sobre um elemento decisivo do contrato, conhecido pela outra parte (a qual, sobre ele, podia não ter qualquer opinião)[[42]].  «O declaratário (…) tem naturalmente de conhecer as circunstâncias que constituem a base do negócio; mas isso não quer dizer que deva conhecer a essencialidade dessas circunstâncias para o errante e, menos ainda, que deva pôr‑se de acordo com este sobre a existência de tal essencialidade»[[43]].

«Tão-pouco é necessário que as partes tenham explicitado quais as circunstâncias em que fundaram a decisão de contratar, e muito menos que lhes tenham concordantemente atribuído tal significado»[[44]]. «Basta que essas circunstâncias sejam objectivamente o pressuposto do negócio»[[45]]. [[46]]

«Pode efectivamente, embora não seja fenómeno de fácil ocorrência, uma só das partes estar em erro sobre um elemento comummente determinante da conformação do negócio».  «Se isto puder acontecer, o erro não deixa de recair sobre a base do negócio e de ser unilateral».  «Aplica-se então o art. 252.º/2»[[47]].»

Revertendo ao caso em apreciação, e tendo presentes os elementos doutrinais e jurisprudenciais vindos de apresentar, teremos que concluir, que na situação sub judice nos deparamos inegavelmente perante um negócio em que as partes acordaram sob uma  falsa representação incidente sobre as circunstâncias futuras, a qual foi determinante para que o mesmo tivesse ocorrido (o aludido contrato promessa verbal).

A falsa representação das circunstâncias futuras na situação em apreço redunda não somente do factos das partes terem acordado que existiria um processo de revisão do PDM em curso e que deveria permitir a divisão do prédio rústico, como também que tal ocorreria em curto espaço temporal (segundo a inicial informação camarária que antecedeu a formação da vontade das partes, tal deveria ocorrer no espaço de quatro meses – ponto 3. da matéria dada por provada), daí terem acordado que o contrato prometido se realizaria no prazo de seis meses (ponto 5. dos factos provados: “No âmbito desse acordo verbal, ficou ainda estipulado pelas partes que a respectiva escritura pública seria outorgada no prazo máximo de seis meses, tendo em conta o prazo expectável para a conclusão do processo de revisão do PDM referida em 3.”). Ora, tendo-se verificado que mais de dois anos e meio após a celebração de tal contrato não havia ainda sido aprovado o dito Plano, é apodítico concluir que a aprovação não ocorreu em curto espaço temporal, e daí entender-se que as partes acordaram sob uma falsa representação incidente sobre as circunstâncias futuras, a qual foi determinante para que tal contrato verbal tivesse sido celebrado.

Esteve bem, assim, o tribunal recorrido ao configurar a situação em discussão como de erro sobre as circunstâncias, subsumindo-a à previsão do art.º 252.º, n.º 2 do CC e, por via deste, ter remetido para o disposto no art.º 437.º do mesmo código. Resta saber se a aplicação que aí se fez deste preceito, ao caso em juízo, foi a adequada.

Como diz Mota Pinto[[48]] «A remissão para o art.º 437.º tem por fim indicar os pressupostos para a relevância do erro.»

Por sua vez, Castro Mendes[[49]], salienta que «[a] ideia central do n.º 2 do art.º é a de um erro bilateral sobre condições patentemente fundamentais do negócio jurídico», acrescentando que «o regime do erro sobre a base do negócio é a dos artgs. 437.º a 439.º» e aditando ainda que «a base negocial não tem de ser determinante para ambas as partes; pode ser para uma delas, através da outra.» 

Aqui chegados, importará então saber se, no caso em apreço, se verificam os pressupostos de aplicação do art.º 437.º que possam afectar o contrato celebrado.

Menezes Cordeiro[[50]] sintetiza as diretrizes de interpretação do n.º 1 do citado artigo 437.º da seguinte forma:

 «a) - Não relevam para a compreensão do instituto superveniências ao nível de aspirações subjectivas extracontratuais, mas apenas as que estejam directamente ligadas ao contrato em causa; e não interessam também modificações que ocorram no campo das aspirações subjectivas de apenas uma das parte, devendo a alteração reportar-se ao contrato que está em causa e não a esperanças de lucro ou de não perda de apenas um dos intervenientes;

 b) - A alteração deve caracterizar-se por ser “anormal”, conceito que deve ser associado à ideia da imprevisibilidade, não bastando que se trata de uma “grande alteração”;

 c) - Uma das partes deve ser lesada de modo “significativo” por essa alteração, no sentido de sofrer consequências de certa envergadura;

 d) - Dessa alteração deve resultar a afectação dos “princípios da boa fé”, se acaso a contraparte exigir as prestações que da mesma decorram;

 e) - As alterações devem ocorrer numa área que não esteja coberta pelos “riscos próprios do contrato” em causa.»

Interessante também se revela a abordagem feita por Pinto Duarte[[51]] sobre tais pressupostos de aplicação do art.º 437.º, referindo que os mesmos terão de actuar conjuntamente, denotando o preceito a existência:

«a) - do pressuposto consistente em as partes terem formado a decisão de contratar em certas circunstâncias que formam a base do negócio;

b) - de dois requisitos positivos consubstanciados na alteração anormal, imprevisível, de uma circunstância e numa lesão grave, isto é, considerável ou descomunal;

c) - dois requisitos negativos: - o de os efeitos da alteração não estarem incluídos nos riscos próprios do contrato, ou seja, no programa contratual, e a parte lesada não estar em mora no momento da alteração das circunstâncias.»

Revertendo ao caso dos autos, temos que no acórdão recorrido, quanto à apreciação deste art.º 437.º, apenas se disse:

«(…).

"Por força da remissão do art. 252° n° 2 do CCpara o disposto no art. 437° do CC há que entender que o desvio motivado por esse erro ou falsa representação do declarante sobre a realidade não poder ser um qualquer, pois que terá que tratar-se um desvio "anormal" - e que choque o sentido ou ideia da justiça e da própria boa fé - que atinja as condições que, manifesta ou patentemente, se constituíram como a base fundamental em que assentou o negócio (Ac. do TRC de 23-01-2018, proc. 6874/14.0T8CBR.C1, anteriormente referido).”

Ora, revertendo para o caso em apreço somos levamos a concluir, à luz das considerações que se deixaram expressas e dos factos apurados, ocorrer a situação prevista no n° 2 do art. 252° do CC.

Pois que, seria a previsível alteração do PDM, em sentido favorável à pretensão de divisão do prédio rústico que permitiria integrar uma das parcelas da divisão num dos prédios urbanos (1082) e, alienar este reconfigurado prédio aos RR.. O preço, o prazo inicial, os prolongamentos de prazo subsequentes, a entrega antecipada do imóvel aos RR. e o pagamento parcelar por parte destes, tudo foi estabelecido em função do pressuposto dessa alteração.

A qual não ocorreu, nem há segurança de que ocorra.

O n° 2 do art. 252° do CC remete para o art. 437.° do mesmo código, o que conduz a aquilatar da violação do princípio da boa fé e da não cobertura do erro pelos riscos próprios do negócio.

Obstáculos legais que não se verificam.

Manter as partes na indefinição quanto à concretização do negócio, com prestações adiantadas, não lhes permitindo um desfecho equitativo, é que poderá ser atentatório dos princípios que se visam prevenir.

Estamos pois, perante pressupostos idóneos a despoletar a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias, tal como surge previsto e regulado no art. 437° do CC, por remissão do art. 252° n° 2 do mesmo Código.

(…).»


Os recorrentes entendem que tal aresto não apreciou devidamente os pressupostos de aplicação do normativo, limitando-se a, de forma genérica, sem concretizar, afirmar a não violação do princípio da boa fé e da não cobertura do erro pelos riscos próprios do negócio

Se bem que, como vimos pela transcrição do segmento do acórdão recorrido, não seja totalmente exacta a afirmação dos recorrentes, pois que naquele é também mencionado que “Manter as partes na indefinição quanto à concretização do negócio, com prestações adiantadas, não lhes permitindo um desfecho equitativo, é que poderá ser atentatório dos princípios que se visam prevenir”, o que é facto é que se nos afigura que tal abordagem se revela insuficiente para caracterizar a existência dos pressupostos que permitem a aplicação do disposto no apontado art.º 437.º do CC.

Diremos, tendo presentes os factos apurados e os pressupostos que tal artigo exige para poder ser aplicável, que, no caso, não nos deparamos perante situação enquadrável em tal dispositivo legal.

Com efeito, a alteração verificada, que aqui podemos definir como sendo a ultrapassagem do inicialmente expectável prazo de 4 meses para a aprovação do PDM, se é certo que se revela de alguma monta, não será porventura tão exagerado que se possa considerar “anormal” tendo em conta o que comumente ocorre em diversos processos de revisão dessa natureza, quase podendo considerar-se acobertado no âmbito dos riscos inerentes ao contrato em causa (como foi defendido na sentença da 1.ª instância). Porém, não se querendo ir tão longe, sempre se dirá que não se mostra demonstrado nos autos o pressuposto de uma das partes se encontrar lesada de modo “significativo” por essa alteração, no sentido de sofrer consequências de certa envergadura.

Na realidade, se é certo que as partes celebraram o acordo verbal de promessa de compra e venda partindo do pressuposto de que a revisão do PDM de Abranches ocorreria em curto espaço temporal e que poderia vir a ser favorável à sua pretensão de poderem vir a fraccionar o prédio rústico (vide pontos 3., 4., 5. e 8. dos factos provados), não é menos verdade que foram, ao longo do tempo  (muito para além dos 6 meses que inicialmente tinham estipulado para a celebração do contrato definitivo) dando mostras de se acomodarem e viverem bem com essa situação de “espera” da conclusão de tal processo de revisão, de que são exemplos a circunstância dos AA. terem aceite a entrega, por parte dos RR., de diversas e sucessivas quantias monetárias, repartidas no tempo, que orçam a mais de 40.000,00€ (no âmbito dum valor final de 220.000,00€, ou seja, cerca de quase 20% do valor total – ponto 7. dos factos provados) e de terem permitido que os RR. fossem ocupar o espaço prometido vender (situação que ocorreu em Setembro de 2018 – ponto 9. dos factos provados). Só em Julho de 2020 (cerca de quase dois anos após os RR. terem ido ocupar os espaços prometidos vender e cerca de dois anos e meio depois do acordo verbal celebrado entre as partes) os AA. manifestaram interesse em que o negócio prometido não fosse celebrado (por via da notificação judicial avulsa realizada em 07-07-2020, em que os AA. comunicaram aos RR. que a promessa de compra e venda era nula – ponto 13. dos factos provados)

Todo este circunstancialismo, aliado ao facto de não se encontrarem descritos e provados factos reveladores de uma “significativa” lesão dos direitos e interesses dos AA. resultante dessa delonga na revisão do PDM.

Acresce que de tal factualidade não resulta minimamente que essa revisão do PDM não se realizará (o que poderia então levar a um possível incumprimento definitivo do contrato prometido), antes pelo contrário, as informações camarárias constantes dos autos apontam no sentido de que esse processo se encontra em andamento e que virá a ser aprovado.

De outro lado ainda, há que referir que não se encontra igualmente demonstrado que da delonga verificada, que conduziu (como vimos supra), por via da aplicação do art.º 252.º a que chegássemos a este art.º 437.º, ambos do CC, que os princípios da boa fé se mostrem violados.

Entendemos assim, que não se mostram preenchidos todos os pressupostos exigíveis e que permitem a aplicabilidade do art.º 437.º do CC (ex vi do art.º 252.º do mesmo diploma) ao caso em apreço, razão pela qual se entende que não nos deparamos perante a possibilidade de resolução do contrato ou a sua anulação como era pretensão dos AA., e foi decidido no acórdão.

Tal constatação leva-nos a que se entenda que os pedidos dos AA. tenham de improceder, por não se verificarem os pressupostos para a sua procedência, revogando-se, nessa parte, o acórdão recorrido.


Os Réus, ora recorrentes, na sua conclusão 16.ª, pretendem ainda que sejam apreciados os fundamentos do recurso apresentados pelos apelantes réus e que ficaram prejudicados por tal decisão.

Ora, são duas as questões que, alegadamente, não terão sido alvo de apreciação.

A saber:

«a) Na desconsideração de um incumprimento definitivo por parte dos AA., a extrair da declaração destes na acção de que se recusam a celebrar a escritura definitiva por desinteresse pessoal;

e

b)  Na desconsideração do direito dos RR. à devolução do sinal em dobro, face à resolução do contrato por parte dos AA., que os RR. aceitam. Sendo o sinal prestado de 40.700,00€ e o seu dobro de 81.400,00€;


Apreciemos cada uma delas, tendo por base o que no acórdão recorrido, quanto a elas, se escreveu:

«a) Na desconsideração de um incumprimento definitivo por parte dos AA., a extrair da declaração destes na acção de que se recusam a celebrar a escritura definitiva por desinteresse pessoal.

Questão que se mostra prejudicada pelo reconhecimento de erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, reconhecimento esse que se mostra contraditório com o reconhecimento de incumprimento culposo e definitivo dos AA.

Na verdade, dissemo-lo já, os AA. não estão em condições de cumprir por razões alheias à sua vontade e que supunham poder inverter, disso sabendo os Réus.»

Nada há a apontar ao que no acórdão recorrido se mostra dito, sendo que a posição que assumimos supra, quanto à existência de uma situação enquadrável na previsão do art.º 252.º, n.º 2 do CC – erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio – vai no mesmo sentido do expendido pela Relação, o que efectivamente se mostra contrário à existência (não demonstrada) de qualquer imputação de responsabilidade pelo incumprimento derivada dos AA.

Improcede assim essa questão.

b) Na desconsideração do direito dos RR. à devolução do sinal em dobro, face à resolução do contrato por parte dos AA., que os RR. aceitam. Sendo o sinal prestado de 40.700,00€ e o seu dobro de 81.400,00€

«Também aqui se reforça o argumento de que, não sendo a resolução do contrato determinada por incumprimento, não tem lugar a consequência prevista no art. 442° n.° 2 do CC para quem recebeu o sinal, mantendo-se cumpridor (restituição do sinal em dobro).

Prejudicada, pois, se mostra tal questão.»

Igualmente se concorda com o teor do que vem expendido face ao que por nós foi anteriormente referido. Na realidade, não se tendo apurado qualquer situação de incumprimento imputável a qualquer das partes, não haverá lugar, obviamente, ao accionamento da previsão do art.º 442.º, n.º 2 do CC, que o pressupõe.

Improcede, assim, também esta questão.


Sumário a que alude o n.º 7 do art.º 663.º do CPC

I – A possibilidade de junção de documentos no âmbito dos recursos de revista encontra-se prevista no art.º 680.º do CPC, estando a mesma reservada para os casos em que as instâncias tenham considerado provado um facto para o qual a lei exigia prova documental (v.g. escritura pública ou certidão de registo), com violação do direito probatório material, sustentando-o apenas em prova testemunhal ou em confissão, situação que pode ser regularizada, sem prejudicar o resultado, mediante a junção de documento que seja superveniente. Não se enquadra nesses pressupostos a requerida junção de uma Declaração camarária que declara o estado em que se encontra o processo de aprovação do seu PDM e duas plantas a ele atinentes, sem que se invoquem razões bastantes e adequadas àquelas finalidades.

II - O erro vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de contratar: se tivesse havido esclarecimento sobre essa circunstância, o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não o teria realizado nos termos em que o celebrou.

III - Tanto há erro sobre a base do negócio quando a falsa representação incide sobre circunstâncias passadas ou presentes, como quando ela recai sobre circunstâncias futuras, desde que, num caso e noutro, a decisão de contratar se tenha fundado em tais circunstâncias

IV - Numa situação em que as partes acordaram sob uma falsa representação incidente sobre as circunstâncias futuras, a qual foi determinante para que o mesmo tivesse sido celebrado, deparamo-nos perante a previsão do n.º 2 do art.º 252.º do CC.

V – O referido art.º 252.º, n.º 2 do CC, remete para o art.º 437.º, sendo que tal remissão tem por fim indicar os pressupostos para a relevância do erro.

VI – De entre os pressupostos de aplicabilidade de tal art.º 437.º há que ressaltar os seguintes: - A alteração deve caracterizar-se por ser “anormal”, conceito que deve ser associado à ideia da imprevisibilidade, não bastando que se trata de uma “grande alteração”; - Uma das partes deve ser lesada de modo “significativo” por essa alteração, no sentido de sofrer consequências de certa envergadura; - Dessa alteração deve resultar a afectação dos “princípios da boa fé”, se acaso a contraparte exigir as prestações que da mesma decorram; - As alterações devem ocorrer numa área que não esteja coberta pelos “riscos próprios do contrato” em causa.


V. Decisão

Face a tudo quanto se deixa dito, o presente colectivo de Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, acorda em julgar a revista em parte procedente, assim determinando:

a) a revogação do acórdão recorrido, no que concerne à apelação deduzida pelos Autores, daí decorrendo a improcedência dos pedidos formulados pelos AA. na sua petição inicial, com as consequentes, improcedência da acção e absolvição dos Réus de tais pedidos;

b) a manutenção do acórdão recorrido, no que concerne à apelação deduzida pelos Réus, daí decorrendo a improcedência e procedência dos seus pedidos reconvencionais, como vem decidido a tal propósito no acórdão recorrido.

c)  Custas do presente recurso de revista pelos AA., sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.


Lisboa, 07-03-2023


José Maria Sousa Pinto (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Fátima Gomes

______

[1] O relator adopta a escrita anterior ao A.O..
[2] In “Recursos em Processo Civil” – anotação 1. ao art.º 680.º, pág. 500, Almedina, 7.ª edição actualizada.
[3] Cf. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, p. 265.
[4] Sublinhados nossos.
[5] Vidé a propósito, e por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.”; Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”; Ac. do STJ de 25/2/97, in “BMJ 464 . 464” e Ac. do STJ de 22/1/98, in “BMJ 473 –427
[6] P.º 873/10.9T2AVR.P1.S1, Relator, Tomé Gomes, disponível em www.dgsi.pt
[7] P.º 11570/19.0T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[8] Cfr. Ac. STJ de 19.10.2004 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 04B3293.
[9] No Acórdão do STJ de 16 de Abril de 2002 (in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 02A713) dá-se uma outra definição de erro: ignorância ou falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo ou que interveio entre os motivos da declaração negocial.  O Acórdão do STJ de 30 de Outubro de 2003 (in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 03P3316), por sua vez, refere que o erro e a ignorância são figuras próximas, consubstanciando- se o primeiro na falsa concepção que uma pessoa tem sobre uma coisa e a segunda na pura falta de conhecimento.
[10] A vontade negocial consiste na vontade de celebrar um negócio jurídico de conteúdo coincidente com o significado exterior da declaração.
[11] Cfr. Ac. STJ de 16.04.2002 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 02A713.
[12] No ensinamento de Mota Pinto (in Teoria Geral do Direito Civil, pp 500 e 506), os vícios da vontade traduzem‑se em perturbações do processo formativo desta, de tal modo que, embora seja coincidente com a declaração, é determinada por motivos anómalos e valorados pelo Direito como ilegítimos.
[13] Seguindo a terminologia de Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Almedina, 6.ª reimpressão, 1983, p. 233.
[14] Algo decisivo na formação da vontade do declarante.
[15] Cfr. Mota Pinto in op. cit., pp. 505 e 506.
[16] Assim, no caso do erro vício há correspondência entre a vontade real e a declarada, mas aquela apenas se formou em consequência de erro: não fora este, o declarante não teria realizado o negócio, pelo menos nos termos em que o fez — nesse sentido vide Ac. STJ de 8.04.2003 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 03A928; Ac. STJ de 21.06.2007 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 07B1815.
[17] Nos Acórdãos do STJ de 3 de Outubro de 2006 e de 8 de Maio de 2007 (respectivamente in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 06A2497 e http://www.dgsi.pt/ processo n.º 07A1066) seguindo a lição do Prof. Castro Mendes, distinguem‑se cinco situações: erro essencial absoluto, erro essencial relativo, erro incidental, erro essencial parcial e erro acidental ou indiferente.
No primeiro caso, a vontade negocial (aquela que foi expressa pelo declarante no momento da celebração do negócio jurídico) quer o negócio, mas a vontade conjectural (aquela que teria sido expressa pelo declarante no momento da celebração do negócio jurídico, caso não estivesse em erro) nada quer; no segundo, a vontade negocial quer o negócio, mas a vontade conjectural queria outro, que não o celebrado; no terceiro, a vontade negocial quer o negócio e a vontade conjectural também, mas com alterações de partes acessórias; no quarto, a vontade negocial quer o negócio e a vontade conjectural também, mas com alteração de aspectos essenciais; no quinto, a vontade negocial e conjectural coincidem.
Nos dois primeiros casos, o negócio jurídico é plenamente anulável, enquanto no terceiro e no quarto a anulabilidade restringe-se à parte viciada, quando não seja possível operar a redução do negócio jurídico ao abrigo do artigo 292.º, por se concluir que o negócio não seria celebrado sem a parte viciada.  Na quinta situação, o erro é irrelevante.
[18] Cfr. Ac. STJ de 8.04.2003 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 03A928; Ac. STJ de 3.10.2006 in http://www.dgsi.pt/ processo n.º 06A2497.
[19] In http://www.dgsi.pt/ processo n.º 02A713.
[20] Inocêncio Galvão Telles in "Manual dos Contratos em Geral", 4.ª ed., 2002, p. 95.
[21] Inocêncio Galvão Telles ibidem.
[22] I. Galvão Telles in "Manual…", cit., p. 96.
[23] I. Galvão Telles in "Manual…", cit., p. 96.
[24] Rodrigues Bastos, in “Das Relações Jurídicas”, III, p. 100.
[25] Cfr. Revista de Direito e Estudos Sociais, ano 13, T. 1, p. 5; cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., pp. 509/510.
[26] “Tratado de Direito Civil Português”, T. I, pp. 538/539.
[27] Destaque nosso.
[28] Ob. cit., p. 532.
[29] Manual dos Contratos, p. 98.
[30] "Direito Civil Teoria Geral", vol. III, "Relações e Situações Jurídicas", 2002, p. 186.
[31] Ob. e vol. cits., p. 195.
[32] Oliveira Ascensão, Ibidem.
[33] "Tratado de Direito Civil Português", 1, Parte Geral, T. I, 2.ª ed., 2000, p. 622.
[34] Ob. e loc. cits.
[35] Menezes Cordeiro, ibidem.
[36] "Teoria Geral do Direito Civil", vol. II, 2.ª ed., 1996, p. 137.
[37] Carvalho Fernandes, ibidem.
[38] Ibidem.
[39] Ibidem.
[40] Sublinhado nosso.
[41] Col. Jur., ano VIII, T. I, p. 48.
[42] Menezes Cordeiro, in ob., vol. e tomo cit., p. 622.
[43] Menezes Cordeiro, ibidem.
[44] Inocêncio Galvão Telles in "Manual…", cit., p. 99, nota 108.
Cfr., também no sentido de que, «diferentemente do que se passa no vulgar erro sobre os motivos (de cuja disciplina se ocupa o n.º 1 do cit. art. 252.º)], não é necessário que as partes tenham reconhecido, por acordo, a essencialidade das circunstâncias sobre que fundaram a decisão de contratar», sendo que «isto resulta da contraposição que no n.º 2 se faz ao n.º 1:"Se, porém…", Oliveira Ascensão (in "Direito CiviL." cit, vol. II, "Acções e Factos Jurídicos", 1999, p. 131).
No sentido de que, «para ser relevante o erro sobre as circunstâncias que constituem. a base do negócio, nos termos do n.º 2 do art. 252.º, não é necessário que as partes tenham reconhecido, por acordo, a essencialidade dessas circunstâncias como motivo determinante da declaração negocial da vontade», ver o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2/11/1977 (in BMJ n.º 271, p. 190).[Sublinhado nosso]
[45] Oliveira Ascensão in "Direito Civil…", cit., vol. II, cit., p. 131.
[46] Sublinhado nosso.
[47] Oliveira Ascensão, ibidem.
[48] “Teoria Geral”, 1967, p. 234
[49] “Direito Civil, Teoria Geral”, 1979, III, págs. 214 a 217.
[50] “Alteração das Circunstâncias”, págs. 65 e segs. e “A crise e a alteração as circunstâncias, na Revista de Direito Civil, nº 1”.
[51] “A alteração unilateral de contratos de financiamento”, em II Congresso de Direito Bancário, págs. 320 e 321.