Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
870/09.7TBCTB.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
MUDANÇA DE DOMICÍLIO DO MENOR
RESIDÊNCIA NA SUIÇA
RESIDÊNCIA HABITUAL
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAL PORTUGUÊS
TRIBUNAL SUIÇO
Data do Acordão: 09/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I) - A Lei 61/2008, de 31.10, aplica-se à acção autónoma intentada na vigência dos normativos que alterou no que respeita às responsabilidades parentais, porque, pese embora estar findo o processo de divórcio que regulou o poder paternal que correu pela Conservatória do Registo Civil, não se pode considerar que o processo estava pendente no Tribunal – (o art. 9º daquela Lei estabelece que o regime que institui não se aplica aos processos pendentes no Tribunal).

II) – O regime legal instituído por aquela lei, no que respeita ao exercício das responsabilidades parentais, mormente, no que respeita ao seu nº6 do art. 1907º do Código Civil, aplica-se imediatamente às acções intentadas após a alteração legislativa, e ao impor o dever de informação ao progenitor que não exerça no todo ou em parte as responsabilidades parentais, sobre a educação e as condições de vida do filho aplica-se à mudança de domicílio do menor para país estrangeiro, para acompanhar a sua mãe – a quem foi confiada a guarda – por se tratar de questão de particular importância para a vida do filho – nº1 do art. 1906º do citado Código.

III) – A Lei 61/2008, de 31.10, veio alterar não só a terminologia legal, substituindo a designação de poder paternal por responsabilidades parentais, assim pretendendo em nome dos superiores interesses dos menores afectados por situações familiares dos seus pais, defendê-los e envolver os progenitores nas medidas que afectem o seu futuro dos filhos, coenvolvendo-os e co-responsabilizando-os, não obstante a ruptura conjugal, preservando relações de proximidade e consagrando um regime em que mesmo o progenitor que não detenha o poder paternal deve ser informado e, assim, ser co-responsável pela educação e destino do filho, pelo que tais normativos são preceitos de interesse e ordem pública.

IV) - A recorrida ao tomar por si, única e exclusivamente a decisão de abandonar Portugal para se fixar com o filho menor na Suíça, ancorada no facto de o ter à sua guarda, não só violou o dever de informação e participação do recorrente, num aspecto da maior relevância para o futuro do menor, obrigação a que estava obrigada por força do nº6 do art. 1906º do Código Civil, na redacção da Lei 61/2008, de 31.10, como também privou o Tribunal de se pronunciar, ante a patente discordância do progenitor que não tem a guarda do filho.

V) -A Convenção Relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores, concluída em Haia em 5 de Outubro de 1961, aplica-se a todos os menores que têm a sua residência habitual num dos Estados contratantes.

VI) – No momento em que a acção para alteração da regulação do poder paternal foi instaurada, a criança tinha a sua residência na Suíça com carácter de estabilidade, acompanhada pela sua mãe.

VII) – As disposições da Convenção podem ser afastadas pelos Estados contratantes se a sua aplicação se revelar incompatível com a ordem pública.

VIII) – Mesmo num caso em que a guarda da criança está confiada a um dos progenitores – não existindo responsabilidade parental conjunta – constitui, inquestionavelmente, norma de interesse e ordem pública aquela que prescreve o dever de informação “ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais” e esse dever de informação já estava consagrado na lei em vigor no momento em que a mãe da criança deixou Castelo Branco rumo à Suíça.

IX) – A Convenção não parece excluir a sua competência mesmo em casos de deslocação não consentida, que não se traduzam em rapto de criança – ponto que não está aqui em dúvida – daí que o seu afastamento só se compreende à luz daquela mencionada regra de ordem pública portuguesa.

X) - Reconhecendo o Direito Português ser do máximo interesse que as crianças portuguesas, filhas de pais separados, que em Portugal acordaram na regulação do poder paternal, não sejam levadas para o estrangeiro por qualquer dos progenitores sem conhecimento e consentimento do outro, não abdica da sua competência para regular as responsabilidades parentais.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, divorciado, requereu em 4.6.2009, no Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, a alteração do exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor CC, contra:

BB, residente na Suíça, visando a atribuição das responsabilidades parentais a ambos os progenitores, ficando o menor a residir com o pai, na cidade de Castelo Branco.

Alegou, para tanto, em síntese:

- que o menor CC, nascido em 13/02/2004, é filho do requerente e da requerida, tendo o exercício das responsabilidades parentais relativamente ao mesmo sido regulado por acordo, em Novembro de 2006, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento entre requerente e requerida que correu termos, sob o n° 1597/06, junto da Conservatória do Registo Civil de Castelo Branco;

- que, nos termos desse acordo, o menor ficou entregue à guarda e cuidados da mãe, a qual passou a exercer o poder paternal, podendo o pai estar com o filho sempre que o entendesse, salvaguardados que fossem os períodos de descanso e actividades do menor;

- que, desde a separação do casal, conviveu com o filho diariamente, passou com ele fins de semana de quinze em quinze dias, e teve-o na sua companhia, alternadamente, nas épocas festivas, existindo entre os dois uma relação de grande proximidade; que em Janeiro de 2009 a requerida viajou com o menor para a Suíça, país onde permanece, assim impedindo o convívio entre o requerente e o filho, com prejuízo para o equilibrado desenvolvimento deste.

Teve lugar uma conferência de pais.

A requerida apresentou alegação em que, aceitando que o menor reside consigo, na Suíça, suscita a excepção da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da acção e defende a manutenção da regulação do exercício das responsabilidades parentais oportunamente acordada.

Foram juntos relatórios sociais relativos ao requerente e à requerida.
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Em 12.08.2009, foi proferida a decisão de fls. 52 a 60, na qual se declarou o Tribunal Judicial de Castelo Branco, internacionalmente incompetente para conhecer da acção e, em consonância, se decidiu absolver a requerida da instância.
***

Inconformado, o requerente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por Acórdão de 10.11.2009, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
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Inconformado, o requerente interpôs recurso de revista excepcional – art. 721º-A, nº3, do Código de Processo Civil, que foi admitido.

Alegando formulou as seguintes conclusões:

1 — O recurso é de admitir, por o impor relevância jurídica das questões suscitadas. As quais se reportam a um regime que, sendo novo, foi instituído ferido de alguns vícios de resultantes de uma errada técnica legislativa. Assim a sua definição, nomeadamente no que respeita aos critérios da sua aplicabilidade impõe-se quer para uma melhor aplicação do direito quer, inclusive, para evitar uma conflitualidade que está latente e que tem na sua origem as referidas imprecisões.

II – Acresce que as questões suscitadas têm enorme relevância social numa sociedade que, como a nossa, vive alterações profundas ao nível da célula familiar, representando as famílias monoparentais uma franja realidade cada vez mais expressiva.

III — O presente Recurso é restrito à definição do regime legal aplicável a uma questão de importância particular importância para a vida do menor — a fixação da sua residência. A qual tendo sido fixada na cidade de Castelo Branco aquando da regulação do poder paternal — ano de 2006, houve necessidade de alterar em Janeiro de 2009 em virtude de a mãe pretender — como efectivamente veio a suceder — fixar a sua residência na Suiça.

IV — O douto acórdão recorrido julgou a apelação improcedente e, consequentemente, manteve a decisão recorrida, reconhecendo a incompetência dos Tribunais Portugueses para apreciação da questão da alteração da regulação das responsabilidades parentais.

V – Fê-lo por considerar que aquando do divórcio e por acordo devidamente homologado o menor ficou entregue à guarda da mãe que sobre ele passou a exercer o
poder paternal. Pelo que a deslocação do filho na companhia da mãe para a Suíça não foi considerada ilícita, ainda que contra a vontade e sem o consentimento do pai, tudo não obstante, de facto e até então, todas as questões importantes referentes ao filho de ambos tivessem sido tomadas em conjunto.

VII – Considerou ainda o douto acórdão que encontrando-se o menor na Suíça há cerca de seis meses é aí que se situa a sua residência habitual. E assim fixado o elemento de — o domicílio habitual da criança (art. 65º do Código de Processo Civil e 155º, nº3, da Organização Tutelar de Menores) — o douto acórdão conclui, nos termos do art. 1° e 13° da Convenção de Haia de 1961, relativa à competência das autoridades e à lei aplicável em matéria de protecção de menores, que a competência internacional para dirimir o conflito pertence às autoridades Suíças.

VIII — A verdade é que, no entretanto, 1 de Dezembro de 2008 entrou em vigor no nosso ordenamento jurídico a Lei 61/2008 que operou profundas alterações no Regime da regulação das responsabilidades parentais, mormente, procedeu à alteração do art. 1906º do Código Civil, tendo estabelecido que, em caso de divórcio, as questões de particular importância para a vida dos filhos são exercidas em comum por ambos os progenitores se aplica (n. °1) assim como veio fixar (n. °5) que é ao Tribunal que compete fixar a residência dos filhos.

IX — Ao proferir a decisão nos termos em que o fez o Tribunal “a quo” considerou que o preceito referido não tinha aplicabilidade ao caso concreto. Julgou que a matéria em causa se mantinha ao abrigo da legislação revogada.
E que a presente apenas se aplicaria aos novos casos de regulação das responsabilidades parentais.

X — Tal não é contudo o entendimento do Recorrente o qual tem por inequívoco que a responsabilização de ambos os progenitores é operante para as decisões sobre interesses relevantes da vida do menor que, a partir da entrada em vigor do diploma, aqueles venham tomar, independentemente do momento em que se procedeu à regulação das mesmas. Parece categórico que o legislador ao repensar o instituto, o fez no supremo interesse da criança e de acordo com as mais recentes correntes de pensamento, as quais vêm considerando que a protecção intransigente do desenvolvimento dos menores é melhor garantida e conseguida através de uma intervenção conjunta e ponderada dos progenitores.

XI – Um tal pensamento passou também pela entrada em vigor do diploma a ter consagração legal, veja-se a redacção do n.° 7 do referido preceito. Por consequência é incontestável que todos os menores devem ficar à salvaguarda do regime ora instituído, não se vislumbrando razão ponderosa alguma que permita afastar a aplicação imediata da lei aos casos regulados antes da sua entrada em vigor.

XII – Mais, entende ainda o recorrente que face à actual redacção do n.°5 a alteração pretendida é competência exclusiva dos tribunais, estando fora dos poderes de disposição dos progenitores, os quais a lei considera apenas como um dos critérios a ter em conta pelo tribunal.

XIII — O legislador ao afirmar que a nova lei não tem aplicação aos processos pendentes reporta-se, no entender do Recorrente às questões de natureza adjectiva e só a estas.

XIV – A decisão em recurso ao ter julgado que a mãe tinha legitimidade para decidir e alterar por si o domicilio da criança violou a Lei 61/2008, de 30 de Outubro no preceito que estabelece a sua entrada em vigor, porquanto não obstante a mesma ter ocorrido em 1 de Dezembro de 2008, sendo os factos praticados a 4 de Janeiro 2009, ainda assim o Tribunal não a aplicou;

XV – Violou, o art. 1906º, n.°s1 e 5 do Código Civil quando erradamente considerou que o regime aí estabelecido se não aplicava à progenitora, tendo esta ao abrigo do regime acordado aquando do divórcio legitimidade para, por si só decidir sobre a fixação da residência do menor;

XVI – Violou os art. 5º e 7º do Cód. Civil ao fazer apelo, na fixação dos poderes/deveres que integram o conteúdo das responsabilidades parentais, de legislação que já não se encontrava em vigor.

XVII — Ora foi partindo das premissas acabadas de enunciar que o Tribunal a quo veio fixar a residência habitual do menor na Suiça, local para onde a criança foi deslocada em Janeiro último. Premissas essas que resultando de uma errónea interpretação e aplicação da legislação em vigor redundaram num resultado também ele contrário às normas, desta feita de direito internacional a que o estado Português se encontra vinculado.
XVIII – Vejamos fixado assim o elemento de conexão — o domicílio habitual da criança (art. 65º do Código de Processo Civil e 155º, n.°3, da Organização Tutelar de Menores) — o douto acórdão conclui, nos termos do art. 1º e 13° da Convenção de Haia de 1961, relativa à competência das autoridades e à lei aplicável em matéria de protecção de menores, que a competência internacional para dirimir o conflito pertence às autoridades Suíças. O recorrente entende, no entanto, que também quanto a este item uma correcta interpretação e aplicação da lei imporiam decisão diversa da proferida.

XIX — A questão da fixação do domicílio do menor reveste – já assim era considerada na jurisprudência e doutrina — natureza de particular importância para a vida do menor, entendimento que mereceu agora, em face da alteração legislativa operada, consagração legal vid. n.° 5 do referido preceito.

XX – A interpretação da aplicação imediata do novo instituto das responsabilidades parentais impunha ao Tribunal a quo o reconhecimento da competência internacional do Tribunais Portugueses para dirimir o litigio, porquanto impondo ele aos progenitores que, na presença de uma questão essencial à vida do menor a mesma seja resolvida de comum acordo, não sendo possível obter o desejado acordo aos progenitores resta, também por imposição legal, o recurso às vias judiciais a fim de dar solução ao diferendo.

XXI – No caso concreto, a decisão envolvia a alteração da residência do menor. Esta matéria está reservada face à nova redacção do n.°5 do referido preceito à competência dos Tribunais. Assim sendo, a progenitora jamais poderia como fez, alterar, sem mais, a residência habitual do menor.

XXII – Ao tomar uma tal atitude a progenitora cometeu ilícito civil e ilícito criminal (art. 249º, nº1, al. a) e c) do Cód. Penal), que faz recair a sua conduta na previsão do art.3º da Convenção de Haia de 1980.

XXIII – Ora sempre salvo o devido respeito e melhor opinião em contrário, uma interpretação do art. lº da Convenção de Haia de 1961 efectuada nos termos em que o foi representa, não só um premiar do infractor — incompatível com a génese qualquer ordenamento jurídico — como, encerra a violação da Convenção de Haia de 1980. Aliás este Venerando Tribunal já decidiu, por mais de uma vez, no sentido de ser negado relevo às situações de facto consumado artificialmente criada para efeitos de fixação de competência do Tribunal.

XXIV – De resto é neste mesmo sentido — da negação do ilícito civil e criminal como fonte de direito — que a convenção de Haia Sobre Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças vem estabelecer que o domicílio dos menores a considerar para efeitos de fixação da competência dos Tribunais é o da residência que o menor tinha antes da prática do ilícito e jamais – a não ser que sobre a deslocação haja decorrido um prazo de um ano (não de seis meses) e se mostre que o regresso da criança envolveria riscos agravados, factualidade que não foi sequer alegada — o do local para onde o menor foi indevidamente deslocado.

XXV – Em conclusão afigura-se ao Recorrente que nem a Convenção de Haia de 1960, nem o nosso ordenamento jurídico no seu art. 65º do Código de Processo Civil e art. 153º da Organização Tutelar de Menores têm como pressuposto de aplicabilidade a conformação com a tomada de medidas de força, imposta contra lei expressa.

XXVI – Ao decidir nos termos em que o fez o Tribunal “a quo” violou por deles fazer incorrecta interpretação e assente em pressupostos cuja validade já não se verifica, dos art. 1º da Convenção de Haia de 1961 e art. 3º da Convenção de Haia de 1980, o art. 65º do Código de Processo Civil.

XXVII – Assim como, na interpretação efectuada dos critérios de aplicação da lei — sua sucessão no tempo — violou o princípio da igualdade previsto no art. 13° da Constituição da República Portuguesa.

XXVIII – Por outro lado a interpretação efectuada ao art. 1906º, n.°1 e 7, de que resultou a não aplicação ao caso concreto, violou o disposto no art. 13° da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, ao entender que apenas os progenitores cujas responsabilidades parentais sejam reguladas após a entrada em vigor do diploma podem intervir activamente nas questões de particular importância para a vida dos seus filhos o tribunal estabeleceu uma diferenciação que lhe está vedada pela lei e Constituição.

XXIX — A vigência do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado exige que a responsabilidade de ambos os progenitores seja operante para as decisões sobre interesses relevantes da vida do menor que, a partir da sua entrada em vigor, aqueles venham a ser chamados a proferir, independentemente do momento em que se procedeu à regulação das responsabilidades parentais.

XXX — É categórico que o legislador ao repensar o instituto, o fez no supremo interesse da criança e de acordo com as mais recentes correntes de pensamento, as quais vêm considerando que a protecção intransigente do desenvolvimento dos menores é melhor garantida e conseguida através de uma intervenção conjunta e ponderada dos progenitores. Pensamento passou também pela entrada em vigor do diploma a ter consagração legal, veja-se a redacção do n.° 7 do referido preceito.

XXXI – Por consequência é incontestável que todos os menores devem ficar à salvaguarda do regime ora instituído. A interpretação contrária representa uma violação do princípio da igualdade nos termos em que o mesmo é definido no art. 13º da CRP, porque encerra uma atribuição de dignidade e protecção díspares para situações que a priori são idênticas. Qualquer criança deve poder contar com a protecção e intervenção de ambos os progenitores nas decisões importantes da sua vida de modo que a ponderação esteja sempre presente, sendo que ao julgador está vedado a restrição de direitos e deveres não prescrita na lei ordinária nem a Constituição.

XXXII – Pelo que ao fazer a interpretação dos referidos preceitos nos termos em que o fez violou o Tribunal “a quo” 13° a CRP, por conjugação aos art. 1906º, n.°1 e 7, do Código Civil que impõe ao julgador um tratamento igual para todos os menores.

XXXIII – Inconstitucionalidades que estas que enfermando a decisão proferida desde já e para todos os legais efeitos se invoca.

Nestes termos, deve o presente recurso admitido e julgados os seus ulteriores termos até final, concluindo-se pela revogação do acórdão proferido, reconhecendo-se a competência Internacional dos Tribunais Portugueses.

O Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto da Relação de Coimbra, contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão.
***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1. O Requerente e a Requerida casaram um com o outro em 27 de Abril de 2002.

2. Desta união, em 13 de Fevereiro de 2004, nasceu um filho, CC.

3. Em Novembro de 2006 o Requerente e a Requerida colocaram termo à relação matrimonial que os unia.

4. O que fizeram em processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos junto da Conservatória do Registo Civil de Castelo Branco, sob o número 1597/2006.

5. Nesse mesmo processo, por acordo, o Requerente e a Requerida regularam o exercício das responsabilidades parentais referentes ao filho menor do casal.

6. Tal acordo mereceu a anuência do Magistrado do Ministério Público que o considerou conforme aos supremos interesses do menor e assim o homologou.

7. De acordo com o aí estabelecido, o menor ficou entregue à guarda e cuidados da mãe, a qual passou a exercer o poder paternal.

8. A favor do pai, ora Requerente, foi fixado um regime de visitas nos termos do qual o pai poderia ver o menor sempre que o entender, mediante previa combinação com a mãe, sem prejuízo dos tempos de descanso e actividades do menor.

9. De quinze em quinze dias, passava um fim-de-semana com o menor.

10. E, nas épocas festivas, pai e mãe alternavam na companhia da criança.

11. Pernoitando em casa deste, sem que tal constituísse um problema ou sequer uma fonte de instabilidade para o menor.

12. De tal modo o menor estava habituado à presença do pai.

13. Por outro lado, o menor nasceu na cidade de Castelo Branco, onde sempre residiu.

14. É nesta cidade que tem todos os familiares paternos e maternos, os seus amiguinhos do infantário.

15. Encontrando-se, por isso, familiar e socialmente integrado nesta localidade.

16. Nas últimas festividades natalícias, o menor passou o Natal com a mãe e o Ano Novo com o pai,

17. Permanecendo com o Requerente, ininterruptamente, no período compreendido entre o dia 26 de Dezembro de 2008 e 4 de Janeiro de 2009.

18. No dia 4 de Janeiro, no final da tarde, a Requerida foi recolher o menor.

19. Tendo sido esta a última vez que o Requerido viu o seu filho.

20. No dia 6 de Janeiro o Requerente recebeu uma carta da requerida pela qual esta lhe comunicava que havia abandonado o país, rumo à Suíça na companhia do filho.

21. Nessa mesma missiva era participado ao Requerente ser intenção da Requerida aí fixar a sua residência e a do filho.

22. A referida carta havia sido colocada na estação de correio de Castelo Branco, no dia 5 de Janeiro.

23. Pelo que no dia da recepção da mesma, a requerida e o menor já se encontravam na Suíça.

24. E por se não conformar com o afastamento a que foi vetado, o requerente, em 16 de Janeiro do corrente fez dar entrada nos serviços do Ministério Público de Castelo Branco uma queixa crime, na qual acusava a progenitora da prática de um crime de subtracção de menor.

25. Solicitando, como medida cautelar, que fosse promovido o regresso da criança a Portugal.

26. Acontece que, volvidos dez dias, nenhuma medida havia ainda sido tomada, pelo que a 27 de Janeiro, o requerente veio renovar o pedido.

27. O que voltou a suceder em 20 de Fevereiro, pois a situação mantinha-se inalterada.

28. Até à presente, todos os requerimentos apresentados se revelaram infrutíferos.

29. O menor, desde Janeiro de 2009, encontra-se a residir com a requerida e o seu novo marido, em Boulevard du Pont-D’Arve, apart. 0410, 1205 Genéve, Suíça, para onde foi na companhia daquela, numa casa arrendada, com dois quartos, sala, cozinha e casa de banho.

30. Desde Março de 2009 o menor encontra-se a frequentar o infantário na Suíça, Genebra, Micheli-du-Crest, onde a sua integração se tem processado com normalidade, tendo a criança sido acompanhada de perto pela educadora, com quem mantém um bom relacionamento.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se a competência internacional, radica nos tribunais portugueses ou nos tribunais suíços, para regular o poder paternal relativamente a menor que se deslocou para a Suíça com a sua mãe a quem fora atribuída a guarda do menor, no contexto de regulação do poder paternal na sequência do divórcio dos pais portugueses, decretada em Portugal quando a família aqui residia.

O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer considerando que o Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco é incompetente em razão das regras de competência internacional para conhecer da matéria da causa – arts. 1º e 13º da Convenção da Haia de 1961.

Vejamos:

O divórcio entre o requerente CC e a requerida BB foi decretado em Novembro de 2006, por mútuo consentimento em processo que tramitou pela Conservatória do Registo Civil de Castelo Branco, tendo o acordo relativo ao poder paternal do filho do casal – CC – nascido em 13.2.2004, sido homologado judicialmente.

Ao tempo o casal, cujo casamento data de 27.4.2002, e o menor seu filho, residiam em Castelo Branco.

No dia 6.1.2009, o requerente foi informado pela requerida, por carta com data do dia 5, que era intenção da requerida fixar na Suíça a sua residência e a do filho menor.

Inconformado, logo no dia 16.1.2009, o ora recorrente fez dar entrada nos serviços do Ministério Público de Castelo Branco uma queixa crime, na qual acusava a progenitora da prática de um crime de subtracção de menor – art. 249º, nº1, c) do Código Penal, solicitando, como medida cautelar, que fosse promovido o regresso imediato da criança a Portugal.

Este o núcleo factual relevante.

Não se vislumbra, atenta a matéria de facto provada, que estejamos perante um rapto, perpetrado pela progenitora tal como definido na Convenção Sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças (1) , desde logo, a nosso ver, pelo facto de lhe ter sido concedida exclusivamente a custódia do menor como a lei ao tempo vigente consentia.

Esse procedimento desencadeado pelo ora recorrente não almejou resultado, pelo que, em 4.1.2009, foi requerida na Comarca de Castelo Branco a alteração “do exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor”, ao tempo com cinco anos de idade.

Como se acha provado, o menor, desde Janeiro de 2009, encontra-se a residir com a requerida e o seu novo marido, em Boulevard du Pont-D’Arve, apart. 0410, 1205 Genéve, Suíça, para onde foi na companhia daquela.

Moram numa casa arrendada, com dois quartos, sala, cozinha e casa de banho. Desde Março de 2009 o menor encontra-se a frequentar o infantário na Suíça, Genebra, Micheli- du-Crest, onde a sua integração se tem processado com normalidade, tendo a criança sido acompanhada de perto pela educadora, com quem mantém um bom relacionamento, como consta provado.

O Tribunal de 1ª Instância julgou procedente a excepção de incompetência internacional, alegada pela requerida e considerou os Tribunais Suíços competentes para a pedida regulação do poder paternal face à superveniente alteração da residência do menor.

Considerou-se que, em matéria de protecção de menores, Portugal assinou e ratificou a Convenção Relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores, concluída em Haia, em 5 de Outubro de 1961, “Convenção de Haia” de 1961, conforme consta do Diário do Governo, 1.ª série, n.º 172, de 22 de Julho de 1968 – Decreto-Lei n.º 48 494 –, a qual passou a vigorar em 04.02.1969.

Por sua vez, também a Suíça foi Estado parte nesta Convenção, que assinou em 18.11.64, ratificou em 09.12.66, entrando em vigor nesse país em 04.02.69.

Depois, por se ter ponderado que o menor tinha residência habitual na Suíça, para onde se deslocara com a sua mãe que detinha o poder paternal, considerou-se, invocando o art. 1º daquela Convenção, que: “As autoridades, quer judiciais, quer administrativas, do (Estado da residência habitual do menor, sob reserva das disposições dos artigos 3.º, 4.º e 5.º, alínea III, da presente Convenção), são competentes para decretar medidas visando a protecção da sua pessoas ou bens.”

Sendo que o artigo 13.° estipula que – “A presente Convenção aplica-se a todos os menores que têm a sua residência habitual num dos estados contratantes”.

A Relação de Coimbra, aceitando que o menor tem residência habitual na Suíça (2), e considerou aplicável o art. 16º da Convenção da Haia de 1961, segundo o qual as suas disposições não podem ser afastadas nos Estados contratantes, a não ser que a respectiva aplicação seja manifestamente incompatível com a ordem pública, considerou que não existe incompatibilidade entre as normas da Convenção e a ordem pública portuguesa.

A Relação considerou, ainda irrelevante a invocação feita pelo recorrente que argumentou, que desde o começo do exercício do poder paternal e não obstante a mãe ter a guarda do filho, sempre todas as decisões relevantes para o filho, foram tomadas em conjunto, afirmando a fls. 174:

A circunstância de a mãe, enquanto tal foi possível, ter exercido o poder paternal em termos de todas as decisões importantes referentes ao CC serem tomadas em conjunto com o outro progenitor não traduz qualquer abdicação dos poderes/deveres de que era titular, sendo aquela actuação uma louvável forma de concreta efectivamente os exercer.
Consequentemente, em Janeiro de 2009, quando a requerida decidiu partir para a Suíça, era ela a detentora exclusiva do poder paternal relativamente ao CC, não se descortinando qualquer ilicitude (civil ou criminal) em tê-lo levado consigo.
Entende-se, portanto, que não tem aplicação, “in casu” a norma do art. 16° da Convenção da Haia de 1961…”.

É inquestionável que a questão objecto do litígio tem pontos de conexão entre duas ordens jurídicas de países diferentes, [a Suíça não é membro da União Europeia], pelo que se trata de definir a quem cabe a competência em razão da matéria.

Manuel de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, 1976, pág. 92) define competência internacional:

“É a competência dos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros. Verdadeiramente, do que se trata aqui é dos limites da jurisdição do Estado Português; de definir quando é que este se arroga o direito e se impõe o dever de exercitar a sua função jurisdicional”.

Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil” – edições Lex – 2ª edição – págs. 93/94 – escreve:

“As regras sobre a competência internacional não são, consideradas em si mesmas, normas de competência internacional, porque não se destinam a aferir qual o tribunal concretamente competente para apreciar o litígio, mas apenas a definir a jurisdição na qual se determinará, então com o recurso a verdadeiras regras de competência, qual o tribunal competente para essa apreciação. Dada esta função, as normas de competência internacional podem ser designadas normas de recepção, pois que visam somente facultar o julgamento de um certo litígio plurilocalizado pelos tribunais de uma jurisdição nacional. É esta a estrutura da generalidade das regras contidas nos arts. 65º,nº1…
[…] Para orientar a escolha da jurisdição competente para resolver o conflito plurilocalizado não existem na comunidade internacional regras fixas e, menos ainda, uniformes.
Apenas se pode esperar que – parafraseando o imperativo categórico kantiano – cada Estado actue de tal forma que os critérios definidores da sua competência internacional possam valer simultaneamente como princípios de uma legislação universal. Quer isto dizer que cada Estado pode determinar quais os elementos de conexão que considera relevantes para abrir a sua jurisdição ao julgamento de litígios plurilocalizados.”

O art. 61º estabelece – “Os tribunais portugueses têm competência internacional quando se verifique alguma das circunstâncias mencionadas no artigo 65.°”.

As regras da competência internacional dos tribunais portugueses constam dos arts. 65º e 65º-A do Código de Processo Civil, vigorando a redacção do DL.38/2003, de 8.3.

O artigo 65º, nº1, estabelece que sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias enunciadas nas als. a) a d).

Trata-se da afirmação do princípio do primado do direito internacional sobre o direito interno com assento em sede constitucional – art. 8º,nº3, da Lei Fundamental.

Do art. 182º, nºs 1 e 3, da Organização Tutelar de Menores, resulta que quando circunstâncias supervenientes tornem necessária alterar prévia regulação do poder paternal estamos perante uma nova regulação do poder paternal, ou seja, que essa alteração é uma acção autónoma.

Assim, tendo em conta a data em que foi intentada a acção visando nova regulação do poder paternal(rectius responsabilidades parentais) 4.6.2009 – é pertinente considerar, numa perspectiva de apreciação do direito substantivo aplicável, as alterações introduzidas pela Lei 61/2008, de 31.10, em vigor ao tempo da propositura da acção, e que alterou o art. 1906º do Código Civil, que versa sobre o exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento.

A Lei 61/2008, de 31.10, aplica-se à acção autónoma intentada na vigência dos normativos que alterou, porque, pese embora estar findo o processo de divórcio que regulou o poder paternal que correu pela Conservatória do Registo Civil, não se pode a nosso ver, considerar que o processo estava pendente no Tribunal – (o art. 9º daquela Lei estabelece que o regime que institui não se aplica aos processos pendentes no Tribunal).

Ao tempo em que foi pedida pelo ora recorrente, a alteração da regulação do poder paternal, na sequência da alteração do local de residência da recorrida e do menor, não estava pendente acção judicial no Tribunal. O processo iniciado na Conservatória estava findo e o acordo aí alcançado vinha sendo cumprido.

Salvo o devido respeito, está em causa a aplicação imediata da lei nova – art. 12º do Código Civil – não só porque sendo o processo de alteração da regulação do poder paternal um processo de jurisdição voluntária sendo as resoluções adoptadas revisíveis (art.1411º, nº1, do Código de Processo Civil e 150º da Organização Tutelar de Menores) – não pode considerar-se que a aplicação do regime legal instituído por aquela Lei implique aplicação retroactiva a causa finda.

Ao invés, entendemos que, tratando-se de normas de interesse público, que dispõem directamente sobre os efeitos da relação de filiação, são de aplicação imediata a situações jurídicas constituídas ao abrigo da lei antiga – art. 12º, nº2, 2ª parte do Código Civil.

“ […] A 2ª parte do nº2 do art. 12° do Código Civil contempla as leis que dispuserem “directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem”, isto é, leis que visam situações jurídicas duradouras, como que desligadas causalmente do respectivo facto constitutivo, modificativo ou extintivo.
Então, “entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”, ou seja, a lei nova aplica-se imediatamente a consequências ainda actuais de factos passados”. - Rabindranath Capelo de Sousa, in “Teoria Geral do Direito Civil” – vol. I, págs. 139 e 140 escreve:

A Lei 61/2008, de 31.10, veio alterar não só a terminologia legal, substituindo a designação de poder paternal por responsabilidades parentais, assim pretendendo em nome dos superiores interesses dos menores afectados por situações familiares dos seus pais, defendê-los e envolver os progenitores nas medidas que afectem o seu futuro, coenvolvendo-os e co-responsabilizando-os (3) , não obstante a ruptura conjugal, preservando relações de proximidade, e consagrando um regime legal em que mesmo o progenitor que não detenha o poder paternal deve ser ouvido e, assim, ser co-responsável pela educação e destino do filho, estando em causa “questões de particular importância para a vida do filho”, que, em regra, passam a ser exercidas em comum e ser objecto de informação recíproca – nº1 do art. 1906º do Código Civil.

Ora, tratando-se, inquestionavelmente, de preceito de interesse e ordem pública e estando em vigor à data em que foi requerida a regulação do poder paternal, ditada pela superveniente alteração das circunstâncias com a partida da mãe para a Suíça, não poderiam as instâncias, a nosso ver, deixar de ponderar se tais alterações e a ratio delas contenderia com a decisão a tomar.

Nem se diga que o facto da recorrida ter ficado incumbida do poder paternal, ao tempo em que decidiu mudar de residência para a Suíça, estava a exercer um direito validado judicialmente, do ponto em que não carecia de informar previamente, ou sequer de obter a aquiescência do pai do menor.

Não é irrelevante que, tendo sido atribuída à recorrida a guarda do filho, na prática foi estipulado e cumprido um exercício do poder paternal revelador de grande proximidade e cooperação do pai que não tinha a custódia do menor.

Atente-se: – “O menor ficou entregue à guarda e cuidados da mãe, a qual passou a exercer o poder paternal. A favor do pai, ora Requerente, foi fixado um regime de visitas nos termos do qual o pai poderia ver o menor sempre que o entender, mediante prévia combinação com a mãe, sem prejuízo dos tempos de descanso e actividades do menor. De quinze em quinze dias, passava um fim-de-semana com o menor. E, nas épocas festivas, pai e mãe alternavam na companhia da criança, pernoitando em casa deste, sem que tal constituísse um problema ou sequer uma fonte de instabilidade para o menor. De tal modo o menor estava habituado à presença do pai…
O menor nasceu na cidade de Castelo Branco, onde sempre residiu. É nesta cidade que tem todos os familiares paternos e maternos, os seus amiguinhos do infantário. Encontrando-se, por isso, familiar e socialmente integrado nesta localidade. Nas últimas festividades natalícias, o menor passou o Natal com a mãe e o ano novo com o pai, permanecendo com o Requerente, ininterruptamente, no período compreendido entre o dia 26 de Dezembro de 2008 e 4 de Janeiro de 2009”.
Os filhos não são propriedade dos pais – passe a crueza da expressão – e mesmo em caso de separação e ruptura conjugal, a lei quer, agora mais que antes, que os pais se mantenham solidários e responsáveis pelo destino dos filhos que não podem ser vítimas inocentes de decisões que têm repercussão no desenvolvimento dos laços de afectividade e parentalidade, sobretudo, tendo em vista a relevante consideração que, quanto menos idade tiverem, mais se impõe que a figura do progenitor que não pode manter proximidade, “deva estar presente”, na solidariedade e co-responsabilização das decisões que afectam o seu futuro.

No caso em apreço, está em causa uma decisão de muita relevância no que se refere ao destino do menor – a mudança de país aos cinco anos de idade – para aí residir com a mãe que, certamente, emigrou em busca de uma vida melhor, ou por outras razões respeitáveis.

Não se trata tanto de enfatizar o conceito de residência habitual para aplicação do Regulamento antes citado, já que se fossem de exigir requisitos de temporalidade, difícil seria considerar tal requisito, quando mediou pouco tempo entre a partida e a reacção do outro progenitor.

No caso, sendo a mãe a titular do poder paternal e tendo emigrado, a residência legal do menor é a da mãe que exerce esse poder – art.85º, nº1, do Código Civil – “O menor tem domicílio no lugar da residência da família, se ela não existir, tem por domicílio o do progenitor a cuja guarda estiver”.

Para a acção de regulação do poder paternal é competente o Tribunal da residência do menor no momento em que a acção for instaurada – art. 155º, nº1, da Organização Tutelar de Menores.

Nos termos do seu nº5, 1ª parte – “Se, no momento da instauração do processo, o menor não residir no País, é competente o tribunal da residência do requerente ou do requerido…”.

Decorre, agora, do nº5 do art. 1906º do Código Civil, que o Tribunal (que regula as responsabilidades parentais) determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse do menor, tendo em conta todas as circunstâncias. (4)

O nº6 atribui um inovador direito ao progenitor que não exerça no todo ou em parte as responsabilidades parentais, esse direito é o de ser informado sobre o modo do seu exercício, mormente, sobre a educação e as condições de vida do filho, o que se percebe já que o nº7 impõe ao tribunal que decida de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.

Em tempos em que a mobilidade social e a necessidade de procura constante de bem estar, sobretudo em tempos de crise económica, em que a emigração volta a estar no horizonte dos que são atingidos no seu nível de vida (para já não falar nos motivos da suas vidas pessoais, familiares e afectivas), decisões como as que se relacionam com o futuro de filhos de pais divorciados não podem, agora, ser tomadas sem a informação do progenitor que não tem a totalidade do poder parental (no caso, o recorrente só tem o direito a visitas e não de guarda).

Em caso de desacordo impõe-se a pronta intervenção do tribunal na demanda da solução que, consensualmente ou não, salvaguarde a defesa dos interesses do menor.

Assim, a recorrida ao tomar por si, única e exclusivamente a decisão de abandonar Portugal para se fixar com o filho menor na Suiça, ancorada no facto de ter a sua guarda, não só violou o dever de informação e participação do recorrente, num aspecto da maior relevância para o futuro do menor, obrigação a que estava obrigada por força do nº6 do art. 1906º do Código Civil, na redacção da Lei 61/2008, de 31.10, como também privou o Tribunal de se pronunciar, ante a patente discordância do progenitor que não tem a guarda do filho.

Neste caso compete ao Tribunal, nos termos do nº5 do citado normativo, determinar o local da residência do filho, e esse tribunal não é o da residência actual do filho na Suíça, mas aquele onde tinha a sua residência habitual com a progenitora a quem fora confiada a guarda.

A definição do local da residência do filho, impondo antes de mais a participação do progenitor que não tem a guarda, e em caso de desacordo a decisão do tribunal, evidencia a grande importância que a lei reconhece na gravidade de uma decisão que afecta o devir do filho e as implicações dessa mudança na educação e na envolvência sócio-cultural, assim como na preservação e incremento dos laços de afectividade, fazendo aflorar a desejada relação de proximidade parental, que é imprescindível à boa formação cidadã e afectiva.

Não se deve, assim e em caso de inopinada retirada para país estrangeiro, criando uma situação de facto consumado, afirmar que o menor tem residência habitual no país para o progenitor que tinha a guarda se deslocou, ainda que com intenção de aí se estabelecer, existindo violação do dever de informação – que pressupõe, também, consenso acerca dessa decisão, que inexistindo, impõe a intervenção do tribunal do país que decidiu acerca da residência do progenitor a quem foi confiada a guarda.

Não se pode considerar, apesar da pretensa estabilidade do progenitor que se ausenta, que o local do destino passou a constituir o da residência permanente ou habitual do filho, porque essa residência permanente ou habitual demanda agora, informação senão mesmo consenso do outro progenitor, e inexistindo, a afirmação soberana do Tribunal da residência habitual – que é a aquela que o progenitor detentor da guarda tinha ao tempo em que, sponte sua, decidiu sair do país levando consigo o menor.

Assim sendo, e não podendo no concreto circunstancialismo do caso enquadrar a questão na perspectiva de rapto de menor, não consideramos aplicável a Convenção Relativa à Competência das Autoridades e a Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores concluída na Haia, em 5 de Outubro de 1961 (DG – I – 22.7.1968 – Decreto Lei n°48494).

A criança estava à guarda e cuidados da mãe que passou a exercer o poder paternal havendo um convívio intenso com o pai que residia como a mãe na mesma cidade – Castelo Branco.

A Convenção Relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores, concluída em Haia em 5 de Outubro de 1961, aplica-se a todos os menores que têm a sua residência habitual num dos Estados contratantes e, no momento em que a acção para alteração da regulação do poder paternal foi instaurada, a criança tinha a sua residência habitual na Suíça.

No entanto, as disposições da Convenção podem ser afastadas pelos Estados contratantes se a sua aplicação se revelar incompatível com a ordem pública.

Consideramos que, mesmo num caso em que a guarda da criança está confiada a um dos progenitores – não existindo responsabilidade parental conjunta – constitui, inquestionavelmente, norma de interesse e ordem pública aquela que prescreve o dever de informação “ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais” e esse dever de informação já estava consagrado na lei em vigor no momento em que a mãe da criança deixou Castelo Branco rumo à Suíça.

A Convenção não parece excluir a sua competência mesmo em casos de deslocação não consentida, que não se traduzam em rapto de criança – ponto que não está aqui em dúvida – daí que o seu afastamento só se compreende à luz da mencionada regra de ordem pública portuguesa.

Reconhecendo o Direito Português ser do máximo interesse que as crianças portuguesas, filhas de pais separados, que em Portugal acordaram na regulação do poder paternal, não sejam levadas para o estrangeiro por qualquer dos progenitores sem conhecimento e consentimento do outro, não abdica da sua competência para regular as responsabilidades parentais.

Nestes termos, entendemos que a acção de regulação/alteração das responsabilidades parentais deve ser intentada em Portugal – art. 65º, nº1, b) do Código de Processo Civil e 155º, nº5, 1ª parte, da Organização Tutelar de Menores, pelo que a competência internacional – art. 101º do Código de Processo Civil radica no Tribunal de Castelo Branco.

Fica deste modo prejudicada a questão da constitucionalidade suscitada pelo recorrente – violação do princípio da igualdade – art. 13º da Lei Fundamental.

Sumário – [art. 713º, nº7, do Código de Processo Civil]

I) - A Lei 61/2008, de 31.10, aplica-se à acção autónoma intentada na vigência dos normativos que alterou no que respeita às responsabilidades parentais, porque, pese embora estar findo o processo de divórcio que regulou o poder paternal que correu pela Conservatória do Registo Civil, não se pode considerar que o processo estava pendente no Tribunal – (o art. 9º daquela Lei estabelece que o regime que institui não se aplica aos processos pendentes no Tribunal).

II) – O regime legal instituído por aquela lei, no que respeita ao exercício das responsabilidades parentais, mormente, no que respeita ao seu nº6 do art. 1907º do Código Civil, aplica-se imediatamente às acções intentadas após a alteração legislativa, e ao impor o dever de informação ao progenitor que não exerça no todo ou em parte as responsabilidades parentais, sobre a educação e as condições de vida do filho aplica-se à mudança de domicílio do menor para país estrangeiro, para acompanhar a sua mãe – a quem foi confiada a guarda – por se tratar de questão de particular importância para a vida do filho – nº1 do art. 1906º do citado Código.

III) – A Lei 61/2008, de 31.10, veio alterar não só a terminologia legal, substituindo a designação de poder paternal por responsabilidades parentais, assim pretendendo em nome dos superiores interesses dos menores afectados por situações familiares dos seus pais, defendê-los e envolver os progenitores nas medidas que afectem o seu futuro dos filhos, coenvolvendo-os e co-responsabilizando-os, não obstante a ruptura conjugal, preservando relações de proximidade e consagrando um regime em que mesmo o progenitor que não detenha o poder paternal deve ser informado e, assim, ser co-responsável pela educação e destino do filho, pelo que tais normativos são preceitos de interesse e ordem pública.

IV) - A recorrida ao tomar por si, única e exclusivamente a decisão de abandonar Portugal para se fixar com o filho menor na Suíça, ancorada no facto de o ter à sua guarda, não só violou o dever de informação e participação do recorrente, num aspecto da maior relevância para o futuro do menor, obrigação a que estava obrigada por força do nº6 do art. 1906º do Código Civil, na redacção da Lei 61/2008, de 31.10, como também privou o Tribunal de se pronunciar, ante a patente discordância do progenitor que não tem a guarda do filho.

V) -A Convenção Relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores, concluída em Haia em 5 de Outubro de 1961, aplica-se a todos os menores que têm a sua residência habitual num dos Estados contratantes.

VI) – No momento em que a acção para alteração da regulação do poder paternal foi instaurada, a criança tinha a sua residência na Suíça com carácter de estabilidade, acompanhada pela sua mãe.

VII) – As disposições da Convenção podem ser afastadas pelos Estados contratantes se a sua aplicação se revelar incompatível com a ordem pública.

VIII) – Mesmo num caso em que a guarda da criança está confiada a um dos progenitores – não existindo responsabilidade parental conjunta – constitui, inquestionavelmente, norma de interesse e ordem pública aquela que prescreve o dever de informação “ao progenitor que não exerça, no todo ou em parte, as responsabilidades parentais” e esse dever de informação já estava consagrado na lei em vigor no momento em que a mãe da criança deixou Castelo Branco rumo à Suíça.

IX) – A Convenção não parece excluir a sua competência mesmo em casos de deslocação não consentida, que não se traduzam em rapto de criança – ponto que não está aqui em dúvida – daí que o seu afastamento só se compreende à luz daquela mencionada regra de ordem pública portuguesa.

X) - Reconhecendo o Direito Português ser do máximo interesse que as crianças portuguesas, filhas de pais separados, que em Portugal acordaram na regulação do poder paternal, não sejam levadas para o estrangeiro por qualquer dos progenitores sem conhecimento e consentimento do outro, não abdica da sua competência para regular as responsabilidades parentais.

Decisão:

Nestes termos, concede-se a revista excepcional, revogando-se o Acórdão recorrido, afirmando-se a competência internacional dos Tribunais Portugueses, in casu, a da comarca de Castelo Branco.

Custas pela recorrida.

Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Setembro de 2010

Fonseca Ramos (Relator)
Cardoso de Albuquerque
Salazar Casanova

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(1) A Convenção sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças concluída em Haia em 25/10/1980, aprovada pelo Decreto do Governo nº33/83, de 11/5, e que entrou em vigor em Portugal no dia 1/12/1983, conforme Aviso publicado no D.R. nº126/84, Série I, de 31/5/84, visa proteger os interesses da criança na perspectiva que são de primordial importância em todas as questões relativas à sua custódia, constando no seu preâmbulo: “Desejando proteger a criança, no plano internacional, dos efeitos prejudiciais resultantes de uma mudança de domicílio ou de uma retenção ilícita e estabelecer as formas que garantam o regresso imediato da criança ao Estado da sua residência habitual, bem como assegurar a protecção do direito de visita”.
Nos termos do seu art.1º, a Convenção tem por objecto: assegurar o regresso imediato das crianças ilicitamente transferidas para qualquer Estado Contratante ou nele retidas indevidamente (al. a); fazer respeitar de maneira efectiva nos outros Estados Contratantes os direitos de custódia e de visita existentes num Estado Contratante (al. b). Nos termos do art.3º, § 1º, als. a) e b), da referida Convenção, a deslocação ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando tenha sido efectivada em violação de um direito de custódia atribuído a uma pessoa pela lei do Estado onde a criança tenha a sua residência habitual imediatamente antes da sua transferência ou da sua retenção e este direito estiver a ser exercido de maneira efectiva, individualmente ou em conjunto, no momento da transferência ou da retenção, ou o devesse estar se tais acontecimentos não tivessem ocorrido. Acrescentando o § 2º do mesmo art.3º que o direito de custódia atrás referido pode, designadamente, resultar quer de uma atribuição de pleno direito, quer de uma decisão judicial ou administrativa, quer de um acordo vigente segundo o direito deste Estado. Por outro lado, de harmonia com o disposto no art.5º, al. a), da citada Convenção, o “direito de custódia” inclui o direito relativo aos cuidados devidos à criança como pessoa, e, em particular, o direito de decidir sobre o lugar da sua residência. –cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 20.4.2010 – Proc. 9127/09.2TBCSC.L1-7, in www.dgsi.pt.

(2) “Como muito bem se diz na sentença recorrida, a residência habitual de um menor é o local onde se encontra organizada a sua vida em termos de maior estabilidade e permanência, onde desenvolve habitualmente a sua vida, em suma, onde está radicado. Na data em que foi instaurada a acção de alteração da regulação do poder paternal (04/06/2009), que é a que releva para efeito de determinação da competência, o menor CC tinha, pois, a sua residência habitual na Suíça, como acertadamente se entendeu na decisão recorrida”

(3) Dispõe o nº1 do art. 1906º do Código Civil – “As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível”


(4) Na Exposição de Motivos do Projecto de Lei nº509/X – Alterações ao Regime Jurídico do Divórciono ponto 2, pode ler-se: “O projecto que se apresenta propõe o desaparecimento da designação “poder paternal” substituindo-a de forma sistemática pejo conceito de “responsabilidades parentais”. Na mudança de designação esta obviamente implícita uma mudança conceptual que se considera relevante. Ao substituir uma designação por outra muda-se o centro da atenção: ele passa a estar não naquele que detém o “poder” – o adulto, neste caso – mas naqueles cujos direitos se querem salvaguardar, ou seja, as crianças”. E no item 5 lê-se: “Impõem-se o exercício conjunto das responsabilidades parentais salvo quando o tribunal entender que este regime é contrário aos interesses do filho. O exercício conjunto, porém, refere-se apenas aos “actos de particular importância”; a responsabilidade pelos “actos da vida quotidiana” cabe exclusivamente ao progenitor com quem o filho se encontra. Dá-se por assente que o exercício conjunto das responsabilidades parentais mantém os dois progenitores comprometidos com o crescimento do filho; afirma-se que está em causa um interesse público que cabe ao Estado promover, em vez de o deixar ao livre acordo dos pais; reduz-se o âmbito do exercício conjunto ao mínimo – aos assuntos de “particular importância”…Na determinação da residência do filho, valoriza-se a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações habituais do filho com o outro progenitor”.