Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
042233
Nº Convencional: JSTJ00013433
Relator: VAZ DE SEQUEIRA
Descritores: ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
ELEMENTOS DA INFRACÇÃO
Nº do Documento: SJ199202130422333
Data do Acordão: 02/13/1992
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N414 ANO1992 PAG186
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/SOCIEDADE.
Legislação Nacional: CPP87 ARTIGO 403 ARTIGO 410 N2 N3 ARTIGO 433.
CP82 ARTIGO 287 N1 - N4.
Sumário : I - Para que haja verdadeiramente uma associação criminosa exige o legislador que se congreguem tres elementos essenciais:
- o elemento organizativo;
- o elemento de estabilidade associativa;
- o elemento da finalidade criminosa.
II - Os dois primeiros elementos interligam-se e para que haja organização criminosa não e necessario que ela tenha uma sede, um local determinado de reunião, que os seus membros se reunam ou sequer se conheçam ou tenham um comando ou uma direcção, bastando, que haja um acordo de vontades de duas ou mais pessoas para a consecução de fins criminosos e de uma certa estabilidade ou permanencia ou, pelo menos, o proposito de ter esta estabilidade.
III - Dado como provado que houve acordo entre o recorrente e outros dois arguidos para prepetrarem crimes de falsificação de documentos identificadores de veiculos automoveis, que vieram a ter lugar e foram a ser objecto de condenação, cometeu o recorrente o ilicito do artigo 287 n. 1 do Codigo penal.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de
Justiça:
Pelo Tribunal de Circulo de Almada, foram submetidos a julgamento:
A, B, C, D, e E, todos com os sinais dos autos, sob acusação do Ministerio Publico de haverem cometido:
1) Os cinco arguidos, pela pratica, em co-autoria, de um crime continuado de falsificação, previsto e punivel pelos artigos 228, 1 alinea a) e 2, 30 e 78, 5, do Codigo Penal.
2) O A, o B e o C, cada um deles, pela pratica de um crime de associação criminosa previsto e punivel pelo artigo 287, 1 e 3, do mesmo diploma legal.
3) O D e o E, cada um deles pela pratica de um crime de associação criminosa previsto e punivel pelo artigo 287, 2 ainda do mesmo diploma legal.
4) O Branco ainda pela pratica de um crime previsto e punivel pelo artigo 260, tambem do Codigo Penal.
Realizado o julgamento, foram absolvidos da pratica do crime de associação criminosa os arguidos E e D, e do crime do artigo 260 o arguido C, por se ter verificado quanto a este a excepção de caso julgado.
No mais, foram os arguidos condenados em penas que não importa aqui referir, excepção feita a que foi imposta ao arguido Pericão:
1) pela pratica de um crime continuado de falsificação, previsto e punivel pelos artigos 228, 1 a) e 2, 30 e 78, 5, na pena de dois anos e seis meses de prisão e cinquenta dias de multa, a taxa diaria de 300 escudos, ou, em alternativa, 33 dias de prisão;
2) pela pratica de um crime de associação criminosa previsto e punivel pelo artigo 287, 1, na pena de dois anos de prisão.
Porem, este arguido, rebelando-se contra a pena imposta no tocante ao ilicito do artigo 287, 1, do Codigo Penal, recorreu para este Supremo Tribunal, apresentando atempadamente suas motivações.
Defendendo ponto de vista contrario, e em apoio do decidido, respondeu o Ministerio Publico.
Chegados os autos a este Tribunal, o ilustre Procurador Geral Adjunto teve dos mesmos vista.
Apos os vistos dos Excelentissimos Conselheiros Adjuntos, teve lugar a audiencia de julgamento que decorreu com a ritologia legal.
Não nos resta mais que apreciar e decidir:
O recurso do arguido A circunscreve-se tão so ao ilicito de associação criminosa, certo que entende não se encontrarem preenchidos os elementos que tipificam tal ilicito, ou, se assim se não entender, dever beneficiar do "estatuto de arrependido" nos termos do n. 4 do artigo 287, e em qualquer caso dever ser reduzida a pena que lhe foi imposta.
Vejamos:
Ex onte, dir-se-a ser admissivel a limitação do recurso a uma parte da decisão, segundo disciplina o artigo 403 do Codigo de Processo Penal.
De imediato, anotar-se-a que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da materia de direito, salvo as excepções dos ns. 2 e 3 do artigo 410, - de que o recorrente não lança mão -, segundo o normativo do artigo 433 do Codigo de Processo Penal.
A este Tribunal cabe apenas aplicar o regime juridico adequado perante os factos que foram apurados pelo Tribunal de instancia que agora e o tribunal colectivo ou o do juri. E que a lei atendeu a elevada garantia de veracidade que so a prova apurada pelos referidos tribunais (confere Maia Gonçalves, in Codigo de Processo Penal).
Dai que, o saber-se se esta ou não face a uma associação criminosa apenas podera ter como alicerce a materialidade factica apurada pelo Colectivo.
A proposito, vem adquiridos as seguintes factos: a) Em data indeterminada de 1988, os arguidos A, B e C decidiram constituir-se num grupo destinado a alteração de elementos de identificação de veiculos automoveis, afim de posteriormente os revenderem e auferirem o lucro correspondente, por sugestão do primeiro, que ficou com a incumbencia de obter os automoveis, subtraindo-os contra a vontade dos respectivos proprietarios. (2.1.1) b) Basicamente, as alterações acordadas, consistiam em substituir as chapas de matrícula, bem como as de identificação do motor e chassis ... 2.1.2 c) mais acordaram que esta actividade seria desenvolvida, fundamentalmente, na oficina do B... 2.1.3. d) Em execução do seu plano, aqueles arguidos procederam de comum acordo e em conjugação de esforços, pelo menos a viciação dos seguintes automoveis ...
2.1.4. (sublinhados nossos).
Logo, perante estes factos provados e inarredaveis, resultam preenchidos os elementos tipicizadores do ilicito do artigo 287, 1 do Codigo Penal.
Diversos estudos existem sobre as chamadas associações criminosas, que, afinal, são uma como que reminiscencia do antigo Codigo Penal no seu artigo 263 que versava a, dita, associação de malfeitores.
Para não nos repetirmos em diversos arestos em que explicitamos o significado, conteudo e alcance do artigo 287 do Codigo Penal (v.g. no Processo 41844, conhecido como "Aveiro Connection"), diremos agora apenas o essencial e nas suas linhas mestras.
Segundo se ve de Leal Henriques e Simas Santos, in o
Codigo Penal de 1982, Pagina 425.
"Para que haja verdadeiramente uma associação criminosa exige o legislador que se congreguem tres elementos essenciais:
- o elemento organizativo
- o elemento de estabilidade associativa
- o elemento de finalidade criminosa.
Os dois primeiros elementos interligam-se e, como dizia
Beleza dos Santos, para que haja organização criminosa com caracter de permanencia "não e necessario que ela tenha uma sede, um lugar determinado de reunião. Não e mesmo essencial que os seus membros se reunam e nem sequer que se conheçam. Não e preciso que tenham um comando ou uma direcção que lhe de unidade e impulso nem que possua qualquer convenção reguladora da sua actividade ou da distribuição dos seus encargos e lucros".
Assim "basta demonstrar a existencia de associação", isto e "que ha um acordo de vontades de duas ou mais pessoas para a consecução de fins criminosos e uma certa estabilidade ou permanencia, ou, ao menos, o proposito de ter esta estabilidade".
"Ainda que a associação se dissolva logo depois de constituida e, por isso, não tenha na realidade durado, não deixara de existir o crime, se tiver havido nos associados a resolução de a constituir para durar
(R.L.J. Ano 70."
In casu, houve acordo entre o recorrente e outros dois arguidos para perpetrarem crimes de falsificação de elementos identificadores de veiculos automoveis, que, com efeito, vieram a ter lugar e foram a ser objecto de condenação.
As partes transcritas do acordão recorrido, não deixam lugar a mesma duvida: cometeu o recorrente o ilicito do artigo 287, 1 - do Codigo Penal.
Fundado no que no aresto recorrido se disse sob o ponto
2.1.8 pretende o recorrente beneficiar do dispositivo do n. 4 do dito artigo 287.
Debalde porem, pois tal dispositivo não tem qualquer aplicação in casu.
Tal n. 4 preve o agente impedir a continuação do grupo ou comunicar a autoridade a sua existencia a tempo de esta poder evitar a pratica de crimes. (sublinhados nossos)
Condicionalismo que nada tem a ver com o facto de o arguido recorrente ter confessado os factos, com importancia decisiva para o apuramento dos factos.
Esta sintomatologia, favoravel sem duvida ao arguido interfere apenas em sede de dosimetria penal, na medida em que se não mostram preenchidos os requisitos do n. 4 do artigo 287.
Ora aqui chegados e mister salientar-se que pelo ilicito do artigo 287, 1, apenas foram impostos dois anos de prisão, numa moldura penal que podia ir ate aos 6 anos.
As circunstancias favoraveis achadas a favor do recorrente se devera a pena que lhe foi aplicada, certo que a prevenção geral e tambem a especial, neste caso, reclamam e exigem tratamento não benevolente em demasia.
A intensidade do dolo e a ilicitude são intensos e graves, e por outro lado a personalidade do agente não mostra que as reacções criminais sofridas lhe tenham posto na senda de uma vida correcta e sem macula.
Entendemos assim ser correcto e equilibrado ao caso a pena imposta ao arguido A.
Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, nega-se provimento ao recurso e confirma-se integralmente o decidido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 1992.
Vaz de Sequeira,
Lucena e Valle,
Lopes de Melo,
Cerqueira Vahia.
Decisão impugnada:
Acordão de 91.07.11 do Tribunal Colectivo do Seixal.