Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
072377
Nº Convencional: JSTJ00001034
Relator: MENERES PIMENTEL
Descritores: CONTA EM PARTICIPAÇÃO
PRESTAÇÃO DE CONTAS
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198802020723771
Data do Acordão: 02/02/1988
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS 1988/03/15 PÁG. 1066 A 1070 - BMJ Nº 374 ANO 1988 PÁG. 79
Tribunal Recurso: SUPREMO TRIBUNAL JUSTIÇA
Processo no Tribunal Recurso: 71650
Data: 05/03/1984
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR COM.
Legislação Nacional: CCOM888 ARTIGO 118 N4 ARTIGO 224 ARTIGO 225 ARTIGO 226 ARTIGO 227 ARTIGO 228 ARTIGO 229.
CPC67 ARTIGO 666 N3 ARTIGO 684 N3 ARTIGO 690 N1 ARTIGO 763 N1 ARTIGO 765 ARTIGO 1122 ARTIGO 1131.
DL 231/81 DE 1981/07/28 ARTIGO 31 ARTIGO 32.
DL 262/86 DE 1986/09/02 ARTIGO 3 N1 A.
CCIV66 ARTIGO 13.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC71650 DE 1984/05/03.
ACÓRDÃO STJ DE 1964/12/15 IN BMJ N142 PAG369.
ASSENTO STJ DE 1952/05/09 IN BMJ N31 PAG472 IN DG IS 1952/05/26.
Sumário :
No contrato de conta em participação, regulado pelos artigos 224 a 229 do Codigo Comercial, o associante (socio ostensivo) e obrigado a prestar contas aos associados (socio oculto), salvo havendo convenção em contrario.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - Relatorio


1 - A, B e mulher, interpuseram recurso ordinario para o tribunal pleno do Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, certificado de folha 6 a folha 10 verso e com data de 3 de Maio de 1984.


Invocaram, como acordão-fundamento, o de 15 de Dezembro de 1964, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça (BMJ), n. 142, a paginas 369 e seguintes.


2 - No acordão recorrido decidiu-se ser o "socio ostensivo" obrigado, num contrato de conta em participação regulado nos artigos 224 a 229 do Codigo Comercial (CC), "a prestar contas da exploração ao "socio oculto", com vista a distribuição de resultados, independentemente da liquidação, em caso de dissolução da conta".


No acordão-fundamento decidiu-se que o "socio ostensivo" nunca e obrigado a prestar contas ao "socio oculto".


Foi nos termos expostos que o acordão sobre a questão preliminar equacionou a questão de direito e a oposição.


3 - Os recorrentes alegaram sobre o fundo da questão e propoem a formulação de um assento no sentido oposto ao do acordão recorrido, ou seja, nestes termos:


"Antes da publicação do Decreto-Lei n. 231/81, de 28 de Julho, desde que nada tivesse sido pactuado no sentido de tal prestação de contas ser obrigatoria, o socio ostensivo de uma conta em participação não era obrigado a prestar contas ao socio oculto."


4 - Os recorridos entendem não existir oposição relevante para a formulação do assento e, no caso de assim não se considerar, propoem uma norma contraria a sugerida pelos recorrentes.


5 - O Meritissimo Procurador-Geral-Adjunto tambem entende não existir a referida oposição, mas para o caso de tal questão não proceder propõe a seguinte redacção para o assento: "No dominio dos artigos 224 a 229 do Codigo Comercial, independentemente de estipulação contratual, o socio oculto pode, na vigencia do contrato, exigir do socio ostensivo a prestação de contas."


II - Discussão e fundamentação:


A) Existencia de oposição relevante.


1 - Nos termos do artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil (CPC), nada impede que o tribunal pleno, nesta altura, venha decidir no sentido contrario ao acordão que julgou preliminarmente a invocada oposição.
Assim, vejamos se os recorridos e o Ministerio Publico (MP) tem razão quanto a não oposição dos dois acordãos.


O argumento invocado para alterar a tese do acordão de folhas 19 e seguinte e somente este:


"Enquanto no caso do acordão recorrido a conta em participação estava em plena vigencia quando os socios ocultos exigiram que os socios ostensivos prestassem contas, no aresto que se apresenta com solução oposta
(15 de Dezembro de 1964) o contrato de conta em participação fora ja dissolvido por decisão judicial." Apesar de ser exacta a apontada diferença, ela não teve qualquer influencia na solução de cada um dos casos. E a melhor forma de comprovar esta afirmação consiste na comparação entre as conclusões de um e do outro dos recursos, uma vez que o tema decidido assenta sobre elas, tal como resulta dos artigos 684, n. 3, e 690 n. 1, do Codigo de Processo Civil.


Desta maneira, quer no acordão-fundamento, quer no acordão recorrido, as conclusões das alegações dos respectivos recursos resumiram-se, ao fim e ao resto, a seguinte: nem dos artigos 224 a 229 do Codigo Comercial, nem de qualquer outra disposição legal, resulta que o socio ostensivo ou associante de uma conta em participação tenha a obrigação de prestar contas ao outro socio ou associado, pois não administra bens alheios.
No primeiro acordão julgou-se procedente esta conclusão e, por tal motivo, revogou-se a decisão da 2 instancia que sustentava tese juridica oposta; no segundo acordão julgou-se improcedente a mesma conclusão e, assim, confirmou-se a tese juridica que ja vinha sendo propugnada pelas instancias.
2 - Segundo o modelo classico para a resolução do tema da oposição, e costume exigir-se coincidencia no chamado silogismo judiciario: a premissa maior identifica-se com a norma juridica aplicavel; a premissa menor e a situação de facto, e a conclusão a sentença final.


Ora, esta coincidencia de silogismo judiciario verifica-se nos dois acordãos em analise: a premissa maior e constituida pelas mesmas normas (artigos 224 a 229 do Codigo Comercial); a premissa menor identifica-se igualmente, na medida em que em ambos os arestos estava em causa a necessidade invocada pelo autor de saber ou conhecer o saldo (positivo ou negativo) de operações de "deve e haver" estabelecidas entre aquele e o reu (no primeiro caso, o requerente expressamente afirmou, desde o inicio, não pretender a liquidação, mas tão-somente o apuramento do saldo das contas que expressassem as relações de "deve e haver"; no segundo caso, o autor e o reu apenas discutiram se, antes da liquidação de conta, existia a possibilidade de conhecer o saldo), finalmente, a conclusão foi diferente nos dois processos.


3 - Pelo exposto e salvo o merecido respeito, e meramente literal ou formal o argumento do Ministerio Publico quando salienta que no primeiro acordão a conta em participação estava ja dissolvida e que no segundo esta estaria em vigor. Meramente formal ou literal porque "dissolução" não equivale a "extinção".
A primeira, ao contrario da segunda, e um efeito e não um facto juridico. Desde a dissolução ate a extinção ou liquidação mantem-se as relações juridicas entre os contraentes ate se chegar ao apuramento final dos respectivos direitos (1) e se no novo diploma regulador do contrato de associação em participação (2) foi utilizado o termo extinção em vez de dissolução, isso aconteceu apenas porque, dada a experiencia da nossa doutrina e jurisprudencia, era de recear que, mantendo-se a segunda expressão, tal concorresse para equiparar este contrato especial com o das sociedades comerciais, o que foi considerado inconveniente (3).
Parece, assim, ter ficado demonstrada a inutilidade (para o efeito de os dois acordãos se considerarem não contraditorios) do facto de no primeiro a conta em participação ja estar dissolvida, embora não liquidada, e de no segundo ainda não ter ocorrido aquela dissolução.


4 - O que acaba de ser referido concretiza ou exemplifica o pensamento legislativo quando, substituido em 1961 o Codigo de Processo Civil de 1939, se alterou no artigo 765 a expressão "dois acordãos opostos sobre a mesma questão de direito" para "dois acordãos que, relativamente a mesma questão fundamental de direito, assentam sobre soluções oposta". Com efeito, o sentido da alteração foi assim explicado:


"O Supremo tem recusado a admissão do recurso em casos em que se julga manifesta a oposição dos acordãos sobre a mesma questão essencial de direito, a pretexto de diferenças de pormenor que nunca sera dificil descortinar entre diferentes especies de facto.


So para vincar expressamente a ideia - que ja estava, alias, no pensamento do legislador de 1939 - de que a oposição, que serve de fundamento ao recurso, existe sempre que os acordãos marquem posições diferentes em relação a mesma questão fundamental, se deu nova redacção a parte introdutoria do artigo. Quer isto dizer que, para apreciar a oposição invocada pelo recorrente, o tribunal tem de separar, nas questões decididas pelos acordãos, aquilo que e o nucleo essencial do problema juridico solucionado do que não passa de mero acidente ou pormenor sem relevancia para a solução firmada num e noutro."(4)


Por assim ser, não se entende muito bem como e que o ilustre magistrado do Ministerio Publico sustenta ter sido incidental a afirmação feita nos acordãos sobre a circunstancia de a "prestação de contas" ter sido pedida "durante a vigencia do contrato". E que, conforme ja expos, e esta a questão essencial ou fundamental decidida de maneira diversa nos dois arestos em causa.


Nestes termos, verificam-se os tres pressupostos indispensaveis para se concluir pelo preenchimento do exigido na segunda parte do artigo 763, n. 1, do Codigo de Processo Civil: nos dois acordãos e identica a situação de facto; em ambos houve expressa resolução de uma questão de direito, e a oposição respeita as decisões e não aos seus fundamentos. Por outro lado, os dois acordãos foram proferidos no dominio da mesma legislação (artigos 224 a 229 do Codigo Comercial) em processos diferentes e ninguem pos em duvida o transito em julgado do acordão-fundamento.


Assim, ha que conhecer e decidir sobre o objecto do recurso.
B) A questão a decidir:


1 - Os recorrentes, nas suas alegações de folhas 23 e seguintes, mostram-se surpreendidos por ainda não terem conseguido fazer triunfar a sua tese, ou seja, a inexistencia legal, no contrato de conta em participação, da obrigação de prestar contas por parte do chamado socio ostensivo relativamente ao denominado socio oculto. Vejamos, pois, a questão com o possivel detalhe.


2 - Como se trata de justificar um assento, parece aconselhavel tentar esboçar uma construção dogmatica, sem esquecer, como e obvio, o caso concreto a decidir.


No ultimo balanço conhecido e bem fundamentado sobre a controvertida questão da natureza juridica da conta em participação (5) alinharam-se assim as duas correntes: a favor da tese identificadora com o instituto societario pronunciaram-se Adriano Antero, Barbosa de Magalhães, Cunha Gonçalves, Costa Nora, Rocha Souto e alguma jurisprudencia; contra esta identificação apontam-se Veiga Beirão, J. M. Barbosa de Magalhães, Jose Tavares, Galvão Telles, Raul Ventura e alguma jurisprudencia.

Recentemente, surgiu um importante acordão do Supremo Tribunal de Justiça (relatado pelo ilustre conselheiro Oliveira Carvalho), bem como uma desenvolvida anotação de Vaz Serra (6). Enquanto o acordão considera a conta em participação como "um contrato sui generis e não uma sociedade perfeita e regular", ja Vaz Serra e de parecer que ela e uma sociedade por satisfazer aos requisitos que o artigo 980 do Codigo Comercial exige para esse efeito. Este professor, que, a proposito da larga investigação que precedeu o actual Codigo Comercial, tão exaustivamente descreveu o contrato da sociedade civil, afirma que tanto o associante (impropriamente tambem designado por socio ostensivo) como o associado (incorrectamente designado por socio oculto) "se obrigam a contribuir com bens ou serviços (acaso de pouca importancia por parte do associado) para o exercicio em comum de certa actividade economica, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade".
3 - Surpreende como Vaz Serra, tendo lido com tanta atenção o estudo de Raul Ventura (7), a ponto de, com todo o rigor que lhe e conhecido, fazer extensas transcrições deste ultimo, não ter considerado a critica certeira formulada a corrente a que aderiu.
Com efeito, Raul Ventura denuncia o vicio de raciocinio da tese em referencia nestes termos sugestivos:
A nossa doutrina tem tido - ou parece ter tido - apenas em vista hipoteses em que cada uma das partes destina certos bens a associação, mas cai num circulo quando, por um lado, considera essa destinação juridicamente consistente numa colocação dos bens em comum porque a conta em participação e uma sociedade e, por outro lado, qualifica a conta em participação como sociedade porque ha colocação dos bens em comum.
Embora a tese de Vaz Serra não incorra no apontado circulo vicioso, o certo e que tem em vista apenas as hipoteses em que cada uma das partes destina certos bens a associação, o que, perante o nosso enquadramento legal (artigo 224 do Codigo Comercial), não e exacto. Se o associado efectua uma contribuição, ja o mesmo não sucede com o associante, que se limita a interessar aquele nos seus ganhos e perdas.
Assim, estes ou estas pertencem ao comerciante que faz interessar neles outra pessoa. Sendo assim, os ganhos e perdas são obtidos por uma qualquer via que permita ao associante considera-los seus e não se esta a ver que esse meio prescinda da titularidade sobre os seus bens patrimoniais (8).
Acresce que tambem falta a conta em participação outro dos requisitos exigidos por lei para a caracterização de um contrato como de sociedade: e o exercicio em comum de certa actividade economica.
De facto, exercicio em comum não e seguramente o exercicio de uma actividade por uma so pessoa, embora tenha em vista interesses de uma outra ligada aquela por um negocio juridico (9).
Ha ainda quem veja na fundamentação do Assento de 9 de Maio de 1952 ("o processo estabelecido nos artigos 1122 e seguintes do Codigo de Processo Civil e o meio proprio para a liquidação da conta em participação") a consagração da tese da sociedade, mas apos a critica de Galvão Telles (10) ja ninguem sustentara esse ponto de vista.
4 - Excluida a tese da sociedade, vejamos agora a sustentada pelo acordão do Supremo referido no n. 2: a conta em participação constitui um contrato sui generis e não uma sociedade perfeita e regular, pertencendo os bens que juridicamente lhe estão afectos ao associante ou participe, como resulta do seu regime juridico.
A solução ou caracterização do acordão aproxima-se mais da tese sustentada por Galvão Telles (11) e que assim foi resumida por Raul Ventura: se a conta em participação não e uma sociedade, tem semelhanças com as sociedades e, em particular, com as comerciais, e tanto naquela como nestas ha mais de uma pessoa com interesse nos resultados aleatorios de uma actividade mercantil, visto que a todos tocara, em termos que alias podem variar, uma parte desses resultados.
Do confronto entre as duas teses (sociedade ou negocio juridico atipico) verifica-se, porem, não existir uma total oposição entre ambas: enquanto os defensores da caracterização como sociedade terminam por dizer tratar-se de uma sociedade de natureza especial, os que perfilham a opinião negativa procuram aplicar a conta em participação, em toda a medida possivel, o regime das sociedades. E esta especie de conciliação ou de "abrandamento dos efeitos" tem um objectivo claro: procurar o preenchimento das lacunas da regulamentação legal da "conta" atraves dos preceitos reguladores das sociedades. Todavia, como refere Raul Ventura, quer uma quer outra das teses não resolve satisfatoriamente o problema ou, antes, não consegue correctamente o citado objectivo, pois "admitida a especialidade da conta em participação relativamente as sociedades, para cada ponto omisso deveria perguntar-se se a especialidade não repele a analogia e assim se voltara a abrir as questões que se julgava ter fechado" (12).
5 - Do exposto, parece mais aconselhavel seguir a tese ou a analise de Raul Ventura: face ou perante o conceito portugues de sociedade (atras referido), a associação em participação não e uma sociedade. Ora, constituindo este conceito um elemento fixo imposto pelo legislador ao interprete, aquela "conta" não pode ser sociedade (13). Mas, então, o que sera? Fundamentalmente e para cobrir todas as modalidades deste negocio juridico-mercantil, existem tres elementos para o caracterizar: a actividade economica de uma pessoa, participação de outra pessoa nos lucros ou perdas daquela actividade, e a estrutura associativa.
Alias - e isto e fundamental -, estes tres elementos respeitam o artigo 224 do Codigo Comercial, que procura definir a associação em participação. Desta maneira, parece ser a melhor opção a que identifica esta "conta" com um tipo de contrato de caracter associativo. Como e sabido, o contrato associativo contrapõe-se ao contrato comutativo, porque neste, ao contrario daquele, cada uma das partes sabe que, a surgir efeito o contrato, da e recebe e quanto da e quanto recebe. No contrato associativo (ou aleatorio) "as partes tem em vista uma possibilidade de ganho ou perda, no sentido de possibilidade de so receber ou so dar, ou receber mais ou menos do que se da" (14).
6 - Como ja se disse, o problema da caracterização da "conta" tem interesse para o preenchimento das lacunas e a questão a decidir, ja que os artigos 224 a 229 do Codigo Comercial (hoje revogados pelo Decreto-Lei n. 231/81, de 28 de Julho) eram omissos sobre o problema a decidir. Se se tivesse optado pela caracterização como sociedade, o problema estava resolvido, na medida em que o artigo 118, n. 4, do Codigo Comercial [hoje revogado pelo artigo 3, n. 1, alinea a), do Decreto-Lei n. 262/86, de 2 de Setembro, que aprovou o Codigo das Sociedades Comerciais], e expresso em obrigar todo o socio a prestar contas justificadas do mandato social. Mas, configurando a "conta" com um contrato associativo, a solução tambem se afigura igual, pois "tem de prestar contas todo aquele que trata de negocios alheios ou de negocios proprios e alheios" (15). Com efeito, todos os preceitos da lei substantiva ou adjectiva que expressamente obrigam a prestação de contas constituem simples aplicação ou revelação de um principio geral (16). Ora, na associação em participação existe igualmente uma gerencia que, por definição legal e exercida em nome proprio mas no interesse comum; o associante (socio ostensivo) administra mas não representa, porque a lei não da projecção a "conta" para com terceiros (17); o mesmo associante, nas relações externas, não se apresenta como "gerente", mas nas internas o interesse comum serve para aferir a sua actividade. Assim, o "socio ostensivo" trata efectivamente de negocios proprios e dos do "socio oculto", ou, antes, administra no interesse de ambos (e evidente que o que se acaba de referir nada tem com a errada opinião de existir um fundo patrimonial comum nas relações internas de associante e associado).
7 - O acordão-fundamento (15 de Dezembro de 1964) argumenta assim: a) Não se encontra nos artigos 224 a 229 do Codigo Comercial ou em qualquer outra disposição legal a determinação de o socio ostensivo de uma conta em participação ser obrigado a prestar contas; b) Pelo contrario, o artigo 228 indica que apos a dissolução se segue a liquidação; c) Admite-se que entre os associados de uma conta em participação possa existir um fundo comum, mas a sua divisão tem de realizar-se no processo de liquidação, como consta dos fundamentos do Assento de 9 de Maio de 1952, e esta hoje consagrado legalmente no artigo 1131 do Codigo de Processo Civil.
Que dizer?
8 - A primeira parte do primeiro argumento (não regularem o caso os artigos 224 a 229 do Codigo Comercial) esta certa, mas tudo o resto, salvo o merecido respeito pelos dois ilustres conselheiros que fizeram vencimento, não se pode admitir.
Em primeiro lugar, como se viu no n. 6, constitui principio geral que quem trata de negocios alheios e obrigado a prestar contas e ninguem duvidara de que o associante, alem de tratar do seu interesse, tambem trata dos interesses daquele que chamou a participar (associado).
Depois o artigo 228 do Codigo Comercial não indica o que se refere no dito acordão. O que impede a interposição de uma fase de prestação de contas? O conceito de dissolução, utilizado para este caso de "conta em participação", tem conotação com o contrato da sociedade, mas não envolve a identificação daquela com este pelos fundamentos ja mencionados atras, acrescentando-se agora ser o argumento profundamente errado, visto partir de "uma simples coincidencia de palavras para determinar a natureza juridica de um instituto" (18). Ora, tendo-se demonstrado a não analogia da "conta" com o contrato de sociedade, a dissolução para um contrato associativo (tese defendida) tem significado diverso do utilizado para o direito das sociedades. De qualquer forma, mesmo que se identificasse dissolução com extinção, ficariam ainda a existir relações entre os contraentes da conta em participação para se chegar ao apuramento final dos respectivos direitos (conferir o n. 3 da secção A desta II parte) e, por assim ser, o "socio ostensivo" (associante), como se justifica atras, fica obrigado a prestar contas ao "socio oculto" (associado). Desta maneira, tambem não tem razão, salvo o merecido respeito, Alberto dos Reis (19).
Por outro lado, o tema em debate não consiste em saber se a dissolução se segue necessaria e exclusivamente a liquidação, tal como se explicou quando se tratou da oposição entre os dois acordãos (o recorrido e o anterior).
Resta o argumento descrito na alinea c) do n. 7 anterior: assinale-se, desde ja, não existir qualquer fundo comum entre associante e associado. A este respeito nunca se atentou devidamente no artigo 224 do Codigo Comercial; aqui se diz expressamente que os "ganhos ou perdas" pertencem ao "socio-ostensivo".
Consequentemente, a doutrina do mencionado assento, hoje consagrada no artigo 1131 do Codigo de Processo Civil, apenas diz o que la esta e nada mais: serem aplicaveis a liquidação da conta em participação, com as necessarias adaptações, as disposições da liquidação em beneficio dos socios. Ora uma destas adaptações tem de ser a resultante da inexistencia de patrimonio comum. Tambem aqui se devera acentuar não ser este o tema a decidir, como deriva do que se refere na parte da oposição motivadora do assento a proferir.

9 - Um outro aspecto importante, alias arredado pelo douto acordão recorrido, urge ponderar, qual seja o de saber se o Decreto-Lei n. 231/81, de 28 de Julho (20), pode ser considerado, na parte reguladora do contrato da associação ou participação, como interpretativo da lei antiga (artigos 224 a 229 do Codigo Comercial).
Segundo Baptista Machado (21), para que uma lei nova seja realmente interpretativa são necessarios dois requisitos:
A solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta;
A solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controversia e seja tal que o julgador ou o interprete a ela pudessem chegar sem ultrapassar os limites impostos a interpretação e aplicação da lei.
Ora, o diploma de 1981 prescreve expressamente no seu artigo 31 a obrigação do "socio ostensivo" (associante) prestar contas ao "socio oculto" (associado) e, por outra banda, esta solução não so sera controvertida, como vimos, na lei anterior, como tambem a ela se podia chegar, neste dominio da lei velha, sem romper ou ultrapassar os limites mencionados quanto a realização do direito.
Julga-se, pois, a nova lei como interpretativa do direito anterior e, como tal, integra-se, nos termos do artigo 13 do Codigo Comercial, na lei interpretada.
III - Decisão.
Perante os fundamentos expostos na II Parte deste acordão, nega-se provimento ao recurso, com custas pelos recorrentes, formulando-se o seguinte assento:
" No contrato de conta em participação, regulado pelos artigos 224 a 229 do Codigo Comercial, o associante (socio ostensivo) e obrigado a prestar contas ao associado (socio oculto), salvo havendo convenção em contrario".

Lisboa, 2 de Fevereiro de 1988

Jose Meneres Pimentel - Soares Tome - Salviano de Sousa - Cesario Dias Alves - Cura Mariano - Fernandes Fugas - Abel Delgado - Jose Saraiva - Jose Calejo - Antonio Poças - Jose Domingues - Pinheiro Farinha (com a declaração de que não considerou o Decreto-Lei n. 231/81 interpretativo do direito anterior) - Melo Franco - Solano Viana (voto o assento com a declaração de que entendo não dever considerar-se o Decreto-Lei n. 231/81 como lei interpretativa do direito anterior) - Joaquim Figueiredo - Pedro de Lima Cluny - Silvino Villa Nova - Almeida Ribeiro - Licinio Caseiro - Frederico Batista - Julio dos Santos - Rodrigues Gonçalves - Manso Preto - Pinto Gomes - Gama Prazeres - Gama Vieira - Almeida Simões
- Alcides de Almeida.