Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
826/18.9T8CTB.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 05/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. - Para além de danos de natureza não patrimonial, a afectação da integridade físico-psíquica de que o lesado fique a padecer é susceptível de gerar danos patrimoniais, caso em que a indemnização se destina a compensar não só a perda de rendimentos pela incapacidade laboral, mas também as consequências dessa afectação, no período de vida expectável, seja no plano da perda ou diminuição de outras oportunidades profissionais e/ou de índole pessoal ou dos custos de maior onerosidade com o desempenho dessas actividades.

II. - A par da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496º nº 1 do Código Civil).

III. - O seu montante será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º (artigo 496º nº 4 do Código Civil), designadamente as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo esquecer-se ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - RELATÓRIO 


O autor AA, intentou acção com processo comum, contra a ré Seguradoras Unidas, SA, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 108.731,49, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, ter sofrido um acidente de viação provocado por culpa exclusiva do condutor do veículo ligeiro de matrícula ...-…-JO, cuja responsabilidade civil emergente dos danos causados pela circulação deste tinha sido transferida para a seguradora ré.

Assim, pretende o autor ser ressarcido dos danos que sofreu em consequência do mencionado acidente de viação e que consistiram, desde logo, na perda dos rendimentos que auferiria como jogador federado ....., os quais ascenderiam ao montante global de € 25.700,00.

Por outro lado, o autor solicita também a condenação da seguradora ré no pagamento da quantia de € 50.000,00, face à repercussão que as sequelas decorrentes do acidente terão na sua qualidade de vida e ao impacto que terão na sua actividade quotidiana, bem como no pagamento do montante de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais.

Por último, solicita o autor que a ré seja condenada no pagamento da quantia de € 459,00, correspondente ao montante despendido com a realização de consultas de ortopedia, de € 1.045,97, correspondente ao custo dos exames e tratamentos a que se submeteu, de € 67,18, correspondente ao preço dos medicamentos que adquiriu e às taxas moderadoras que pagou, de € 25,00, correspondente ao custo do transporte efectuado pelos Bombeiros ......., e de € 1.434,34, correspondente às despesas de deslocação e alimentação por si suportadas.


Contestou a ré, impugnando parte dos factos descritos na petição inicial, confirmando ter assumido, perante o autor, a responsabilidade pelos danos provocados em consequência do referido acidente de viação, sustentando, no entanto, que os montantes peticionados são excessivos.

Em 09.07.2020 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 11.353,45, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde o dia 9 de Maio de 2018 até integral pagamento, bem como a quantia de € 60.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde a data da presente sentença até integral pagamento.

Mais decidiu absolver a ré do pedido de pagamento da restante quantia peticionada.


A ré apelou e a Relação, por acórdão de 12.01.2021, julgou o recurso parcialmente procedente e reduziu a indemnização pelo dano biológico e pelos danos não patrimoniais, nos termos que ficaram discriminados, para € 40.000,00, mantendo-se a sentença quanto ao resto.

O autor interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª – Além do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica quantificável em três pontos de que o autor ficou afectado, bem como os esforços acrescidos que o mesmo tem de desenvolver para exercer a sua actividade profissional de engenheiro ............, também a perda da faculdade de prática de actividade desportiva, que resulta da matéria de facto provada, integra o dano biológico e, consequentemente, é relevante no arbitramento da respetiva indemnização.

2ª - A factualidade provada sob os pontos 54, 55, 57, 60, 61, 63 e 66 da sentença proferida é bem demonstrativa da existência da perda da faculdade da prática de actividade desportiva, que, in casu, era federada - o que aumenta ainda mais a sua relevância em termos indemnizatórios -, bem como da prática de todos os desportos que exijam esforço ou velocidade, e que, quanto ao dano biológico, não foi tida em consideração pelo Tribunal da Relação para fixação da indemnização.

3ª - Apesar do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do autor ter sido fixado em apenas três pontos, reportando-se a limitações detectadas numa área corporal limitada, isto é, ao joelho esquerdo, tal circunstância impede-o, em absoluto, de manter a actividade desportiva de ........... federado a que antes se dedicava, uma vez que, face à perda de destreza que sente ao nível do joelho esquerdo, encontra-se impedido de correr, saltar e praticar desporto que exija esforço físico ou velocidade.

4ª - As sequelas de que o autor padece, em consequência do acidente de viação de que foi vítima, exigem esforços acrescidos e suplementares para o exercício da sua actividade profissional, pese embora não o impeçam de a exercer, sendo certo que as limitações por si sofridas ao nível do joelho esquerdo revelam-se bastante significativas, já que, conforme resultou provado, sente dores, o que limita a sua permanência em pé durante períodos prolongados, a execução de determinados movimentos corporais, como sejam ajoelhar-se e colocar-se de cócoras, e condicionam a sua marcha, mobilidade e destreza.

5ª - À data do acidente, o autor contava apenas 24 anos de idade, o que significa que, por ser pessoa bastante jovem, terá que conviver com as limitações que lhe foram provocadas durante um período de vida muito significativo, tendo em conta a esperança média de vida que, actualmente, se encontra fixada nos 78 anos de idade para indivíduos do sexo masculino.

6ª - O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que o autor ficou a padecer, valorizável em três pontos, a sua tenra idade à data do acidente e, em particular, a perda da faculdade de prática de actividade desportiva federada, são suficientes para corroborar a indemnização arbitrada nos presentes autos pela 1ª instância no valor de € 30.000,00 (trinta mil euros), a qual não se mostra, de todo, desajustada ou desadequada, em comparação, sobretudo, com a jurisprudência invocada pelo próprio Tribunal da Relação, pelo que, quanto a esta parte, deve revogar-se o acórdão proferido.

7ª – A realização de sessões de fisioterapia durante cerca de sete meses, a submissão a um tratamento com hexacetonídeo, a duas infiltrações articulares ao joelho esquerdo, assim como a plasmaferese e a transfusão ou perfusão intravenosa ao joelho esquerdo, os quais foram dolorosos e prolongados, a fixação do quantum doloris no grau quatro numa escala com sete graus de gravidade crescente, o dano estético de que padece em função das duas cicatrizes que apresenta no joelho, tendo o mesmo sido fixado no grau dois numa escala com sete graus de gravidade crescente, a impossibilidade de o autor se dedicar a qualquer actividade desportiva que exija esforços, nomeadamente a prática ........... federado, tanto mais que foi avaliada como consubstanciando um dano de grau quatro, numa escala com cinco graus de gravidade crescente, a ligeira claudicação de que padece, as limitações que, ainda hoje, sente ao nível da realização de determinados movimentos com o joelho esquerdo, o desconforto ao subir e descer escadas e a deambulação em pisos irregulares e em planos inclinados, bem como a dor que sente quando permanece longos períodos de pé, fundamentam os sentimentos de profunda tristeza, desgosto e frustração considerados provados, que são bem demonstrativos de que a gravidade dos danos de natureza não patrimonial sofridos pelo autor é muito elevada.

8ª - Do conjunto de exemplos de jurisprudência vertido no acórdão recorrido, resulta, sobretudo através do primeiro acórdão identificado, relativo ao processo nº 7614/15.2T8GMR.G1.S1, de 29/10/2019, por ser o mais semelhante e onde foi arbitrada uma compensação no valor de € 30.000,00, que a indemnização fixada nos presentes autos pela 1ª instância mostra-se  adequada e justa quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, desde logo pela similitude entre os mesmos, nomeadamente quanto aos tratamentos realizados, à fixação do quantum doloris no grau quatro, às limitações sentidas ao nível da realização de determinados movimentos, flexão e cócaras, à afectação das actividades desportivas, sendo certo que no caso dos autos diversamente existe um total afastamento da prática de desporto federado, o que constitui para aquele, que era atleta federado ..........., fundamento de profunda tristeza e frustração e, por isso, deve ter maior relevância, ao que acresce o dano estético sofrido, valorizável no grau dois numa escala com sete graus de gravidade crescente, a ligeira claudicação de que padece, bem como a diferença de idades, uma vez que, naquele caso exemplificativo, trata-se de um indivíduo com 34 anos e, no caso sob judice, de um jovem com menos 10 anos de idade do que aquele, o que, tudo conjugado, e, em conformidade com a jurisprudência invocada, deve conduzir à fixação de uma indemnização de igual montante, como bem decidido pela Mmª Juiz do Tribunal ............

9ª - Pelo que, por isso, também quanto à compensação fixada relativa aos danos não patrimoniais, deve revogar-se a douta decisão proferida pelo venerando Tribunal da Relação ………, elevando-se a indemnização em causa para a quantia de € 30.000,00, em conformidade com o anteriormente decidido pela Mmª Juiz de 1ª instância, e que, no fundo, não diverge do que vem sendo decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

10ª – A decisão vertida no acórdão recorrido quanto às indemnizações fixadas relativamente ao dano biológico e aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor viola, assim, o disposto nos artigos 496º, nºs 1 e 4, 564º, 566º, nº 3, todos do Código Civil, pelo que deve revogar-se, proferindo-se decisão, quanto a estes danos, que mantenha a sentença proferida pela 1ª instância, que condene a ré no valor global de € 60.000,00.


A ré contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, confirmando- se o acórdão recorrido.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto


Mostram-se provados os seguintes factos:

1º - No dia … de Novembro de 2015, por volta das 20:00 horas, na Rua ......, junto do entroncamento com a Rua ............., ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de matrícula ...-...-JO e o motociclo de matrícula ...-LI-... conduzido pelo autor.

2º - Nessas circunstâncias de espaço e de tempo, o autor circulava na Rua ............... no sentido ……

3º - O veículo ligeiro de matrícula ...-...-JO circulava na mesma rua no sentido .............

4º - No local onde a Rua ............ entronca com a Rua ............., o veículo ligeiro de matrícula ...-...-JO embateu no motociclo conduzido pelo autor.

5º - No local onde ocorreu o embate a estrada tem duas vias de trânsito, uma em cada sentido de marcha.

6º - Nesse local a faixa de rodagem tem 7,20 metros de largura e está dividida por uma linha longitudinal descontínua, marcada ao longo do meio da via, que se desdobra em duas linhas descontínuas.

7º - No sentido de marcha em que o autor circulava a estrada configura uma recta, seguida de uma curva ligeira à esquerda, sendo o trânsito regulado por um sinal luminoso que precede o entroncamento mencionado em 1º.

8º - No sentido de marcha em que circulava o veículo de matrícula ...-...-JO o trânsito é regulado por sinalização luminosa que precede o mesmo entroncamento.

9º - No momento em que ocorreu o embate o semáforo que regula o trânsito no sentido de marcha do autor apresentava a luz verde acesa.

10º - No mesmo momento o semáforo que regula o trânsito no sentido oposto apresentava-se verde relativamente aos veículos que seguissem em frente e amarelo intermitente para os veículos que mudassem de direcção à esquerda, no sentido da Rua ................

11º - O veículo de matrícula ...-...-JO circulava atrás de um veículo de transporte colectivo de passageiros que prosseguiu a sua marcha em frente.

12º - Nas circunstâncias mencionadas, o condutor do veículo de matrícula ...-...-JO mudou de direcção para a esquerda, invadindo a hemifaixa de rodagem em que circulava o motociclo conduzido pelo autor, no qual embateu.

13º - O condutor do veículo ligeiro de matrícula ...-...-JO efectuou a referida manobra de mudança de direcção sem verificar se da mesma resultaria perigo para os restantes utilizadores da via e sem se certificar de que não circulava nenhum veículo na hemifaixa de rodagem contrária.

14º - A parte da frente, do lado direito, do veículo ligeiro de matrícula ...-...-JO embateu na parte da frente do motociclo conduzido pelo autor.

15º - Em consequência do embate, o motociclo conduzido pelo autor sofreu danos na chaparia, no chassis e nos órgãos mecânicos e eléctricos.

16º - Após o embate o motociclo conduzido pelo autor ficou tombado no chão, imobilizado no centro da hemifaixa de rodagem em que seguia, com a parte da frente virada para ...............

17º - O veículo ligeiro de matrícula ...-...-JO ficou imobilizado no centro da faixa de rodagem, com a traseira na hemifaixa de rodagem em que seguia e com a dianteira na hemifaixa de rodagem destinada à circulação de trânsito em sentido contrário.

18º - À data do acidente o motociclo de matrícula ...-LI-... pertencia ao autor.

19º - O veículo de matrícula ...-...-JO pertencia a BB e era conduzido pelo seu filho CC.

20º - Mediante carta datada de 28 de dezembro de 2015, a ré comunicou ao autor o seguinte:

“Reportando-nos ao sinistro em título, de cuja regularização nos estamos a ocupar, cumpre-nos informar que, de acordo com as diligências efetuadas pelos nossos serviços técnicos, estamos a assumir a responsabilidade pela regularização dos danos decorrentes do presente sinistro.

Nesta conformidade, agradecemos que, para nossa análise, nos remeta as despesas que suportou com o sinistro em referência, devidamente justificadas e acompanhadas dos originais de faturas/recibos comprovativos do respetivo pagamento.”.

21º - À data do acidente a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros em consequência da circulação do veículo de matrícula ...-...-JO encontrava-se transferida para a seguradora ré.

22º - Mediante carta datada de 22 de Janeiro de 2016, a ré comunicou ao autor, para além do mais, o seguinte:

“No seguimento da vistoria efetuada, constatámos que o veículo de V. Exa sofreu danos cuja reparação se torna excessivamente onerosa face ao seu valor de mercado antes do acidente.

Na situação em concreto, considerando o valor estimado para a reparação na oficina L……… (2.868,79€), a melhor proposta de aquisição da sua viatura com danos (190,00€), bem como o seu valor de mercado antes do acidente (1.250,00€), colocamos à disposição de V. Exa. a quantia de 1.060,00€, mantendo V. Exa. a posse do veículo danificado do qual pode dispor livremente, contra a exibição dos documentos do veículo, documento de identificação e NIF do proprietário e declaração de extinção de reserva de propriedade (caso exista). (…).”.

23º - Na sequência das negociações estabelecidas entre as partes, a ré pagou ao autor a quantia de €1.060,00, correspondente ao ressarcimento do prejuízo inerente ao valor do motociclo, ficando o salvado a pertencer ao autor.

24º - A ré pagou ainda ao autor a quantia de € 444,24 a título de despesas de deslocação e € 220,00 para ressarcimento dos prejuízos sofridos em virtude de o capacete, as calças de ganga, o Kispo e o cinto do autor terem ficado danificados.

25º - Em consequência do embate, o autor caiu na faixa de rodagem, junto da escadaria existente no passeio do lado direito, atento o sentido de marcha em que seguia.

26º - Em consequência do embate, o autor sofreu lesões nos membros inferiores e no abdómen.

27º - Na sequência do acidente, o autor foi transportado, de ambulância, para o Serviço de Urgência do Hospital …......., onde foi observado e submetido a exames e tratamentos.

28º - Depois de examinado e tratado, o autor foi medicado e encaminhado para o domicílio, ainda no mesmo dia.

29º - No dia seguinte, o autor apresentava o joelho esquerdo inchado e, por isso, foi transportado até ao Hospital ............ em ambulância dos Bombeiros…..........

30º - Nessa ocasião foi-lhe extraído líquido do joelho esquerdo.

31º - No dia 19 de Novembro de 2015 e nos dias 7, 10, 14, 16, 21 e 23 de Dezembro de 2015, o autor foi submetido a tratamentos realizados no Centro de Saúde ACES ............., onde lhe foi aplicado “penso a lesão aberta (perda de epiderme)” e “penso simples”.

32º - Após a alta hospitalar, o autor permaneceu cerca de dois meses em casa, em repouso, após o que retomou a marcha com o apoio de duas canadianas.

33º - Após o acidente, o autor deslocou-se a uma consulta de ortopedia na Clínica Médica F……, tendo sido seguido pelo Dr. DD.

34º - Nessa Clínica foi-lhe prescrita a realização de Ressonância Magnética a ambos os joelhos.

35º - No dia 28 de Dezembro de 2015 o autor deslocou-se ao Centro Médico E………, em ..........., a fim de ser submetido à realização das referidas ressonâncias magnéticas.

36º - Por motivos a que o autor foi alheio, as mesmas não se realizaram nesse dia, tendo sido reagendadas para o dia 4 de Janeiro de 2016, data em que o autor se deslocou novamente ao referido Centro Médico.

37º - A ressonância magnética realizada ao joelho esquerdo do autor revelou a existência de rotura do ligamento cruzado posterior, associada a rotura parcial do ligamento lateral interno e a foco de tendinite proximal do tendão rotuliano e, ainda, marcado derrame articular, bursite pré-rotuliana e contusão do planalto tibial.

38º - A ressonância magnética realizada ao joelho direito do autor revelou contusão rotuliana associada a distensão da bursa e pequena distensão proximal do ligamento lateral interno.

39º - O autor passou a ser seguido no ………, em clínica médica indicada pela ré, onde frequentou consultas de ortopedia e lhe foram prescritas sessões de fisioterapia que realizou na Clínica …………, na ......., durante cerca de sete meses, para recuperação funcional e alívio da sintomatologia álgica.

40º - Entretanto, o autor procurou apoio clínico especializado na Clínica  ………, onde foi observado e examinado em consultas de ortopedia realizadas nos dias 29 de Janeiro de 2016 e 5 de Fevereiro de 2016.

41º - No dia 29 de Janeiro de 2016, o autor foi submetido, nessa clínica, a uma ressonância magnética do joelho esquerdo, com P-KTD, e a RX ao mesmo joelho, os quais revelaram a existência de rotura parcial do ligamento cruzado posterior, contusão óssea na vertente anterior do planalto tibial e derrame articular discreto.

42º - No mês de setembro de 2016 os serviços clínicos da ré deram alta ao autor.

43º - No dia 25 de novembro de 2016 o autor foi submetido, na Clínica ……......., a nova ressonância magnética do joelho esquerdo, tendo a mesma revelado a existência de derrame articular discreto, discretos aspectos de subluxação da rótula e condromalacia patelar ligeira.

44º - No dia 2 de Dezembro de 2016 o autor foi submetido, na Clínica …......., a um tratamento com hexacetonídeo e infiltração articular ao joelho esquerdo.

45º - No dia 9 de Dezembro de 2016 o autor foi submetido, na mesma clínica, a uma outra infiltração articular, assim como a plasmaferese e a transfusão ou perfusão intravenosa ao joelho esquerdo.

46º - No dia 25 de Janeiro de 2017 o autor deslocou-se a uma última consulta de ortopedia na Clínica …........

47º - Devido às lesões que sofreu em consequência do acidente, aos tratamentos a que foi submetido e às sequelas de que padece, o autor sentiu e ainda sente dores no joelho esquerdo.

48º - O autor continua a apresentar gonalgia bilateral mais intensa à esquerda e dores na região lombo-sagrada, as quais condicionam a sua marcha, mobilidade e destreza.

49º - O autor continua a ter dificuldade em ajoelhar-se e colocar-se de cócoras.

50º - O autor sente desconforto ao subir e descer escadas, assim como na deambulação em pisos irregulares e em planos inclinados.

51º - O autor sente dor quando permanece longos períodos de pé.

52º - O autor deambula com discreta claudicação à esquerda, em apoio plantígrado e sem necessidade de apoio externo.

53º - O autor tem sensação de instabilidade no joelho esquerdo, não sentido confiança no mesmo quando tem que o sobrecarregar.

54º - O autor sente perda de destreza ao nível do joelho esquerdo, o que o impede de correr, saltar e praticar desporto.

55º - À data do acidente o autor era jogador federado ..........., integrando a equipa sénior da Associação Desportiva ………, em ............

56º - A Associação Desportiva ............... venceu o campeonato nacional da 3ª Divisão na época 2015/2016.

57º - As sequelas apresentadas pelo autor em consequência do acidente por si sofrido impedem-no de retomar a prática desportiva federada.

58º - A Associação Desportiva ............... e o autor acordaram que, na época desportiva de 2015/2016, aquela pagaria a este a quantia mensal de €100,00 entre os meses de Setembro de 2015 e Maio de 2016, correspondente à remuneração devida pela prática ........... federado na 3ª Divisão do campeonato nacional.

59º - Em consequência do acidente de que foi vítima, o autor deixou de receber a quantia mensal acordada com a Associação Desportiva ............... a partir do mês de Novembro de 2015.

60º - Os jogadores federados ........... terminam as suas carreiras desportivas, em média, com 35 anos de idade.

61º - O autor era um jogador com qualidades físicas e técnicas para a prática de ........... reconhecidas pelo seu treinador.

62º - Na época desportiva de 2016/2017 a equipa ........... da Associação Desportiva ............... disputou o campeonato nacional da 2ª Divisão, onde se manteve.

63º - O autor ficou impossibilitado de praticar quaisquer outros desportos que exijam esforço físico ou velocidade.

64º - As limitações para a prática desportiva e o abandono da prática .... federado representam para o autor um dano valorizado no grau 4, numa escala com cinco graus de gravidade crescente.

65º - Tais limitações e abandono provocam ao autor enorme tristeza e frustração.

66º - O autor nasceu no dia 26 de Janeiro de 1991.

67º - Quando ocorreu o acidente, o autor tinha concluído recentemente o mestrado em .... …. na Universidade ......

68º - Nessa altura, o autor ainda não exercia qualquer atividade profissional.

69º - O autor tinha planeado procurar emprego nos meses subsequentes, o que não pôde fazer por causa das lesões que sofreu em consequência do acidente.

70º - O autor iniciou a sua actividade profissional como engenheiro …. no mês de Fevereiro de 2017, em ......

71º - Em consequência do acidente o autor sofreu um período de défice funcional temporário total de dois dias.

72º - O autor sofreu um período de défice funcional temporário parcial de duzentos e noventa dias.

73º - Em consequência do acidente que sofreu, o autor terá que desenvolver esforços acrescidos para exercer a sua actividade profissional de engenheiro ………….

74º - As dores resultantes das lesões sofridas pelo autor e dos tratamentos a que o mesmo se submeteu são valorizáveis no grau quatro, numa escala de um a sete graus de gravidade crescente.

75º - Em consequência do acidente que o vitimou o autor ficou com uma cicatriz hipertrófica na face anterior do joelho direito, com 3 cm, e com uma cicatriz irregular vertical, com cerca de 3 cm, na face externa do joelho esquerdo.

76º - Em consequência do acidente que o vitimou, o autor ficou afectado de défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica valorizável em três pontos.

77º - À data do acidente, o autor era uma pessoa saudável, de porte atlético, alegre e bem-disposta.

78º - O autor sente desgosto por se ver fisicamente diminuído.

79º - O autor despendeu o montante de € 459,00 com as consultas de ortopedia que frequentou no ….... e na ........

80º - O Autor despendeu o montante de €1.045,97 com a realização de ressonâncias magnéticas, exames radiológicos e tratamentos.

81º - O autor despendeu o montante de €67,18 com a aquisição de medicamentos e com o pagamento de taxas moderadoras.

82º - O autor despendeu o montante de €25,00 com o seu transporte na ambulância dos Bombeiros ……........

83º - O autor deslocou-se seis vezes à cidade ……. e duas vezes à cidade ........... para a realização de consultas médicas, exames e tratamentos.

84º - Nessas ocasiões o autor pagou o montante de €34,30 a título de serviços de táxi e o montante de €22,00 com a sua alimentação.

85º - O autor faltou a duas consultas agendadas pela ré.

 

Factos não provados

1. No momento em que ocorreu o acidente CC conduzia o veículo de matrícula ...-...-JO por conta e no interesse de BB.

2. O autor reclamou, perante a ré, o pagamento de despesas por si suportadas com consultas, exames, tratamentos, deslocações e refeições.

3. Em consequência do embate o autor sofreu lesões no braço esquerdo.

4. O autor apresenta acentuada perda de força ao nível do joelho esquerdo.

5. Na 2.ª Divisão do campeonato nacional ........... o autor iria auferir mensalmente, durante nove meses por época, quantia não inferior a 150,00.

6. A disputa da 2.ª Divisão do campeonato nacional ........... teria dado visibilidade ao autor e abrir-lhe-ia portas para equipas mais cotadas e com maior capacidade financeira, o que lhe permitiria auferir valores superiores.

7. Em média, na época de 2016/2017 e nas épocas seguintes o autor auferiria o montante de €2.500,00 por época.

8. Em consequência do acidente o autor ficou afastado de incapacidade temporária total durante um período mínimo de quinze dias.

9. Em consequência do acidente que o vitimou, o autor ficou com maior propensão para o desenvolvimento de artrose no joelho esquerdo, o que imporá a aplicação de prótese.

10. O autor ficou afectado de défice funcional permanente na sua integridade físico-psíquica valorizável, no mínimo, em onze pontos.

11. Após o acidente, o autor passou a ter frequentes manifestações de agressividade, irritabilidade, inquietação e stress.

12. O autor tem frequentes manifestações de depressão e de baixa autoestima devido às limitações com que ficou na sequência do acidente.

13. Nas ocasiões indicadas em 83. e 84. dos factos considerados provados o autor deslocou-se em veículo automóvel próprio.

14. Nessas ocasiões o autor despendeu o montante de € 1.434,34 com as suas deslocações, incluindo o pagamento de portagens, serviços de táxi e refeições.


B) Fundamentação de direito 

As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, dizem respeito apenas à quantificação do montante da indemnização, quer quanto aos danos biológicos, quer quanto aos danos não patrimoniais.

As instâncias divergiram quanto ao montante dos danos.

A primeira instância, por sentença de 09.07.2020 (fls 158 a 181) condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 60.00000, sendo € 30.000,00 pelo dano biológico e € 30.000,00 por danos não patrimoniais.

A Relação reduziu a indemnização pelo dano biológico para € 20.000,00 e pelos danos não patrimoniais, também para € 20.000,00, mantendo-se a sentença quanto ao resto.

Quanto aos danos biológicos

O autor, ora recorrente, insurge-se contra o acórdão da Relação, pretendendo que se fixe a indemnização pelos referidos danos em € 30.000,00, tal como foi decidido na sentença da primeira instância

Vejamos, pois.

Trata-se de um dano que se irá reflectir no futuro, perfeitamente previsível, porque irá influir directamente na actividade psicossomática do autor, não só no esforço acrescido para desempenhar a sua função normal, como também, na evolução normal da sua carreira, a qual se ressentirá necessariamente, pois traduz um défice funcional permanente, repercutindo-se na sua qualidade de vida, presente e futura, e, nesta perspectiva, consideramos o dano biológico como dano patrimonial, atendível pelo direito em termos de ressarcimento autónomo.

Independentemente de existir uma maior ou menor dificuldade no exercício da actividade habitual, seja profissional ou «doméstica», por causa das sequelas deixadas pelas lesões sofridas, o dano biológico existe em si mesmo e reivindica, por isso, a respectiva indemnização.


Ora, como o Supremo Tribunal da Justiça já observou em diversas ocasiões, “o julgamento de acordo com a equidade envolve um juízo de justiça concreta e não um juízo de justiça normativa, razão por que a determinação do quantum indemnizatório não traduz, em rigor, a resolução de uma questão de direito.

(…)

Neste contexto, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça deve reservar-se à formulação de um juízo crítico de proporcionalidade dos montantes decididos em face da gravidade objectiva e subjectiva dos prejuízos sofridos.

A sua apreciação cingir-se-á, por conseguinte, ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado”[1].

Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como bem refere o acórdão do STJ de 10.03.2020, Procº nº 6918/16.1T8VNG.P1.S1,mostra-se consolidado o entendimento de que a limitação funcional ou dano biológico, em que se traduz a incapacidade, é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e também de natureza não patrimonial. E tem sido considerado que, no que aos primeiros respeita, os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física. Por isso mesmo, não deve ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução.[2]

Em suma:

Para além de danos de natureza não patrimonial, a afectação da integridade físico-psíquica de que o lesado fique a padecer é susceptível de gerar danos patrimoniais, caso em que a indemnização se destina a compensar não só a perda de rendimentos pela incapacidade laboral, mas também as consequências dessa afectação, no período de vida expectável, seja no plano da perda ou diminuição de outras oportunidades profissionais e/ou de índole pessoal ou dos custos de maior onerosidade com o desempenho dessas actividades.

Neste âmbito, para determinar a indemnização pelos danos futuros, utilizam-se habitualmente os seguintes critérios orientadores[3]:

- A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinga no final do período provável de vida do lesado;

- As tabelas financeiras ou outras fórmulas matemáticas, a que, por vezes, se recorre, têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a ponderação judicial com base na equidade;

- Pelo facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la de imediato, o montante apurado deve ser, em princípio, reduzido de uma determinada percentagem, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa alheia.

- Em todo o caso, e tal como se considerou no acórdão deste Supremo Tribunal proferido em 19.4.2018, revista nº 196/11.6TCGMR.G2.S1,disponível em www.dgsi.pt, “o recebimento de uma só vez do montante indemnizatório não releva atualmente como em tempos não muito recuados já relevou, tendo em conta que a taxa de juro remuneratório dos depósitos pago pelas entidades bancárias é muito reduzida (…), o que implica, por si só, a elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento.”;

- Por outro lado, o julgamento de equidade, como processo de acomodação dos valores legais às características do caso concreto, não deve prescindir do que é normal acontecer (id quod plerumque accidit) no que se refere à expectativa média de vida (que, em Portugal, segundo os últimos dados do INE, tratando-se de uma pessoa do sexo masculino, como in casu, se situa nos 77/78 anos[4]), e ao período de vida activa (em regra, até aos 70 anos).

Tendo presente estes parâmetros, no caso caso sub judice, importa considerar:

- Em consequência do acidente que o vitimou, o autor ficou afectado de défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica quantificável em três pontos (facto provado 76º);

- À data do acidente ainda não exercia qualquer actividade profissional (68º), mas iniciou-a como engenheiro ……………. no mês de Fevereiro de 2017, em …. (70º);

- Em consequência do acidente que sofreu, o autor terá que desenvolver esforços acrescidos para exercer esta actividade profissional (73º).

- À data do acidente, o autor tinha 24 anos de idade (1º e 66º).


Foi com base na equidade que o Tribunal da Relação fixou o montante indemnizatório, aqui em causa.


Neste quadro factual, tudo ponderado, afigura-se-nos ser mais acertado o montante indemnizatório de € 30.000,00 fixado na sentença da primeira instância para compensar os comprovados danos sofridos pelo autor no que respeita ao dano biológico (no plano estritamente material e económico).

Procede, pois, nesta parte o recurso.


Os danos não patrimoniais

A par da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496º nº 1 do Código Civil).

O seu montante será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º (artigo 496º nº 4 do Código Civil), designadamente as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo esquecer-se ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.


Importa, essencialmente, garantir que a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualísticamente ao comando do artigo 496º, do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, seja de forma a viabilizar um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar.


No caso em análise, o acórdão recorrido fixou a indemnização por danos não patrimoniais em € 20.000,00, ao contrário da sentença que os fixou em € 30.000,00.

Ora, com particular relevo para a decisão desta questão, há que ter em consideração que o autor sofreu as lesões físicas atrás discriminadas, as quais determinaram a realização de tratamentos dolorosos e prolongados.

Efectivamente, importa salientar que o quantum doloris foi fixado no grau quatro, numa escala com sete graus de gravidade crescente, sendo certo que o autor se submeteu à realização de sessões de fisioterapia durante cerca de sete meses.

De igual forma, o autor sofreu também um dano estético, em função das duas cicatrizes que apresenta nos joelhos, tendo o mesmo sido fixado no grau dois, numa escala com sete graus de gravidade crescente.

No caso em apreço afigura-se revestir particular relevo a circunstância de o autor ser atleta federado ........... e ter ficado impossibilitado de se dedicar a qualquer actividade desportiva que exija esforços físicos.

De facto, é patente que tal impossibilidade constitui fundamento de profunda tristeza e frustração para o autor, tanto mais que foi avaliada como consubstanciando um dano de grau quatro, numa escala com cinco graus de gravidade crescente.

Por último, não deixará de se acrescentar ainda que também a ligeira claudicação de que o autor padece, assim como as limitações que sente ao nível da realização de determinados movimentos com o joelho esquerdo fundamentam os sentimentos de tristeza e desgosto a que alude o elenco dos factos considerados provados.

Deste modo, é patente que a gravidade dos danos de natureza não patrimonial sofridos pelo autor é muito elevada, justificando, portanto, a atribuição de uma indemnização compensatória.

Não traduzindo a aplicação de puros juízos de equidade a resolução de uma questão de direito, não compete ao STJ, quando é chamado a pronunciar-se sobre o cálculo da indemnização que neles tenha assentado, a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo.

Tudo considerado, é de concluir que a fixação, pela Relação, do quantum indemnizatório, a título de danos não patrimoniais, em € 20. 000,00 se situou aquém do que impunham os referidos limites e pressupostos, devendo antes o mesmo ser fixado, num adequado juízo prudencial e casuístico, em € 30.000,00, tal como foi sentenciado na primeira instância, o qual se tem por adequado e equitativo, sendo certo que foi precisamente esse o valor peticionado pelo autor no artigo 104º da petição inicial

Procede, também, nesta parte o recurso.

 

SUMÁRIO

- Para além de danos de natureza não patrimonial, a afectação da integridade físico-psíquica de que o lesado fique a padecer é susceptível de gerar danos patrimoniais, caso em que a indemnização se destina a compensar não só a perda de rendimentos pela incapacidade laboral, mas também as consequências dessa afectação, no período de vida expectável, seja no plano da perda ou diminuição de outras oportunidades profissionais e/ou de índole pessoal ou dos custos de maior onerosidade com o desempenho dessas actividades.

- A par da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496º nº 1 do Código Civil).

- O seu montante será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º (artigo 496º nº 4 do Código Civil), designadamente as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo esquecer-se ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.


III - DECISÃO

Atento o exposto, concede-se provimento à revista e, revogando-se o acórdão recorrido, condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 60.000,00, sendo € 30.000,00 referente aos danos biológicos e € 30.000,00 atinente aos danos não patrimoniais.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 20 de Maio de 2021


Ilídio Sacarrão Martins (Relator) (Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 20/20, de 01 de Maio, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade).

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Ferreira Lopes

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[1] Cfr ac.. STJ de 14.12.2017, proc. nº 589/13.4TBFLG.P1, in www.dgsi.pt/jstj.
[2] cf., neste sentido, a título exemplificativo, o acórdão do STJ de 28/01/2016, proc. nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1, o ac. do STJ de 4/06/2015, proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1, bem como os acórdãos deste mesmo Tribunal ali mencionados, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.
[3] Cf., entre muitos, o ac. deste STJ de 23.5.2019, Procº nº 1046/15.0T8PNF.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj.
[4]Cf. https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=354096866&DESTAQUESmodo=2&xlang=pt