Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
39/10.8JBLSB.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: ACORDÃO DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
DUPLA CONFORME
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
ESCUSA
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
FUNDAMENTAÇÃO
HOMICÍDIO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
IMPARCIALIDADE
IMPEDIMENTOS
IN DUBIO PRO REO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
NULIDADE DA SENTENÇA
OCULTAÇÃO DE CADÁVER
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
PERIGOSIDADE CRIMINAL
PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
RECUSA
REQUISITOS DA SENTENÇA
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
Data do Acordão: 07/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SUJEITOS DO PROCESSO / JUIZ E TRIBUNAL / IMPEDIMENTOS, RECUSAS E ESCUSAS - JULGAMENTO / SENTENÇA - RECURSOS.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Doutrina:
- Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.
- Eduardo Correia, Projecto do Código Penal, no seio da respectiva Comissão Revisora, Acta da 28ª Sessão, realizada em 14 de Abril de 1964.
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292; Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111.
- Jescheck, Tratado de Derecho Penal Parte General (4ª edição), 668.
- José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português (1997), II, 41/42.
- Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal”, Anotado, notas ao artigo 39.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 39.º, 40.º, 41.º, N.º 2, 43.º, 44.º, 374.º, N.º2, 379.º, 400.º, N.º1, AL. F), 410.º, N.º2 ALS. A) A C), 412.º, N.º 3, ALS. A) E B), 414.º, N.º2, 417.º, N.º3, 420.º, N.ºS1 E 2, 425.º, N.º4, 428.º, 430.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º2, 71.º, N.º1, 77.º, N.ºS 1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 18.º, N.º2, 24.º, 29.º, N.º5.
LEI N.º 52/08, DE 28-8 (LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS- LOFTJ): - ARTIGO 33.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 10 DE JULHO DE 1996, PUBLICADO NA CJ, XXI, IV, 62.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-DE 4 DE ABRIL DE 2013.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 04.05.12 E 04.06.16, PROCESSOS N.ºS 257/04 E 721/04.
-DE 04.10.21, NA CJ (STJ), XII, III, 192.
-DE 06.05.03 E 07.01.29, PROCESSOS N.ºS 557/06 E 4354/06.
-DE 06.10.25, 07.01.29 E 07.02.21, PROCESSOS N.ºS 2170/06, 4354/06 E 3932/06.
-DE 07.02.28, PROCESSO N.º 35/07
-DE 08.03.05, 09.11.18 E 11.02.23, PROCESSOS N.ºS 114/08, 702/08. 3GDGDM. P1.S1 E 429/03. 2PALGS.S1.
-DE 08.11.13, 09.09.23 E 10.06.23, PROCESSOS N.ºS 3381/08, 27/04.3GGBTMC.S1 E 1/07.8ZCLSB.L1.S1
-DE 09.05.14, 09.05.27, 10.03.03, 10.03.25, 10.05.27 E DE 11.01.19, PROCESSOS 1182/06.3PAALM.S1, 145/05, 138/02.0PASRQ.L1, 427/08.0TBSTB.E1.S1, 11/04.7GCABT.C1.S1. E 376/06.6PBLRS.L1.S1.
Sumário : I - É jurisprudência uniforme do STJ a de que o recurso da matéria de facto, ainda que circunscrito à arguição dos vícios previstos nas als. a) a c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, tem de ser dirigido ao Tribunal da Relação e que da decisão desta instância, quanto a tal vertente, não é admissível recurso para o STJ, enquanto tribunal de revista.
II - É inadmissível o recurso do arguido no segmento em que visa o reexame da matéria de facto sob a alegação de que a prova foi incorrectamente apreciada e que o acórdão da Relação enferma dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação e do erro notório na apreciação da prova.
III -Como o STJ vem entendendo, de forma constante e pacífica, a propósito da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, só é admissível recurso para o STJ da decisão confirmatória da Relação no caso da pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares, quer penas únicas resultantes de cúmulo jurídico.
IV -É irrecorrível o acórdão do Tribunal da Relação que confirmou a decisão de 1.ª instância quanto aos crimes de ocultação de cadáver, de falsificação de documento e de detenção ilegal de arma, em que foram impostas ao arguido penas não superiores a 8 anos de prisão.
V - Enquanto que o instituto dos impedimentos abrange situações concretas que, por si só, automaticamente, constituem motivo de afastamento do juiz, que deve ser assumido pelo próprio e por ele declarado no processo ─ arts. 39.º a 41.º do CPP ─, o instituto das recusas e escusas tem por referência situação genericamente definida que, gerando suspeição sobre a imparcialidade do juiz, é susceptível de conduzir ao seu afastamento mediante pedido dirigido pelo próprio ao tribunal competente (escusa), ou através de requerimento deduzido pelo MP, arguido, assistente ou partes civis (recusa) ─ art. 43.º do CPP.
VI -Por outro lado, enquanto o impedimento pode ser conhecido em qualquer estado do processo, a escusa e a recusa só são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório, sendo que só o serão posteriormente, até à sentença ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate ─ arts. 41.º, n.º 2 e 44.º do CPP.
VII - É intempestivo o requerimento de recusa do juiz desembargador ora apresentado ao STJ pelo arguido, com o fundamento de que antes da prolação da decisão aquele magistrado manifestou publicamente, em programas de televisão, a sua opinião relativamente ao presente processo.
VIII - O disposto no n.º 2 do art. 374.º do CPP não é directamente aplicável às decisões proferidas, por via de recurso, pelos tribunais superiores, mas só por via de aplicação correspondente do art. 379.º (ex vi art. 425.º, n.º 4), pelo que as exigências de fundamentação aí impostas têm de ser devidamente adaptadas.
IX -O reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º do CPP), uma nova audiência, de e para produção e apreciação de prova, mas antes uma actividade de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, delimitada aos factos que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento (art. 412.º, n.º 3, als. a) e b), do CPP).
X - O acórdão impugnado não padece de nulidade quando o tribunal a quo não se limita a aderir ao exame crítico das provas efectuado pelo tribunal de 1.ª instância e procede a uma análise minuciosa de toda a prova produzida, respondendo de forma clara a todas as questões colocadas pelo arguido em sede de recurso.
XI -Como o STJ não pode sindicar as decisões proferidas pelas instâncias em sede de matéria de facto, está-lhe vedado verificar se a prova foi correctamente valorada e apreciada, com respeito pelos princípios constitucionais e de processo penal, designadamente segundo o princípio da presunção da inocência.
XII - O STJ só pode aferir da eventual violação do princípio in dubio pro reo quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido.
XIII - O bem jurídico tutelado no crime de homicídio é a vida humana, bem jurídico inviolável (art. 24.º da CRP), situado no ponto mais alto da hierarquia dos direitos fundamentais.
XIV - A personalidade do arguido, do tipo borderline, manifesta frieza e distanciamento afectivo, denota tendência para a auto-desculpabilização, apresenta baixo limiar de tolerância à frustração e evidencia dificuldades no controlo dos impulsos, o que está bem reflectido no reduzido ou mesmo nulo valor que o arguido tem pela vida humana.
XV - A esta luz, não merecem reparo as penas parcelares fixadas pelas instâncias de 18 anos, de 13 anos e de 12 anos e 6 meses de prisão, pela prática dos crimes de homicídio, nem tão pouco a pena conjunta de 25 anos de prisão, pena esta necessária para a dissuasão e ressocialização do arguido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal de júri supra referenciado, do 2º Juízo da comarca de Torres Vedras, AA, com os sinais dos autos, foi condenado como autor material, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, dois crimes de homicídio, três crimes de ocultação de cadáver, um crime de falsificação de documento e um crime de detenção ilegal de arma na pena única de 25 anos de prisão[1]. Mais foi o arguido condenado a pagar à assistente BB a quantia de € 150 000,00, aos assistentes CC e DD a quantia de € 100 000,00, a cada um deles a importância de € 50.000,00, e aos assistentes EE e GG a indemnização de € 100 000,00 e a cada um deles o montante de € 50 000,00, quantias estas acrescidas dos respectivos juros.

Na sequência de recurso interposto pelo arguido para o Tribunal da Relação de Lisboa, visando o reexame da matéria de facto e de direito, foi confirmada a decisão de 1ª instância.

O arguido interpõe agora recurso para este Supremo Tribunal.

É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação apresentada[2]:

«1. Da Nulidade por inexistência de fundamentação suficiente.

2. Para além do Douto Acórdão recorrido enumerar os meios de prova produzida, em rigor, deveria o mesmo explicitar a razão de ciência dos depoimentos bem como os factos sobre que incidiram, para que se torne percetível intuir de que forma chegou o Tribunal à conclusão de "provado" e/ou de "não provado" pois, na redacção actual do artigo 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a motivação dos factos da Sentença consistirá na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

3. Assim, não basta enumerar os meios de prova, antes se impondo a "explicitação do processo de formação da convicção do tribunal" (Ac. T.C. n.º 680/98 de 02/12), de forma a permitir uma compreensão "do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório" (Ac. STJ 99.05.12, rec. n.º 406/99-3. Sec).

4. É certo que a utilização da prova, não é despida de valorações, todavia deve obediência aos princípios e garantias constitucionais, em especial à garantia do contraditório, que não tem apenas como objectivo a defesa entendida em sentido negativo - como oposição ou resistência - mas sim principalmente a defesa vista em sua dimensão positiva. Como influência, ou seja, como direito de incidir activamente sobre o desenvolvimento e o resultado do processo.

5. O que no caso em apreço, não aconteceu como se demonstrou, pois apesar das provas existentes no processo, apenas as de dimensão positiva foram tidas em linha de conta, uma vez que existem factos relevantes, que foram provados em audiência de julgamento, nomeadamente que HH vivia em constante perigo de vida na sua convivência com o marido; que esta já tinha demonstrado a sua vontade de fuga para Espanha tanto à sua mãe II, como à sua amiga JJ; que tinha já pedido à sua mãe que cuidasse da filha, BB; que esta tinha já referido ter pedido auxilio para a sua fuga a LL;

6. que por LL foi dito a MM e NN e OO, sua irmã que tinha deixado HH na paragem de camionetas que a levariam a Espanha; que por LL foi apresentada a MM e NN a morada onde HH se encontrava em Espanha; que por LL foi dito a MM e NN que iria ter com HH a Espanha; que o dia relatado por PP que consubstancia uma ofensa à integridade física é repleto de incongruências, facto que NN vem afirmar, mas que o Tribunal a quo decidiu não serem relevantes; que o número de telemóvel que se imputa a AA como adquirido para trocar as alegadas, mas nunca vistas, 181 (cento e oitenta e uma) mensagens escritas no dia do desaparecimento de QQ, nunca foi apreendido, nem nenhum nexo causal se estabeleceu com o ora recorrente (cfr. depoimentos de II, SS, MM, NN e órgãos de policia criminal);

7. Desta forma, a busca da verdade material sofre atenuações na limitação da prova inconceptível de ser produzida, quer pelo juiz ex officio, quer pelas partes, como por exemplo na inadmissibilidade da produção da prova ilícita, no direito ao silêncio, das provas obtidas mediante colaboração activa do arguido, daquelas que ferem a sua vida privada, da dignidade da pessoa humana, que fere a moralidade e os bons costumes e no principio in dúbio pro reo. O recorrente ao optar pelo direito ao silêncio vê-se prejudicado nos seus Direitos Fundamentais, nomeadamente quando vê violado, como exaustivamente se demonstrou, a violação do princípio do in dúbio pro reo.

8. Quanto ao livre convencimento do juiz, este traduz-se como uma autêntica limitação ao livre convencimento ou persuasão racional, porquanto a livre convicção do juiz, não pode ir ao ponto de desfavorecer o arguido (Art.º, 61º, nº 1, alínea c) conjugado com o Art. 343º, n.º 1, ambos do CPP), nunca esquecendo que o douto tribunal a quo estribou-se numa convicção "firmada em juízo de elevada probabilidade assente em premissas solidamente alicerçadas em regras da experiência ou regras de vida" que não fundamentadas constituem nulidade, que se argúi.

9. Sendo o ónus da prova primariamente da acusação, pelo menos em um primeiro momento, curial, que o acusado não pode colaborar activamente na produção da prova, sob pena de ferir o princípio nemo tenetur, além de ter reflexos no princípio da dignidade da pessoa humana.

10. O que uma vez mais não se verifica, pois na falta de prova dos factos imputados ao arguido aqui recorrente, com o devido respeito, o acórdão subjudice puniu o mesmo baseando-se em meras convicções reveladoras do desconhecimento do ocorrido, pois que revelam a ausência de apreensão de uma realidade que conclusivamente se desconhece nem se quis entender, nomeadamente, quando o doto tribunal a quo confere credibilidade a quem se contradiz e não credibiliza quem corrobora a dimensão positiva do ora recorrente

11. Verifica-se que a factualidade dada como provada inerente ao arguido ora recorrente foi incorretamente julgada e que a única prova, e tendo sempre presente o princípio do "indubio pro reo", são apenas e tão só depoimentos que nada de concreto para uma condenação apontam, sendo parcos nesse sentido, pois nada dizem em concreto, limitando-se a ser meras suposições e convicções pessoais, na sua maioria trazidos pelos media, e pautados pela imputação de condutas em nada relevantes para a causa em apreço, não percebendo o ora recorrente como pode o Tribunal o quo dar como provada a factualidade no sentido de o arguido ter morto alguém.

12. Note-se que ao longo da audiência de discussão em julgamento em apreço, nenhuma prova logrou resultar no sentido de que os desaparecidos estivessem mortos, muito menos que AA tivesse morto qualquer um dos desaparecidos.

Do erro notório na apreciação das provas.

13. O vício tem de resultar, como se referiu, do texto da decisão recorrida, «por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem a utilização de elementos externos à decisão (salvo se os factos forem contraditados por documento que faça prova plena), não sendo, por isso, admissível recorrer a declarações ou a quaisquer outros elementos que eventualmente constem do processo ou até da audiência.

14. Tendo presentes os elementos de integração do conceito de "erro notório" na apreciação da prova, enunciados pela doutrina e jurisprudência maioritárias, há que apreciar nesta perspectiva a decisão de que se recorre.

15. O arguido/recorrente, coloca, assim, em causa o princípio da livre apreciação da prova, patente, como acima se referiu, no art. 127.º do Código de Processo Penal.

16. No nosso entender, na fundamentação da sua convicção, o Tribunal a quo não foi lógico e congruente, consistente e suficiente, não explicando, a partir da prova produzida, as razões pelas quais se convenceu de que os factos haviam decorrido tal como havia dado como provado.

17. Trata-se assim de um vício que existe quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditórios, o que sucedeu no caso vertente no que tange ao facto de, na verdade, o ora recorrente não ter morto ninguém, nem sequer poder considerar-se provado que QQ, HH e LL estejam mortos.

18. Poder-se-á dizer ainda, em laia de conclusão, que está hoje concetual e definitivamente assente que o vício ínsito na referenciada alínea c) do nº 2º do artigo 410º do CPP, é um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão. Erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental. As provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria de facto provada ou excluindo dela algum facto essencial - vd., por todos, o Acórdão do STJ de 30.09.98 - Processo nº 565/98.

19. Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados, nem os meios de prova, mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.

20. E tal fundamentação deverá, intraprocessualmente, permitir aos sujeitos processuais e ao Tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso (cfr. artigo 410º, nº 2º do CPP).

21. Por outro lado, extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença, e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade.

22. Temperando-se, assim, o sistema de livre apreciação das provas (artigo 127º do CPP), com a possibilidade de controlo imposto pela obrigatoriedade duma motivação racional da convicção formada, evitar-se-ão situações em que se impute ao julgador a avaliação "caprichosa" ou "arbitrária" da prova, e, sobretudo, justificar-se-á a confiança no julgador ao ser-lhe conferida pela liberdade de apreciação da prova garantindo-se, simultaneamente a credibilidade na Justiça (vd. Marques Ferreira, O novo Código de Processo Penal, CEJ, 229 e segs.).

23. Entende desta forma, o ora recorrente que a existência de erro notório na apreciação da prova consistiu, tal como acima se mencionou, em se dar como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar, tanto mais que os testemunhos e provas anteriormente citados apontam em sentido diverso.

24. O Tribunal a quo, ao formar a sua convicção íntima, nula pelas razões acima elencadas, valorou erradamente a prova produzida em audiência, pois uma correcta apreciação e valoração da mesma imporiam, sem dúvida, outra decisão e a aplicação de uma pena, mas não aquela que foi aplicada aos ora recorrentes.

25. Deste modo, conclui-se que o Douto Acórdão de que se recorre violou o disposto no artigo 410º, n.º  2 al. c), pelo que, atento ao vício invocado e demonstrado deve determinar-se o reenvio do processo para novo julgamento, conforme art. 426º, n.º 1do CP.Penal

26. E de todo o exposto e extraída de audiência de discussão e julgamento nada existe que possa fundamentar a decisão de que se recorre, pelo que se verifica o tipificado no artigo 410.º do código de processo penal, n.º 2, alínea a) no que concerne à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

27. Tal facto espalha-se na sua mais pura essência na fundamentação para o voto de vencida de Juiz, na qual se pode ler: " Votei vencida quanto a matéria de facto que se reporta aos três crimes de homicídio e ocultação de cadáver, que teria dado como não provada, porquanto entendo que a prova constante dos autos e a produzida em audiência de julgamento - nomeadamente o depoimento da testemunha PP, que não me mereceu credibilidade, por ilógico e inverosímil - ainda que com recurso às regras comuns da lógica, da razão e da experiência, não permite criar uma convicção segura e objectivada na prova de que HH, LL e QQ morreram, sendo as descrições conclusivas constantes da acusação e da matéria ora dada como provada, no que respeita aos mencionados crimes, demonstrativas do desconhecimento do ocorrido, pois que revelam a ausência de apreensão de uma alegada realidade que conclusivamente se declara”

Da nulidade da sentença

28. O dever de fundamentar as decisões judiciais decorre directamente da Constituição: "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prescrita na lei" - artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República portuguesa, o que não ocorreu, nem se verificou no caso vertente como atrás melhor se explanou e para onde se remete.

29. O art. 410.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal ao considerar vício da decisão a "contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão", indica-nos uma das características básicas da fundamentação: a coerência.

30. Desta forma, "A apreciação crítica das provas consiste na exposição do processo racional e lógico pelo qual o tribunal considerou os factos provados ou não provados, com base na prova produzida, de modo a permitir compreender o motivo pelo qual o tribunal julgou suficientes ou prevalecentes os meios de prova que suportam a decisão negativa ou positiva da matéria de facto em causa.

31. Necessário é que a apreciação crítica das provas expresse uma decisão ponderada, não arbitrária, compreensível para a generalidade dos cidadãos (...) face às provas concretamente produzidas (que bem podem ser contraditórias entre si) e às regras da ciência, da lógica e da experiência, que enformam e limitam o princípio da livre apreciação da prova consagrado positivamente no art. 127.º do CPP.

32. "A motivação da decisão não pode confundir-se com a exposição de todo e qualquer detalhe, levando amiúde as motivações redundantes e substancialmente inúteis", conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 16-10-2007, Processo n.º 1238/07-1, disponível em www.dgsi.pt.

33. Desta forma, verifica-se ainda que o acórdão de que agora se interpõe recurso, padece de nulidade, por violação do disposto no art. 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, em virtude de não proceder ao exame crítico das provas, limitando-se o Tribunal "a quo" a efectuar meros juízos conclusivos, valorando inclusivamente o que não devia ser valorado, por estar ferido de nulidade.

Da medida da pena aplicada ao ora recorrente que se considera apenas por mera cautela de patrocínio:

34. Analisando os critérios legais, poderíamos resumir toda a problemática da escolha e medida da pena na escolha da pena (art. 70º), em que o agente deve ser apreciado como a pessoa que é e na fixação do quantum da pena {art. 71°), sendo que o agente deve ser apreciado por aquilo que fez.

35. Dispõe o art. 40º do C. Penal que: 1. A aplicação da pena (...) visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade". 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

36. O art. 71º, n.º 1 (denotando não ter sido adaptado à nova redacção do art. 40º com a qual importa harmonizá-lo) estabelece um critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigência de prevenção. Critério que é precisado depois no nº 2: na determinação da pena há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.

37. Reconduzindo-se os factores concretos a ter em conta, definidos nas várias alíneas do citado nº 2, a três grupos ou núcleos fundamentais: factores relativos à execução do facto {alíneas a), b) e c)}; factores relativos à personalidade do agente {alíneas d) e f)}; e factores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto {alínea e)}.

38. A determinação da medida concreta das penas aplicada ao arguido e das respectivas penas aplicadas em cúmulo jurídico não se encontra devidamente fundamentada pelo acórdão recorrido nos critérios definidos nos artigos 40º e 71º do CP e, quanto ao cúmulo, no art. 77º do mesmo Diploma.

39. A insuficiência da matéria de facto provada, como se demonstrou, significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista de outras soluções que se perfilem, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena.

40. Assim, não tendo o tribunal indagado das condições pessoais (familiares) e económicas do agente em profundidade verifica-se o vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código Penal. Em suma, o modelo do Código Penal é de prevenção na qual a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto.

41. A culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena numa perspetiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo, razão pela qual se pugna pela absolvição dos ora recorrentes.

Do Recurso da matéria de Direito

42. Princípio basilar da estrutura do processo penal é o princípio da presunção da inocência, em que ninguém pode ser considerado culpado até que se prove o contrário. Este princípio foi violado na medida que a prova e a sua produção tem de ser concreta, exacta, objectiva e directa dos factos. Tem que provar.

43. Consabido é que, a este princípio alia-se outro: ao princípio do in dúbio pro reo. Este princípio que nos diz que na dúvida, decida-se a favor do arguido, pretende corroborar a presunção de inocência e impedir o erro judiciário na decisão da causa.

44. Estes princípios citados em 42 e 43 foram violados, o que significa a violação dos seus direitos fundamentais, na medida em que as normais constitucionais aplicáveis á matéria sob recurso ao serem interpretadas como o foram (nos moldes alegados pelo douto tribunal a quo sob a forma de livre apreciação da prova - "firmada em juízo de elevada probabilidade assente em premissas solidamente alicerçadas em regras da experiência ou regras de vida"), resultam numa condenação de um cidadão relativamente ao qual não existe prova que sustente a acusação pública.

45. Por último importa salientar que só após a notificação da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, veio o arguido a constatar que o Ex.mo Senhor Desembargador Dr. Rui Rangel interviu na decisão de que recorre, facto este que, sem querer ferir a susceptibilidade e a honra de tal Digno Magistrado, não impede de recordar que o mesmo, publicamente no programa televisivo transmitido pela RTP 1 denominado "Praça da Alegria" em 11.ABR.2011 - disponível em http://www.voutube.com/watch?v = pxOurVzFOdk , em data anterior á prolação da decisão de que se recorre, manifestou a sua opinião sobre o caso objecto do presente recurso, revelando uma posição firme sobre o tema.

46. Mais tarde, em 2012, o Ex.mo Magistrado referido, também em programa da RTP 1, denominado " Justiça Cega", moderado por Alberta Marques Fernandes e contando com a presença do Bastonário da Ordem dos Advogados e do Ex.mo Senhor Dr. Moita Flores - disponível em http://www.rtp.pt-iustica cega, igualmente manifestou a sua opinião quanto ao ora recorrente no caso objecto do presente recurso.

47. Face ao exposto, deixa o ora recorrente á consideração dos Colendos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça se não estaremos presente a um impedimento ou mesmo a fundamento de recusa tal como se encontra consignado nos artigos 39º e seguintes do Código de Processo Penal, na medida em que tais opiniões manifestadas publicamente perante os telespectadores portugueses podem ser consideradas como uma demonstração de um pré-juízo negativo relativamente a matéria sobre a qual se veio a decidir, mantendo a decisão proferida pela Primeira Instância».

Com tais fundamentos, termina requerendo que: «…sufragados que sejam os vícios apontados, bem como, a discordância sustentada quanto à inexistência da prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alínea j) do CP {ofendida QQ), dos crimes de homicídio p. e p. pelo artigo 131.º CP (ofendido LL e ofendida HH) e consequentes três crimes de ocultação de cadáver, p. e p. no artigo 254. °, nº l, al. a) do CP, devendo o arguido ser absolvido».

Na resposta que apresentaram os assistentes formularam as seguintes conclusões:

«1. O arguido AA não respeitou a disciplina recursiva para o Supremo Tribunal de Justiça.

2. Com efeito, para estupefacção dos recorridos, o arguido decalcou na íntegra o recurso (já de si deficiente) que tinha apresentado na Relação de Lisboa no que concerne à decisão do Tribunal de Júri.

3. Como óbvio se torna, não recorre, portanto, da decisão do Tribunal da Relação, como lhe competia.

4. Consequentemente, promove o impensável de pedir a integral renovação da prova (cfr. p. 112, da motivação do recurso) perante o mais alto Tribunal. Em bom rigor, o arguido recorre da matéria de facto que já foi alvo de decisão pelo douto Tribunal de Relação de Lisboa, e sem se dar sequer ao trabalho de apresentar um novo recurso ou até de retocar com maquilhagem o anterior de modo a que a falta não sugerisse - como aliás sugere - um total desrespeito por todos os restantes intervenientes processuais.

5. Destarte, estabelece o art.º 434.°, do CPP, que os poderes de cognição do STJ estão limitados ao reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto nos n.°s 2 e 3 do art.° 410.°, do mesmo diploma.

6. Todavia a douta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa apreciou com oportunidade os invocados vícios e, na verdade, o presente recurso nada acrescenta, nem nada traz de novo relativamente ao anteriormente invocado e já decidido perante a Relação.

7. Pelo que a matéria de facto ora recorrida, salvo melhor opinião ao abrigo do disposto no n° 2 do artigo 410° do Código de Processo Penal deve ter-se por definitivamente assente, não cabendo sequer nos poderes de cognição desse Colendo Tribunal.

8. Mais se entende que a surpreendente reapresentação do texto do recurso anteriormente dirigido à Relação de Lisboa equivale à falta de motivação e, por conseguinte, resulta na total omissão de recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça. Termos em que, deverá tal esboço de recurso ser liminarmente rejeitado em obediência ao disposto nos artigos 414.°, n.° 2, in fine e 417.°, n.° 6, ambos do CPP.

9. Perante o exposto, no que respeita ao escrito do arguido, os assistentes nada mais têm a acrescentar ao que oportunamente e na sede própria já tinham respondido, pelo que, se fosse possível fazer copy/paste de motivações de recursos/respostas de instância para instância - que, por disciplina processual ou pelo muito respeito que os tribunais nos são credores, não é em absoluto admissível - renovariam convictamente o suporte que deram à mui douta decisão do Tribunal de Júri».

Na contra-motivação apresentada o Ministério Público alegou:

«Não se resignou o arguido AA com o douto acórdão desta Relação de Lisboa que, negando provimento a um seu recurso anterior, confirmou a decisão condenatória da primeira instancia.

Porém, na motivação específica para o presente recurso o arguido limita-se praticamente a retomar e a repetir a argumentação que já utilizara na 1ª instância.

De novo, em nosso entender, apenas a nota e a interrogação deixada à consideração dos Colendos Conselheiros sobre o eventual impedimento do Exm°. Senhor Desembargador Relator por razoes que se prendem sobre opiniões manifestadas publicamente.

 

Esta opção tomada pelo recorrente suscita-nos duas questões: - uma que se prende com a determinação e os efeitos de uma motivação com essas características, e

- outra, relativamente à resposta propriamente dita, inteiramente facilitada, atenta a ausência de novos argumentos e, em especial, de qualquer impugnação do douto acórdão recorrido.

Temos por duvidoso, neste quadro, que exista uma verdadeira motivação já que o recorrente não impugna verdadeiramente o acórdão da Relação, antes continua a contestar a decisão da primeira instância, de que este Tribunal já conheceu.

Pelo que seria de equacionar a rejeição, por carência de motivação (neste sentido Acs. do STJ de 24-01-2007, Proc. n°. 4812/07-3ª sec, de 12-04-2007, Procs. N°s. 255/07 - 5asec., 516/07- 5ª sec; e de 02-10-2008, Proc. n°.4725/07-5ª sec).

Em todo o caso e a não ter acolhimento esta corrente jurisprudencial e sendo certo que o recorrente se limita, na sua esmagadora maioria, a utilizar, no recurso para o STJ os mesmos argumentos que tinha utilizado no recurso dirigido ao Tribunal da Relação, não impugnando os fundamentos do acórdão da Relação, o seu recurso sempre será de rejeitar por manifesta improcedência - art. 420°, n°. 1, al. a) do CPP. (nesse sentido acórdão do STJ de 21-01-2009), proferido no processo n°. 2875/08-3ª. Secção - " A manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial, visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento".

Do recurso:

Na sequência do que ficou dito sempre se dirá que no tocante à matéria de facto, ainda que sejam invocados os vícios do n°. 2 do art. 410° do CPP, tendo o STJ natureza de tribunal de revisão, está fora do seu âmbito o conhecimento da decisão da matéria de facto proferida pela Relação.

No tocante à medida da pena, subscrevemos integralmente o que no acórdão recorrido se escreveu: " - No que concerne à dosimetria da pena, atentas as molduras penais que correspondem aos ilícitos, mormente aos crimes de homicídio, a outra pena concreta não podem conduzir senão à pena máxima que em cúmulo jurídico é possível aplicar ".

Concluindo:

-           O recurso deverá ser rejeitado por manifesta improcedência;

-           Caso assim se não entenda, deverá negar-se provimento ao recurso e confirmar-se na íntegra o douto acórdão recorrido».

Igual posição assumiu neste Supremo Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta ao consignar na vista que teve nos autos nada ter a acrescentar ao entendimento defendido pelo Ministério Público no Tribunal da Relação.

                                         *

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Delimitando o objecto do recurso verificamos que o recorrente AA submete à apreciação deste Supremo Tribunal as seguintes questões:

- Impedimento e recusa do juiz relator por antes da prolação da decisão impugnada haver manifestado publicamente, em dois programas de televisão, a sua opinião relativamente ao presente processo;

- Nulidade do acórdão por deficiente fundamentação da decisão de facto;

- Julgamento da prova com violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo;

- Vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação e do erro notório na apreciação da prova;

- Desajustada dosimetria das penas.

Para além das questões suscitadas pelo recorrente, há que conhecer as que o Ministério Público e assistentes colocam, relativas à eventual rejeição do recurso, por falta de motivação, por manifesta improcedência e por inadmissibilidade no que tange à impugnação da matéria de facto, bem como a que oficiosamente se suscita atinente à rejeição parcial do recurso por irrecorribilidade parcial do acórdão recorrido.

                                        *

A eventual rejeição do recurso, total ou parcial, obviamente que precludirá o seu conhecimento na parte que vier a ser objecto de rejeição, razão pela qual há que decidir desde já se ocorre ou não motivo de rejeição.

Decidindo, dir-se-á.

Os assistentes entendem que a motivação de recurso ora apresentada pelo arguido AA é um decalque da motivação com que instruiu o recurso que interpôs para o Tribunal da Relação, o que, a seu ver, constitui anomia equivalente à falta de motivação, devendo, por isso, o recurso ser rejeitado. Mais entendem que a rejeição do recurso sempre teria lugar no que concerne à impugnação da matéria de facto, incluindo a arguição dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal[3], visto que os poderes de cognição do Supremo Tribunal se circunscrevem ao reexame da matéria de direito.

Igual posição é assumida pelo Ministério Público que, subsidiariamente, defende a rejeição do recurso por manifesta improcedência, com o fundamento de que o arguido AA quase que se limitou a utilizar no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os mesmos argumentos que tinha utilizado no recurso dirigido ao Tribunal da Relação, não impugnando os fundamentos do acórdão recorrido.

A lei adjectiva penal – artigo 420º, n.º 1 – impõe que o recurso seja rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência, se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414º[4] ou quando o recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar[5] a totalidade do recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 417º.

Em caso de rejeição do recurso, a decisão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão – n.º 2 do artigo 420º.

Começando por decidir se o recurso interposto pelo arguido AA deve ser rejeitado com o fundamento de que a respectiva motivação é mera repetição da motivação que apresentou aquando do recurso que interpôs da decisão de 1ª instância para o Tribunal da Relação, observar-se-á que a rejeição do recurso penal, constituindo incidente de gravosas consequências para o arguido, consabido que o recurso é uma das mais importantes garantias de defesa que a Constituição da República expressamente consagra no n.º 1 do artigo 32º, só deverá ter lugar nas situações expressamente previstas na lei, sendo de afastar qualquer possibilidade de rejeição por analogia.

Uma vez que a lei adjectiva penal não prevê a rejeição do recurso com o referido fundamento, sendo certo que a falta de motivação só ocorre perante inexistência da mesma tout court, há que afastar a rejeição do recurso com o fundamento de que o recorrente AA se limitou na motivação apresentada a reproduzir as alegações que consignou no recurso que interpôs da decisão de 1ª instância para o Tribunal da Relação.

De igual modo, há que afastar a rejeição do recurso por manifesta improcedência, entendimento defendido pelo Ministério Público, com o fundamento de que o arguido AA quase que se limitou a utilizar no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os mesmos argumentos que tinha utilizado no recurso dirigido ao Tribunal da Relação, não impugnando os fundamentos do acórdão recorrido, consabido que a manifesta improcedência do recurso nada tem a ver com o facto de o recorrente apresentar como seu fundamento os argumentos já utilizados no recurso que interpôs anteriormente, antes com a circunstância de os argumentos utilizados se mostrarem notória e inequivocamente infundados, o que no caso vertente não se verifica.

                                          *

Relativamente à impugnação da decisão de facto e arguição dos vícios previstos no n.º 2 do artigo 410º, certo é constituir jurisprudência constante e uniforme deste Supremo Tribunal, a de que o recurso da matéria de facto, ainda que circunscrito à arguição dos vícios previstos nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 410º, tem de ser dirigido ao Tribunal da Relação e que da decisão desta instância de recurso, quanto a tal vertente, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça[6]. É que o conhecimento daqueles vícios, constituindo actividade de sindicação da matéria de facto, excede os poderes de cognição do Supremo Tribunal, enquanto tribunal de revista, ao qual apenas compete, salvo caso expressamente previsto na lei, conhecer da matéria de direito – artigo 33º, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judicias[7].

Deste modo, é inadmissível o recurso interposto pelo arguido AA no segmento em que visa o reexame da matéria de facto sob a alegação de que a prova foi incorrectamente apreciada e de que o acórdão do Tribunal da Relação enferma dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, da contradição insanável da fundamentação e do erro notório na apreciação da prova[8].

                                        *

Conforme estabelece o n.º 2 do artigo 414º, o recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer ou quando faltar a motivação.

De acordo com o preceituado no artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, o que significa, como este Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo[9], de forma constante e pacífica, só ser admissível recurso de decisão confirmatória da relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo.

No caso vertente estamos perante decisão condenatória de 1ª instância confirmada pelo Tribunal da Relação, sendo cinco das oito penas impostas, concretamente as aplicadas aos crimes de ocultação de cadáver, de falsificação e de detenção ilegal de arma, não superiores a 8 anos de prisão.

Deste modo, certo é ser irrecorrível a decisão impugnada no que respeita à condenação do recorrente pela prática daqueles cinco crimes, razão pela qual está este Supremo Tribunal impedido de exercer qualquer censura sobre a actividade decisória que subjaz e conduziu à condenação do recorrente por cada um desses crimes[10]. Certo é que relativamente àqueles cinco crimes o acórdão recorrido transitou em julgado, pelo que no que a eles se refere se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respectiva decisão em toda a sua dimensão. De outra forma estar-se-ia a violar o princípio constitucional non bis in idem (n.º 5 do artigo 29º da Constituição), concretamente na sua dimensão objectiva, que garante a segurança e a certeza da decisão judicial, através da imutabilidade do definitivamente decidido.

Há pois que rejeitar o recurso na parte em que vem impugnada a decisão relativamente àqueles crimes.

                                        *

Questão prévia que também deverá ser decidida desde já é a do eventual impedimento, bem como da eventual recusa do juiz desembargador relator, questão colocada a este Supremo Tribunal pelo arguido AA com o fundamento de que antes da prolação da decisão aquele magistrado manifestou publicamente, em dois programas de televisão, a sua opinião relativamente ao presente processo.

Sob a epígrafe dos impedimentos, recusas e escusas, o Código de Processo Penal estabelece as situações em que o julgador deve declinar a sua intervenção e as partes podem requer o seu afastamento. Trata-se de institutos que visam a salvaguarda da imparcialidade do juiz, o direito de todo o cidadão a um tribunal independente e justo.

Enquanto o instituto dos impedimentos abrange situações concretas que, por si só, automaticamente, constituem motivo de afastamento do juiz[11], afastamento que deve ser assumido pelo mesmo e por ele imediatamente declarado no processo[12] – artigos 39º a 41º –, o instituto das recusas e escusas tem por referência situação genericamente definida[13] que, gerando suspeição sobre a imparcialidade do juiz, é susceptível de conduzir ao seu afastamento mediante pedido dirigido pelo próprio ao tribunal competente (escusa), ou através de requerimento deduzido pelo Ministério Público, arguido, assistente ou partes civis (recusa) – artigo 43º.

Como se consignou no acórdão da Relação de Coimbra de 10 de Julho de 1996, publicado na CJ, XXI, IV, 62, relatado pelo ora relator, enquanto o impedimento afecta sempre a imparcialidade e a independência do juiz, a suspeição pode ou não afectar essa imparcialidade e essa independência. Tal diversidade conduziu a que o legislador optasse por técnicas diferentes no que concerne à previsão dos impedimentos e das suspeições, tendo quanto aos primeiros optado pela sua enumeração (taxativa)[14], enquanto que relativamente às segundas optou pela consagração de uma fórmula ampla, abrangente de todos os motivos que sejam adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz. Por outro lado, enquanto o impedimento pode ser conhecido em qualquer estado do processo, a escusa e a recusa só são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório, sendo que só o serão posteriormente, até à sentença, ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate – artigos 41º, n.º 2 e 44º.

Assim sendo, é por demais evidente a intempestividade do requerimento de recusa do juiz desembargador relator ora apresentado a este Supremo Tribunal pelo arguido AA, sendo evidente, também, a não ocorrência de impedimento daquele magistrado, consabido que o fundamento invocado não se enquadra em qualquer das situações previstas nos artigos 39º e 40º, a significar a improcedência desta questão prévia suscitada pelo recorrente.

                                        *

  Decididas as questões prévias cumpre entrar no conhecimento do recurso, sendo que as instâncias consideraram provados os seguintes factos:

«Em data não concretamente apurada, mas que se situa nos meses de Abril ou Maio de 1995, RR, conhecido por “P… L…”, separou-se da mulher e, saindo do lar conjugal sito em Lisboa, foi viver para Peniche, localidade à qual já anteriormente se deslocava com regularidade, aí se dedicando à recolha de sucata e sua posterior venda a terceiros.

A dada altura o aludido RR, tendo adquirido um veículo do tipo furgon, passou a utilizá-la como habitação, fixando-se na C….

Na mencionada localidade da C…, o RR travou conhecimento com o arguido, que também se dedicava ao negócio de venda de sucata.

No dia 10 de Novembro de 1995, cerca das 20:15 horas, o mencionado RR deu entrada no então Hospital de Peniche com o diagnóstico de etilismo agudo, onde foi assistido, tendo-lhe sido dada alta nesse mesmo dia.

O aludido RR deixou entretanto de ser visto e, não tendo o seu corpo sido encontrado, foi declarada a sua morte presumida por sentença proferida no âmbito dos autos de justificação de morte presumida que, sob o n.º 4792/05.2 TVLSB, correram termos pela 3.ª secção da 1.ª Vara cível de Lisboa.

LL e o arguido travaram conhecimento quando aquele contava cerca de 17 anos, passando a trabalhar por conta deste no ramo da sucata.

O relacionamento entre ambos veio, entretanto, a evoluir para uma relação de natureza íntima e sexual, acabando os mesmos por coabitar, em união de facto, na residência do arguido, sita na Rua P…, n.º XX, C…, S… B… dos G…, L….

LL nasceu a 22/08/1985 e até então vivera com os seus progenitores, os assistentes EE e GG.

Em data não concretamente apurada, mas anterior a Junho de 2008, LL iniciou um relacionamento amoroso com a ofendida HH, vindo, em razão do mesmo, a afastar-se progressivamente do arguido.

Notando o esfriar da relação, e sabendo qual a causa do afastamento do seu companheiro, sentindo ciúmes e temendo que LL o abandonasse, o arguido tomou a resolução de matar a ofendida HH.

Entre o dia 30/05/2008 e o dia 27/06/2008, BB, filha da ofendida HH e nascida em 08/06/1999, achou-se internada no hospital desta cidade, sendo ali visitada diariamente pela mãe, que com ela pernoitava, até ao dia 5/06/2008.

Em data não concretamente apurada, mas nesse mesmo dia 5 de Junho ou no dia imediato, a hora, em local e de modo não apurados, o arguido molestou corporalmente a ofendida HH, causando-lhe a morte.

De seguida, o arguido apropriou-se do telemóvel daquela com o IMEI XXXXXXXXXXXXXXXX, contendo o cartão telefónico com o nº XXXXXXXX.

Após tal, veio ainda o arguido a dispor do cadáver, igualmente de modo não apurado, mas idóneo a impedir que o mesmo fosse encontrado, o que efectivamente conseguiu.

Passados alguns dias, o arguido iniciou diversas manobras junto dos familiares de HH, com o intuito de criar neles a convicção de que esta decidira ausentar-se, achando-se viva.

Assim, no dia 11/06/2008, o arguido acompanhou II, mãe daquela, ao posto da GNR de Santa Cruz, a fim da mesma participar o desaparecimento da ofendida, dizendo-se preocupado com tal desaparecimento.

No 21/07/2008 o arguido enviou uma mensagem escrita, simulando tratar-se de HH, para o irmão desta, SS, com o seguinte teor: “Desculpa por tudo o que fiz. Onde eu me encontro estou bem. Cuidem da minha filha por mim. Não se preocupem comigo. Perdoem-me por tudo”.

Para o efeito, o arguido introduziu o cartão telefónico n.º XXXXXXXXX da ofendida HH no seu telemóvel com o IMEI XXXXXXXXXXXX, procedendo ao envio de mensagem escrita cujo teor se mencionou em 17.

Não obstante o desaparecimento da HH o LL manteve a decisão de se afastar do arguido, fazendo menção de o abandonar.

No dia 26 de Junho de 2008, a hora não concretamente apurada, na estrada que conduz à Praia do Bom Sucesso, Lagoa de Óbidos, no decurso de uma discussão que manteve com o arguido o LL voltou-lhe as costas, a fim de entrar na viatura da testemunha PP, que ali se encontrava também.

Acto contínuo, o arguido dirigiu-se ao veículo em que se fizera transportar, da marca Mitsubishi, modelo Space, com a matrícula XX-XX-XX, que ali se encontrava também e, tendo retirado do seu interior uma barra de ferro do tipo daquelas que equipam as grelhas dos veículos automóveis, com ela desferiu forte pancada no LL, atingindo-o no lado direito da cabeça.

De imediato o LL tombou ao solo, a sangrar, e respirando com dificuldade, tendo-o o arguido colocado, com o auxílio da testemunha PP, na bagageira do XP, vindo aquele a falecer posteriormente, em consequência das lesões que pela aludida pancada lhe foram provocadas, e sem que lhe fosse prestado qualquer auxílio.

Verificada a morte do LL, o arguido dispôs do corpo do mesmo, de modo não apurado, mas idóneo a evitar que fosse encontrado, o que conseguiu.

Aquando da morte do ofendido LL, o arguido apropriou-se de bens ao mesmo pertencentes, nomeadamente do veículo automóvel de marca Audi, modelo A4, com a matrícula XX-XX-XX, do telemóvel com o IMEI XXXXXXXXX contendo o cartão telefónico com o n.º XXXXXXXXX, e do cartão multibanco com o n.º XXXXXX, associado à conta bancária do mesmo com o n.º XXXXXXXXX da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo.

Conhecendo a personalidade e os hábitos dos familiares de LL, o arguido iniciou diversas manobras junto dos mesmos, que se prolongaram no tempo, de molde a criar e a reforçar-lhes a convicção de que LL se achava vivo e que apenas se ausentara para fugir às autoridades, devido a processos crime que contra ele pendiam.

Assim, nos dias imediatos, acompanhado de NN, o arguido deslocou-se à residência dos pais de LL, GG EE, comunicando-lhes que a ausência do filho era voluntária, justificando-a com o receio que aquele tinha de ser detido pelas entidades policiais, assim evitando que fosse participado o seu desaparecimento.

Passados alguns dias, o arguido voltou a entrar em contacto com aqueles, comunicando-lhes que tinha encontrado o filho, e que este lhe havia entregue o Audi de matrícula XX-XX-XX para que o utilizasse, mas que lho restituiria aquando do seu regresso passando a partir de então a utilizar tal veículo como se fosse o seu.

Periodicamente, o arguido contactava também os pais do LL, dando-lhes falsas notícias do filho, afirmando ter contactado telefonicamente com o mesmo, dizendo-lhes, numa primeira fase, que LL se encontrava em Espanha e, posteriormente, em França.

Nesses contactos, o arguido solicitava-lhes ainda quantias monetárias e alimentos, invocando que os mesmos se destinavam a ser entregues ao filho, tendo-lhes também solicitado que procedessem ao carregamento do cartão telefónico n.º XXXXXXXXX pertença daquele ofendido, a tudo acedendo aqueles.

A partir do final do mês de Junho de 2008, o arguido enviou-lhes ainda diversas mensagens escritas, simulando tratar-se de LL, dizendo-lhes “estou bem… estou a trabalhar…”, utilizando para tanto o cartão telefónico e o telemóvel que haviam pertencido a tal ofendido.

No dia 12 de Julho de 2008, acompanhado de NN e do pai do ofendido LL, o arguido deslocou-se a Badajoz, tendo convencido GG a acompanhá-los, a pretexto de que iriam tentar encontrar o filho deste.

Já em Badajoz, percorreram diversas artérias, simulando o arguido que se achava à procura da cabine telefónica da qual LL lhe teria telefonado, tudo para o localizarem.

No decurso dessa pretensa busca, o arguido seguia mais à frente, acompanhado de NN.

Enquanto assim se achavam, o arguido referiu a GG que avistara o filho deste a passar numa viatura, e, depois, mencionou-lhe ainda que acabara de receber um telefonema do filho que, por os ter avistado, lhe pedira que se fossem embora, pois caso contrário, todos correriam perigo de morte, tendo todos abandonado aquela localidade e regressado a Portugal, onde chegaram de madrugada.

Ainda nesse ano de 2008, a solicitação do arguido, as testemunhas NN e MM, fizeram entrega a OO, irmã de LL, da carta e das fotografias cujas cópias se encontram a fls. 394 a 404 dos autos, mencionando-lhe que lhe haviam sido enviadas pelo irmão dela, e que as deveria destruir, tudo para evitar que, chegando à posse das entidades policiais, estas conseguissem, assim, localizar LL.

Fê-lo, querendo dar continuidade ao plano que havia engendrado e, assim, continuar a beneficiar das quantias monetárias e dos outros bens que os familiares daquele lhe entregavam, convencidos de que se destinavam a LL.

Na verdade, fora o arguido quem escrevera a carta no seu computador e lhe apusera, pelo seu próprio punho, assinatura imitando a de LL, o que lograra fazer decalcando um esboço obtido a partir de assinatura do mesmo, constante de documentos que tinha em seu poder.

Também as fotografias foram forjadas pelo arguido que, para tanto, procedeu a montagens, sobrepondo imagens de fotografias tiradas a LL em fotografias tiradas de paisagens do estrangeiro em momentos diversos, tudo para fazer crer que aquele estava a viver no estrangeiro.

A partir de 26/06/2008, o arguido passou também a utilizar a conta bancária do ofendido LL junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, com o n.º XXXXXXXXXXX, fazendo uso do cartão de multibanco n.º XXXXXXX.

O arguido continuou também a proceder ao pagamento das prestações relativas ao crédito contraído pelo ofendido LL para a aquisição do veículo automóvel de matrícula XX-XX-XX, continuando a utilizar o mesmo.

No período compreendido entre os dias 26/06/2008 e 04/03/2010, o arguido introduziu por várias vezes o cartão telefónico n.º XXXXXXXXX no telemóvel com o IMEI XXXXXXXXXXXX, os quais pertenciam ao ofendido LL e eram por este utilizados à data da sua morte, assim como, no período compreendido entre os dias 06/02/2010 e 04/03/2010, o arguido introduziu aquele cartão no seu telemóvel com o IMEI XXXXXXXXXXXXX, utilizando-os para enviar mensagens escritas a familiares do ofendido, fazendo-se passar por este.

Veio ainda o arguido, em data posterior a 26/06/2008, a reencaminhar para o seu cartão telefónico n.º XXXXXXXXX, os contactos que fossem efectuados para o cartão n.º XXXXXXXXXX que pertencia ao ofendido LL, visando desse modo controlar e dar resposta pronta aos mesmos, tudo para dar continuidade à simulação de que o ofendido ainda se encontrava vivo.

Em 26/04/2010, sabendo que era impossível inquirir o ofendido LL como testemunha por o haver morto, o arguido apresentou queixa contra desconhecidos, denunciando um alegado furto ao veículo de matrícula XX-XX-XX, à qual foi atribuído o NUIPC 118/10.1GDCTX, indicando como testemunha da ocorrência dos factos o ofendido LL.

No dia 03/02/2010, o arguido comprou os cartões telefónicos com os n.ºs XXXXXXXXX e XXXXXXXXX, os quais registou em nome de LL, indicando todavia como morada deste a Rua da P…., V…. do M…, tudo com o propósito de ocultar a identidade do seu verdadeiro utilizador e criar a aparência de que LL estava vivo.

No final do ano de 2008, ou no início do ano de 2009, TT, à data com 16 anos de idade, conheceu o arguido, através de dois amigos seus que o convidaram a acompanhá-los à residência deste, sita na Rua P…, n.º XX, C….

Passando desde então aquele TT a frequentar a casa do arguido, este convenceu aquele ofendido a sujeitar-se a práticas sexuais, as quais tinham lugar na residência, deste, sita no n.º XX da Rua P… da localidade da C… com frequência quase diária.

No final do Verão do ano de 2009, TT e a ofendida QQ, à data com 16 anos de idade, iniciaram uma relação de namoro, mantendo, por algumas vezes, relações sexuais entre si, o que numa ocasião aconteceu na residência do arguido, tendo tal encontro sido por este propiciado.

Verificando que, mercê da aludida relação de namoro, o TT se mostrava rebelde, desafiando as suas ordens, o arguido decidiu matar a menor QQ e ocultar o seu corpo, tal como já havia feito aos outros ofendidos.

Em data indeterminada de 2010, mas anterior a 3 de Março, o arguido adquiriu os cartões de telemóvel com os n.ºs XXXXXXXX e XXXXXXXXX, tendo em vista utilizá-los em contactos, nomeadamente este último, com a QQ, e assim evitar que, acaso fosse efectuada ulterior investigação, se lograsse determinar quem utilizara tais cartões.

Tendo em vista a ganhar a confiança da menor QQ, o arguido fingira inicialmente apoiar o relacionamento que a mesma mantinha com TT, facilitando-lhes os encontros, dispondo-se mesmo a assegurar-lhes transporte para se encontrarem, bem como passou a trocar mensagens e chamadas com aquela.

No dia 03/03/2010, após as 11 horas, para conseguir ficar sozinho com a menor QQ e matá-la, o arguido contactou-a por telemóvel, aliciando-a para que fosse a casa dele fazer uma surpresa ao namorado TT, alegando que este ali se achava, prontificando-se a ir buscá-la a S… C…, localidade onde a menor residia.

Naquele dia, entre as 11 horas e 17 minutos e as 19 horas e 21 minutos, o arguido trocou 182 mensagens escritas com QQ, utilizando para o efeito os cartões com os n.ºs XXXXXXXX e XXXXXXXX, os quais introduziu no telemóvel com o IMEI XXXXXXXXXX, que lhe pertencia, conseguindo convencê-la a aceder a tal encontro.

No seguimento do plano que previamente delineara, cerca das 19 horas e 30 minutos desse dia, o arguido apanhou a menor QQ junto da residência da mesma, transportando-a no veículo de matrícula XX-XX-XX.

Depois das 21:15 horas, chegado a local desconhecido, por meio não apurado, o arguido molestou corporalmente a menor QQ, matando-a, e, acto contínuo, apropriou-se do telemóvel com o IMEI XXXXXXXXXX contendo o cartão telefónico com o n.º XXXXXXXX, tudo pertença daquela.

Após tal, dispôs do cadáver da ofendida de modo não apurado, mas idóneo a conseguir que o mesmo não fosse descoberto, o que conseguiu.

Também à semelhança do que fizera anteriormente, a partir daquela data o arguido encetou manobras junto dos familiares e amigos da ofendida QQ para lhes fazer crer que a mesma se tinha ausentado para o estrangeiro.

Assim, no dia 04/03/2011, pelas 13 horas e 1 minuto, por breves minutos, o arguido introduziu o cartão n.º XXXXXXXX, que pertencera à menor QQ, no telemóvel com o IMEI XXXXXXXXXXXXX, o qual pertencera ao ofendido LL e se mantinha desde a sua morte em poder do arguido.

No dia 06/03/2010, pelas 17 horas, o arguido deslocou-se, acompanhado de TT e de UU, respectivamente namorado e amigo da ofendida QQ, à residência dos pais desta.

Fê-lo com o intuito de simular ante os familiares da mesma preocupação com a sua ausência, tendo-os convencido a fazer um carregamento de € 5,00 no cartão n.º XXXXXXXXX, alegando que este poderia estar sem saldo, tudo para poder continuar a utilizá-lo.

Com efeito, no dia 07/03/2010, entre as 5 horas e 12 minutos e as 6 horas e 37 minutos, o arguido enviou diversas mensagens escritas, simulando tratar-se da ofendida QQ, para os telemóveis da mãe e da irmã desta, dizendo-lhes, nomeadamente, “0 mae tou bem 0kay dep0is eu v0lto 0kay beijinh0s”, “0 mae deichame tar 0kay eu depois v0lto”, “0kay dep0is eu v0lto mas ag0ra t0u a trabalhar num bar 0kay”, “eu vim purque quis tou a trabalhar 0kay”, “0 mae eu t0u bem 0kay dep0is eu v0lt0 0kay beijinh0s”, “0kay dep0is v0lt0 mas ag0ra t0u a trabalhar num bar 0kay ja na0 quer0 tar ai, aqui estou c0m 0 pess0al fumam0s ums canh0es e ta tud0 bem 0kay”, “eu vim purque quis t0u a trabalhar 0kay”, “t0u bem sim 0kay” e “Na franca”, bem como enviou uma mensagem ao namorado da mesma, TT, com o seguinte teor ”Amor eu estou bem. Okay. Amo-te.”.

Para tanto utilizou o cartão daquela com o n.º XXXXXXXXX, que inseriu no telemóvel com o IMEI XXXXXXXXXXXXXX, que pertencera a LL.

Também no referido dia 07/03/2010, quando se encontrava na área da localização celular de A-dos-Cunhados, o arguido efectuou dois contactos para um hotel sito na Roménia, usando o cartão e o telemóvel referidos no número anterior, levando a que, em seguida, da parte daquele hotel fosse efectuado um contacto para aquele número de telemóvel.

Previamente, o arguido procedera ao reencaminhamento das comunicações recebidas no cartão n.º XXXXXXXXX da ofendida, para o cartão telefónico nº XXXXXXXXX da mãe da mesma, CC, assim logrando que o telefonema proveniente da Roménia fosse recebido no cartão telefónico desta.

Agiu o arguido com o intuito de convencer a mãe da menor de que a filha se achava no estrangeiro, e que seria por esse motivo que estava a receber um tal telefonema do estrangeiro.

No dia 18/03/2010, o arguido deslocou-se a Badajoz, ocasião que aproveitou para enviar mensagens escritas à mãe e à irmã da ofendida QQ, VV, e a ZZ, amiga daquela ofendida, utilizando para o efeito o cartão com o n.º XXXXXXXXXX, que inseriu no telemóvel com o IMEI XXXXXXXXXX, tal como havia feito nos outros contactos que manteve com os familiares e amigos de QQ.

Também nessa data e igualmente em Badajoz, o arguido telefonou àquelas, utilizando, para o efeito, cabines telefónicas, às quais correspondem os n.ºs XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX e XXXXXXXXXX.

No dia 19/07/2010, o arguido tinha na sua posse, no interior da sua residência, os seguintes objectos:

- 14 munições de calibre 7,62X51 mm, também denominado “.308 Winchester”, com projéctil encamisado, designado internacionalmente como “full metal jacket”, as quais apresentavam sinais visíveis de envelhecimento, nomeadamente ferrugem, a desaconselhar a sua utilização;

- uma arma eléctrica, sem marca referenciada, com a inscrição “Great Power”- um dispositivo eléctrico alimentado por duas pilhas de 9 v, destinado a servir como arma eléctrica capaz de produzir descargas eléctricas inofensivas, mas dolorosas, quando a arma é encostada ao corpo do ofendido e accionado um interruptor, possuindo um dispositivo de segurança (corte de energia), para além do interruptor que acciona a descarga;

- um punhal de cabo dourado, com o cumprimento total de 36 cm, dos quais 23 cm são lâmina, esta com 6 cm de largura, sendo um dos lados da mesma parcialmente serrilhado, e, o outro, gume.

Bem sabia o arguido que não era titular de licença de uso e porte de arma, ou de qualquer outro documento válido que o habilitasse a legalmente ter na sua posse as munições e a arma eléctrica referidas.

O arguido tem personalidade com traços, ou características, histeriformes, narcísicas, anti-sociais e impulsividade, que remete para uma estrutura da personalidade do tipo borderline, com comportamento de manifesta frieza e distanciamento afectivo, reflectindo reserva e facetas de introversão, desconfiança, egocentrismo, sugestionabilidade, dificuldades em lidar com estímulos emocionais, instabilidade emocional, tendência à auto-desculpabilização, baixo limiar de tolerância a situações frustrantes e dificuldade no controlo dos impulsos.

A sua interacção com os outros é marcada por sedução, ou provocação, ou mesmo desconforto em não ser o centro das atenções.

O arguido quis molestar fisicamente as ofendidas HH e QQ com o propósito de lhes causar a morte, o que conseguiu.

No que concerne a estas ofendidas o arguido agiu ainda movido pelo ciúme, visando afastá-las daqueles com quem mantinha relacionamento amoroso, aproveitando-se da confiança ganha às mesmas para mais facilmente conseguir matá-las.

Nem o facto duma delas ter uma filha ainda menor, com apenas 9 anos de idade, nem o facto da outra contar apenas dezasseis anos de idade, foram suficientes para o demover duma tal actuação.

O arguido quis ainda atingir o LL com a barra em metal de que se muniu para o efeito na zona da cabeça, prevendo como possível que desta sua actuação resultasse a morte daquele ofendido, resultado este com o qual se conformou.

O arguido quis ainda dispor dos cadáveres dos ofendidos HH, LL e QQ e modo a fazê-los desaparecer, com a intenção de conseguir convencer os respectivos familiares de que os mesmos ainda se achavam vivos em parte incerta e, desse modo, melhor encobrir os crimes de homicídio que havia praticado.

Fê-lo bem sabendo que não se achava autorizado a dar destino aos cadáveres dos mesmos.

Bem sabia o arguido que a assinatura que apunha na carta que escrevera pertencia a terceiro que a não escrevera pelo seu punho.

Quis ainda assim elaborar a carta, e apor-lhe assinatura que sabia não corresponder à verdade, com o intuito de, fazendo crer que a mesma fora escrita por LL, cuja assinatura nela forjava, convencer os seus familiares de que o mesmo estava vivo e, desse modo, melhor encobrir o homicídio que praticara.

O arguido quis ainda ter em seu poder as munições, a arma eléctrica e o punhal atrás mencionados, como teve, bem sabendo que a respectiva detenção lhe estava vedada.

Agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas actuações eram proibidas.

O arguido sofreu as seguintes condenações:

- por sentença proferida em 26 de Janeiro de 2000 no processo comum singular n.º 307/95.7 GALNH do Tribunal Judicial da Lourinhã e pela prática, em 3/12/95, de um crime de burla na forma tentada e outro de falsificação de documento, p. e p. nos art.ºs 256.º, nºs 1 e 2, al. b) do CP e  218.º, n.º 2, al. a) 22.º, 23.º e 73.º do mesmo diploma legal foi condenado nas penas de, respectivamente, 10 e 8 meses de prisão. Em cúmulo jurídico foi-lhe aplicada a pena única de 14 meses de prisão, a qual ficou suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, vindo a ser declarada extinta por despacho proferido em 15 de Maio de 2002;

- por decisão proferida em 4 de Julho de 2001, no âmbito do processo comum singular n.º 2931/98.1 PVLSB, da 1.ª secção do 1.º Juízo do tribunal Criminal de Lisboa e pela prática, em 11/12/2007, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. no art.º 11.º, n.º 1, al. a) do DL 454/91, de 28/12, foi condenado na pena de 7 meses de prisão, a qual foi julgada inteiramente perdoada ao abrigo do art.º 4.º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio;

- por sentença proferida em 25 de Maio de 2004, no âmbito do processo comum singular n.º 174/03.9 TAPNI, do 2.º juízo do Tribunal judicial de Peniche e pela prática, em 18/4/2002, de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. No art.º 6.º da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, foi-lhe aplicada a pena de 90 dias de multa à taxa de € 2,00 por dia, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento mediante despacho datado de 18/10/2004.

A ofendida HH era mãe da menor BB, nascida a 8 de Junho de 2000.

Na sequência do desaparecimento da mãe a menor ficou convencida que teria sido por ela abandonada, tendo carecido de ser acompanhada por psicóloga.

A BB costumava acompanhar a mãe para todo o lado, tendo-se tornado uma criança triste e revoltada.

A descoberta de que a mãe morreu e o corpo não foi descoberto agravou a situação psicológica da menor.

À data da sua morte a QQ vivia com os pais, sendo estudante.

Era uma adolescente bonita e ligada à família por laços afectivos fortes.

Os assistentes CC e DD vivenciaram o desaparecimento de sua filha QQ, a mais nova das duas filhas do casal, com intenso sofrimento.

Desde então o casal tem a sua vida em suspenso, não conseguindo trabalhar nem dormir, não conseguindo desviar o pensamento da filha e não parando de recriar o que lhe aconteceu.

À assistente CC foi diagnosticada perturbação depressiva e distúrbio ansioso, tendo também o assistente DD recorrido a acompanhamento psiquiátrico, encontrando-se ambos medicados, medicamentos que este adquire a expensas suas.

O assistente DD é hoje um homem triste e melancólico.

Também os assistentes EE e GG sentiram imensa saudade do filho e agora, convencidos da sua morte, intenso desgosto».

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Nulidade do Acórdão  

Entende o recorrente AA que o acórdão impugnado enferma de nulidade por falta de fundamentação da decisão de facto, designadamente por falta de exame crítico das provas, bem como por o Tribunal da Relação ter formado a sua convicção em juízo de probabilidade assente nas regras da experiência ou de vida sem a necessária motivação.

Como se consignou no acórdão deste Supremo Tribunal de 07.02.28, proferido no Recurso n.º 35/07[15], o n.º 2 do artigo 374º não é directamente aplicável às decisões proferidas, por via de recurso, pelos tribunais superiores, mas só por via de aplicação correspondente do artigo 379º (ex vi artigo 425º, n.º 4), razão pela qual as exigências ali impostas terão de ser devidamente adaptadas, tendo em vista que as decisões proferidas em recurso visam a sindicação de decisão já proferida, essa, sim, sujeita a escrupuloso cumprimento da disciplina e comandos constantes do preceito em causa. O reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (artigo 430º), uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – artigo 412º, n.º 3, alíneas a) e b).

O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência. Por isso, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação das já proferidas, sendo certo que, no exercício dessa tarefa, o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, razão pela qual se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas, se pode limitar a aderir ao exame crítico efectuado pelo tribunal recorrido.

No caso vertente, porém, verificamos que o tribunal a quo não se limitou a aderir ao exame crítico das provas efectuado pelo tribunal de 1ª instância, sendo certo que, de forma circunstanciada, procedeu a uma análise minuciosa de toda a prova produzida, respondendo de forma clara a todas as questões e dúvidas colocadas pelo arguido AA em sede de recurso, o que fez fundamentadamente. Concretamente, apreciou o comportamento e postura assumidos pelo arguido na audiência, com destaque para o silêncio que adoptou durante a fase de produção de prova[16], posto o que procedeu ao exame de toda a prova produzida, incluindo a resultante das perícias psicológica e psiquiátrica a que o arguido foi submetido, exame que orientou em função das questões que o objecto do processo suscita e que lhe foram colocadas no recurso. Verdadeiramente, o Tribunal da Relação de Lisboa, não sendo a isso obrigado, procedeu a um segundo julgamento, tendo sindicado a decisão de facto através da reapreciação de toda a prova.

Não enferma pois da nulidade arguida o acórdão impugnado.

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Violação dos Princípios da Presunção de Inocência e In Dubio Pro Reo

Sob a alegação de que a convicção a que as instâncias chegaram, particularmente no que respeita à autoria dos factos delituosos, se formou sem suporte probatório, em depoimentos vagos, eivados de suposições e convicções pessoais, bem como sob a invocação de que nenhuma prova se fez no sentido de que as pessoas desaparecidas estejam mortas, muito menos de que tenha sido o arguido a matá-las, entende o recorrente AA terem sido violados os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo, com postergação da Constituição Política, designadamente dos n.ºs 1 e 2 do artigo 32º.

Mais alega que, face à insuficiência da prova, deve ser absolvido dos crimes de homicídio e de ocultação de cadáver.

Apreciando, dir-se-á.

O arguido através da invocação da violação de princípios de matriz constitucional e de processo penal o que na realidade impugna é o conteúdo da decisão proferida sobre a matéria de facto, com a qual discorda, pretendendo, ao fim e ao cabo, como expressamente refere na motivação de recurso, que este Supremo Tribunal o absolva da prática dos crimes de homicídio e de ocultação de cadáver por insuficiência de prova.

Sucede que tal julgamento, implicando, necessariamente, o reexame da matéria de facto, está vedado a este Supremo Tribunal, como tribunal de revista que é – artigo 33º, da Lei n.º 52/08, de 28 de Agosto (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais). No nosso ordenamento jurídico-penal, a sindicação da decisão sobre a matéria de facto, processa-se em um só grau de recurso, sendo para tal competente o Tribunal da Relação – artigo 428º –, instância que, no caso vertente, foi chamada a exercer essa actividade.

Destarte, não podendo este Supremo Tribunal sindicar as decisões proferidas pelas instâncias em sede de matéria de facto, é evidente estar-lhe vedado verificar se as instâncias valoraram, apreciaram e interpretaram correctamente a prova, com respeito pelos princípios constitucionais e de processo penal, designadamente segundo o princípio da presunção de inocência.

Quanto ao princípio in dubio pro reo, na mesma linha de pensamento, certo é que o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de recurso, só pode aferir da eventual violação daquele princípio quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, visto que saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida é uma questão de facto[17]. No caso vertente é manifesto que as instâncias não ficaram na dúvida em relação a qualquer facto daqueles que consideraram provados, razão pela qual é de concluir ser infundado o recurso nesta parte.

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Desajustada Dosimetria das Penas

Alega o arguido AA que por maiores que se mostrem as necessidades de prevenção que cada caso reclama a pena a aplicar está intrinsecamente limitada pela medida da culpa, sendo que o condenado deve se apreciado como pessoa e por aquilo que fez, o que no caso dos autos não se verifica, quer no que concerne às penas singulares impostas quer no que diz respeito ao cúmulo jurídico de penas efectuado, constatando-se que a decisão que determinou a medida das penas cominadas não se mostra fundamentada nos critérios legais definidos nos artigos 40º, 71º e 77º, do Código Penal.

Em resultado da rejeição parcial do recurso certo é que o poder de cognição deste Supremo Tribunal está circunscrito à sindicação das penas aplicadas ao arguido AA pela autoria dos três crimes de homicídio e, obviamente, da pena conjunta imposta.

A pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das necessidades e exigências de prevenção – artigo 71º, n.º 1, do Código Penal.

A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – artigo 40º, n.º 2, do Código Penal[18].                                                                                                   

Dentro deste limite a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995[19].

O bem jurídico tutelado no crime de homicídio é, obviamente, a vida humana, bem jurídico inviolável – artigo 24º, da Constituição da República Portuguesa –, situado no ponto mais alto da hierarquia dos direitos fundamentais em qualquer Estado de direito.

Os factos típicos perpetrados pelo arguido AA destacam-se, pois, de entre os crimes mais graves de qualquer ordenamento jurídico-penal civilizado.

O grau de ilicitude dos factos é, por isso, muito elevado.

O arguido AA agiu com dolo directo no que diz respeito a dois dos homicídios e com dolo eventual relativamente ao terceiro.

O seu grau de culpa, dentro de uma culpa já acentuada, situa-se em patamar muito alto.

Relativamente às necessidades de prevenção geral elas são por demais evidentes, tanto mais estarmos perante três crimes de homicídio, o que exige uma resposta firme.

No plano da prevenção especial avulta a personalidade do arguido AA, com traços ou características histeriformes, narcísicas, anti-sociais e impulsividade, que remete para uma estrutura da personalidade do tipo borderline, com comportamento de manifesta frieza e distanciamento afectivo, reflectindo reserva e facetas de introversão, desconfiança, egocentrismo, sugestionabilidade, dificuldades em lidar com estímulos emocionais, instabilidade emocional, tendência à auto-desculpabilização, baixo limiar de tolerância a situações frustrantes e dificuldade no controlo dos impulsos, personalidade que se mostra bem reflectida nos factos, os quais são reveladores do reduzido ou nulo valor que o arguido tem pela vida humana.

O arguido AA não confessou os crimes nem deles se mostrou arrependido.

Ao crime de homicídio qualificado cabe a pena de 12 a 25 anos de prisão e ao crime de homicídio a pena de 8 a 16 anos de prisão.

Como atrás se deixou consignado, a defesa da ordem jurídico-penal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura pena abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente, entre estes limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de ressocialização.

A esta luz, tento em atenção todas as circunstâncias ocorrentes, ter-se-á de concluir que as penas fixadas pelas instâncias (18 anos, 13 anos e 12 anos e 6 meses de prisão) se situam dentro das sub-molduras referidas, não merecendo, por isso, qualquer reparo.

Passando à sindicação da pena conjunta, através da qual se pune o concurso de crimes, certo é que segundo o texto do n.º 2 do artigo 77º do Código Penal, ela tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 16 anos e o máximo de 25 anos de prisão.

Segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas[20]. Com efeito, a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.

Como esclareceu o autor do Projecto do Código Penal, no seio da respectiva Comissão Revisora[21], a razão pela qual se manda atender na determinação concreta da pena unitária, em conjunto, aos factos e à personalidade do delinquente, é de todos conhecida e reside em que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário, de onde resulta, como ensina Jescheck[22], que a pena única ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente.

Posição também defendida por Figueiredo Dias[23], ao referir que a pena conjunta deve ser encontrada, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, relevando, na avaliação da personalidade do agente sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sem esquecer o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro daquele, sendo que só no caso de tendência criminosa se deverá atribuir à pluriocasionalidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura da pena conjunta.

Adverte no entanto que, em princípio, os factores de determinação da medida das penas singulares não podem voltar a ser considerados na medida da pena conjunta (dupla valoração), muito embora, «aquilo que à primeira vista possa parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração»[24].

Daqui que se deva concluir, como concluímos, que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos[25], tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele[26].

Atenta a natureza, multiplicidade e gravidade dos factos perpetrados, factos que, como atrás se consignou, bem reflectem a personalidade do arguido AA, dúvidas não restam da sua tendência criminosa. Tal circunstância em conjugação com o quantum concreto das penas singulares, impõe se conclua que a pena conjunta de 25 anos de prisão aplicada não merece qualquer reparo, pena esta necessária para a dissuasão e ressocialização do arguido.

                                          *

Termos em que se acorda:

a) Rejeitar o recurso relativamente aos crimes de ocultação de cadáver, falsificação de documento e detenção ilegal de arma, bem como na parte em que visa o reexame da matéria de facto, incluindo a arguição dos vícios previstos nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal;

b) Negar-lhe provimento quanto ao mais, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando em 8 UC a taxa de justiça.

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Supremo Tribunal de Justiça, 4 de Julho de 2013

Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa



[1] - São as seguintes as penas singulares impostas:
- crime de homicídio qualificado: 18 anos de prisão;
- crime de homicídio: 13 anos de prisão;
- crime de homicídio: 12 anos e 6 meses de prisão;
- crimes de ocultação de cadáver: 12 meses de prisão por cada um;
- crime de falsificação: 12 meses de prisão;
- crime de detenção ilegal de arma: 3 meses de prisão.
[2] - O texto que a seguir se transcreve, tal como os demais que se irão transcrever, corresponde integralmente ao constante dos autos.
[3] - Serão deste diploma legal todos os demais preceitos a citar sem menção de referência.
[4] - É do seguinte teor o n.º 2 do artigo 414º:
«O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer ou quando faltar a motivação».
[5] - É do seguinte teor o n.º 1 do artigo 32º da Constituição:
«O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso».
[6] - Entre muitos outros, os acórdãos de 09.05.14, 09.05.27, 10.03.03, 10.03.25, 10.05.27 e de 11.01.19, proferidos nos Processos 1182/06.3PAALM.S1, 145/05, 138/02.0PASRQ.L1, 427/08.0TBSTB.E1.S1, 11/04.7GCABT.C1.S1. e 376/06.6PBLRS.L1.S1.
[7] - É do seguinte teor o artigo 33º, da LOFTJ, na redacção da Lei n.º 58/08, de 28 de Agosto:
«Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito».
[8] - Em todo o caso, consabido que o Supremo Tribunal de Justiça pode, oficiosamente, conhecer dos vícios em questão (artigo 434º), consignado se deixa que, examinado o acórdão impugnado, não se vê que o mesmo enferme de qualquer um deles.
[9] - Entre muitos outros, os acórdãos de 08.11.13, 09.09.23 e 10.06.23, proferidos nos Processos n.ºs 3381/08, 27/04.3GGBTMC.S1 e 1/07.8ZCLSB.L1.S1
[10] - O pleno do Tribunal Constitucional, em decisão recente, de 4 de Abril do ano em curso, chamado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional deste entendimento jurisprudencial, decidiu:
«Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão».
[11] - Na expressão de José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português (1997), II, 41, são causa de incapacidade do juiz exercer os poderes jurisdicionais que lhe estão conferidos.
[12] - Caso o juiz não declare o impedimento pode o mesmo ser requerido pelo Ministério Público, arguido, assistente ou partes civis.
[13] - A lei – artigo 43º, n.º 1 – alude a situação em que existe o risco de a intervenção do juiz ser considerada suspeita, por existir motivo sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
[14] - Em sentido idêntico, qual seja o de que a enumeração dos impedimentos é taxativa, pronuncia-se José António Barreiros, ibidem, 41/42, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, notas ao artigo 39º, bem como este Supremo Tribunal de Justiça – entre outros, os acórdãos de 04.05.12 e 04.06.16, proferidos nos Processos n.ºs 257/04 e 721/04.
[15] - A orientação assumida naquele acórdão constitui jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal – cf. entre muitos outros, os acórdãos de 06.10.25, 07.01.29 e 07.02.21, proferidos nos Recursos n.ºs 2170/06, 4354/06 e 3932/06.
[16] - O arguido AA só optou por falar após as alegações orais.
[17] - Cf. entre muitos outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 06.05.03 e 07.01.29, proferidos nos Recursos n.ºs 557/06 e 4354/06.
[18] - A pena da culpa, ou seja, a pena adequada à culpabilidade do agente, deve corresponder à sanção que o agente do crime merece, isto é, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade – Cf. Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.
[19] - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111. Na esteira desta doutrina, entre muitos outros, o acórdão deste Supremo Tribunal de 04.10.21, na CJ (STJ), XII, III, 192.
[20] - O nosso legislador penal não adoptou o sistema da absorção (punição com a pena concreta do crime mais grave), o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem o sistema da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e os singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), tendo mantido todas as opções possíveis em aberto.
[21] - Acta da 28ª Sessão realizada em 14 de Abril de 1964.
[22] - Tratado de Derecho Penal Parte General (4ª edição), 668.
[23] - Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292.
[24] - Proibição de dupla valoração defendida por Eduardo Correia no seio da Comissão Revisora do Código Penal e ali maioritariamente aceite, ao ser rejeitada proposta apresentada pelo Conselheiro Osório no sentido de os critérios gerais de determinação da medida da pena serem também aplicáveis à determinação da pena única – acta já atrás referida.
[25] - Personalidade referenciada aos factos, ou seja, reflectida nos factos, visto que estes, como resultado da vontade e actuação do delinquente, espelham a sua forma de pensar e o seu modo de ser, o seu temperamento, carácter e singularidade, isto é, a sua personalidade.
[26] - Tem sido este o entendimento por nós assumido, como se pode ver, entre muitos outros, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 08.03.05, 09.11.18 e 11.02.23, proferidos nos Processos n.ºs 114/08, 702/08. 3GDGDM. P1.S1 e 429/03. 2PALGS.S1.