Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15786/16.2T8LSB.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE SANÇÃO DISCIPLINAR
CADUCIDADE
CADUCIDADE DA AÇÃO
EXCEÇÃO PERENTÓRIA
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PROCEDIMENTO DISCIPLINAR.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO / CONCENTRAÇÃO DA DEFESA / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum – À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, setembro 2013, 97-99.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 298.º, N.º 2, 303.º, 333.º, N.ºS 1 E 2, 334.º, 342.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 2.º, N.º 2, 573.º, N.ºS 1 E 2, 608.º, N.º2, 663.º, N.º 2, 679.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 1.º, N.º 2, ALÍNEA A).
CÓDIGO DE TRABALHO (CT): - ARTIGO 329.º, N.º 7.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 30 DE MARÇO DE 2006, PROCESSO N.º 3921/05, DA 4.ª SECÇÃO.
-DE 6 DE DEZEMBRO DE 2011, PROCESSO N.º 338/08.97TTLSB.L1.S1, DA 4.ª SECÇÃO
-DE 12 DE FEVEREIRO DE 2014, PROCESSO N.º 298/12.1TTMTS-A.P1.S1, E DE 19 DE FEVEREIRO DE 2014, PROCESSO N.º 4272/08.4TTLSB.L1.S1, AMBOS DA 4.ª SECÇÃO.
Sumário :
1.  A exceção perentória de caducidade da ação de impugnação de sanção disciplinar, porque não versa sobre direitos indisponíveis, mas antes sobre direito que está na livre disposição das partes, não é de conhecimento oficioso, necessitando de ser invocada por aquele a quem aproveita, de acordo com o estatuído nos conjugados artigos 303.º e 333.º, n.º 2, do Código Civil.

2.  O princípio da concentração da defesa exige que esta seja deduzida, totalmente, na contestação, salvo os casos de exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente, sob pena de preclusão da possibilidade de efetuar a mencionada dedução.

3.  A ré/empregadora, ao invocar a exceção de caducidade da ação de impugnação de sanção disciplinar aplicada à trabalhadora após a contestação e em requerimento autónomo, infringindo o princípio da concentração da defesa, acolhido no n.º 1 do artigo 573.º do Código de Processo Civil, perdeu o direito de deduzir tal exceção, pelo que o tribunal não poderia ter conhecido da sobredita invocação.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

1. Em 22 de junho de 2016, na Comarca de Lisboa, Lisboa — Instância Central — 1.ª Secção do Trabalho — J7, AA propôs ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, S. A., pedindo (i) seja declarada como abusiva a sanção disciplinar de 22 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade, que a ré lhe aplicou, (ii) a condenação da ré a pagar-lhe as retribuições que não recebeu, em virtude da aplicação daquela sanção disciplinar, que ascendem a € 2.399, à data da instauração da presente ação, (iii) a condenação da ré a pagar-lhe a indemnização prevista no n.º 5 do artigo 331.º do Código do Trabalho, no valor de € 23.990, (iv) a condenação da ré a pagar-lhe € 10.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, (v) tudo com as legais consequências, «nomeadamente e para os efeitos da carreira contributiva da autora na Segurança Social», e (vi) que a ré seja condenada a pagar-lhe juros de mora legais, desde a data da citação até integral pagamento, as custas do processo, procuradoria condigna e demais encargos legais.

Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré apresentou contestação em que, como ponto prévio, requereu a não admissão da testemunha Dr.ª BB, indicada pela autora, excecionou a existência de caso julgado em relação ao exposto nos artigos 10.º a 13.º e 15.º C e D da petição inicial e impugnou, quanto ao mais, a matéria alegada pela autora, defendendo, a final, a procedência da exceção deduzida, a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

Notificadas as partes da data agendada para a realização do julgamento e, posteriormente, para identificarem a ação, pendente em tribunal, na qual a autora impugnou o respetivo despedimento, e informar sobre o estado desse pleito, a ré veio apresentar requerimento, onde, para além do mais, invocou «a caducidade do direito de ação da Autora, porquanto, à data de instauração da presente ação, já o prazo de impugnação se encontrava ultrapassado», concluindo que o tribunal devia «julgar procedente a caducidade do direito da Autora de impugnar a sanção disciplinar».

A autora não respondeu à exceção perentória deduzida pela ré.

Após a junção ao processo de quatro documentos referidos na contestação, o tribunal de primeira instância proferiu despacho saneador, com o valor de sentença, que julgou procedente a invocada exceção, nos termos que se passam a transcrever:

                   «Veio a R. invocar a exceção de caducidade do direito de ação da A.
                      Esta, notificada, nada respondeu.
                     Tudo visto, porque o estado da causa o permite, passemos a conhecer desta exceção.
                      São os seguintes os factos com relevância para a decisão da exceção em análise:
                  1.   Na sequência de processo disciplinar contra si instaurado pela R., foi a A. punida com a sanção de 22 dias de suspensão de trabalho com perda de retribuição e antiguidade.
                  2.   Esta decisão foi proferida pela R., em 27 de Janeiro de 2015, e comunicada à A., em 11 de Fevereiro de 2015.
                  3.  Em 2 de Março de 2015, a A. reclamou hierarquicamente desta sanção, vindo tal reclamação a ser indeferida e confirmada a decisão disciplinar, em 25 de Junho de 2015, o que foi comunicado à A., em 29 de Junho seguinte.
                  4.   A A. cumpriu a sanção disciplinar em causa entre os dias 30 de Junho e 21 de Julho de 2015.
                  5.   A presente ação foi interposta no dia 23 de Junho de 2016.
                      A caducidade configura uma exceção perentória, em regra de conhecimento dependente de arguição pelo interessado, que, em caso de procedência, determina a absolvição da R. do pedido — artigos 576.º, n.º 3, 579.º, este do Código de Processo Civil, e 333.º do Código Civil.
                     Preliminarmente diga-se que a prova da caducidade, enquanto facto extintivo do direito da A., impende sobre a R. — artigo 342.º do Código Civil.
                     O prazo de caducidade a ter em conta nestes autos, como tem sido entendido pela quase unanimidade da nossa jurisprudência, uma vez que está em causa a impugnação de uma sanção disciplinar, é de um ano a contar da data em que a mesma sanção foi aplicada.(-)
                     E este ano conta-se desde a data da comunicação ao trabalhador da aplicação da sanção e não do momento em que a mesma possa colher os seus efeitos práticos, maxime o momento em que é descontada a retribuição correspondente à sanção aplicada ou aquele em que o trabalhador cumpre a suspensão.
                     Assim mesmo decidiu, entre outros, lapidarmente o Acórdão do STJ, de 20/05/1998:
                     “Afigura-se como mais correta a solução de que a reclamação terá de ser feita no prazo de um ano a contar da comunicação da aplicação da sanção.
                     Esta solução é a que melhor se harmoniza com os princípios da estabilidade e certeza do direito disciplinar, evitando que se fique vários anos — 10, 15... — sem se saber se determinada sanção se mantém ou é anulada.” (-)
                      E mais recentemente:
                     “O prazo de impugnação das sanções disciplinares não abusivas e conservatórias da manutenção do contrato de trabalho possui a natureza de um prazo de caducidade e é de um ano contado desde a comunicação da referida pena disciplinar ao trabalhador.» (-)
                     Compulsados os factos dados como assentes é mister considerar procedente a invocada caducidade.
                     Está assente que a decisão de aplicação da sanção disciplinar foi comunicada à A. no dia 11 de Fevereiro de 2015 e que esta demanda foi intentada apenas no dia 23 de Junho de 2016, bem mais de um ano depois daquele primeira data.
                     A circunstância da A. ter recorrido hierarquicamente da decisão não tem relevo para a interrupção ou suspensão do prazo de caducidade em causa. Com efeito, este só se interrompe ou suspende nos casos previstos na lei — artigo 328.º do Código Civil.
                      Todos os demais pedidos da A. dependem da apreciação e da ilicitude da sanção disciplinar aplicada, pelo que terão todos de ter o mesmo destino: a improcedência.
                     Face ao exposto, julgamos procedente a invocada caducidade do direito de ação da A. e em consequência absolvemos a R. de tudo o peticionado.
                     Custas pela A. — artigo 527.º do Código de Processo Civil.
                     Fica sem efeito o julgamento agendado em audiência de partes.
                      Registe e notifique.»

2. Inconformada, a autora interpôs recurso per saltum de revista para este Supremo Tribunal, formulando, quanto ao respetivo objeto, as conclusões seguintes:

      «1.ª   O Douto Tribunal a quo ao decidir dar provimento à exceção de caducidade invocada pela R., em requerimento autónomo e momento posterior à apresentação da sua contestação, viola o disposto nos artigos 573.º e 672.º do Código de Processo Civil, por preterição de caso julgado formal;
                 2.ª O Douto Tribunal a quo ao decidir dar provimento à exceção de caducidade invocada pela R., com fundamento de que a Recorrente teria um ano a contar da data da comunicação da sanção pelo empregador à trabalhadora para impugnar judicialmente a mesma, está a violar o disposto nos artigos:
                  a)   26.1; 38.1 e 331.2 da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (revisão do Código do Trabalho);
                  b)   337.1; 337.2 e 345 da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (Código do Trabalho);
                  c)   10.º e 287.º do DL n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966 (Código Civil).

  A final, sustenta que «deve a Sentença a quo ser alterada por forma a:
                 a)  Declarar o caso julgado formal e consequente prossecução dos ulteriores termos processuais;
                  b)   Ordenar que se efetue a audiência de julgamento para que se possa aferir, por prova a efetuar no mesmo, do caráter abusivo da sanção e posteriormente da exceção de caducidade do direito à impugnação judicial da Recorrente.»

A ré contra-alegou, propugnando a confirmação do julgado e aduzindo, em síntese, que «tendo sido válida, legal e tempestivamente arguida esta caducidade por parte da Recorrida não poderia ter sido outra a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância», sendo que a recorrente, «não tendo invocado, em momento próprio — entenda-se, até 4 de Janeiro de 2016 — a sua não concordância com a alegada exceção de caducidade, cremos que agora, em sede de recurso, já é extemporânea a defesa apresentada», o que consubstanciará «um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, na medida em que, quando poderia ter feito algo, optou por nada fazer/responder, [s]ujeitando-se, por isso, ao que o Tribunal de 1.ª Instância pudesse vir a decidir», aditando que não se configura «qualquer violação ao disposto nos artigos 573.º e 620.º do NCP, como alega a Recorrente».

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer, no qual explicitou o acervo conclusivo subsequente:
                        Face à lacuna existente no Código do Trabalho no que toca ao prazo para instaurar ação de impugnação de sanção disciplinar conservatória, dever-se-á entender que aquele prazo é de um ano, contado do dia em que o trabalhador foi notificado da aplicação da sanção;
                   – Trata-se de um prazo de caducidade;
                    – O direito de ação deve ser tido como direito indisponível — artigo 20.º da CRP;
                     – Da conjugação do disposto nos artigos 303.º e 333.º, n.º 2, do CC, in casu, o conhecimento da caducidade do mencionado direito deverá ser oficioso;
          – A situação dos autos constitui uma daquelas em que o legislador admite ser possível que, após a contestação, possam ser invocadas exceções, sem que isso conflitue com a norma ínsita no artigo 573.º do CPC, razões pelas quais se emite parecer no sentido de ser negada a revista […].»

O mencionado parecer, notificado às partes, não obteve resposta.

3. No caso, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

             Se a exceção de caducidade invocada pela ré, em requerimento autónomo e em momento posterior à apresentação da contestação, não foi arguida tempestivamente, pelo que o tribunal recorrido não devia ter conhecido daquela invocação (conclusão 1.ª da alegação do recurso de revista);
             –   Concluindo-se pela tempestividade da arguição da assinalada exceção, se esta deve improceder (conclusão 2.ª da alegação do recurso de revista).

Preparada a deliberação, cumpre julgar o objeto do recurso interposto.

                                               II

1. Para além da factualidade contida no ponto 1. do relatório que antecede, nenhuma outra importa discriminar com vista ao exame das questões suscitadas.

2. O tribunal recorrido julgou procedente a invocada exceção perentória da caducidade do direito de ação para impugnação da sanção disciplinar de 22 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade e, em consequência, absolveu a ré de tudo o peticionado na presente ação.

A autora discorda, propugnando que o tribunal recorrido, ao decidir «dar provimento à exceção de caducidade invocada pela R., em requerimento autónomo e momento posterior à apresentação da sua contestação, viola o disposto nos artigos 573.º e 672.º do Código de Processo Civil, por preterição de caso julgado formal».

2.1. O prazo para a propositura de ações está sujeito, em regra, ao regime da caducidade, tal como estabelece o n.º 2 do artigo 298.º do Código Civil, nos termos do qual, «[q]uando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição».

Ora, o n.º 7 do artigo 329.º do Código de Trabalho reconhece ao trabalhador o direito de ação judicial com vista à impugnação de sanções disciplinares, sendo que este Supremo Tribunal tem vindo a entender que «[é] de caducidade o prazo de que os trabalhadores dispõem para impugnar judicialmente uma sanção disciplinar que lhes tenha sido aplicada pela sua [empregadora], pois trata-se de um direito que deve ser exercido através de uma ação judicial, a intentar dentro de determinado prazo» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de dezembro de 2011, Processo n.º 338/08.97TTLSB.L1.S1, da 4.ª Secção), que «[a]s sanções disciplinares laborais não abusivas, distintas do despedimento, devem ser impugnadas no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação ao infrator» (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de fevereiro de 2014, Processo n.º 298/12.1TTMTS-A.P1.S1, e de 19 de fevereiro de 2014, Processo n.º 4272/08.4TTLSB.L1.S1, ambos da 4.ª Secção) e, doutro passo, que «[e]stando em causa a impugnação de sanções abusivas diversas do despedimento, a ação respetiva pode ser instaurada até um ano após o termo da relação de trabalho, estando os créditos derivados da respetiva aplicação sujeitos ao regime de prescrição decorrente do n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho de 2009 e aos condicionalismos probatórios previstos no n.º 2 do mesmo artigo, quando vencidos há mais de cinco anos» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de fevereiro de 2014, citado).

2.2. Segundo o estatuído no artigo 333.º do Código Civil, «[a] caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes» (n.º 1); mas, «[s]e for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303.º» (n.º 2), ou seja, necessita, para ser eficaz, de ser invocada «por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público».

Através da presente ação, a autora veio impugnar a sanção disciplinar que lhe foi aplicada pela respetiva empregadora, de 22 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade, sendo que a caducidade, na situação em apreço, não é de conhecimento oficioso, na justa medida em que está estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes.

Efetivamente, a impugnação judicial de sanção disciplinar pelo trabalhador corresponde a um direito cujo exercício depende apenas do seu livre entendimento e da sua vontade, na sequência da comunicação da decisão de aplicação da sanção.

Assim, no caso, a caducidade do direito de ação judicial conferido à autora, face ao disposto nos conjugados artigos 303.º e 333.º, n.º 2, ambos do Código Civil, não pode ser apreciada oficiosamente pelo tribunal, carecendo de ser invocada por aquele a quem aproveita, isto é, pela ré/empregadora, competindo a esta o respetivo ónus de alegação e prova, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil.

2.3. O artigo 573.º do Código de Processo Civil, intitulado «Oportunidade de dedução da defesa», prevê que «[t]oda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei manda deduzir em separado» (n.º 1), determinando que «[d]epois da contestação só podem ser deduzidas as exceções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente» (n.º 2), sendo que o apontado complexo normativo se projeta, subsidiariamente, nos processos de natureza laboral, nos termos do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.

No dizer de JOSÉ LEBRE DE FREITAS (A Ação Declarativa Comum – À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, setembro 2013, pp. 97-98), estão em causa, no n.º 2 do artigo 573.º citado: «meios de defesa supervenientes, abrangendo quer os casos em que o facto em que eles se baseiam se verifica supervenientemente (superveniência objetiva), quer aqueles em que esse facto é anterior à contestação, mas só posteriormente é conhecido pelo réu (superveniência subjetiva), devendo em ambos os casos ser alegado em articulado superveniente (art. 588-2)(-); meios de defesa que a lei expressamente admita posteriormente à contestação(-); meios de defesa de que o tribunal pode conhecer oficiosamente(-), abrangendo a impugnação de direito (art. 5-3) e a maioria das exceções dilatórias (art. 578) e perentórias (art. 579)(-), sem prejuízo de os factos em que as exceções se baseiem só poderem ser introduzidos no processo pelas partes (salvo os casos excecionais em que é permitido o seu conhecimento oficioso: art. 412), na fase dos articulados ou com os limites definidos para a alegação de facto em articulado superveniente […](-)

E, prosseguindo, o mencionado AUTOR sintetiza: «Corolário do princípio da concentração é a preclusão. O réu tem o ónus de, na contestação, impugnar os factos alegados pelo autor, alegar os factos que sirvam de base a qualquer exceção dilatória ou perentória (excetuadas apenas as que forem supervenientes)(-) e deduzir as exceções não previstas na norma excecional do art. 573-2. Se não o fizer, preclude a possibilidade de o fazer(-)» (ob. cit., pp. 98-99).

No caso, não se configura qualquer das situações excecionais a que alude o n.º 2 do artigo 573.º do Código de Processo Civil; com efeito, não está em causa um meio de defesa superveniente, nem a caducidade do direito de impugnação judicial de sanção disciplinar exercido pela autora constitui um meio de defesa cujo exercício a lei expressamente admita após a contestação, nem é de conhecimento oficioso.

Nestes termos, a ré deveria, em sede de contestação, ter invocado a exceção de caducidade do direito de impugnação judicial da sanção disciplinar aplicada, tanto mais que o facto que fundamenta a caducidade (decurso do prazo de um ano entre a data da comunicação da sanção e a data da propositura da ação) era do conhecimento da ré à data em que apresentou a respetiva contestação.

Tudo para concluir que a ré, ao invocar a exceção de caducidade da ação de impugnação de sanção disciplinar aplicada após a contestação e em requerimento autónomo, infringindo o princípio da concentração da defesa, estabelecido no artigo 573.º do Código de Processo Civil, perdeu o direito de deduzir tal exceção, pelo que o tribunal recorrido não poderia ter conhecido daquela invocação.

E não se diga, como sustenta a ré na atinente alegação, em sede de recurso de revista, que a autora, «não tendo invocado, em momento próprio […] a sua não concordância com a alegada exceção de caducidade, cremos que agora, em sede de recurso, já é extemporânea a defesa apresentada», o que consubstanciará «um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, na medida em que, quando poderia ter feito algo, optou por nada fazer/responder, [s]ujeitando-se, por isso, ao que o Tribunal de 1.ª Instância pudesse vir a decidir».

O abuso do direito, tal como se prevê na norma do artigo 334.º do Código Civil, traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Conforme se esclarece no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 30 de março de 2006 (Processo n.º 3921/05, da 4.ª Secção), o abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, «caracteriza-se pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente. Como refere Baptista Machado(-), o ponto de partida do venire é “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objetivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira”, podendo “tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico”. Todavia, para que o venire se verifique não basta a existência de condutas contraditórias. É necessário que a conduta anterior tenha criado na contraparte uma situação de confiança, que essa situação de confiança seja justificada e que com base nessa situação de confiança a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe surgirão danos irreversíveis, isto é, que tenha investido nessa situação de confiança e que esse investimento não possa ser desfeito sem prejuízos inadmissíveis(-)».

Ora, a conduta da autora, ao não deduzir resposta à propugnada exceção de caducidade, não só não preclude o direito ao recurso para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (cf. artigo 2.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), como não consubstancia abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, porque não é de molde a criar a convicção, na contraparte, de que a autora reconhecia que a exceção de caducidade tinha sido válida, legal e tempestivamente arguida e renunciava ao recurso, donde não se descortina o abuso do direito aduzido.
Nestes termos, procede a conclusão 1.ª da alegação do recurso de revista.

3. A autora alega que, mesmo que se entenda que é tempestiva a invocação da exceção de caducidade deduzida, tal exceção perentória deve improceder; porém, tendo-se concluído que não se podia conhecer da referida exceção, fica prejudicado o conhecimento da questão versada na conclusão 2.ª da alegação do recurso de revista.

De facto, o n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

                                             III

Pelo exposto, delibera-se conceder a revista e revogar a decisão recorrida, no segmento impugnado, devendo a ação prosseguir os ulteriores termos processuais.

Custas, na 1.ª instância e na revista, a cargo da ré.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                            Lisboa, 7 de setembro de 2017



Pinto Hespanhol (Relator)

Gonçalves Rocha

António Leones Dantas