Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | M. CARMO SILVA DIAS | ||
Descritores: | RECURSO PENAL RECURSO ORDINÁRIO BURLA QUALIFICADA FALSIFICAÇÃO OU CONTRAFAÇÃO DE DOCUMENTO SIMULAÇÃO DE CRIME ROUBO DUPLA CONFORME QUESTÃO NOVA INADMISSIBILIDADE MEDIDA DA PENA PENA ÚNICA PENA DE PRISÃO IMPROCEDÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 02/16/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
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Sumário : |
I- Por se verificar o condicionalismo previsto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, havendo “dupla conforme”, o acórdão da Relação é definitivo quanto às questões processuais e de direito que apreciou e que o arguido/recorrente volta agora a colocar (sob diversas formas, algumas até apresentadas indevidamente como questões novas) no recurso para o STJ, ressalvada a questão da pena única, por ser superior a 8 anos, que pode ser sindicada. II- Destinando-se os recursos a suscitar a oportuna apreciação da decisão de que se recorre (neste caso do acórdão do Tribunal da Relação) nele não devem ser apresentadas questões novas que não foram colocadas ao Tribunal recorrido (ressalvado aquelas que devam ser conhecidas oficiosamente), uma vez que o STJ não pode apreciar tais novas questões sem haver decisão que sobre elas recaia. III- Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 214/20.7PCCSC.L1.S1 Recurso
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça
I. Relatório 1. No processo comum (tribunal coletivo) n.º 214/20.7PCCSC do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., comarca de Lisboa Oeste, por acórdão de 2.06.2022, o arguido/recorrente AA foi condenado, além do mais, como autor material e em concurso real, de dois crimes de simulação de crime, p. e p. pelo artigo 366° do Código Penal, quatro crimes de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelo artigo 256° n.°s. 1, alíneas a), e) e f) e 3 do Código Penal, por referência ao artigo 255°, alínea a) do mesmo Código, um crime de burla qualificada, p. ep. pelos artigos 217° n.° 1 e 218° n.° 2 alínea a), ambos do Código Penal, por referência ao artigo 202°, alínea b) do mesmo Código, um crime de burla qualificada na forma tentada, e p. pelos artigos 73°, 22°, 23°, 217° n.° 1 e 218° n.° 1, todos do Código Penal, por referência ao artigo 202° alínea a) do mesmo Código, um crime de roubo, p. e p. pelos artigos 26° e 210° n.° 1, ambos do Código Penal e um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217° n.° 1 e 218° n.° 1, todos do Código Penal, por referência ao artigo 202° alínea a) do mesmo diploma legal, nas penas de : - 4 (quatro) meses de prisão, por cada um dos dois crimes de simulação de crime; - 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos quatro crimes de falsificação de documento; - 4 (quatro) anos de prisão, pelo crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218°, n°. 2, do Código Penal; - 1 (um) ano de prisão, pelo crime de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelos artigos 218°, n°. 1, 22° e 23°, todos do Código Penal; - 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de roubo; - 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218°, n°. 1, do Código Penal; e, - em cúmulo jurídico dessas penas foi condenado na pena única de 8 (oito) anos e 3 (três) meses de prisão.
2. Tendo recorrido, por acórdão do TRL de 27.10.2022, foi decidido negar provimento ao seu recurso, sendo mantida a decisão recorrida.
3. Não se conformando com o decidido, recorreu o arguido apresentando as seguintes conclusões: A. Os autos em epígrafe que o Acórdão ora recorrido vem de analisar, ponderar e sentenciar relativamente a este arguido, constituem o repositório de crimes pouco edificantes, de atualidade e de extremo perigo social, quais são os de simulação de crime, falsificação ou contrafação de documento, burla qualificada, e roubo. B. Discutida a causa, foi proferido Acórdão pelo Coletivo de Juízes que compõe o J2 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - ..., confirmado agora pelo Coletivo de Juízes que compõe a ... Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, condenando arguido pela prática de dois crimes de simulação de crime, na pena de quatro meses de prisão por cada crime, quatro crimes de falsificação ou contrafação de documento, na pena de um ano e seis meses de prisão por cada crime, um crime de burla qualificada, na pena de quatro anos de prisão, um crime de burla qualificada na forma tentada na pena de um ano de prisão, um crime de roubo na pena de três anos e seis meses de prisão e um crime de burla qualificada na pena de um ano e seis meses de prisão. C. Em cúmulo, foi o arguido condenado na pena única de oito anos e três meses de prisão efetiva. D. Os antecedentes criminais do arguido, ora recorrente, resultam exclusivamente do cometimento de crimes que, embora censuráveis, são considerados como criminalidade de gravidade muito reduzida e ambos por factos praticados há mais de dez anos! E. Assim, com exceção do crime de burla qualificada o recorrente não tem qualquer condenação anterior quanto aos crimes de que vem condenado, estando social e familiarmente inserido, tendo um filho recém-nascido o qual tem estado muito próximo em virtude de se encontrar em prisão domiciliária tendo sido um forte apoio à sua companheira. F. Mais, prestou declarações na Audiência de Julgamento visando a colaboração para a descoberta da verdade. G. Quanto se acaba de dizer, repercute-se significativamente no anterior comportamento do arguido, relativamente ao qual não perpassam nos autos antecedentes criminais compatíveis com a “imagem” que, ao longo do Acórdão ora recorrido, foi sendo dada ao arguido. H. Veja-se, ainda, o relatório social para determinação da sanção que refere expressamente que na eventualidade de vir a ser condenado e a medida concreta da pena permita a sua execução na comunidade, AA beneficiaria com uma medida de caracter probatório direcionada para a adoção de um modo de vida normativo, ou seja, o parecer é no sentido que o recorrente cumprisse uma pena não privativa da liberdade. I. No que respeita ao crime de roubo a que o arguido foi condenado, salvo o devido respeito, estamos perante uma clara insuficiência de matéria probatória que permita afirmar, sem dúvida, que o Arguido cometeu este crime, nos termos do artigo 410, n.º2, alínea a) e c) do Código de Processo Penal, senão vejamos: J. O arguido, foi condenado pelo crime de roubo pelos factos dados como provados 46.º a 51.º do Douto Acórdão confirmado pela Relação de Lisboa. K. Resulta desse mesmo Acórdão, da matéria de facto dada como provada e não provada e da própria fundamentação, que os dois indivíduos que estiveram no local do crime, nenhum deles era o arguido, não havendo qualquer prova que permita aferir que o Arguido tenha pedido a quem quer que seja para que cometesse um crime de roubo contra a Sra. BB. L. Não há, também, um elemento de prova que permita aferir que o Arguido se tenha socorrido de indivíduos para cometer um crime de roubo de forma que a Sra. BB não o denunciasse nem que tais indivíduos tenham entregue o veículo roubado e os demais pertences ao Arguido. M. Tudo isto resulta do Douto Acórdão, pelo que, salvo o devido respeito, existe um claro erro na apreciação da prova e até mesmo uma insuficiência de prova para dar estes factos como provados e consequentemente a condenação do arguido pelo crime de roubo. N. Nem sequer podemos falar no princípio da livre apreciação da prova, pois no caso concreto não existe prova! O. Analisando todo o processo e como resulta da própria fundamentação do tribunal de primeira instância confirmado pela Relação, a base para dar como provados estes factos reside unicamente na questão de o arguido ter sido intercetado na posse deste veículo anos depois. P. Salvo melhor opinião este aspeto poderia consubstanciar a prática de um crime de recetação, mas nunca de roubo.. Q. Assim, e ao nem sequer colocar a duvida, diga-se, mais que razoável, se o arguido pelo simples facto de ter sido apanhado na posse do veiculo roubado, anos depois desse facto, é o autor de tal crime, violou o principio in dubio pro reo, que estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido. R. Face ao exposto pode-se concluir que no caso em apreço existem sérias dúvidas quanto à participação do arguido nos factos dados como provados (respeitante ao crime de roubo) pelo que tais factos não poderão ser imputados ao arguido por força do princípio “in dubio pro reo”, caso contrário estar-se à a violar o preceituado no artigo 32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa. S. No Acórdão que ora se recorre os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa negaram provimento ao recurso apresentado, sendo que, entre outros aspetos, o mesmo visava a impugnação da escolha e medida concreta da pena aplicada ao arguido, considerando a mesma demasiado excessiva e injusta. T. Os crimes pelo quais o arguido foi condenado preveem, na sua maioria, penas privativa e não privativa da liberdade, tendo o tribunal de primeira instância, confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, decidido pela aplicação de uma pena privativa da liberdade em todos eles, justificando tal decisão com o facto de o arguido já ter averbada condenações no seu certificado de registo criminal por crimes de igual natureza. U. Tal facto não corresponde à realidade além de não ser suficiente para que se possa considerar que uma pena de multa realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, senão vejamos: V. Os crimes de simulação de crime, burla qualificada na forma tentada, burla qualificada cfr. artigos 217º e 218º n.º do Código Penal e os crimes de falsificação de documentos, preveem, todos eles penas de multa ao invés de penas de prisão, sendo certo que de todos estes crimes o único crime de igual natureza que o arguido regista no seu certificado de registo criminal é o de burla. W. No caso concreto, tem que se ter em conta o facto de o arguido ter trabalho estável e até bem remunerado. X. Na determinação da medida da pena devem ser em tidas em conta, para além da culpa do agente, as necessidades de prevenção, tal como dispõe o artigo 71º do Código Penal, sendo que a prevenção está ligada à necessidade comunitária de punição do caso concreto, sendo que só se torna justificável a aplicação de uma pena se esta for realmente necessária, e quando necessária, esta deverá ser sempre aplicada na medida exata da sua necessidade e sempre subordinada a uma proibição de excesso. Y. Quando estamos perante uma pena excessiva (ainda que tenha sido considerada necessária) que ultrapasse o juízo de censura que o agente causador do crime mereça, essa pena é injusta. Z. Salvo o devido respeito, a gravidade das consequências que os factos praticados pelo arguido tiveram foram diminutas, uma vez que dos crimes praticados não resultou perigo de vida para ninguém. AA. Atento ao exposto, duvidas não há que o arguido possui todos os fatores para que a escolha da pena seja não privativa da liberdade e na sua medida a pena a ser aplicada seja perto do limite mínimo. BB. Pelo que, face ao supra referido, o recorrente entende que a pena de prisão aplicada aos crimes que preveem a possibilidade de penas de multa deve ser alterada para uma pena não privativa da liberdade. CC. No entender do arguido a pena que lhe foi aplicada (oito anos e três meses de prisão efetiva), peca por excessiva, pelo que é grande o inconformismo do recorrente, na medida em que este não tem antecedente pelos crimes que foi condenado, com exceção do crime de burla, e pese embora estejamos perante uma atuação censurável o arguido entende que esta não é passível de uma pena tão severa quanto a aplicada. DD. Considerando todas as circunstâncias, supra referidas, conclui-se que o Acórdão proferido pelo Tribunal da 1ª Instancia confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, violou, ao não aplicar penas não privativas de liberdade e reduzir a medida concreta da pena, os artigos 40º, 70º, 71º e 50º n.º 1 do Código Penal, que presidem à escolha e medida da pena. Termina pedindo o provimento do recurso e, em consequência, a absolvição do crime de roubo pelo qual foi condenado e, ainda, que as penas de prisão aplicadas sejam alteradas para penas não privativas de liberdade, reduzindo-se, assim, a pena de prisão efetiva que não deverá exceder os cinco anos prisão, sendo suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova.
4. Na resposta ao recurso o Ministério Público na Relação concluiu: 1ª Ao impugnar a matéria de facto definida pelo Acórdão da Relação, prolatado a 27.10.22, de forma alargada, nos termos do art 410º,2, a) e c), CPP, visa o recorrente atingir a génese do processo formativo da convicção final (condenatória), imputando-lhe vícios estruturais que lhe inquinam a lógica interna, letalmente do ponto de vista processual, invalidando-o. 2ª Tais apontados erros decisórios devem ser endógenos (resultantes do próprio texto recorrido, “de per si”, isoladamente considerado, ou, porventura, em conjugação com as regras da normalidade) e com a virtualidade de precludir a viabilidade do veredicto final. 3ª Embora os apregoe, não logra o arguido evidenciar a incompletude da matéria fáctica para habilitar o juízo ético- penal produzido (art 410º,2,a), CPP), nem, tão-pouco, a grosseira má aferição da prova, colidente com os princípios da experiência, da racionalidade, da lógica e/ou do actual conhecimento humano e científico, de que se daria conta qualquer observador médio colocado no lugar do Julgador, tal a evidência (art 410º,2, c), CPP), nem sequer se constata nenhuma zona de incerteza com que se haja confrontado o Colégio de Julgadores, e que tenha sido objecto de resposta desfavorável à defesa (art 410º,2, c), CPP, e 32º,2, CRP), irrelevando a dúvida que persista no espírito do sujeito processual. 4ª Na verdade, como “ad nauseum” se perscruta dos Acórdãos condenatório (1ª Instância) e confirmativo (2ª Instância), este último justamente submetido ao crivo de Vªs Exªs, Colendos Conselheiros, a Fundamentação dos factos controvertidos (gravitando em torno do crime de roubo, vertidos nos “factos provados” 46 a 51) emerge abundantemente sedimentada (art 355º, CPP) e partilhada (arts 97º,5, 374º,2, CPP, e 205º,1, CRP), com inegável plausibilidade (art 127º, CPP), exibindo a virtualidade de ser convincente, porquanto motivada e objectivada, pese a dissidência do Recorrente, que, quanto muito, arremessa com valoração e interpretação probatórias alternativas, jamais excludentes das operadas judicialmente (ancorada em prova pessoal e documental imensa, enunciada e escrutinada à exaustão, sob o signo da oralidade, imediação e contraditoriedade exercidas, privilegiadamente, em Audiência), 5ª É incompaginável com as finalidades irrenunciáveis da punição (art 40º,1, CP) a sugerida aplicação de penas não detentivas (ar 70º, CP) ao recorrente, quanto aos crimes que prevejam essa opção, e por que foi condenado, dada a conexão funcional ou instrumental de todas as condutas por si protagonizadas, com o escopo de se apossar de valores (significativos), retirados, fraudulenta e violentamente, da esfera dos legítimos titulares, ou seja, é incindível (ao invés do proposto) a responsabilização criminal, que, antes, deve ser globalmente apreciada (art 77º,1, CP) e não atomisticamente, só assim se captando a justa “personalidade global” exteriorizada da “factualidade conjunta”. 6ª Nessa perspectiva, como irrepreensivelmente justificado judicialmente, foi arredada a possibilidade de sanções pecuniárias, demasiado simbólicas e desprovidas da aptidão para garantir os fins últimos da pena (art 70º, CP). 7ª E sopesando o nível (global) da actuação, com acentuada energia criminosa e cuidado de planeamento, reiteramente, com elevada culpa, sem que sobreviesse qualquer sinal de arrependimento ou capacidade de juízo autocrítico, forçoso é concluir pela premência das exigências preventivas gerais (visando a reposição das expectativas comunitárias na validade e eficácia da Ordem Jurídica, na sua função tutelar dos bens jurídicos) e especiais (fluindo, face aos averbamentos registados, alguns de igual tipologia, e da personalidade evidenciada, nos facto e em Audiência), impondo-se, com inevitabilidade incontornável a efectivação da pena de prisão, insusceptível qualquer juízo de prognose que permitisse a assunção de “risco prudencial”, manifestamente insuportável, “in casu”, sob pena de grave perigo para a concretização das faladas finalidades da punição e, consequentemente, gerando descredibilização do sistema de justiça. 8ª Tudo considerado, a que acresce a irreparação dos prejuízos ou a simples amortização que fosse, a concreta pena aplicada a final (resultante da síntese jurídica das imodificáveis penas parcelares: art 77º,2, CP) afigura-se-nos irredutível no seu “quantum”, aliás, porque situado na 1ª metade da baliza punitiva, revelador de preocupações ressocializadoras, por isso justa, necessária e equilibrada (art 18º,2, CRP). 9ª Deverá, assim sugerimos, validar a Deliberação censurada, por judiciosa.
5. Subiram os autos a este STJ e, o Sr. PGA emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, sustentando, em resumo, por um lado, que “tudo o que o recorrente alega em termos de erro na sua condenação, especificamente quanto ao crime de roubo, não admite recurso, tendo-se fixado com a confirmação, pelo Tribunal da Relação, da decisão de 1ª instância” e, “mesmo se assim não fosse, sempre teria de ser julgado improcedente o recurso nesta parte, por não lhe assistir razão no que invoca” e, por outro lado, quanto à questão da pena única, que entende ser excessiva, “verifica-se que foi aplicada com justo critério, em obediências às necessidades de prevenção (“moldura de prevenção”, conforme Figueiredo Dias), nomeadamente de prevenção especial que se fazem sentir no caso do recorrente”, sendo que no mais que invoca, quanto às penas individuais, também há dupla conforme.
6. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem colhidos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.
II. Fundamentação
7. Factos Consta da decisão sobre a matéria de facto do acórdão da 1ª instância, confirmada pelo Acórdão da Relação de Lisboa, o seguinte: Factos provados NUIPC 214/20.7PCCSC, 132/17.... 652/19.... - viatura ..-R1-.. 1- No dia 10 de Agosto de 2016, o arguido AA comprou à sociedade “P..., Lda.” a viatura de marca “Peugeot”, modelo C, cor cinzenta, com a matrícula ..-RI-.., pelo preço de € 12.500 (doze mil e quinhentos euros). 2- No dia 26 de Agosto de 2016, CC, irmã do arguido, a pedido deste, registou em seu nome a aquisição da viatura de matrícula ..-RI-... 3- No dia 29 de Agosto de 2016, DD, mãe do arguido, a pedido deste, celebrou em seu nome um contrato de seguro com a seguradora “Allianz Portugal S.A.”, relativo ao veículo de matrícula ..-RI-.., ao qual foi atribuído o número de apólice ...00. 4- Para além do mais, a apólice em causa incluía nas suas coberturas o furto ou roubo da viatura. 5- Apesar da viatura estar registada e segurada em nome de CC e DD, respectivamente, era o arguido o seu dono e utilizador habitual. 6- No dia 10 de Abril de 2017, pelas 00h44, o arguido dirigiu-se à Esquadra da PSP ... e apresentou denúncia da qual consta, em síntese, que, no dia 9 de Abril de 2017, pelas 23h55, na Avenida ..., em ..., estacionou a viatura de matrícula ..-RI-.. e dirigiu-se ao porta-bagagens. Nesse momento, “surgiu-lhe um indivíduo com cerca de 1,75 cm de altura, de estatura média, vestia todo de preto com um gorro na cabeça, que, com a ameaça de uma arma branca pelas costas, o obrigou a entregar-lhe as ... da dita viatura, entrou no seu interior pondo-se em fuga em direcção à Avenida ...”. 7- Por esses factos, o arguido manifestou o desejo de procedimento criminal contra o autor dos mesmos. 8- Na sequência da queixa apresentada pelo arguido, foi instaurado o inquérito n.° 132/17...., que correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal .... 9- Sucede que os factos que o arguido relatou na denúncia não correspondem à verdade, pois a viatura acima identificada não lhe foi retirada por desconhecidos, o que este bem sabia. 10- 0 arguido permaneceu em posse da viatura desde a data da sua aquisição até ao dia 11 de Maio de 2020. 11- Após apresentar a queixa, o arguido comunicou à seguradora “Allianz, S.A.” o roubo da viatura segurada, apesar de saber que o mesmo não tinha ocorrido, com vista a fazer seu o montante que viesse a ser liquidado a título de indemnização. 12- A seguradora “Allianz, S.A.” fez averiguações e, não tendo chegado a qualquer conclusão que impedisse o pagamento da indemnização, no dia 20 de Julho de 2017, entregou a quantia de € 20.900,00 (vinte mil e novecentos euros) a DD, através de cheque. 13- DD depositou o cheque em conta de que era titular na Caixa Geral de Depósitos e, após, de acordo com as instruções do arguido: - transferiu a quantia de € 15.450,00 (quinze mil quatrocentos e cinquenta euros) para conta bancária n.° ...59, titulada pelo arguido no Banco Millennium BCP; - transferiu a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) para conta bancária titulada pela irmã do arguido, a quem este devia o referido montante; e - ficou com o remanescente, € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), correspondente ao valor anual da apólice que havia liquidado. 14- Com vista a poder circular com a viatura de matrícula ..-RI-.., o arguido decidiu que iria encomendar chapas de matrícula de veículo da mesma marca, modelo e cor. 15- No dia 13 de Dezembro de 2017, de forma não concretamente apurada, o arguido conseguiu encomendar e comprar chapas de matrícula com a designação ..-RS- ... 16- A viatura de matrícula ..-RS-.. corresponde a um veículo de marca “Peugeot”, modelo “C”, de cor cinzenta, pertencente a EE. 17- 0 arguido apôs as chapas de matrícula com a designação ..-RS-.. no veículo de matrícula ..-RI-.. e, desde esse momento, até dia 11 de Maio de 2020, circulou com o mesmo por número não concretamente apurado de vezes. 18- No dia 11 de Maio de 2020, pelas 21h20, na Rua ..., ..., em ..., a viatura de matrícula ..-RI-.., ostentando as chapas de matrícula ..-RS-.. foi apreendida pela Polícia de Segurança Pública de .... NUIPC 8/20.... - viatura de matrícula ..-OV-.. 19- No dia 2 de Agosto de 2017, na Avenida ..., em ..., o veículo de marca “Renault”, modelo “Clio”, de cor cinzenta, matrícula ..- QV-.., foi interveniente em acidente de viação. 20- Considerando os estragos causados no veículo, este foi considerado pela seguradora como “perda total”, ou seja, não sendo financeiramente viável a sua reparação e, nessa sequência, vendido como salvado à sociedade “F..., Lda.”. 21- No dia 18 de Dezembro de 2017, o arguido comprou à sociedade “F..., Lda.” o salvado do veículo de matrícula ..-QV-.., sendo que apenas veio a registar a aquisição no dia 4 de Novembro de 2019. 22- No dia 7 de Junho de 2018, o arguido celebrou um contrato de seguro com a seguradora Tranquilidade, actualmente denominada “Grupo Generali, S.A.”, referente ao veículo de matrícula ..-QV-.., ao qual foi atribuído o número de apólice ...67 e que vigorou até dia 14 de Fevereiro de 2020. 23- Para além do mais, a apólice em causa incluía nas suas coberturas o furto ou roubo da viatura. 24- De modo não concretamente apurado, o arguido conseguiu ocultar da seguradora o facto de a viatura de matrícula ..-QY-.. não ter sido reparada após o acidente acima referido. 25- No dia 26 de Novembro de 2019, FF, pai do arguido, registou em seu nome a aquisição do veículo de matrícula ..-QV-.., contudo, o mesmo continuou em poder do arguido. 26- No dia 5 de Janeiro de 2020, pelas 00h35, o arguido AA dirigiu-se à Esquadra da PSP ..., em ... e apresentou denúncia da qual consta, em síntese, que, no dia 04/01/2020, pelas 21h00, na Rua ..., ..., em ..., foi abordado por um indivíduo que lhe perguntou as horas. 27- Mais consta da referida participação o seguinte: “acto continuo, aproveitando que o mesmo olhou para o telemóvel, encostou uma arma branca (navalha de cerca de 6 cm de lamina, que pelo barulho de abertura, aparentava, segundo o lesado, ser uma ponte e mola), ao seu pescoço, obrigando a que o mesmo sai-se da sua viatura, tendo entrado no veículo pela porta do passageiro, outro indivíduo, que se encontrava encapuçado, tendo ambos abandonado o local, com a viatura, matricula ..-QV-.. (...), em direção a .... Segundo o lesado, o indivíduo que o abordou, é um indivíduo negro, com cerca de 30 anos de idade, com cerca de 1,75 metros de altura, magro, que trajava uma camisola de gola alta verde escura e umas calças de fato de treino escuras, tendo reparado que tinha tatuado no lado esquerdo do pescoço uma espécie de estrela, visto que se via dois bicos. Referente ao segundo indivíduo, apenas o viu quando este entrou para a viatura e por estar encapuçado, só reparou que também era negro, pela cor das mãos, sendo que era mais forte que o outro indivíduo 28- O arguido referiu, ainda, ser o habitual condutor da viatura e que no interior da mesma se encontrava um telemóvel, de marca Iphone, modelo 11, de cor prata, ao qual atribuiu o valor de 1200 euros. 29- Manifestou o desejo de procedimento criminal pela prática dos factos que participou. 30- Na sequência dessa queixa, foi instaurado o inquérito n.° 8/20...., que correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal .... 31- Sucede que os factos relatados na denúncia não correspondem à verdade, uma vez que a referida viatura não lhe foi retirada por desconhecidos, o que o arguido sabia. 32- O arguido AA permaneceu em poder da viatura desde a data em que a adquiriu, não a reparando e guardando-a em local não concretamente apurado. 33- Após apresentar a queixa, o arguido comunicou à seguradora “Grupo Generali, S.A.” o roubo da viatura segurada, com vista a fazer seu o montante que viesse a ser liquidado a título de indemnização. 34- No dia 8 de Janeiro de 2020, o arguido ou alguém a seu mando, levou a viatura até à Estrada Nacional n.° ...47, km 94, entre a ... e o ..., área desta comarca e atirou-a para uma ravina à beira da estrada, com o intuito de ocultar os danos que a mesma já apresentava desde o acidente ocorrido em 2017. 35- A seguradora “Generali S.A.” efectuou averiguações e concluiu que os factos descritos na participação de AA não correspondiam à verdade e, consequentemente, não liquidou a indemnização devida, cujo valor ascendia a € 14.480,42, (catorze mil quatrocentos e oitenta euros e quarenta e dois cêntimos). NUIPC 73/20.OGTCSC e 90/19....-viatura ..-OT-.. 36- No dia 15 de Setembro de 2017, o arguido AA comprou a viatura de marca “Renault”, modelo “Clio”, de cor cinzenta, com a matrícula ..-QT-... 37- A 28 de Junho de 2018, em local não concretamente apurado, o arguido circulava com a viatura de matrícula ..-QT-.., à qual tinha aposto as chapas de matrícula com a designação ..-QV-.., quando foi interveniente num acidente de viação. 38- Nesse mesmo dia, o arguido participou à seguradora “Tranquilidade”, actualmente denominada “Grupo Generali, S.A.” a ocorrência de um acidente automóvel envolvendo a viatura de matrícula ..-QV-.., segurada na referida companhia. 39- Na sequência dessa participação, foi determinada a realização de peritagem à viatura. 40- No dia 16 de Julho de 2018, o arguido entregou na oficina V..., S.A., sita na ..., em ..., para ser submetida a peritagem, a viatura de matrícula ..-QT- .., da mesma marca, modelo e cor, à qual apôs chapas de matrícula com a designação ..-QV-... 41- Na peritagem realizada, não foi detectada a desconformidade entre o número de chassis da viatura apresentada pelo arguido e o número de chassis da viatura segurada, pelo que a seguradora Tranquilidade, induzida em erro pelo comportamento do arguido, determinou e custou a reparação da viatura apresentada, no valor global de € 1624,10 (mil seiscentos e vinte e quatro euros e dez cêntimos). 42- No dia 06 de Agosto de 2018, BB que, à data, mantinha um relacionamento de cariz amoroso com o arguido, a pedido deste, celebrou em seu nome um contrato de seguro automóvel com a seguradora “AGEAS”, referente ao veículo de matrícula ..-QT-.., ao qual foi atribuído o número de apólice ...73 e que vigorou até 14/06/2019. 43- Para além do mais, a apólice em causa incluía nas suas coberturas o furto ou roubo da viatura. 44- No dia 20 de Novembro de 2018, a pedido do arguido, BB registou a aquisição da viatura de matrícula ..-QT-.. em seu nome. 45- Nesse período, BB circulava habitualmente com essa viatura. 46- Neste contexto, o arguido formulou um plano de acordo com o qual iria pedir a indivíduos cuja identificação não se apurou que retirassem, se necessário, através da força, a viatura de matrícula ..-QT-.. a BB e outros bens que a mesma tivesse consigo e, após, iria participar essa ocorrência à seguradora “AGEAS”, a fim de obter o pagamento da indemnização correspondente. 47- A intervenção de outros indivíduos tinha como objectivo impedir que BB soubesse que tinha sido o arguido a ordenar o mesmo e o viesse a denunciar no futuro. 48- No dia 19 de Janeiro de 2019, pelas 23h00, no Bairro ..., ..., em ..., dois indivíduos cuja identificação não foi possível apurar, em conformidade com o plano traçado pelo arguido, abordaram BB, no momento em que esta se preparava para entrar na viatura de matrícula ..-QT-... 49- Acto contínuo, esses indivíduos empurraram BB contra a viatura, agarraram-na com força pelo braço esquerdo e, com um puxão, tiraram-lhe das mãos a chave da viatura e a sua carteira, a qual continha o seu cartão de cidadão, carta de condução e cartões bancários. 50- De seguida, abandonaram o local, conduzindo a referida viatura e levando-a consigo, bem como a carteira e documentos nela contidos, pertencentes a BB. 51- Após, tais indivíduos entregaram a viatura de matrícula ..-QT-.., bem como a carteira e documentos da ofendida, ao arguido, tal como este havia determinado previamente. 52- No dia 19 de Janeiro de 2019, BB dirigiu-se à esquadra da PSP ... e apresentou queixa pelos factos acima descritos, manifestando o desejo de procedimento criminal. 53- 0 arguido acompanhou BB à esquadra da PSP, uma vez que, contactado por aquela na sequência do sucedido, afirmou estar próximo do local e prontamente se deslocou para junto daquela. 54- Na sequência dessa queixa, foi instaurado o NUIPC 90/19...., que correu termos no DIAP .... 55- Após a apresentação da queixa, o arguido comunicou à seguradora “Ageas”, em nome de BB, o roubo da viatura segurada, com vista a fazer seu o montante que viesse a ser liquidado. 56- A seguradora AGEAS efectuou averiguações e, não tendo chegado a qualquer conclusão que inviabilizasse o pagamento da indemnização, no dia 15 de Abril de 2019, efectuou o pagamento do montante de € 16.884,24 (dezasseis mil euros), através de transferência bancária para conta bancária titulada por BB, titular do seguro. 57- No dia 23 de Abril de 2019, o arguido acompanhou BB à agência de ... do Banco Santander Totta, onde esta procedeu ao levantamento de € 16.000,00 (dezasseis mil euros). 58- De acordo com as instruções do arguido, BB entregou-lhe € 16.000,00 em numerário, quantia que aquele fez sua. 59- O arguido permaneceu na posse da viatura de matrícula ..-QT-.. desde a data em que foi participado o roubo da mesma até ao dia 27 de Agosto de 2020, o que ocultou a BB e à seguradora AGEAS. 60- Com vista a poder circular com a viatura, o arguido decidiu que iria encomendar chapas de matrícula de veículo da mesma marca, modelo e cor. 61- De acordo com esse plano, o arguido localizou a viatura de matrícula ..-UV- .., de marca “Renault”, modelo “Clio”, de cor cinzenta, que a sua proprietária, GG, entregou para venda ao stand “L..., Unipessoal, Lda.”, sito em ... e onde se encontrava exposta ao público. 62- O arguido iniciou negociações com vista à aquisição da viatura de matrícula ..-UV-.. e, no âmbito dessas negociações, logrou obter cópias dos documentos do veículo. 63- Na posse desses documentos, no dia 9 de Janeiro de 2020, no estabelecimento denominado “O...”, sito na Estrada ..., em ..., ..., o arguido comprou chapas de matrícula com a designação ..-UV-... 64- De seguida, apôs as chapas de matrícula com a designação ..-UV-.. na viatura de matrícula ..-QT-... 65- No período compreendido entre 9 de Janeiro de 2020 e 27 de Agosto de 2020, o arguido circulou com a viatura de matrícula ..-QT-.., na qual estavam apostas as chapas de matrícula com a designação ..-UV-.., por número não concretamente apurado de vezes. 66- No dia 27 de Agosto de 2020, na Avenida ..., no sentido .../..., ao km 9,200, ..., o arguido conduzia a viatura de matrícula ..-QT-.., na qual estavam apostas as chapas de matrícula com a designação ..-UV-.., que aquele sabia pertencerem a outra viatura. 67- Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar acima descritas, o arguido sabia que as denúncias que apresentava não correspondiam à verdade e que, por via das mesmas, as autoridades iriam dar início a um processo crime contra desconhecidos e, ainda assim, quis apresentá-las, o que conseguiu. 68- Ao actuar do modo descrito, de forma ardilosa, o arguido tinha o propósito, concretizado, de obter vantagem patrimonial que não lhe era devida, levando as ofendidas Allianz, S.A. e AGEAS a acreditar que as viaturas acima identificadas haviam sido subtraídas por desconhecidos, o que sabia não corresponder à verdade e, desse modo, induziu as sociedades ofendidas em erro, num dos casos usando BB, que desconhecia que o arguido estava em poder da viatura, determinando-as a entregar-lhe as quantias acima identificadas, o que conseguiu, causando-lhes o prejuízo correspondente ao montante liquidado. 69- Ao actuar do modo descrito nos artigos 26 a 35, de forma ardilosa, o arguido tinha o propósito de obter vantagem patrimonial que não lhe era devida, levando a ofendida seguradora “Grupo Generalli S.A.” a acreditar que a viatura acima identificada lhe havia sido subtraída por desconhecidos, o que sabia não corresponder à verdade e, desse modo, induzi-la em erro e determiná-la a entregar-lhe a quantia acima identificada, causando-lhe o prejuízo correspondente, o que apenas não conseguiu por razões alheias à sua vontade. 70- 0 arguido decidiu e planeou a execução dos factos descritos nos artigos 46 a 51, que vieram a ser executados por indivíduos não identificados, que actuaram de acordo com as instruções e vontade do arguido, com o propósito de, através da força física, retirar a BB a viatura acima identificada, pertencente ao arguido, bem como de retirar e fazer seus a carteira e documentos de BB, que o arguido sabia pertencerem àquela, o que o arguido conseguiu, apesar de saber que actuava contra a vontade da ofendida. 71- 0 arguido sabia que as chapas de matrícula servem para individualizar e identificar os veículos a que pertencem, e que as matrículas que mandou fazer e apôs nos veículos acima identificados não assentavam nas características que lhe foram concedidas, pelos serviços competentes, e que por isso mesmo, os mesmos não se encontravam em condições de circular pela via pública, e não obstante, não hesitou em fazê-lo, bem sabendo que lesava o interesse público na autenticidade e genuinidade de documentos autênticos e que punha em causa o seu valor probatório, nomeadamente a credibilidade e a fé que as mesmas gozam perante o público em geral e as autoridades em particular, prejudicando dessa forma o Estado Português. 72- Ao mandar fabricar e usar, nos termos descritos, as chapas de matrícula acima identificadas, o arguido quis obter benefícios que não lhe eram devidos, bem sabendo que criava uma aparência que não correspondia à verdade, o que quis e conseguiu. 73- O arguido actuou, em todas as descritas circunstâncias, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram e são proibidas e punidas por lei. Factos atinentes às condições pessoais do arguido 74- Das condições pessoais do arguido, no contexto das diligências a isso dirigidas e levadas a cabo pela DGRSP, apura-se que: “AA reside com a companheira e filho de quatro meses, mantendo o casal uma relação de cerca de onze anos, a qual, nem sempre se caraterizou pela estabilidade, tendo já sido constituído arguido em processos de violência doméstica. De acordo com a companheira a situação de conflitualidade foi ultrapassada com o nascimento do filho. O arguido é o filho mais velho de dois de um casal os quais, em virtude de ter crescido com os avós, foram elementos pouco presentes no decurso da sua infância. Descreveu uma infância positiva quer no domínio afetivo quer no domínio material. AA beneficiou de um percurso escolar normativo, tendo como habilitações a licenciatura em gestão de empresas. Posteriormente trabalhou em empresas de web design e informática e mais tarde como vendedor de publicidade. No ano de 2006 criou, juntamente com a companheira, uma empresa, que se dedica a venda de produtos de higiene acumulando com a atividade de assistência técnica na área da informática. Em termos económicos não assinalou dificuldades, mencionado que aufere entre 1300€ e 1500€ mensais, montante que lhe permite a supressão das despesas. (...) Na sequência do presente processo, AA esteve preso preventivamente, tendo a medida de coação, após dez meses, sido desgravada, em 30-12- 2021, para obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, tendo vindo a cumprir as regras inerentes à mesma (...).” Antecedentes criminais dos arguidos: 75- 0 arguido foi condenado: - por sentença do Juízo Local Criminal ... - Jl, datada de 06/04/2017, transitada em julgado em 08/05/2017, no âmbito do processo n°. 1435/07...., pela prática, em 06/03/2007, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217° e 218°, n°. 1, do Código Penal, na pena de 390 dias de multa; - por sentença do Juízo Local Criminal ... - J..., datada de 29/01/2019, transitada em julgado em 25/06/2021, no âmbito do processo n°. 409/12...., pela prática, em 19/01/2012, de um crime de reprodução ilegítima de programa protegido, p. e p. pelo artigo 8o, n°. 1, da Lei n°. 109/09, de 15 de Setembro, e de um crime de burla, p. e p. pelo artigo 217°, do Código Penal, na pena única de 250 dias de multa. Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa. Factos não provados Não resultaram provados, quanto aos factos objecto deste processo, constantes da acusação e que determinaram a qualificação jurídica atribuída pelo Ministério Público, assim como do alegado pelo arguido na contestação apresentada, os factos acima não descritos e os factos contrários àqueles que resultaram provados, sendo certo que o Tribunal se debruçou especificadamente sobre cada um dos factos não provados. Assim, não se provou que: a) o arguido foi interveniente no acidente de viação descrito em 37 dos factos provados no dia 28 de Maio de 2018; b) o arguido não praticou os factos que lhe eram imputados. No que concerne aos factos referentes ao NUIPC 321/19.... - Apenso C, a que se reportam os factos descritos na acusação sob os n°s. 67 a 79 e 84 e aos factos constantes do pedido de indemnização civil deduzido por BB referentes aos danos sofridos em consequência da actuação ilícita do arguido com a prática de tais factos, o Tribunal não se pronunciará sobre a prova ou não prova dos mesmos, dada a decisão de cindir tal factualidade, conforme supra referido na questão prévia de que se conheceu.[1]
8. Direito
Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação que apresentou (art. 412.º, n.º 1, do CPP). Os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça restringem-se exclusivamente ao reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP), sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 432.º Analisadas as conclusões do recurso apresentado pelo arguido para o STJ, verifica-se que coloca as seguintes questões: 1ª- ocorrência dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provado e erro notório na apreciação da prova (art. 410.º, n.º 2, als. a) e c), do CPP), quanto ao crime de roubo pelo qual foi condenado, além da violação do in dubio pro reo (sob pena de violação do art. 32.º, n.º 2, da CRP), o que tudo deve conduzir à sua absolvição desse crime; 2ª- serem excessivas e desproporcionadas as penas individuais e única que lhe foram impostas, as quais devem ser reduzidas e as que preveem multa em alternativa, ser escolhida antes essa pena e, a final, a pena única a aplicar ser inferior a 5 anos, sendo suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova. De notar que, no recurso que o mesmo arguido apresentara da decisão da 1ª instância para o Tribunal da Relação, formulou as seguintes questões, conforme ali foram identificadas: (i) Nulidade da decisão, nos termos do art. 379.°, n.° 1, alínea c), do CPP; (ii) Violação do princípio ne bis in idem; (iii) Nulidade decorrente da falta de competência, art. 119.°, al. e) do CPP; (iv) Nulidade por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade - art. 120.°, al. d) CPP / inconstitucionalidade por violação do direito constitucional decorrente do art. 219.° da Constituição da República Portuguesa/violação do princípio da procura da descoberta da verdade material por parte do Ministério Público - n.° 1 do art. 53.° do Código de Processo Penal; (v)Nulidade por prática de acto para o qual o tribunal a quo não tinha competência - alínea e) do art. 119.° do Código de Processo Penal - condenação do arguido pelos crimes de simulação de crime; (vi) Impugnação da matéria de facto e violação do in dubio pro reo; (vii) Violação do disposto no art. 71.º, consubstanciando errónea medida das penas. Pois bem.
8.1. Apreciação Compulsado o teor do acórdão do Tribunal da Relação sob recurso verifica-se que o mesmo analisou e decidiu (além do mais), as questões que foram repetidas pelo recorrente no recurso para o STJ (indicadas no pontos vi e vii, ainda que a Relação não se tenha pronunciado sobre as questões novas que agora o recorrente coloca indevidamente apenas no recurso para o STJ, esquecendo que está a recorrer da decisão da Relação) e, inclusivamente, confirmou integralmente a decisão da 1ª instância. Resulta do acórdão do TRL sob recurso que existe dupla conforme, isto é, houve um duplo juízo condenatório quanto às questões de facto e de direito que a defesa entendeu colocar no seu recurso, sendo inclusivamente mantida a pena única que lhe foi imposta. A existência de dupla conforme, significa (como sucede neste caso) que a decisão da Relação confirma o acórdão da 1ª instância, não tendo alterado a situação do condenado. Esse juízo confirmativo garante o duplo grau de jurisdição consagrado pelo art. 32.º, n.º 1 da CRP, não havendo, assim, violação do direito ao recurso, nem tão pouco dos direitos de defesa do arguido (arts. 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, da CRP). Isto significa, visto o disposto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, que o acórdão do Tribunal da Relação é irrecorrível na parte em que confirma a condenação da 1ª Instância (princípios da dupla conforme condenatória e da legalidade), salvo quanto à pena única que lhe foi imposta por ser superior a 8 anos de prisão. Considerando o disposto no art. 400.º n.º 1, als. e) e f) do CPP, a não admissibilidade do recurso vale separadamente para as penas parcelares e para a pena conjunta, podendo acontecer que não sejam recorríveis todas ou algumas daquelas, mas já o seja a pena única[2]. Aliás, decidiu-se no Ac. do TC (plenário) n.º 186/2013, “Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, “na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão.” Portanto, não pode o recorrente pretender uma terceira apreciação das questões colocadas (v.g. reapreciação da matéria de facto quanto ao crime de roubo, na perspetiva do vício previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP e da violação do in dubio pro reo, sob pena de violação do art. 32.º, n.º 2, do CRP) nos casos em que há limitações legais. Assim, se o recorrente pretende impugnar o acórdão do Tribunal da Relação, apenas deve e pode apresentar as razões pelas quais discorda dessa decisão, na parte em que é suscetível de recurso (que neste caso é apenas quanto à pena única), de forma a que a sua argumentação possa ser apreciada por este Supremo Tribunal. A repetição de questões e argumentação que estão já definitivamente decididas, por haver dupla conforme não impõem, nem levam à sua reapreciação. Com efeito, o acórdão da Relação de Lisboa é definitivo quanto às questões que apreciou e que o recorrente volta a colocar (sob diversas formas, algumas até apresentadas indevidamente como questões novas, que não foram colocadas ao Tribunal recorrido) no recurso para o STJ, ressalvado a questão da pena única por ser superior a 8 anos (uma vez que se verifica o condicionalismo previsto nos arts. 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP). Assim, as questões de facto, as questões processuais, as questões de direito, as questões de constitucionalidade suscitadas nesse âmbito em que não é admissível o recurso para o STJ, porque já foram decididas definitivamente pela Relação, não podem ser conhecidas, nem sindicadas por este Supremo Tribunal, como sucede com as questões colocadas em relação à decisão de facto relativa ao crime de roubo e com a determinação das penas individuais inferiores a 8 anos[3]. De resto, ainda que assim não fosse, também não lhe assistia razão uma vez que esqueceu que destinando-se os recursos a suscitar a oportuna apreciação da decisão de que se recorre (neste caso era o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa o impugnado) nele não devem ser apresentadas questões novas que não foram colocadas ao Tribunal recorrido (ressalvado aquelas que devam ser conhecidas oficiosamente), uma vez que não se pode apreciar tais novas questões sem haver decisão que sobre elas recaía (como aqui sucede com as novas questões que agora coloca apenas em sede de recurso para o STJ, quanto ao vício previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, quanto a serem excessivas as penas individuais inferiores a 8 anos de prisão que lhe foram aplicadas pela 1ª instância, por o tribunal não ter optado pela alternativa da moldura abstrata da pena de multa, matérias que não suscitou, como podia, no recurso para a Relação e, nessa medida, não foram apreciadas por aquele Tribunal Superior, nunca podendo também ser sindicadas, nem conhecidas pelo STJ). De todo o modo, por inadmissibilidade legal, uma vez que há dupla conforme, não se toma conhecimento do recurso em apreciação, quanto a essas matérias, ressalvada a questão suscitada relativa à pena única em que o recorrente foi condenado por ser superior a 8 anos. 8.2. De seguida, vamos então analisar a questão relativa à medida da pena única de 8 anos e 3 meses de prisão, mantida no acórdão da Relação sob recurso, única que pode ser sindicada por este STJ, tendo presente que, não ocorrendo os vícios previstos no art. 410º, n.º 2, do CPP, nem nulidades ou irregularidades de conhecimento oficioso, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto acima transcrita, a qual se mostra devidamente sustentada e fundamentada. Pois bem. A esse propósito (sobre a medida das penas individuais e única) escreveu-se no acórdão do TRL sob recurso, quando foi abordada a (vii) questão, sobre a “Violação do disposto no art.º 71.º, consubstanciando errónea medida das penas”: O Tribunal a quo justificou a determinação das penas parcelares e da pena única nos termos que se transcrevem: Da opção e medida da pena O crime de simulação de crime é punível com uma moldura penal abstracta de prisão até um ano ou multa até 120 dias - cfr. artigo 366°, n°. 1, do Código Penal. Ao crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217° e 218°, n°. 2, do Código Penal corresponde pena abstracta de prisão de 2 a 8 anos - cfr. artigo 218°, n°. 2, do Código Penal. Ao crime de burla qualificada na forma tentada corresponde pena abstracta de prisão até 3 anos e 4 meses ou multa até 400 dias - cfr. artigos 217° e 218°, n°. 1 e 22°, 23°, 72° e 73°, todos do Código Penal. Ao crime de burla qualificada corresponde pena abstracta de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias - cfr. artigos 217° e 218°, n°. 1, do Código Penal. Aos crimes de falsificação de documento corresponde pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias - cfr. artigos 256°, n°. 1, ais. a), e) e f) e n°. 3, todos do Código Penal. Ao crime de roubo corresponde pena abstracta de prisão de 1 a 8 anos - cfr. artigo 210°, n° 1, do Código Penal. Sendo os crimes de simulação de crime, de falsificação de documento e de burla qualificada na forma tentada puníveis com pena de prisão ou, em alternativa, com pena de multa, coloca-se-nos o problema de ter de optar entre a aplicação de uma ou de outra das penas. O disposto no artigo 70° do Código Penal, numa clara afirmação do princípio de reacção contra penas institucionalizadas ou detentivas, impõe que o Tribunal dê preferência à pena não privativa da liberdade, «sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» (exigências de reprovação e de prevenção do crime). A propósito das finalidades da pena, escreveu o Prof. Figueiredo Dias (in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, pág. 815), «Prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida». Significa isto que, uma pena alternativa ou de substituição, ainda que, no caso, possa satisfazer plenamente as necessidades de prevenção especial de ressocialização, não poderá ser aplicada se com ela sofrer inapelavelmente, “o sentimento de reprovação social do crime” (cfr. Prof, Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 334), ou a confiança da comunidade na validade da norma jurídica violada. No caso vertente, atendendo a que o arguido já regista antecedentes criminais por crimes de igual natureza, e dada a persistência da sua actividade criminosa aqui em apreço, assim como a gravidade dos ilícitos aqui em causa, somos levados a considerar que a pena de multa não se revela adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição, em particular as necessidades de prevenção especial e, nessa medida, decidimo- nos pela aplicação de penas de prisão. Posto isto, importa determinar a medida concreta das penas a aplicar ao arguido, penas essas que são limitadas pela sua culpa revelada nos factos (cfr. artigo 40°, n° 2, do Código Penal), e terão de se mostrar adequadas a assegurar exigências de prevenção geral e especial, nos termos do disposto nos artigos 40°, n° 1 e 71°, n° 1 do Código Penal, havendo que ponderar na determinação daquela medida, todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente as enumeradas no citado artigo 71°, n° 2, do Código Penal. Há, assim, que ponderar: - O grau de ilicitude dos factos, que se nos afigura muito acentuado relativamente a todos os ilícitos perpetrados, tendo em conta, designadamente, o modo de execução e toda a actividade desenvolvida, nomeadamente o procedimento adoptado e que envolve a falsificação de documentos e denúncias falsas, por forma a conferir maior veracidade à actividade desenvolvida e a posterior concretização da mesma; o período de tempo em que decorreu a actividade ilícita, a reiteração das condutas e as consequências dessa actuação na esfera das seguradoras, na vertente do prejuízo material e correspondente à quantia das quais as mesmas ficaram privadas - € 20 900,00 (Allianz), € 1 624,00 (Tranquilidade) e € 16 884,24 (Ageas) - , assim como o significativo prejuízo patrimonial causado, apenas não tendo ascendido a valor superior em virtude do montante de € 14 480,42 não ter sido pago pela seguradora Grupo Generali e por circunstâncias completamente alheias ao arguido. A propósito da intensidade dos ilícitos importa ainda realçar a premeditação e desenvoltura criminosa assinaláveis do arguido. O despojamento de escrúpulos, a frieza e o planeamento para a obtenção dos seus objectivos, evidenciado na forma como concebeu e levou a cabo o enredo de meios para obtenção dos proveitos financeiros e o aproveitamento das vulnerabilidades de controle por parte das seguradoras e a sujeição de BB, com quem mantinha uma relação amorosa, a actos de violência e de constrangimentos totalmente desnecessários, são bem reveladores de um carácter calculista, desprovido de autocensura. Quanto às falsificações dos documentos (chapas de matrícula), atentar-se-á ao facto de os mesmos terem sido praticados como meio de preparação e perpetração das burlas em que tais documentos foram utilizados. - O dolo do arguido, que reveste, em todos os casos, a forma de dolo directo, cuja intensidade se revela também elevada, dada a persistência da resolução criminosa. - O comportamento anterior e posterior do arguido, salientando-se a inexistência de reparação, mesmo que parcial, dos danos. - A existência de antecedentes criminais por crimes de burla, sendo de realçar que o arguido, logo após ter sido condenado pela prática deste tipo legal de crime, no Processo n°. 1435/07...., mas antes do trânsito em julgado de tal condenação, em pena de multa, perpetrou os factos aqui em apreço, descritos em 1 a 18 dos factos provados, seguindo-se a prática de todos os restantes dados como provados, já após o trânsito em julgado de tal condenação, circunstância que constitui um elemento desfavorável, atento o comportamento posterior do arguido, pese embora a sua primariedade à data dos primeiros factos em apreço nos presentes autos. - As condições pessoais do arguido e respectiva situação familiar e económica. Há ainda a ponderar as exigências de prevenção, sendo as de prevenção geral e especial muito elevadas. Não existiu por parte do arguido qualquer admissão dos factos - apenas uma ínfima parte referente à falsificação da matrícula ..-UV-.., factos que, aliás, o arguido nem poderia negar dada a evidência de ter sido interceptado pelas autoridades policiais a conduzir a viatura com tal matrícula aposta - nem, consequentemente, qualquer arrependimento nem qualquer comportamento favorável relevante. O arguido não reparou de qualquer forma a lesão por si causada, nem contribuiu para que, de alguma maneira, se perspectivasse tal reparação, apesar do tempo já decorrido desde a prática dos factos. Todos estes factores, atendendo à intensidade da lesão dos bens jurídicos protegidos pelo tipo de ilícitos praticados, uma vez que o valor monetário global de que se apropriou foi muito considerável (e só por factores exteriores à sua vontade não se apropriou de mais, designadamente, da quantia de € 14 480,42), o grau de ilicitude dos factos (simulações de crime, roubo e burlas praticadas por e com falsificação de documentos) as exigências de prevenção geral revelam-se muito elevadas face à crescente proliferação de ilícitos desta natureza a que se vem assistindo, sendo igualmente muito elevadas as exigências de prevenção especial e de culpa do arguido, em vista dos factores já descritos, a que acresce a circunstância do arguido, embora possua hábitos de trabalho, não dispõe de uma situação económica folgada, circunstância que, aliada à incapacidade de auto-censura pelo seu comportamento delituoso pelo mesmo demonstrada, faz crescer risco de perpetração de factos semelhantes. O arguido mostrou-se, com esta sua postura avesso a qualquer sentimento de culpa, sendo preponderante também um sentimento de impunidade, circunstâncias que permitem concluir por um grau de recuperabilidade lento. Ponderando todos estes factores, as exigências de prevenção geral e especial, bem como as condições pessoais acima mencionadas, o tribunal entende por ajustadas e adequadas as seguintes penas: » 4 (quatro) meses de prisão, por cada um dos dois crimes de simulação de crime; » 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, por cada um dos quatro crimes de falsificação de documento; » 4 (quatro) anos de prisão, pelo crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218°, n°. 2, do Código Penal; » 1 (um) ano de prisão, pelo crime de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelo artigo 218°, n°. 1 do Código Penal; » 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, pelo crime de roubo; » 1 (um) ano e 6 seis) meses de prisão, pelo crime de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218°, n°. 1, do Código Penal. Operando o cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, sendo a moldura penal abstracta correspondente aos crimes em concurso, a de prisão de 4 (quatro) anos de prisão a 16 (dezasseis) anos e 8 (oito) meses de prisão, ponderando, em conjunto, a gravidade dos factos praticados (de onde sobressai o tipo de actuação, as consequências dela emergentes e o período de tempo em que a desenvolveu), os bens jurídicos violados, o percurso do arguido no que ao contacto com o sistema judiciário diz respeito e as fragilidades pessoais do arguido - cfr. artigo 77°, n°s. 1 e 2, do C.P. - decidem os juízes que compõem este tribunal colectivo, condená-lo, na pena única de 8 (oito) anos e 3 (três) meses de prisão. Estabelece o art.º 71.º, n.º 1, do C. Penal que «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». Culpa e prevenção constituem o binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena. Como afirma o Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, II, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, § 280 e ss, através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária de punição do facto concretamente praticado pelo agente e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena; com a consideração da culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção. A culpa constitui, pois, o pressuposto-fundamento da validade da pena e tem, ainda, por função estabelecer o limite máximo da pena concreta. Não há pena sem culpa e a medida da pena não pode ultrapassar a da culpa (art.º 40.º, n.º 2, do C. Penal). A pena concreta tem, assim, de ser fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, adequados à culpa do agente, tendo como referencial as exigências de prevenção geral e especial, bem assim como a necessidade de punição que o caso em concreto requer. Ainda nas palavras de Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, II, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, § 302 e ss, toda a pena prossegue finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral positiva ou de integração e de prevenção especial de socialização. Quer isto dizer que a pena tem uma finalidade de prevenção especial dirigida àquele agente em concreto, assumindo uma função dissuasora da prática de novos crimes, bem como uma finalidade de prevenção geral, no sentido pedagógico, servindo como exemplo para os restantes membros da sociedade. Nos ensinamentos da Prof.ª Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas Jornadas sobre a Revisão do Código Penal (1998), AAFDL, pág. 25, «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda a prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial». Deste modo a pena deverá intimidar e desencorajar todos aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa e, por outro, integrar e ressocializar o delinquente. Estabelece ainda o art.º 71º, n.º 2, do C. Penal que, na determinação da medida concreta da pena, haverá que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. No caso em apreço, o Tribunal a quo ponderou todos os aspetos que devia ponderar, nos termos previstos no citado art.º 71.º do C. Penal, concretamente as exigências de prevenção geral que considerou medianas, o grau de ilicitude do facto, não se mostrando a falta de ponderação de qualquer facto que devesse ter sido nem a valoração deficiente de facto que valorou. Por outro lado, seguimos a jurisprudência segundo a qual o Tribunal de recurso também a nível da determinação das penas concretas e da pena única em caso de concurso de crimes, como no presente caso, apenas deve intervir quando a pena fixada pela primeira instância se revele desajustada, por violação dos comandos a que se fez referência, e por isso injusta. Na verdade, no que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1ª Instância, a intervenção dos Tribunais de 2ª Instância deve ser cautelosa e seguir a jurisprudência exposta, quanto à intervenção do STJ é certo, mas aplicável às Relações, no Ac. do mesmo Tribunal Superior de 27/05/2009, relatado por Raul Borges, in www.gde.mj.pt, Proc. 09P0484, no qual se considera: "... A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada". (No mesmo sentido, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 197, § 255). Assim, só em caso de desproporcionalidade na sua fixação ou necessidade de correção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª Instância alterando o quantum da pena concreta. Como as penas parcelares e a pena única se mostram conforme aos factos, è lei e respeitam a culpa manifestada pelo arguido na prática dos factos, nenhuma censura nos merecem. Vejamos então. A argumentação do recorrente, quanto à pena única, que considera excessiva, baseia-se no facto de não ter antecedentes criminais pelos crimes que foi condenado com exceção do crime de burla e, apesar de ser uma atuação censurável, entende que a pena aplicada foi severa e injusta, considerando todo o seu percurso de vida, assim como condições pessoais e sociais em que vive, pugnando pela sua redução, de modo à pena de prisão não exceder os 5 anos e ser suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova. Assim. Pressuposto essencial do concurso de penas (tal como decorre do disposto nos arts. 77.º, n.º 1 e 78.º, n.º 1, do CP) é a prática de diversos crimes pelo mesmo arguido antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles. O designado “cúmulo jurídico de penas” não é uma forma de execução de penas parcelares, mas antes um caso especial de determinação da pena[4]. A exigência de realização de cúmulo jurídico neste caso tem a sua explicação: basta atentar no disposto no art. 77.º, n.º 1, do CP, sobre as regras de punição do concurso, onde se estabelece um regime especial de punição, que consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, “na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. A justificação para este regime especial de punição radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente[5]. Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou (a pena única é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no mesmo art. 77.º, n.º 2, não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71.º do CP[6]). Neste caso concreto, a pena aplicável (a moldura abstrata do concurso de penas, conforme o art. 77.º, n.º 2, do CP) tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso (ou seja, 16 anos e 8 meses de prisão que corresponde à soma das penas de prisão individuais aplicadas) e como limite mínimo a mais elevada das penas individuais concretamente aplicadas aos mesmos crimes em concurso (neste caso 4 anos de prisão), o que significa que a pena única terá de ser encontrada na moldura abstrata entre 16 anos e 8 meses de prisão e 4 anos de prisão. Repare-se que em causa está o concurso de 2 crimes de simulação de crime p. e p. no art. 366.º do CP, 4 crimes de falsificação de documento p. e p. no art. 256.º, n.º 1, als. a), e) e f) e n.º 3 do CP, 1 crime de burla qualificado consumado p. e p. no art. 218.º, n.º 2, do CP, 1 crime de burla qualificado tentado p. e p. nos arts. 22.º, 23.º e 218.º, n.º 1, do CP, 1 crime de roubo p. e p. no art. 210.º, n.º 1, do CP e 1 crime de burla qualificado consumado p. e p. no art. 218.º, n.º 1, do CP, devendo ter-se presente que já tinha antecedentes criminais, particularmente por crimes de burla, que o não motivaram a alterar o seu comportamento, como se viu logo com a sua atuação descrita nos pontos 1 a 18 dos factos provados, bem reveladora da sua indiferença pela primeira condenação em multa sofrida em 6.04.2017 e transitada em 8.05.2017 (como foi assinalado pela 1ª instância), seguindo-se depois a prática dos restantes crimes em apreciação nestes autos. O desvalor das condutas do recorrente, o seu desprezo perante pautas mínimas de convivência societária, o facto de ter cometido o conjunto dos crimes em apreciação nestes autos no período indicado nos factos provados, apesar do que se apurou quanto às suas condições de vida (particularmente condições pessoais, familiares, laborais, sociais e económicas), revelam bem como o ilícito global agora em apreciação foi determinado por alguma propensão ou tendência criminosa. A conexão entre os crimes cometidos, é grave, tendo de ser vistos no seu conjunto, considerando o espaço de tempo da sua atuação e a personalidade do arguido (avessa ao direito), que se mostra adequada aos factos cometidos, revelando uma certa tendência para a prática dos tipos de ilícitos criminais cometidos, bem como não esquecendo, relativamente ao ilícito global, as elevadas exigências de prevenção geral (para reafirmar, perante a comunidade, a validade das normas violadas) e de prevenção especial (considerando todo o seu percurso de vida, apesar das oportunidades que foi tendo, mas que foi desaproveitando), sendo certo que nem sequer chegou a reparar os prejuízos causados, apesar das consequências gravosas causadas às vítimas. Na perspetiva do direito penal preventivo, julga-se na medida justa, sendo adequado, ajustado e proporcionado manter a pena única de 8 anos e 3 meses de prisão (que não ultrapassa a medida da sua culpa, que é elevada), assim contribuindo para a sua futura reintegração social e satisfazendo as finalidades das penas. A pretendida redução da pena mostra-se desajustada e comprometia irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas, não sendo comunitariamente suportável aplicar pena única inferior à que lhe foi imposta (não sendo legalmente admissível a requerida suspensão da sua execução – cf. art. 50.º do CP). Em conclusão: improcede o recurso do arguido na parte que era possível analisar, sendo certo que não foram violados os princípios e as disposições legais respetivas invocadas pelo recorrente. * III - Decisão Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em: - não tomar conhecimento do recurso, por inadmissibilidade legal, na parte em que é impugnado o Acórdão da Relação, quanto à condenação do Recorrente pelos crimes e nas penas parcelares/individuais (face ao disposto nos arts. 399º, 400º, n.º 1, als. e) e f), 432º, n.º 1, al. b), 420º, n.º 1, al. b), e 414º, n.ºs 2 e 3, do CPP); - no mais, negar provimento ao recurso interposto pelo mesmo arguido. Custas pelo recorrente/arguido, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC`s. * Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelas Senhoras Juízas Conselheiras Adjuntas. * Supremo Tribunal de Justiça, 16.02.2023 Maria do Carmo Silva Dias (Relatora) Leonor Furtado (Juíza Conselheira Adjunta) Helena Moniz (Juíza Conselheira Adjunta)
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A convicção do tribunal quanto aos factos provados formou-se com base na globalidade da prova produzida em audiência de julgamento e de acordo com a livre convicção que o tribunal formou sobre a mesma, sempre tendo em atenção as regras da experiência comum, e atendendo-se à prova documental, pericial e oral que foi produzida. Concretizando. O arguido, após a produção de prova, no final do julgamento, optou por prestar declarações, negando os factos que lhe são imputados, apenas admitindo o relacionamento amoroso que manteve com BB, mas negando alguma vez tê-la prejudicado ou actuado sem o seu conhecimento ou consentimento, admitindo ainda que, “num acto irreflectido e de desespero”, mandou fazer a matrícula ..-UV-.. e apô- la na viatura com a matrícula ..-QT-... Relativamente a toda a factualidade foi igualmente valorado o depoimento da testemunha HH, inspector da Polícia Judiciária, que descreveu, de modo consistente, objectivo e circunstanciado, todas as diligências de investigação realizadas, e que tiveram o seu início com a apreensão da viatura de matrícula ..-RI-.. pela Polícia, no ..., que tinha aposta uma matrícula falsa e que, no seu interior, continha uma factura onde constava o nome do arguido, sendo por essa via que lograram obter a sua identificação, não apenas relativamente a tais factos, como a todo os outros constantes dos autos, decorrentes da apensação de outros inquéritos que se encontravam a decorrer, concretizando a recolha de toda a prova documental que se encontra junta aos autos e infra descrita e confirmando o teor da mesma. Concretizando. Assim, para a convicção do Tribunal foram relevantes, para prova dos factos descritos em 1 a 18, desde logo, o teor dos seguintes documentos: - auto de notícia de fls. 17 e 18; - auto de apreensão de fls. 19 (viatura ..-RI-..); - ficha de registo automóvel de fls. 30 (viatura ..-RS-..); - consulta de inspecções de fls. 31 (viatura ..-RS-..); - consulta de histórico de seguros (viatura ..-RS-.., de fls.32; - ficha de registo automóvel e de viatura de fls. 33 e 34 (viatura ..-RI-..); - consulta de histórico de seguros (viatura ..-RJ-..), de fls. 35; - ficheiro de sinistros e fraude automóvel ( viatura ..-RI-..), de fls. 36; - consulta de inspecções, de fls. 37 (viatura ..-RI-..); - auto de diligência de fls. 38, 76, 77, 111, 139, 348 (e documento de fls. 349); - auto de apreensão de fls. 39 e documento de fls. 40; - auto de exame directo de fls. 41 e 42; - certidão do registo comercial de fls. 44, 45, 114 a 118; - pesquisas nas bases de dados dos SIC de fls. 46 e 47, 246 a 256; - informação IMT, de fls. 51; - factura de fls. 54; - informações de fls. 70 a 75, 101a 107, 138; - relatório de averiguações Allianz, de fls. 83 e seguintes; - factura de fls. 120 equivalente à de fls. 40; - certidão permanente registo comercial P..., Unipessoal, Lda., de fls. 1015 a 1019; - factura venda e DAV da viatura ..-RI-.., de fls. 1024; - registo automóvel - viatura ..-RI-.. -, de fls. 1067; - seguro referentes à viatura ..-RI-.., de fls. 1068; - sinistro e pagamento de indemnização referente à viatura ..-RI-.., de fls. 1069 a 1072; - extracto de movimentos conta titulada por DD, de fls. 1077 a 1079; - notificações para pagamento e informação de EE - fls. 911 a 997; - cota de fls. 1085; - APENSO E - NUIPC 132/17....: auto de denúncia de fls. 16; informação seguradora Allianz - fls. 19 e 20; aditamentos de fls. 27 a 32 e fls. 35; - APENSO F - NUIPC 652/19....: auto de notícia de fls. 12; aviso e notificação de fls. 16 e 17; informação e fotografia Via verde, de fls. 20 e 21; aditamento de fls. 32 a 36; registo fotográfico de fls. 61 a 64; Foram igualmente relevantes para prova desta factualidade os depoimentos das testemunhas: - II, gerente da sociedade G..., Lda. que, confrontado com a factura apreendida a fls. 40 dos autos, declarou ser uma factura verdadeira, emitida pela sua empresa, a um cliente da mesma; - EE, declarou ter sido proprietário de uma viatura automóvel da marca Peugeot 208, com a matrícula ..-RS-.. e que, após ter recebido notificações para proceder ao pagamento de multas de estacionamento em ..., passagens na via verde, de ... a ..., e sabendo não ter utilizado a sua viatura em tais locais e trajectos, apresentou queixa às autoridades policiais e enviou uma carta dirigida à Via Verde, por tudo indiciar que alguém estaria a utilizar a matrícula do veículo automóvel do qual é proprietário. Confirmou o teor da queixa apresentada em junta a fls. 12 a 21 do Apenso E. Mais declarou que foi contactado por um indivíduo, via watsapp, que lhe perguntou se a sua viatura automóvel de matrícula ..-RS-.. estava à venda e que lhe enviou fotografias da mesma e a sua localização, que veio a entregar à Polícia, e que constam de fls. 34 e segs. do Apenso E. - JJ, declarou ter sido proprietário de uma viatura automóvel da marca Peugeot 208, com a matrícula ..-RS-.., que utilizou durante cerca de 1-2 meses e que, quando já não tinha o carro na sua posse, que havia entregue para venda ao stand M..., em ..., recebeu uma multa de estacionamento de tal viatura, em ..., localidade onde nunca havia estado, e que, pelo valor pouco significativo da mesma - € 30,00 - procedeu ao seu pagamento. - KK, comerciante de automóveis, declarou conhecer o arguido por ter estado no stand P..., Lda. onde negociou a compra da viatura de matrícula ..-RI-.., vindo a adquiri-la, ficando a mesma registada em nome de uma senhora que também esteve no stand. Confrontado com a factura junta a fls. 1023, confirmou a emissão e autenticidade da mesma. Fazendo uma análise crítica de toda esta prova produzida, eis o que se nos oferece dizer. O arguido admitiu ter adquirido a viatura com a matrícula ..-RI-.., qual ficou registada em nome da sua irmã CC, assim como ter recebido o montante que admite ter sido de € 15 450,00, cuja transferência foi efectuada pela sua mãe, titular do seguro da viatura, e que consistiu num empréstimo da sua progenitora. Relativamente à aquisição da viatura com a matrícula ..-RI-.., ao histórico da mesma, aos seus registos e aos seguros automóveis realizados e ao valor da indemnização paga à mãe do arguido, na sequência do sinistro que foi denunciado pelo arguido à P.S.P. ..., em 10/04/2017, dúvidas não existem acerca da factualidade tida como provada, porquanto os documentos supra mencionados e descriminados sustentam-na de modo inequívoco. Negou, porém, o arguido, ter ficado na posse da mencionada viatura após a mesma ter sido “roubada” (sic). Sucede, porém, que a versão apresentada pelo arguido não mereceu qualquer credibilidade, porque se encontra infirmada por toda a prova que foi produzida. Vejamos Após o alerta da GNR ... - e que foi dado na sequência da denúncia efectuada pela testemunha EE e que deu conta, quer das notificações que estava a receber para proceder ao pagamento de multas de estacionamento e da Via Verde (cfr. does. de fls. 71 a 75 e 994 a 997), infracções que não cometeu, assim como do contacto que recebeu por parte de um terceiro para aquisição da sua viatura com a matrícula ..-RS-.. e das fotografias que lhe foram fornecidas com as imagens da viatura ostentando tal matrícula e que se encontrava estacionada na Rua ..., no ... - a PSP ... deslocou-se à rua indicada onde foi localizada a mencionada viatura automóvel Peugeot 208, ostentando a matrícula ..- RS-.., que veio a ser apreendida (cfr. auto de apreensão de fls. 39). Na referida viatura automóvel foi localizada, por baixo do forro de protecção da mala, a factura ...62, com a data de 09/02/2018, emitida pela empresa G..., Lda. à empresa S..., Lda. (cfr. doc. de fls. 40), cujo gerente era o arguido (cfr. doc. de fls. 44), tendo tal factura agrafado um talão do Millenium BCP, cuja conta é titulada pelo arguido. Do exame de tal viatura foi constatado que ao n°. do chassis da viatura apreendida corresponde o registo da matrícula ..-RI-.. (cfr. does. de fls. 38 e 34) Após análise do manipulador existente nas chapas de matrícula ..-RS-.. (cfr. doc. de fls. 42) apostas na viatura apreendida - IMT-..4-..3 foi apurado que a gravação das mesmas foi realizada pela C..., Lda - cfr. doc. de fls. 51, e que o cliente se identificou como AA - cfr. doc. de fls. 54. Ora, o nome do arguido é, precisamente, AA. Por outro lado, no interior da mencionada viatura automóvel que veio a ser apreendida, foi encontrada uma factura e um comprovativo de pagamento por Multibanco, referentes ao arguido e à empresa da qual o mesmo era sócio gerente (S..., Lda.), datada de 09/02/2018, ou seja, dez meses após o alegado roubo denunciado pelo arguido e de que o mesmo declarou ter sido vítima, em 10/04/2017. É assim por demais evidente que foi o arguido quem providenciou pelo fabrico e aposição das chapas de matrícula ..-RS-.. na viatura automóvel com a matrícula .. -RI- .., ambas da mesma marca, modelo e cor, assim como é evidente que o arguido sempre manteve esta viatura na sua posse, mesmo após ter denunciado o alegado roubo da mesma, porquanto apenas assim se pode compreender e justificar a razão pela qual o arguido, no interior da viatura apreendida e que corresponde à de matrícula ..-RI-.., tinha uma factura datada de 09/02/2018, emitida no nome da sua empresa, encontrando- se tal viatura estacionada numa zona próxima aa área de residência do próprio arguido. E, além de sempre ter mantido tal viatura na sua posse, o arguido veio a utilizá-la (tal como decorre dos docs. de fls. 71 a 75, 994 a 997, 105 a 106 e 16 a 21 do Apenso F), pelo menos nos dias 01/06/2018, 28/06/2018 e 23/04/2019, datas em que foram cometidas infracções que culminaram nas notificações das testemunhas EE e JJ, este último, anterior proprietário da viatura com a matrícula ..-RS- .. e, o primeiro, actual proprietário da mesma. Resultando inequívoco da prova produzida que o arguido adquiriu a viatura automóvel com a matrícula ..-RI-.., em 10/08/2016, pelo valor de € 12 500,00, logrando obter pela Seguradora - a título de indemnização pela subtracção violenta da viatura e de que declarou ter sido vítima e que denunciou às autoridades policiais em 19/04/2017 - o valor de € 20 900,00, pagamento efectuado em 20/07/2017, e continuando o arguido na posse de tal viatura, nos termos infra explanados, até à data da sua apreensão, dúvidas não restam, porquanto inexiste qualquer outra explicação, lógica ou ilógica que afaste esta conclusão, que o arguido, utilizando a viatura que foi tida como roubada, denunciou factos falsos - o alegado roubo - visando obter benefícios indevidos, como obteve. A convicção do Tribunal relativamente aos factos descritos em 19 a 35 assentou, desde logo, o teor dos seguintes documentos: - ficha de registo automóvel de fls. 265 (..-QV-..); - ficha de viatura de fls. 266 (..-QV-..); - consulta de seguros - fls. 267 (..-QV-..); - detalhe de sinistro - fls. 268 e 269 (..-QV-..); - certificados de matrícula de fls. 368 a 370 (veículos ..-QV-.., ..-QT-.. e ..- RA-..); - informação, factura e fotografias juntas pela sociedade S... S.A (viatura ..- QV-..) - fls. 537 a 540; - certidão permanente do registo comercial sociedade “F..., Lda.” - fls. 541; - informação, factura e requerimento de registo de propriedade juntos pela sociedade “F..., Lda.” (viatura ..-QV-..) - fls. 543 a 545; - ficha de registo automóvel - viatura ..-QV-.. -fls. 551; - consulta de inspecções realizadas pela viatura ..-QV-.. - fls. 552; - informação, factura e requerimento de registo de propriedade juntos pela sociedade “F..., Lda.” (viatura ..-QV-..) - fls. 543 a 545; - ordem de reparação, ficha de recepção de viatura, facturas e orçamento V... (viatura ..-QV-..), de fls. 1007 a 1011; - APENSO A - NUIPC 8/20....: auto de denúncia de fls. 4 e segs.; aditamento e suporte fotográfico de fls. 11 e segs.; informação de fls. 36 a 39; relatório de investigação final e suporte fotográfico, de fls. 49 a 125. Foram igualmente relevantes para prova desta factualidade os depoimentos das testemunhas: - LL, perito averiguados da Generali, S.A., que declarou, em síntese, que foi chamado a averiguar um sinistro que envolvia a viatura automóvel Renault Clio, com a matrícula ..-QV-.., que teria sido encontrado na zona do ..., em ..., e que esteve envolvido em roubo/carjacking, em 04/01/2020, cujo sinistro que tinha sido reportada à Tranquilidade. Da análise do registo de sinistralidade da viatura, apurou que a mesma tinha apólice na Tranquilidade, desde ...18, mas que já teria sido peritada, com base noutro sinistro ocorrido em 02/08/2017, e que terá ficado com perda total. Após analisadas as fotografias dos danos da viatura constantes do processo de sinistro ocorrido em 02/08/2017, constatou que a viatura apresentava actualmente grande parte dos danos que já havia apresentado em 2017, logo concluindo não ser possível apresentar os mesmos danos e que dificilmente tal viatura teria andado a circular. Concretizou, pela visualização das fotografias juntas a fls. 59 e segs. do Apenso A, que existiu uma tentativa de reparação da viatura (a fls. 63, o guarda-lamas direito foi substituído mas, a fls. 65 é perceptível na primeira fotografia, que o capot da viatura apresenta uma marca de betume, precisamente onde existe um vinco na segunda fotografia do sinistro de 2017), mas que não foi uma reparação “a fundo” e, por outro lado, a quilometragem da viatura indicada que a mesma não andou a circular entre o primeiro sinistro, em 2017 e o sinistro participado, em 2020. Concluiu, assim, que estruturalmente, os danos são semelhantes e correspondem aos mesmos danos anteriormente existentes em 2017, embora com algum agravamento em 2020, em virtude da queda da viatura na ravina. Confirmou o teor do relatório de peritagem de fls. 49 a 125 do Apenso A, por si elaborado - MM, militar da GNR declarou, em síntese, que foi chamado ao local - E.N. ...47 - devido a um veículo acidentado que teria caído numa ravina, concretizando que a viatura estava numa zona profunda, com cerca de 20-30 metros de profundidade e com muito arvoredo e que, contactado o proprietário da viatura para providenciar pela remoção da mesma - o aqui arguido o mesmo não manifestou muito interesse em retirar a viatura do local. Confrontado com o teor do aditamento de fls. 11 a 13 do Apenso A, confirmou o teor do mesmo. Fazendo uma análise crítica de toda esta prova produzida, eis o que se nos oferece dizer. O arguido admitiu ter adquirido à F... Lda. duas viaturas automóveis, uma delas o veículo com a matrícula ..-QV-.., destinando ambas a reparação e posterior venda, de um deles, e ficando com o de matrícula ..-QV-.. para si, por ter menos quilometragem. Mais declarou que, quando foi contactado pela GNR, dando-lhe conhecimento de que tinham encontrado a viatura, já havia contactado com a seguradora. Deslocou-se ao local e viu que a viatura tinha embatido num penhasco, provocando um grande dano na traseira e que, quando desceu e chegou junto da viatura, a mesma não tinha a chave no seu interior. Mais referiu que a seguradora o informou que iriam dar solução à remoção da viatura do local. Relativamente à aquisição da viatura com a matrícula ..-QV-.., ao histórico da mesma, aos seus registos e aos seguros automóveis realizados e ao valor da indemnização pretendida receber pelo arguido, na sequência do sinistro que foi denunciado em 04/01/2020, dúvidas não existem acerca da factualidade tida como provada, porquanto os documentos supra mencionados e descriminados sustentam-na de modo inequívoco. Negou, porém, o arguido, ter denunciado factos falsos e ter ficado na posse da mencionada viatura após a mesma lhe ter sido alegadamente subtraída com violência. Sucede, porém, que a versão apresentada pelo arguido, uma vez mais, não mereceu qualquer credibilidade, porque se encontra infirmada por toda a prova que foi produzida. Vejamos. A testemunha LL, perito averiguador da Generali, S.A., da qual faz parte a Tranquilidade, apresentou um depoimento lógico, consistente e coerente, explicando, de modo assertivo e seguro, os motivos pelos quais a seguradora não liquidou o valor da apólice. E, de facto, da análise das fotografias juntas a fls. 59 a 85, que retratam a viatura de matrícula ..-QV-.., quer quando a mesma foi objecto de perícia em 02/08/2017, quer na actualidade, após a denúncia dos factos alegadamente ocorridos em 04/01/2020 e da sua recuperação, em 08/01/2020, constatamos que o relato que foi efectuado pela referida testemunha encontra, sem margem para dúvidas, sustentação nas imagens ali constantes, relativamente aos danos, permitindo ao Tribunal desde logo concluir, como concluiu a testemunha, que existiu, efectivamente, uma tentativa de reparação da viatura, após a mesma ter sido adquirida como salvado pelo arguido, mas tal reparação, além de não ter sido total e bem conseguida, foi uma reparação superficial e parcial - cfr., designadamente, fotografias de fls. 59 a 65 e 68 do Apenso A. Por outro lado, em 2017, a referida viatura apresentava uma quilometragem de 29048 Km e, em 2020 uma quilometragem de 29078 Km, correspondendo a uma diferença de 30 Km, circunstância que desde logo permite concluir que num espaço temporal superior a 2 anos, tal viatura automóvel não andou a circular conforme o arguido pretendeu fazer crer ao Tribunal, apenas tendo percorrido a distância de 30 Km. Acresce ainda que da visualização de tais fotografias, é bem perceptível que a viatura, em 2020, apresentava sinais notórios de que havia estado parada há muito tempo, sem indícios de estar a circular. Vejam-se as fotografias juntas a fls. 71 a 85 do Apenso A, onde é perfeitamente perceptível a existência de musgo no volante e no interior, musgo e folhas e sinais de corrosão na zona do motor. Acresce ainda que o selo/vinheta aposto no pára-brisas da viatura, após a sua recuperação (2020), corresponde ao seguro em vigor na data em que o veículo foi dado como perda total (2017), ou seja, anterior ao seguro efectuado pelo arguido, e caducada em 31/12/2017 - cfr. fotografia de fls. 69. Ora considerando que o arguido celebrou, em 07/06/2018, um contrato de seguro com a seguradora Tranquilidade, referente à mencionada viatura, seria lógico e expectável que o arguido tivesse aposto na viatura o selo/vinheta da apólice de seguro que estava em vigor e que estaria válida até 14/02/2020, caso andasse a circular com a mesma até à data dos factos por ele denunciados. Não o fez, porém. Por outro lado, e uma vez mais apelando às regras da lógica e da normalidade da vida, seria expectável, para o arguido como para qualquer pessoa que ficasse desapossada, com violência ou até sem ela, de uma viatura automóvel, que, quando tivesse notícia de que a mesma havia sido localizada, envidasse todos os esforços para procurar saber o estado da viatura e diligenciasse pela sua remoção e recuperação. Ao invés, o arguido, quando contactado pela GNR, não manifestou grande interesse em inteirar-se do estado da viatura nem em recuperar a mesma, tal como bem evidenciou a testemunha MM, confirmando inclusivamente o teor do aditamento junto a fls. 11 a 13 do Apenso A e as dificuldades encontradas em contactar o arguido. Todas estas circunstâncias e dados objectivos apenas permitem concluir que o arguido adquiriu a viatura com a matrícula ..-QV-.., não a reparou de forma substancial/significativa, não circulou com a mesma desde a data da sua aquisição como “salvado” até ao momento em que a mesma caiu na ravina, em 08/01/2020. E, apelando às regras da lógica e da experiência comum, perante toda esta descrita actuação do arguido relativamente à mencionada viatura, apenas se pode concluir que foi o arguido, ou alguém a seu mando, que levou a viatura até à E.N. ...47 e a atirou para a ravina à beira da estrada. Para quê? Obviamente, e perante o contexto da actuação do arguido, para procurar ser indemnizado pela seguradora pelo capital seguro de € 14 480,00, servindo-se da viatura que havia adquirido como salvado/acidentado, em 2017, pelo valor de € 7 750,00, e que não reparou totalmente nem com a mesma circulou. Quanto aos factos descritos em 36 a 66, a convicção do Tribunal fundou-se, desde logo, o teor dos seguintes documentos: - ficha de registo automóvel de fls. 270 (..-QT-..); - ficha de viatura de fls. 271 (..-QT-..); - consulta de seguros, de fls. 272 (..-QT-..); - detalhe de sinistro, de fls. 273 (..-QT-..); - ficha de registo automóvel de fls. 274 (..-UV-..); - consulta de seguros, de fls. 275 (..-UV-..); - certificados de matrícula de fls. 368 a 370 (veículos ..-QV-.., ..-QT-.. e ..- RA-..); - relatório de averiguação seguradora AGEAS (viatura ..-QT-..), de fls. 614 a 321; - informação peritagem e pagamento de indemnização/reparação - viatura ..-QV- ..-fls. 630 a632; - extracto de movimentos (conta titulada por BB), de fls. 672; - impressão de mensagem escrita (SMS) recebida por BB, de fls. - extracto de movimentos (conta n.° ...59) titulada pelo arguido no Millennium BCP), de fls. 762 a 839; - listagem do Banco de Portugal, de fls. 870 a 872; - auto de diligência de fls. 983; - certidão permanente registo comercial V..., de fls. 1004; - comprovativo de levantamento em numerário (BB) - fls. 1093, e informação Santander de fls. 1182 - APENSO B - NUIPC 73/20.OGTCSC : auto de notícia de fls. 4 a 6; auto de apreensão e suporte fotográfico de fls. 7 a 10; auto de diligência externa e suporte fotográfico de fls. 89 a 97, 123 a 126; relatório de exame pericial de fls. 103 a 113, 115 a 122; - APENSO D - NUIPC 90/19....: auto de denúncia de fls. 4; relatório de inspecção judiciária de fls. 33 e seg e 102 e seg; aditamento de fls. 45. Foram igualmente relevantes para prova desta factualidade os depoimentos das testemunhas: - BB, demandante, que declarou, em síntese, ter mantido uma relação amorosa com o arguido, entre Janeiro-Fevereiro/2018 até Maio de 2019. Começou a utilizar a viatura de matrícula ..-QT-.. pertencente ao arguido, a pedido deste, após lhe ter emprestado a sua carrinha Peugeot de matrícula ..-RA-.. que este utilizava. Concretizou que entregou ao arguido os documentos da carrinha Peugeot e uma chave da viatura e que, passado algum tempo, enviou a segunda chave da viatura para o arguido, pelo correio, após este lhe ter dito que a outra tinha uma avaria. Efectuou o seguro contra todos os riscos da mencionada viatura de matrícula ..- QT-.., a pedido do arguido e, posteriormente efectuou o registo da viatura em seu nome, porque o arguido lhe disse que não convinha andar com uma viatura registada em nome de outra pessoa. Em Janeiro de 2019 foi vítima de um assalto perpetrado por dois indivíduos, que, com violência, lhe subtraíram a viatura com a matrícula ..-QT-.., assim como a carteira com os documentos e a chave do veículo. Telefonou ao arguido que lhe disse que estava em ... e foi com o mesmo apresentar queixa na Polícia. Concretizou que tinha combinado previamente com o arguido que ele passaria essa noite consigo mas que, após a denúncia às autoridades, o arguido foi-se embora. Mais declarou que recebeu o valor da apólice de seguro, de valor superior a € 16 000,00, que levantou e entregou ao arguido o montante de € 16 000,00, conforme extracto de fls. 672, ficando com o remanescente para pagamento do seguro, efectuando tal entrega porque a viatura, para todo os efeitos, era pertença do arguido, e porque confiava no mesmo já que viviam numa relação a dois. - NN, bancário, em 2019, no balcão do Santander Totta de ..., que conhece OO por esta ser cliente do Banco. Em 2019 BB efectuou ao balcão do Banco um levantamento de cerca de € 16 000,00 entregando um envelope com o dinheiro ao arguido, que de seguida se ausentou do local. Confirmou o teor dos documentos juntos a fls. 1093 (talão de levantamento) e 1182. - PP, profissional de seguros da Ageas, declarou, em síntese que a viatura automóvel de matrícula ..-QT-.. encontrava-se segurada na Ageas, sendo a apólice titulada por BB e que, em Janeiro de 2019, o seguro foi accionado, na sequência de denúncia apresentada pela segurada que afirmou ter sido vítima de roubo/carjacking. Efectuada a averiguação por parte da Ageas, e nada invalidando ou infirmando o denunciado, a seguradora procedeu ao pagamento da indemnização à segurada BB, por transferência bancária. Confirmou o relatório da seguradora junto a fls. 614 a 620 e o print do sistema informático da Ageas, com o valor da indemnização, de fls. 621. Mais referiu que a seguradora foi notificada para proceder ao levantamento da viatura, o que fez. - QQ, coordenador dos serviços de colisão da V..., que confirmou a presença da viatura Renault Clio, onde estava aposta a matrícula ..-QY-.., para realizar peritagem após o sinistro, confirmando a folha de obra de fls. 1007 e a folha de recepção da viatura de fls. 1024. Mais relatou que o n°. do chassis que consta da folha de obra corresponde ao n°. da matrícula, pois o programa, quando é aberto para fazer a folha de obra, assume o n°. de chassis da matricula e não do veículo, não tendo existido a percepção de que tal n°. não correspondia ao do veículo, razão pela qual os serviços não se aperceberam de tal desconformidade. - RR, militar da GNR que, no âmbito de uma operação de fiscalização de rotina, interceptou o arguido quando este conduzia um Renault Clio, com a matrícula ..- UV-.., apercebendo-se que tal matrícula era falsa. Mais relatou que o arguido tinha na sua posse um certificado de seguro válido e fotocópia de um certificado de matrícula, em nome de GG, que exibiu aquando da fiscalização. Pelo exame dos pneumáticos da viatura apercebeu-se que as características dos mesmos não correspondiam com as contantes da fotocópia do certificado de matrícula que lhe fora apresentado, tendo o arguido referido que foi o stand que tinha mandado reparar as jantes da viatura. Ainda no decurso da fiscalização, apercebeu-se que o n°. do chassis da mesma não correspondia com o constante dos documentos, tendo o arguido quando confrontado, manifestado surpresa. Confirmou o auto de notícia e no auto de apreensão de fls. 4 a 14 do Apenso B. - L..., gerente do stand auto, V..., Lda., que declarou, em síntese, que o arguido se deslocou ao seu stand para comprar um veículo ..., com a matrícula ..-UV-.., proveniente de uma retoma, tendo o arguido emitido um cheque para reserva do veículo, e que não obteve pagamento, referindo que pagaria o remanescente do preço após receber uma indemnização. O arguido foi dizendo que ainda não tinha dinheiro e não foi conseguida a obtenção de qualquer financiamento. Mais declarou nunca ter pedido o fabrico de matrículas para a referida viatura e confirmou o teor dos documentos de fls. 14 e 91 a 97 do Apenso B. - GG, declarou ter sido proprietária da viatura de matrícula ..-UV- .., que entregou ao stand V..., Lda. em Dezembro de 2019. Nunca mandou efectuar chapas de matrícula para a mencionada viatura e, ao fim de um tempo, começou a receber notificações para pagamento de portagens, sendo que o carro permanecia no stand. Fazendo uma análise crítica de toda esta prova produzida, eis o que se nos oferece dizer. O arguido admitiu ter mantido uma relação amorosa com BB, tendo-lhe proposto a troca da viatura Renaul Clio de sua propriedade pela viatura Peugeot, propriedade de BB, tendo ambos acordado nessa troca e assinado de comum acordo as declarações de venda de cada uma das viaturas. Pediu-lhe ainda assim que ela mantivesse o seguro da carrinha Peugeot. Mais declarou que acompanhou BB ao Banco, porque esta pretendia fazer um levantamento de dinheiro, mas negou ter ficado com qualquer quantia monetária. Admitiu, porém, ter colocado a matrícula ..-UV-.. na viatura Renault Clio (com a matrícula ..-QT-..), que conduzia quando foi interceptado pela GNR. Negou o arguido a maior parte desta factualidade que lhe é imputada. Sucede, porém, que a versão apresentada pelo arguido não mereceu qualquer credibilidade, porque, também esta, se encontra infirmada por toda a prova que foi produzida. Vejamos. Desde logo, a aquisição da viatura de matrícula ..-QT-.., como salvado/acidentado, pelo arguido e o registo da mesma em seu nome, encontra-se largamente documentada nos autos, atento o teor dos documentos supra descritos, designadamente, os de fls. 559, 604 e 270 dos autos. O envolvimento desta viatura em acidente de viação, a data do mesmo - 28 de Junho de 2018 -, a peritagem realizada e o pagamento da indemnização, encontra igualmente suporte nos documentos juntos a fls. 120, 121 a 124 e 104 a 197 do Apenso A, e a fls. 631 dos autos, assim como nos depoimentos da testemunha LL e QQ. De referir ainda que não restam dúvidas ao Tribunal sobre a data do sinistro - 28 de Junho de 2018 - porquanto, pese embora na declaração amigável junta a fls. 120 do Apenso A conste a data de 28/05/2018, a mesma não encontra sustentação na restante documentação junta, designadamente, no relatório de peritagem, onde é feita a menção à data de 28/06/2018. Apenas esta conclusão pode ser retirada de tal prova porquanto, na própria declaração amigável junta a fls. 120, já é feita a menção ao n°. da apólice da viatura com a matrícula ..-QV-.., cujo contrato foi celebrado em 07/06/2018 (logo, data posterior à do acidente de viação cujo sinistro foi participado), tal como no relatório de peritagem da seguradora é feita a menção à data de 28/06/2018 como sendo a data do sinistro, cujo risco, aliás, foi aceite e suportado pela companhia de seguros. Relativamente ao registo da viatura a favor de BB, assim como ao contrato de seguro da mesma, a prova desta factualidade encontra sustentação nos documentos supra descritos, designadamente, nos constantes de fls. 270 e 272 dos autos. Por sua vez, BB apresentou um discurso seguro, objectivo e circunstanciado, merecendo credibilidade, relatando e confirmando os factos de que foi vítima, a forma como foi abordada por dois indivíduos e como foi despojada dos seus bens, nos precisos termos tidos como provados e como foram denunciados em 19/01/2019, e tal como comprova a documentação junta no Apenso D, designadamente, a fls. 4. Quanto ao accionamento do seguro da Ageas referente à mencionada viatura, à transferência do valor de € 16 884,28 para a conta bancária de BB, e à entrega, em 23/04/2019, do montante monetário ao arguido, para além da documentação supra referida, designadamente de fls. 621, 672 e 1093, também os depoimentos das testemunhas BB e NN corroboram a factualidade tida como provada, infirmando a versão que foi apresentada pelo arguido. Dúvidas não restam também, de que o arguido encontrava-se presente no momento em que BB levantou o dinheiro no Banco. É a própria que o refere, tal como a testemunha NN, e é confirmado pelo próprio arguido, que apenas negou ter ficado com a quantia monetária. E, analisando a documentação junta aos autos, designadamente a constante de fls. 43 do Apenso F e de fls. 808 (extracto bancário do arguido) até resulta dos autos que o arguido se deslocou até à agência bancária de Nelas, ao volante da viatura automóvel de matrícula ..-RI-.., dada como roubada em ... (cfr. factos descritos em 1 a 18 dos factos provados), e com a matrícula ..-RS-.. aposta. De igual modo, resulta inequívoco da prova produzida que o arguido permaneceu na posse a viatura de matrícula ..-QT-.. desde a data em que foi participado o roubo da mesma até ao dia 27/08/2020. Desde logo, é o próprio arguido que admite que, quando foi interceptado pela GNR a conduzir a viatura onde tinha aposta a matrícula ..-UV-.., o fabrico de tal matrícula foi por si solicitado. Ora, as chapas de matrícula referidas foram apreendidas (cfr. auto de apreensão de fls. 7 do Apenso B), tendo sido verificado que no canto inferior direito se encontrava gravado o código do Fabricante/manipulador - IMT-M...1, vindo a apurar-se que tais chapas de matrícula foram fabricadas pelo O..., em ..., sendo o arguido a pessoa que solicitou tal fabrico, conforme resulta da factura de fls. 126 do Apenso B, onde consta o n°. do bilhete de identidade do mesmo. Por outro lado, a testemunha RR, militar da GNR, confirmou o teor do auto de notícia e do auto de apreensão de fls. 4 a 14 do Apenso B, assim como a pesquisa que foi efectuada através do número de quadro da viatura conduzida pelo arguido, apurando que o mesmo corresponde ao veículo com a matrícula ..-QT-.., resultando igualmente seguro da prova produzida que o arguido não adquiriu a viatura com a matrícula ..-UV-.., pese embora tivesse na sua posse fotocópia dos documentos da mesma, em nome da sua proprietária ainda registada, GG. É assim evidente que a viatura com a matrícula ..-QT-.. é a mesma viatura que havia sido adquirida pelo arguido como salvado/acidentada, em 15/09/2017, e que entregou a BB, que a registou em seu nome, vindo a ser subtraída a esta, com violência, em 19/01/2019 e que, na sequência de tal roubo, veio a Ageas a assumir o risco, liquidando o valor de € 16 884,28, e vindo a ser entregue ao arguido o montante de € 16 000,00. Tal viatura, cujo roubo foi participado às autoridades policiais e à seguradora, veio a ser apreendida na posse do arguido, em ..., em 27/08/2020. Ressalta assim à evidência que o arguido sempre permaneceu na posse da referida viatura que foi retirada, à força e com violência, a BB, razão pela qual tal constatação apenas permite convencer o Tribunal de que foi o arguido, ou alguém a seu mando, quem providenciou para que tal viatura fosse subtraída a BB, como o foi, para poder beneficiar do pagamento da indemnização, como beneficiou, e ficar na posse da viatura, como ficou, já que nenhuma outra razão se consegue vislumbrar para que o arguido mantivesse na sua posse a mencionada viatura. Por outro lado, cumpre realçar o modus operandi utilizado pelo arguido em todas as descritas situações, que é em tudo idêntico e, mesmo nas situações em que as viaturas automóveis não estavam registadas em seu nome, ou em que este não era o tomador do seguro, o arguido aparece sempre com claras ligações aos factos, seja como participante dos alegados roubos, no caso das viaturas com a matrícula ..-RI-.. e ..-QV-.., às autoridades policiais e às seguradoras, seja como pessoa próxima e conselheira de BB, antes da participação às autoridades policiais do alegado roubo da viatura com a matrícula ..-QT-.., resultando inequívoco que tais viaturas foram sempre detectadas a ser conduzidas pelo arguido e com matrículas falsas. A prova dos factos atinentes ao dolo do arguido fez-se a partir da análise do conjunto da prova produzida e em confronto com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, em face da actuação desenvolvida pelo arguido e das circunstâncias em que agiu. Com efeito, sendo o dolo um elemento de índole subjectiva, que pertence ao foro íntimo do sujeito, o seu apuramento ter-se-á de apreender do contexto da acção desenvolvida, cabendo ao julgador - socorrendo-se, nomeadamente, das regras da experiência comum da vida, daquilo que constitui o princípio da normalidade - retirar desse contexto a intenção por ele revelada e a si subjacente. Foi esta a operação que o Tribunal realizou. Quanto à existência de antecedentes criminais do arguido a mesma mostra-se certificada no certificado de registo criminal junto aos autos. Relativamente aos factos atinentes às condições de vida e aos aspectos da personalidade do arguido a sua prova assentou no teor do relatório social elaborado pela DGRSP e das declarações prestadas pelo próprio em audiência de julgamento. O que antecede é, assim, quanto a nós, bastante para fundar a convicção do tribunal relativamente aos correspondentes factos, porquanto, a conjugação de toda a prova produzida e a sua análise crítica, afastou qualquer dúvida razoável que eventualmente pudesse existir, acerca da veracidade de tal factualidade. Quanto aos factos não provados, não ficou o Tribunal com a convicção sobre a sua veracidade porque a prova produzida, no seu conjunto, infirmou tal factualidade descrita em b), tendo em conta a falta de credibilidade da versão apresentada pelo arguido que não encontrou sustentação, nem nos depoimentos das testemunhas inquiridas, nem tão pouco, na documentação junta aos autos, nos termos sobreditos aquando da análise crítica que o Tribunal efectuou e que aqui se dá como reproduzida. De igual modo não se provou a factualidade descrita em a) dos factos não provados, tendo em conta o supra referido aquando da fundamentação da factualidade vertida no ponto 37 dos factos provados. Na verdade, pese embora na declaração amigável junta a fls. 120 do Apenso A conste a data de 28/05/2018 como sendo a data do sinistro, a mesma não encontra sustentação na restante documentação junta, designadamente, no relatório de peritagem, onde é feita a menção à data de 28/06/2018. Aliás, na própria declaração amigável junta a fls. 120, já é feita a menção ao n°. da apólice da viatura com a matrícula ..-QV-.., cujo contrato foi celebrado em 07/06/2018 (logo, data posterior à do acidente de viação cujo sinistro foi participado), tal como no relatório de peritagem da seguradora é feita a menção à data de 28/06/2018 como sendo a data do sinistro, cujo risco, aliás, foi aceite e suportado pela companhia de seguros. |