Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02S2246
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: EMÉRICO SOARES
Nº do Documento: SJ200301290022464
Data do Acordão: 01/29/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 2009/01
Data: 01/17/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

Tendo, no Tribunal do Trabalho de Castelo Branco, A instaurado contra B, e C, execução da sentença proferida nos autos de acção declarativa n. 296/92, que a mesma propusera contra a sociedade D , em que esta Ré, declarada a ilicitude do despedimento a que sujeitara a Exequente, fora condenada a pagar à mesma a quantia de 8.279.400$30, a diversos títulos, deduziram os Executados, oposição, nos termos do art. 94º, n. 2 do Cód. Proc. Trab., alegando, fundamentalmente, o seguinte: o despedimento da Exequente teve lugar em 20/11/1991 e a sentença exequenda foi proferida em 22/10/1996, sendo notificada às partes em 28/10/1996.
Em assembleia geral de 30 de Março de 1993, os sócios da D, deliberaram a reestruturação desta sociedade, que consistiu na constituição das sociedades ora opoentes e na realização dos respectivos capitais sociais a constituir mediante entradas em espécie resultantes de patrimónios a destacar da sociedade D. Acontece que as opoentes não são sujeitos no título executivo dado à execução, uma vez que, nem figuram nesse título, nem podem ser consideradas, relativamente aos créditos exequendos, sucessoras da sociedade que nele se mostra condenada, pois a sucessão ocorre entre o momento da formação do título e o da propositura da acção executiva. Sendo que a Exequente situa o facto constitutivo da responsabilidade das Executadas na pendência da acção declarativa. Consequentemente são as Executadas parte ilegítima na execução. Além disso, a ilegitimidade das Executadas também derivaria do facto de o caso julgado formado pela sentença exequenda não ser oponível às mesmas executadas que são terceiros relativamente à acção declarativa na qual foi proferida a sentença exequenda. Sem prejuízo disto, porque a situação jurídica laboral não se alterou com o despedimento declarado inválido o empregador encontra-se obrigado a pagar ao trabalhador todas as remunerações que este deveria ter recebido desde a data do seu despedimento até à data da sentença. Mas a responsabilidade solidária das sociedades resultantes da cisão abrange apenas as dívidas anteriores ao registo da cisão e não as posteriores a esse registo, pelo que, a existir responsabilidade solidária pelos salários, como efeito de declaração de ilicitude do despedimento da Exequente, só abrange os salários devidos em Outubro e Novembro de 1991, os valores correspondentes aos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal relativos ao trabalho prestado naquele ano e os montantes de salários vencidos entre 12 de Outubro de 1992 e 4 de Junho de 1993. Por outro lado tendo o trabalhador optado pela indemnização de antiguidade em detrimento da reintegração, o que está na origem do direito da Exequente é uma declaração de rescisão do contrato, que, porém, só produz efeitos na data da sentença pelo que o contrato de trabalho da Exequente com D , só se extinguiu em 28 de Outubro de 1996, o que coloca a génese da obrigação de pagamento da indemnização em data posterior à do registo da constituição das Executadas, que por isso, por essa dívida não são estas responsáveis.
Concluem que deve a oposição ser julgada procedente, por ilegitimidade das Executadas, extinguindo-se a instância executiva.
Respondeu a Exequente A contrariando a pretensão das Opoentes e concluindo pela improcedência da oposição.
Conhecendo da oposição deduzida, pela douta sentença de fls. 60 a 66, verso, o Mº Juiz julgou-a "improcedente, com todas as consequências legais".
Inconformadas, levaram as Opoentes recurso de apelação ao Tribunal da Relação de Coimbra que, pelo acórdão de fls. 141 a 143, verso, decidiu anular a sentença, determinando a baixa dos autos à 1ª Instância "a fim de aí se proceder à sua reformulação, em termos de nela se fazer consignar as ocorrências materiais da execução com interesse para a decisão".
Baixados os Autos à 1ª Instância, foi ali proferida nova sentença (fls. 146 a 153, verso), decidindo-se como no aresto anteriormente anulado, novamente interpondo dela, as Opoentes, recurso de apelação, apreciando o qual o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu o douto acórdão de fls. 221 a 234, negando provimento ao recurso e confirmando a decisão recorrida.
Uma vez mais inconformadas, trazem as Opoentes recurso de Revista para este Supremo tribunal, rematando a sua alegação, oportunamente apresentada, com as seguintes conclusões:
1º - A responsabilidade das Recorrentes pela dívida exequenda resulta, na perspectiva das Instâncias, do número 2 do artigo 122º do Código das Sociedades Comerciais, norma que dispõe sobre os efeitos da cisão societária.
2º - No caso em apreço, os actos de restruturação praticados encontram-se regulados pelo DL 404/90, de 21 de Dezembro, o qual lhes nega a qualificação de cisão, quando expressamente qualifica como fusão outras operações de restruturação que prevê.
3º - A ausência daquela qualificação pode ser entendida como oposição do legislador à subsidiariedade do regime da cisão societária relativamente à disciplina aprovada pelo DL 404/90, de 21 de Dezembro.
4º - A traduzirem-se numa cisão, os referidos actos de restruturação constituiriam uma cisão simples.
5º - A cisão simples é uma operação unitária, que envolve apenas um beneficiário, pelo que no caso em apreço ter-se-iam verificado duas cisões simples, autónomas entre si, beneficiando, cada uma delas, cada Recorrente.
6º - A norma do número 2 do artigo 122º do Código das Sociedades Comerciais pressupõe que a cisão contemple uma pluralidade de beneficiários da deslocação patrimonial, que por isso se tomam solidariamente responsáveis pelo cumprimento de todas as obrigações da sociedade cindida.
7º - A norma do artigo 122º/2 do Código das Sociedades Comerciais não se aplica, por isso, à cisão societária simples e, logo à operada no caso sub judice.
8º - A legitimidade na acção executiva é determinada pelo respectivo título, devendo os sujeitos da obrigação figurar, como tais no título.
9º - Na execução de sentença condenatória, aquela regra de legitimidade sofre os desvios da sucessão no direito ou na obrigação e a eficácia do caso julgado quanto a terceiros.
10º - No primeiro, contemplam-se as situações de transmissão mortis causa ou inter vivos do direito litigioso, que ocorra entre o momento da formação do título executivo e o da interposição da acção executiva.
11º - Não se verifica a transmissão da coisa ou direito litigioso a terceiros, na pendência da acção, porquanto o artigo 122º/2 do Código das Sociedades Comerciais, disposição legal em que a Recorrida funda a responsabilidade das Recorrentes, pressupõe exactamente a não transmissão da obrigação.
12º - Por outro lado, o facto constitutivo da responsabilidade das Recorrentes verificou-se na pendência da acção declarativa do direito da Recorrida, pelo que também por este facto não se preenche a previsão normativa que confere legitimidade ao sucessor do que figura no título como devedor da obrigação exequenda.
13º - O segundo desvio à regra da legitimidade na acção executiva assenta na extensão a terceiros da eficácia do caso julgado.
14º - No domínio das obrigações solidárias, o caso julgado proferido na acção que opõe credor a um dos devedores não é oponível aos restantes devedores, se desfavorável a estes.
15º - Pelo que a Recorrida não pode servir-se de eventual natureza solidária da obrigação para promover a execução desta contra os restantes devedores solidários que não foram partes no processo declarativo.
16º - A obrigação exequenda, na parte relativa às remunerações vencidas após 4 de Junho de 1993 e à indemnização por antiguidade, é posterior à data do registo comercial da constituição das Recorrentes, pelo que estas nunca por ela poderiam ser responsáveis.
17º - Na perspectiva das Recorrentes, a sentença recorrida violou as normas dos artigos 2º/1, b) do DL 404/90, de 21 de Dezembro, 122º/2 do Código das Sociedades Comerciais, 56º/1 e 57º do Código de Processo Civil e 13º/1, a) e 3 do Regime jurídico da cessação do contrato de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo (LCCT), aprovado pelo DL 64-A/89, de 27 de Fevereiro, pelo que deve ser dado provimento ao presente Recurso, revogando-se o Acórdão recorrido e substituindo-se por outro, que julgue procedente a oposição deduzida e declare extinta a instância executiva.
Contra-alegou a Recorrida, defendendo a improcedência do recurso e a confirmação do acórdão impugnado.
Também no sentido da negação da revista manifestou o seu entendimento a Dgmª Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer de fls. 284 a 289, que, notificado às partes não suscitou qualquer resposta.
Colhidos que se mostram os legais vistos, cumpre apreciar e decidir.
As decisões das Instâncias assentam na seguinte matéria de facto:
a) Por sentença proferida na acção comum, sob a forma de processo ordinário, que correu termos no Tribunal do Trabalho de Castelo Branco, sob o n.296/92, em que é A, a exequente A e R. a sociedade "D", de que ambas foram notificadas em 28.10.96, foi esta condenada a pagar àquela a quantia de Esc. 8.279.400$30;
b) - Tal quantia diz respeito aos salários de Outubro e de 20 dias de Novembro de 1991 (Esc. 166.667$00), aos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal pelo trabalho prestado em 1991 (esc. 239.400$00, à indemnização por antiguidade contabilizada desde 26.3.69 até à data do despedimento ilícito, que ocorreu em 20.11.91 (esc. 2.240.000$00) e às retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da data da propositura da acção mencionada em a) até à data da sentença nela proferida em 1ª Instância, ou seja, desde 12.10.92 a 22.10.96 (esc. 5.633.333$30);
c) - A R. "D" interpôs recurso da sentença referida em a) para o Tribunal da Relação de Coimbra, ao qual foi negado provimento em 24.4.97, tendo o respectivo Acórdão transitado em julgado, após notificação às partes, em 28.4.97;
d) - Na assembleia geral da ré "D", realizada em 30.3.93, foram nomeadamente tomadas as seguintes deliberações, constantes da respectiva acta notarial:
- constituir a sociedade "D", com o objecto de comércio de veículos automóveis, novos e usados, oficina de reparação, assistência pós venda e comércio de peças e acessórios, comercialização, distribuição, importação e exportação de petróleo e seus derivados e de todos os equipamentos que se mostrem necessários para o desenvolvimento da actividade e ainda o exercício de outras actividades comerciais e industriais subsidiárias ou conexas, com o capital social de 150.000.000$00, a realizar mediante entradas em espécie resultantes dos patrimónios universais afectos a cada actividade e a destacar da sociedade "D".
- constituir a sociedade "B", com o objecto social de construção, exploração, comercialização e compra e venda de imóveis, podendo efectuar todas as operações acessórias ou conexas com o desenvolvimento daquelas actividades, com o capital social de Esc. 420.000.000$00, a realizar mediante entradas em espécie resultantes dos patrimónios universais afectos a cada actividade e a destacar da sociedade "D";
- alterar o pacto social e a sede da sociedade "D"; que passará a designar-se "E";
e) - Tal cisão foi inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Castelo Branco em 4.6.93;
f) - Em 21.4.98, a Autora A instaurou acção executiva baseada em sentença de condenação em quantia certa contra as sociedades "C e B", alegando ser-lhe devido por estas a quantia global de Esc. 9.502.218$30, correspondente ao montante da condenação referida em a) e aos juros de mora vencidos desde 28.10.96, no valor de Esc. 1.222.818.$00.
Os ora recorrentes deduziram a oposição à Execução contra elas instaurada por A, sustentando a sua ilegitimidade passiva na acção estribada em argumentos vários, e bem assim que, a serem as Recorrentes partes legítimas, a responsabilidade pelo pagamento do crédito da Autora não alcança a dimensão do crédito exequendo. Sendo que essas mesmas questões haviam as Recorrentes suscitado no recurso que interpuseram da sentença da 1ª Instância para o Tribunal da Relação de Coimbra, e voltam agora a colocar neste recurso de revista que trazem a este Supremo Tribunal de Justiça, repetindo, com alguns desenvolvimentos, os argumentos que haviam já apresentado nas Instâncias.
No que respeita à invocada questão de ilegitimidade, argumentaram as Recorrentes que são partes ilegítimas na execução contra elas instaurada;
a) porque o n.2 do art. 122º do Cód. Comercial em que a Exequente funda essa legitimidade não se aplica à cisão societária simples como é o caso da cisão operada no caso sub judice;
b) porque não se verifica a transmissão de coisa ou direito litigioso na pendência da acção;
c) porque o facto constitutivo da responsabilidade das Recorrentes verificou-se na pendência da acção declarativa do direito da Recorrida;
d) porque a Recorrida não pode servir-se de eventual natureza solidária da obrigação para promover a execução desta contra os restantes devedores solidários que não foram partes no processo declarativo.
Como se constata da respectiva certidão que se acha junta a fls. 308 a 314, a Exequente, ora Recorrida, estruturou o seu requerimento executivo, demandando as ora Recorrentes nos seguintes termos que aqui se sintetizam:
Por sentença, proferida em acção comum "notificada as partes em 28.10.96 e transitada em julgado, foi a Sociedade "D", condenada a pagar à Exequente a quantia de 8.279.400$30, correspondente aos salários dos meses de Outubro e 20 dias de Novembro de 1991, proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, do trabalho prestado pela Exequente em 1991, indemnização de antiguidade e, ainda às retribuições que a Exequente deixou de auferir desde 30 dias antes da data da propositura da acção até à data da sentença proferida em 1ª Instância. Em assembleia geral dessa sociedade, realizada em 30 de Março de 1993, foi deliberado:
a) constituir a sociedade "C", como capital Social de 150.000.000$00, a realizar mediante entradas em espécie resultantes dos patrimónios universais afectos a cada actividade e a destacar da sociedade "D".
b) constituir a sociedade "D", com o capital social de 420.000.000$00, a realizar mediante entradas em espécie resultantes dos patrimónios universais afectos a cada actividade e a destacar da sociedade "D".
c) alterar o pacto social e a sede da sociedade "D", que passou a designar-se "E".
Esta cisão, com destaque do património da sociedade cindida para constituição das sociedades executadas foi inscrita no registo comercial em 4 de Junho de 1993. Pelo que, nos termos do n. 2 do art. 122º do Cód. Soc. Comerciais, estas respondem solidariamente até ao valor das respectivas entradas, pela dívida exequenda que é anterior à inscrição da cisão no registo comercial.
Verifica-se assim que o único fundamento que a Exequente invoca para ter instaurado a execução contra as executadas radica-se no disposto no n. 2 do art. 122º do Cód. Soc. Com., nada dizendo das razões porque não demandou (ou não demandou também) a sociedade "D" ou melhor dizendo, a sociedade "E", pois, ao tempo da instauração da execução ocorrera já a alteração do pacto social pela qual a "D" alterou a sua designação para "E".

Em presença desses factos, a 1ª Instância resolveu do modo seguinte, que aqui sinteticamente se refere, a questão da legitimidade passiva dos Recorrentes: a regra do art. 55º, n. 1 do C.P.C. que exige que a execução seja promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor e deve ser instaurada contra quem no mesmo tenha a posição do devedor, comporta excepções, nomeadamente a do n. 1 do art. 56º, segundo o qual, tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda, devendo no próprio requerimento para a execução o exequente deduzir os factos constitutivos da sucessão. Esse termo "sucessão" abrange todos os modos de transmissão, tanto mortis causa como entre vivos. Sendo indubitável que, no caso descrito pelo aqui Exequente no seu requerimento executivo, se está perante uma cisão de sociedade nos termos do art. 118º, n. 1. al. a) do Cód. Soc. Com., o que se traduz numa sucessão na titularidade da obrigação, do lado passivo desta, nada obsta a que a execução tivesse sido proposta contra as Executadas como sucessoras daquela que como devedora figurava no título executivo. Nos termos do art. 122º, n. 2 do Cód. Soc. Com. as sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial, sendo que a dívida exequenda é anterior à inscrição da cisão, uma vez que a declaração da nulidade do despedimento da Exequente tem efeito retroactivo.

Nas mesmas águas navegou o Tribunal da Relação de Coimbra, que, depois de justificar a inaplicabilidade à situação dos autos das normas do Dec. Lei n. 404/90, de 21 de Dezembro, acrescentou à motivação desenvolvida pela 1ª Instância, que, não tendo sido impugnados os factos alegados pela Exequente no requerimento para a execução, (sempre a alegada responsabilidade solidária pelas dívidas (seja da sociedade cindida seja das novas sociedades), proclamada no art. 122º do Cód. Soc. Com., postularia a legitimidade passivas das executadas, mesmo que não demonstrada a concomitante transmissão da dívida, não se tendo por isso como essencial a averiguação do momento relevante para a sucessão, embora se aceite, em tese, o entendimento segundo o qual a sucessão no direito ou na obrigação, que se hipotiza no n. 1 do art. 56º do Cód. Proc. Civ. será, por via de regra a que ocorra depois da formação do título e entre este e a instauração da execução.
No caso dos autos já a sociedade cindida era Ré na acção em que se fixou a dívida exequenda quando foi deliberado o seu desdobramento/cisão, pelo que, de algum modo impropriamente, se poderá dizer que a 'sucessão' ocorreu antes da formação do título executivo.

Por sua vez a douta Magistrada do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer concordante com essa argumentação desenvolvida pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
Com ela não concordam, como se viu, as ora recorrentes que concluíram a sua alegação com as conclusões acima transcritas.
Que dizer?
Preceitua o art. 55º do Cód. Proc. Civ. que "a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição do devedor". Porém, logo o art. 56º do mesmo Código, dispondo sobre desvios à regra do precedente art. 55º dispõe, no seu n. 1, que "tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. No próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão". Pois bem. O título executivo que serve de base à presente execução é uma sentença judicial que condenou a Sociedade "D" a pagar à Exequente determinadas importâncias a título de salários e indemnizações, por virtude de a mesma ter sido alvo de despedimento que se teve por ilícito.
Todavia, a execução foi instaurada, não contra "D", mas contra "B" e C", constando do respectivo requerimento executivo, como razão para que a execução tivesse sido instaurada contra essas executadas, a alegação de aquela sociedade "D" se ter, por deliberação da respectiva assembleia geral, cindido nessas duas sociedades ora executadas, destacando-se para estas partes do património daquela. A legitimidade passiva das executadas radicar-se-ia, portanto, no disposto no n. 2 do art. 122º do Cód. Soc. Comercial.
Por outras palavras, a instauração da execução contra as Executadas, ora Recorrentes, teria por justificação terem estas sucedido na obrigação de pararem o débito originária devedora, a sociedade cindida.
Como bem se diz nos arestos das Instâncias, citando-se Eurico Lopes Cardoso (1), o termo "sucessão", referido no art. 56º do Cód. Civ., é ali empregue em sentido lato, abrangendo todos os modos de transmissão, tanto mortis causa como inter vivos.

Mas será que, no caso aqui em apreço, ocorreu, por algum modo, a transmissão da dívida exequenda da "D", para as aqui Executadas, ora Recorrentes?

Nos termos do art. 595º, n. 1 do Cód. Civ. "a transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se:
a) por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;
b) por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor".
E dispõe o n. 2 desse artigo que "em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor, de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado".
No caso em apreço, como se constata, da acta da deliberação da assembleia geral da "D" que se mostra certificada a fls. 316 a 322, não houve qualquer atribuição das dívidas dessa sociedade às novas sociedades formadas com transferência de partes do património daquela primeira. E também aquela primeira sociedade não se dissolveu, apenas tendo mudado de sede e alterado a sua designação para "E".
E também nenhum acordo se mostra ter havido entre a credora, aqui Recorrente, e as sociedades executadas, aqui Recorrentes (com ou sem consentimento da originária devedora "D", no sentido de a dívida ser paga pelas mesmas Executadas.
Mas, como se disse, defende a Recorrida que a obrigação das executadas de pagar a dívida exequenda deriva do preceituado no n. 2 do art. 122º do Cód. Soc. Com., segundo o qual as sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial; pode todavia convencionar-se que a responsabilidade é meramente conjunta.
Afigura-se-nos, porém, que este normativo terá de se conjugar com o do precedente n. 1 que dispõe que "a sociedade cindida responde solidariamente pelas dívidas que, por força da cisão, tenham sido atribuídas à sociedade incorporante ou à nova sociedade", donde resulta, a nosso ver, que as sociedades beneficiárias das entradas só responderão pelas dívidas da sociedade cindida quando essas dívidas lhe tenham sido atribuídas (n. 1), ou quando a operação da cisão tenha como consequência a extinção (dissolução) da sociedade cindida (n. 2). Na verdade, se a sociedade cindida subsiste, sem ter atribuído a responsabilidade pelas pelo pagamento das suas dívidas a qualquer das sociedades incorporantes, então só ela poderá ser responsabilizada por essas dívidas, pois nada impede uma sociedade de alienar o seu património, sem prejuízo, naturalmente, das medidas de conservação da garantia patrimonial que a lei reconhece aos credores.
Assim, a afirmação do n. 2 do art. 122º do Cód. Soc. Com. de que "as sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor das entradas, pelas dívidas da sociedade..." tem, em nosso entender, como pressuposto que a sociedade cindida se dissolveu, sendo todo o seu património afectado às sociedades incorporantes, sendo que a solidariedade nesse normativo afirmada é a que estabelece entre as sociedades incorporantes, entre si, e não entre estas e a sociedade cindida, pois que esta já não existe.
Ocorre que, no caso sub judicio, tendo em conta o que ficou registado na referida acta da assembleia geral da "D", realizada a 30/03/1993 (fls. 316 a 322), há efectivamente, que se concluir que a operação de reestruturação dessa sociedade levada a cabo, foi de uma verdadeira cisão societária, pela qual essa sociedade destacou partes do seu património e com ela constituiu duas novas sociedades, as aqui Executadas. Mas não se dissolveu, passando, antes, a subsistir embora com uma nova designação. Como, e, a nosso ver, muito bem, entendeu o Tribunal recorrido o acto de reestruturação levado a efeito pela referida assembleia geral tem de ser configurado em harmonia com o preceituado no art. 118º do Cód. Soc. Com., e não com as normas do Dec.-Lei n. 404/90, de 21 de Dezembro que "... tendo como pano de fundo a perspectiva da integração europeia e a necessidade de potenciar as condições concorrenciais nesse vasto mercado, visou apenas a aprovação de um regime excepcional e temporário de concessão de isenção de sisa relativa à transmissão de imóveis necessários à concentração ou à cooperação, bem como de emolumentos e outros encargos legais devidos pela prática de actos daquela natureza, relativamente às empresas que, até 31-12-93, a eles procedessem".
Prevê o Cód. Soc. Com., nas três alíneas do n. 1, do seu art. 118º, três tipos de cisão societária: a cisão simples, que consiste em a sociedade "destacar parte do seu património para com ele constituir outra sociedade" (al. a); a cisão dissolução, que consiste em a sociedade "dissolver-se e dividir o seu património, sendo cada uma das partes resultantes destinada a constituir nova sociedade" (al. b); a cisão fusão, que consiste em a sociedade "destacar partes do seu património ou dissolver-se, dividindo o seu património em duas ou mais partes, para as fundir com sociedades já existentes ou com partes do património de outras sociedades, separadas por idênticos processos e com igual finalidade" (al. c). Esta cisão-fusão pode, assim, ser total ou parcial, conforme na sequência do destaque ou divisão do seu património a sociedade se dissolva ou não.

Nestes três tipos de cisão societária, ou, antes, quatro (tendo em conta a subdivisão da cisão-fusão), acabados de descrever, apenas dois, a cisão-dissolução e a cisão-fusão total, implicam a extinção da sociedade cindida e portanto a sucessão, ou seja, a automática transmissão para as novas sociedades (sociedades incorporantes) das dívidas da sociedade cindida.
Não se integra em nenhum destes dois tipos a cisão operada pela assembleia geral da "D" a 30 de Março de 1993. Tendo apenas havido o destaque de partes de património da sociedade cindida para a constituição das sociedades ora Executadas, subsistindo aquela embora com outra designação, a cisão operada tem de se qualificar como uma cisão simples, malgrado tivessem dos destaques do património da sociedade cindida resultado mais do que uma sociedade. Como escreve Raul Ventura, em Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades (Comentário ao Código das Sociedades Comerciais) (2) "...se uma sociedade se cinde, destacando mais de uma parte para outras tantas incorporações ou novas sociedades, não há uma só operação de cisão, com várias sociedades beneficiárias mas sim uma cumulação de operações de cisão, cada uma autónoma relativamente às outras. A simultaneidade das várias operações não unifica todas estas em uma só operação.

Assim, como também sustenta o mesmo ilustre autor (3), "...nas modalidades de cisão simples e de cisão parcial-fusão nunca pode haver mais do que uma sociedade beneficiária, não ocorrendo, portanto, a fattispecie prevista no art. 122º, n. 2, a qual consiste em, por força de uma cisão haver várias sociedades beneficiárias". E, mais adiante: "Assim, o art. 122º, n. 2, aplica-se quando a sociedade cindida se extingue, isto é quando a cisão é total, o que sucede na cisão dissolução e na cisão-fusão, quer para constituição de nova sociedade".
Por conseguinte, o regime de responsabilidade solidária pelo pagamento das dívidas da sociedade cindida, estabelecido no n. 2 do art. 122º do Cód. Soc. Comerciais, não colhe suficiência para conferir legitimidade passiva, na execução contra elas instaurada, às sociedades "B e C, que resultaram de operações de cisão-simples da sociedade devedora "D".
Como se referiu, no acto de cisão não houve atribuição às sociedades ora Executadas, da dívida que a sociedade cindida foi condenada a pagar à Exequente pela sentença dada à execução, pelo que, relativamente a elas, não funciona o regime de solidariedade previsto no n. 2 do art. 122º do Cód. Soc. Com.. Do que resulta a manifesta improcedência dos factos alegados pela mesma Exequente para justificar a instauração da execução contra aquelas sociedades, e, por consequência, a ilegitimidade passiva das mesmas na execução contra elas instaurada.
Esse reconhecimento da ilegitimidade das Executadas, conduz à procedência da oposição deduzida pelas Executadas, dispensando a pronúncia sobre a segunda questão suscitada neste recurso.
Nestes termos, na procedência da revista, revoga-se o acórdão recorrido julgando-se as Executadas partes ilegítimas na execução contra elas instauradas, absolvendo-se as mesmas da instância.
Custas pela Recorrida.

Lisboa, 29 de Janeiro de 2003
Emérico Soares
Ferreira Neto
Manuel Pereira
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(1) Manual da Acção Executiva, 1986, pág.119.
(2) Livraria Almedina, 1992, pág. 379.
(3) Ob. e loc. Cit..