Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3834/18.6T8VFR.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: PETIÇÃO INICIAL
MODIFICAÇÃO
ALTERAÇÃO DO PEDIDO
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
CITAÇÃO
PRINCÍPIO DA ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 11/17/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Até à citação do réu, o autor pode alterar a conformação da ação por si realizada anteriormente na petição inicial que apresentou, na extensão que entender, mediante modificação dos sujeitos ou do objeto da ação, sendo admissível apresentar nova petição, demandar outros réus, modificar o pedido ou alterar a causa de pedir.

II - Tendo o autor apresentado antes da citação dos réus nova petição inicial na qual altera os pedidos formulados de cumulativos para subsidiários ou dá sem efeito dois artigos do articulado inicial, tal é-lhe permitido sem que o tribunal a quo possa opor, como indeferimento, que essas modificações são matéria de incidente que obriguem previamente à citação dos réus e a que estes se pronunciem sobre a matéria da alteração.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Relatório


AA, intentou contra BB e mulher CC; DD e mulher EE; Banco Comercial Português, S.A., e FF, ação declarativa de condenação com o pedido de:

“a) reconhecer-se o crédito do autor sobre os réus BB e CC no montante de 39.305,62€ (trinta e nove euros e trezentos e cinco euros e sessenta e dois cêntimos) acrescido de juros à taxa legal supletiva de juros comerciais até efectivo e integral pagamento, condenando-se tais réus no seu pagamento ao autor e os demais réus a tal reconhecerem;

b) declarar-se a nulidade por simulação e a impugnação pauliana e assim a ineficácia dos negócios jurídicos referidos supra nos artigos 18.º, 19.º, 20.º e 21.º fazendo-se restituir tais prédios referidos supra nos artigos 16.º e 17.º ao património dos réus BB e CC para que aí possam ser executados pelo aqui credor autor, além de poderem ser executados nos patrimónios dos obrigados à restituição, os réus DD e EE quanto à propriedade e o réu Banco BCP quanto à hipoteca, com a prevalência de penhoras que retroajam os seus efeitos à data do registo dos arrestos em 16.03.2018 pelas 12h50m57s sobre os prédios descrições n.ºs 5751 e 5929 da Freguesia e Concelho .............. de que o autor beneficia, condenando-se todos os réus a tal reconhecerem;

c) Reconhecer-se que o autor beneficia em garantia do pagamento de tal crédito, com preferência (prior in tempore, potior in iure) relativamente a qualquer outro credor designadamente o réu FF e a sua penhora com efeitos à data de 23.05.2018, e com carácter de direito real e assim com sequela, de direito de arresto registado em 16.03.2018 sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial .............. sob o n.º …. da Freguesia e Concelho .............. que após conversão em penhora retroagirá os seus efeitos à primeva data de 16.03.2018 em que o mesmo foi lavrado, condenando-se todos os réus a tal reconhecerem.

d) decretar-se a consequente e nulidade das AP. 2190 de 2014/06/12 e AP. 512 de 2017/12/28 inscritas nas descrições da Conservatória do Registo Predial ..........…. e …. da Freguesia e Concelho ............ e ordenar-se o cancelamento de tais registos (inscrições).

No final da petição o autor que o tribunal procedesse ao registo da ação por entender que lhe incumbia essa obrigação.

Por despacho de 13-11-2018 o tribunal indeferiu o pedido de registo oficioso da ação por entender que “a presente ação está configurada, pelo próprio autor, como de impugnação pauliana.

Embora as ações de impugnação pauliana estejam sujeitas a registo (art.º 3.º, n.º 1, al. a), do CRegPred), não incumbe ao Tribunal determinar oficiosamente esse registo, na medida em que este não é obrigatório por decorrência da exceção estatuída no art.º 8.º-A, n.º 1, al. b), do mesmo Código.

Por conseguinte, indefere-se o requerido registo oficioso promovido pelo Tribunal, sem prejuízo de o registo poder ser efetivado pela parte interessada.”

O autor requereu a reforma desse despacho por entender que “a ação está configurada, além de impugnação pauliana, como de nulidade por simulação” reforma que foi indeferida por despacho de 26-11-2018 onde se deixou expresso que “O primeiro pedido formulado é de impugnação pauliana. A impugnação pauliana tem como efeito jurídico a ineficácia dos actos.

Sem que tenha ainda sido cumprida a citação dos réus, este não é o momento próprio para conhecimento da questão, contudo desde já se adianta, ao abrigo do estatuído no art.º 7.º, do CPC (princípio da cooperação), afigurar-se ser substancialmente incompatível a cumulação, a título principal, daquele pedido com o pedido de nulidade por simulação do mesmo acto, sendo por si só gerador de ineptidão da petição inicial, passível de conhecimento oficioso [art.º 186.os, n.º 2, al. c), do CPC e 196.º, do CPC].

O Tribunal não pode ordenar a prática de actos que, ab initio, já percepciona configurarem actos inúteis (art.º 130.º, do CPC).

Por conseguinte, indefere-se a requerida reforma do despacho.”

Em 3-12-2018 o autor através de requerimento apresentou “petição inicial corrigida retirando os incisos alegados nos arts. 19.º e 20.º da sua p.i. - eventualmente pretendendo também doar tais prédios ao genro e filha os réus DD e EE e eventualmente também de beneficiar o genro e a filha os réus DD e a filha EE -, bem como alterar, ampliando, o pedido constante da al. b) do petitório constante da petição inicial, por se tratar de concretização e desenvolvimento do pedido primitivo, no sentido de dele passar a constar b) declarar-se a nulidade por simulação, ou, quando não assim, subsidiariamente, a impugnação pauliana e assim a ineficácia, dos negócios jurídicos referidos supra nos artigos 18.º, 19.º, 20.º e 21.º fazendo-se restituir tais prédios referidos supra nos artigos 16.º e 17.º ao património dos réus BB e CC para que aí possam ser executados pelo aqui credor autor, além de poderem ser executados nos patrimónios dos obrigados à restituição, os réus DD e EE quanto à propriedade e o réu Banco BCP quanto à hipoteca, com a prevalência de penhoras que retroajam os seus efeitos à data do registo dos arrestos em 16.03.2018 pelas 12h50m57s sobre os prédios descrições nºs 5751 e 5929 da Freguesia e Concelho ...... de que o autor beneficia, condenando-se todos os réus a tal reconhecerem.”

Por despacho de 5-12-2018 o tribunal configurou o requerimento do autor como uma retificação de lapso material, e uma ampliação do pedido e, admitindo-os como incidente mandou aguardar a citação dos réus e o prazo da contestação e depois da citação, notificar os réus, através dos respetivos mandatários, para se pronunciarem, quanto a esse incidente.

Os RR contestaram, pugnando pela improcedência da ação e pronunciaram-se ainda sobre a requerida apresentação de nova petição inicial corrigida e ampliação do pedido, opondo-se à mesma.

Foi então proferido despacho, datado de 27-06-2019, em que se considerou que o autor não explicita qual o lapso em que incorreu nem qualquer fundamento de facto para requerer a retificação do alegado “lapso”, sendo que não há evidência de qualquer erro ou lapso manifesto, ostensivo ou identificável no seu contexto e como tal retificável. E, por outro lado, que seria inaplicável o invocado art.º 465 n.º 2, do Código de Processo Civil porquanto a matéria alegada pelo autor nos pontos 19º e 20º da p.i. não consubstancia qualquer confissão de factos, tendo-se determinado o indeferimento da apresentação da petição inicial “corrigida”.

Quanto à pretendida alteração (por invocada ampliação) do pedido considerou-se que a ampliação pretendida não traduz um desenvolvimento do pedido primitivo, mas materializa um pedido diverso nas suas consequências (pedidos cumulativos são distintos de pedidos subsidiários) tendo sido indeferida com esse fundamento a requerida ampliação.

Desta decisão interpôs o autor recurso que não foi recebido pelo tribunal recorrido, por ter considerado não  se enquadrar o despacho recorrido em qualquer das alíneas dos nºs 1 e 2, do art. 644 do CPC não podendo do mesmo ser interposto recurso por apelação autónoma, ficando o mesmo sujeito à previsão do n.º 3, do mesmo normativo, ou seja, “as restantes decisões proferidas pelo Tribunal de 1.ª Instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1”.

Tendo o recorrente reclamado nos termos do previsto no art. 643 do CPC, não obteve o provimento.

Em sede de saneamento foi proferida decisão, na qual, salientando-se o diferente regime das ações que visam a impugnação pauliana e das ações em que seja invocada a simulação, e consequentemente a impossibilidade de o autor peticionar cumulativamente, a nulidade da dação em cumprimento por simulação e a simples ineficácia, em relação a si do referido negócio fundada na impugnação pauliana, concluindo-se pela “ … ocorrência da exceção dilatória de nulidade do processo, fundada em ineptidão da petição inicial, por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, nos termos do disposto no art.º 186.º, n.º 1 e 2, al. c), do Código de Processo Civil” absolvendo-se em consequência, os réus da instância.

O autor interpôs recurso desta decisão e ainda da proferida em 27-06-2019 que indeferiu “a apresentação de petição inicial de alegada correção” e indeferiu “a requerida alteração do segundo pedido formulado pelo autor” e rejeitou a nova petição inicial apresentada em 03-12-2018.

O Tribunal da Relação julgando a apelação acordou em revogar a decisão que não admitiu a apresentação pelo Autor de petição inicial corrigida junta com o requerimento de 03-12-2018, e admitindo a mesma anulou todo o processado posterior, determinando o prosseguimento dos autos com notificação dos réus da nova petição e ulterior tramitação, conforme for de direito.

A ré CC interpôs recurso de revista concluindo que:

 1) O Autor instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra a ora Recorrente e contra os também Réus BB DD e EE, Banco Comercial Português, S.A. e FF peticionando, além do mais: “b) declarar-se a nulidade por simulação e a impugnação pauliana e assim a ineficácia dos negócios jurídicos referidos supra nos artigos 18.º, 19.º, 20.º e 21.º” (…)

2) Decorre da Petição Inicial, designadamente do uso da locução “e” que o Autor formulou, no pedido, de forma expressa e a título principal a cumulação do pedido de impugnação pauliana com o pedido de declaração de nulidade por simulação, em cumulação real, facto que também é percetível do articulado da Petição Inicial através de diversas referências a esses dois pedidos (e.g. ou seja, nos artigo 18.º, 19.º, 20.º, 23.º, e 24.º alega factos respeitantes à simulação e nos artigos 25.º, 26.º da Petição Inicial alega factos respeitantes à simulação e a impugnação pauliana.

3) Na sequência da determinação do registo da ação como “ação de impugnação pauliana”, o Autor apresentou requerimento de reforma (cfr. requerimento de 20/11/2018, com a ref.ª : …….94), nos termos do qual, o Autor formulou de forma expressa e a título expresso nos Autos a cumulação do pedido de impugnação pauliana com o pedido de declaração de nulidade por simulação, em cumulação real, ou seja, mais uma vez, o Autor formulou de forma expressa e a título expresso nos Autos a cumulação do pedido de impugnação pauliana com o pedido de declaração de nulidade por simulação, em cumulação real, e não de forma subsidiária e declarou essa intenção de forma expressa nos Autos, nos seguintes termos: “1. A acção está configurada, além de impugnação pauliana, como de nulidade por simulação” (…)

4) Na sequência do citado requerimento de reforma apresentado pelo Autor foi proferido despacho de indeferimento, nele também se fazendo constar que: «O primeiro pedido formulado é de impugnação pauliana. A impugnação pauliana tem como efeito jurídico a ineficácia dos actos. Sem que tenha ainda sido cumprida a citação dos réus, este não é o momento próprio para conhecimento da questão, contudo desde já se adianta, ao abrigo do estatuído no art.º 7.º, do CPC (princípio da cooperação), afigurar-se ser substancialmente incompatível a cumulação, a título principal, daquele pedido com o pedido de nulidade por simulação do mesmo acto, sendo por si só gerador de ineptidão da petição inicial, passível de conhecimento oficioso [art.º 186º, n.º 2, al. c), do CPC e 196º, do CPC]» (cfr. conclusão de 26/11/2018).

5) O autor, apenas no seguimento desse Douto Despacho de 26/11/2018, é que veio apresentar aos Autos, o Requerimento de 03/12/2018, com a ref.ª 30877433, em causa nos Autos, nos termos do qual veio apresentar petição inicial corrigida, retirando a matéria dos pontos 19 e 20 da petição e requerer a ampliação do pedido constante da alínea b) do petitório, invocando se tratar de concretização e desenvolvimento do pedido primitivo.

6) No referido requerimento, requereu que dele passasse a constar: “apresentar petição inicial corrigida retirando os incisos alegados nos arts. 19.º e 20.º da  sua p.i.” – (…)-, “bem como alterar ampliando o pedido constante da al. b) do petitório constante da petição inicial, por se tratar de concretização e desenvolvimento do pedido primitivo, no sentido de dele passar a constar b) declarar-se a nulidade por simulação, ou, quando não assim, subsidiariamente, a impugnação pauliana e assim a ineficácia, dos negócios jurídicos referidos supra nos artigos 18.º, 19.º, 20.º e 21.º” (…) (cfr. Requerimento de 03/12/2018, com a ref.ª ……33).

7) Em 27/06/2019, foi proferido despacho que decidiu, em síntese, quanto à apresentação da nova petição inicial retirando a matéria dos pontos 19 e 20 da petição: “deve a apresentação da petição inicial “corrigida” ser indeferida, por processualmente inadmissível e não enquadrável no instituto da retificação de lapsos ou erros materiais”. Salienta o referido despacho que o autor não explicita qual o lapso em que incorreu nem qualquer fundamento de facto para requerer a retificação do alegado “lapso”, sendo que não há evidência de qualquer erro ou lapso manifesto, ostensivo ou identificável no seu contexto e como tal retificável. E por outro lado que seria inaplicável o invocado art.º 465.º, n.º 2, do Código de Processo Civil porquanto a matéria alegada pelo autor nos pontos 19º e 20º da p.i. não consubstancia qualquer confissão de factos, concluindo assim que a apresentação da petição inicial “corrigida” ser indeferida.

8) Desse despacho consta ainda quanto ao pedido de alteração (por invocada ampliação) do pedido constante da alínea b) do petitório, passando a constar “b) declarar-se a nulidade por simulação, ou, quando não assim, subsidiariamente, a impugnação pauliana” (…): “indefere-se a requerida alteração do segundo pedido formulado pelo autor”.

Considerou o Douto Tribunal de 1ª instância que a ampliação pretendida não traduz um desenvolvimento do pedido primitivo, mas materializa um pedido diverso nas suas consequências (pedidos cumulativos são distintos de pedidos subsidiários) indeferindo com esse fundamento a requerida ampliação.

Da nulidade da sentença/reforma da sentença por erro na determinação da norma aplicável e na qualificação jurídica dos factos e excesso de pronúncia:

9) Refere o Douto Acórdão proferido de que ora se recorre que “o objeto do recurso mostra-se circunscrito às seguintes questões: Violação das referidas normas legais dos artigos 260.º e 564.º, b), do Código de Processo Civil pelo despacho - ref. ……14 de 27-06-2019 - que não admitiu a nova petição inicial com alteração da causa de pedir e do pedido, apresentada apelo autor em 03-12-2019 e subsidiariamente, inexistência de contradição entre as causas de pedir e pedidos deduzidos mesmo considerando a petição inicial apresentada em primeiro lugar, contrariamente ao assim decidido pela Sentença recorrida”.

10) Sucede que, no citado Requerimento de 03/12/2018 (objeto do despacho de 27/06/2019) foram formulados pelo Autor dois pedidos distintos (não agregados), nos seguintes termos: - 1.º PEDIDO: “apresentar petição inicial corrigida retirando os incisos alegados nos arts. 19.º e 20.º da sua p.i.” (…) - 2.º PEDIDO: “alterar ampliando o pedido constante da al. b) do petitório constante da petição inicial, por se tratar de concretização e desenvolvimento do pedido primitivo, no sentido de dele passar a constar b) declarar-se a nulidade por simulação, ou, quando não assim, subsidiariamente, a impugnação pauliana” (…)

11) Ou seja, só após a prolação do despacho de 26/11/2018 – donde se retira a ineptidão da petição inicial, por cumulação ilegal de pedidos passível de conhecimento oficioso – veio o autor apresentar o citado Requerimento de 03/12/2018, cujo teor se deixa aqui reproduzido.

12) O Autor AA, veio nas Alegações de Recurso que apresentou junto do TR.., efetuar junto daquele Tribunal um pedido distinto daquele que efetuou na 1ª instância, ou seja, na 1ª instância veio “apresentar petição inicial corrigida retirando os incisos alegados nos arts. 19.º e 20.º da sua p.i” e “alterar ampliando o pedido constante da al. b) do petitório constante da petição inicial”, enquanto no Tribunal da Relação peticionou a “admissão de nova petição inicial com alteração da causa de pedir e do pedido”, designadamente nos pontos D) e G) das Alegações de Recurso do autor para o TR.. para cujo teor remete.

13) É manifesto que o Douto Tribunal ad quo, não poderia ter conhecido o Recurso, nos termos peticionados pelo Autor, porquanto o pedido formulado pelo autor nas alegações de recurso é diverso dos pedidos originalmente efetuados por aquele no seu requerimento de 03/12/2019.

14) Existem diferenças formais e consequentemente substanciais (até para efeitos de conhecimento do Recurso) entre o pedido efetuado pelo autor de requerer a ampliação do pedido ao abrigo do disposto no artigo 265.º, n.º 2 do CPC e a faculdade (invocada só na fase de recurso) de alterar o pedido e a causa de pedir antes da citação do réus, ao abrigo do disposto nos artigos 260.º e 564.º, alínea b) do CPC – que em nada corresponde ao pedido inicialmente formulado por aquele.

15) O douto Tribunal de 1ª instância, em 05/12/2018, com a ref.ª ……62, proferiu o seguinte despacho, “Relativamente à requerida retificação de lapso material, dispõe o art.º 146.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que “é admissível a retificação de erros de cálculo ou de escrita, revelados no contexto da peça processual apresentada” e que “deve ainda o juiz admitir, a requerimento da parte, o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados, desde que a falta não deva imputar-se a dolo ou culpa grave e o  suprimento ou a correção não implique prejuízo relevante para o regular andamento da causa”. Considerando o âmbito da retificação requerida, admite- se liminarmente o incidente. Na medida em que a citação dos réus já foi expedida, aguarde pelo prazo da contestação. Após, sendo junta contestação, notifique os réus, através dos respectivos mandatários, para se pronunciarem, querendo, no prazo de dez dias, sobre a requerida retificação. Notifique”.

16) E quanto à ampliação do pedido, o douto tribunal de 1ª instância, determinou “admite-se liminarmente o incidente deduzido. Na medida em que a citação dos réus já foi expedida, aguarde pelo prazo da contestação.

Após, sendo junta contestação, notifique os réus, através dos respectivos mandatários, para se pronunciarem, querendo, no prazo de dez dias”. 17) Resulta das alegações de recurso para o TR.. que, o autor baseou-se na preterição do disposto nos artigos 260.º, e 564.º, n.º 2 do CPC.

18) O autor não interpôs recurso do despacho de 05/12/2018, que com fundamento na expedição da citação dos réus, ordenou a notificação destes para se pronunciarem após a contestação, tendo-se conformado com os atos de expedição da citação dos réus e com o enquadramento jurídico efetuado pelo Douto Tribunal de 1ª instância ao abrigo dos institutos de retificação de lapso material e de ampliação do pedido previstos, respetivamente, nos artigos 146.º, n.º 2 e 265.º, n.º 2 do CPC.

19) Tendo o autor requerido a ampliação do pedido ao abrigo do disposto no artigo 265.º, n.º 2 do CPC, e tendo se conformado com o despacho de 05/12/2018, o autor renunciou ao recurso do enquadramento fáctico e jurídico efetuado pelo Tribunal de 1ª instância, ao abrigo dos artigos 146.º, n.º 2 e 265.º, n.º 2 do CPC, conformando-se com o mesmo, como também renunciou ao recurso com fundamento no disposto nos artigos 260.º e 564.º, alínea b) do CPC, conformou-se com os atos de expedição da citação dos réus e com o exercício do contraditório por parte destes.

20) Dá-se aqui por integralmente reproduzido, por uma questão de economia processual, quanto a este ponto, o alegado nos artigos 51.º a 62.º das conclusões das alegações de recurso, referidas supra.

21) O despacho de 26/11/2018, expressamente se explicitou: “Sem que tenha ainda sido cumprida a citação dos réus, este não é o momento próprio para conhecimento da questão, contudo desde já se adianta, ao abrigo do estatuído no art.º 7.º, do CPC (princípio da cooperação), afigurar-se ser substancialmente incompatível a cumulação, a título principal, daquele pedido com o pedido de nulidade por simulação do mesmo acto, sendo por si só gerador de ineptidão da petição inicial, passível de conhecimento oficioso [art.º 186.os , n.º 2, al. c), do CPC e 196.º, do CPC]. O autor, todavia, não aproveitando o vertido em sede do referido princípio, veio formular pedido de retificação da petição, quando nessa data, já tinham sido expedidas as cartas de citação para os réus (cfr. atos de expedição, de 03-12-2018), razão por que foi proferido o despacho de 05-12-2018”.

22) Ocorre assim, por parte do Douto Tribunal ad quo, erro na determinação da norma aplicável e na qualificação jurídica dos factos e excesso de pronúncia, ficando o acórdão proferido ferido de nulidade, o que, desde já, se invoca para todos os devidos efeitos legais artigo 615.º, n.º 1, alíneas d) e e), 616.º, n.º 2, alínea a) do CPC, devendo o mesmo ser revogado e em consequência ser proferida decisão a julgar improcedente o recurso interposto pelo autor.

Quanto à apresentação da nova petição inicial: inadmissibilidade do pedido e retificação:

23) É jurisprudência pacífica que o princípio contido no artigo 249.º do Código Civil - retificação de lapso manifesto - é aplicável a todos os actos processuais e das partes, desde que revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, caso em que é admissível a retificação do lapso material, embora tal retificação só seja admissível “quando o erro for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto: é preciso que, ao ler o texto logo se veja que há erro e logo se entenda o que o interessado queria dizer” (Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, de 15-01-2013, proc. 493/09.0TCFUN).

24) Decorre do disposto nos artigos 146.º do CPC e 249.º do Código Civil, que o Douto Tribunal ad quo só poderia admitir a correção de omissões ou vícios puramente formais, ou seja, cuja correção não afete o sentido substancial do pensamento expresso, ou que não produzam qualquer efeito jurídico-processual e, desde que, o erro seja ostensivo e evidente pela leitura do texto processual.

25) A correção peticionada pelo Autor não pode de modo algum ser deferida, já que, o Autor, além de não explicitar qual o lapso em que incorreu, também não apresenta qualquer fundamento de facto para requerer a retificação do alegado lapso, simplesmente veio “apresentar petição inicial corrigida retirando os incisos alegados nos arts. 19.º e 20.º da sua p.i.”, sem explicitar qual o erro ou lapso involuntário que o fez incorrer para incluir essa matéria no articulado e que não deveria ter sido incluído.

26) E quanto a isto, não se diga que se pode invocar, como faz o Douto Tribunal o disposto nos artigos 260.º e 564.º, al. b), ambos do mesmo Código, relativo à estabilidade da instância, nos termos do qual, “citado o réu”, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir.

27) Isto porque, a retificação de lapsos materiais manifestos não tem relação direta com este princípio, na medida em que, se lapso houver, for manifesto, decorrer do seu contexto, a retificação é admissível a todo o tempo, independentemente de o réu estar ou não citado.

28) Além de não ter sido invocado qualquer fundamento de facto para a pretendida correção, não é descortinável, qual erro de escrita “revelado no contexto da peça processual apresentada”.

29) Pelo contrário, há a alegação de uma determinada factualidade, com base na qual, integrada com o demais alegado e cujos pontos anteriores e posteriores se encontram conexos, o autor termina formulando um pedido, não havendo evidência de qualquer erro ou lapso manifesto, ostensivo ou identificável no seu contexto.

30) Conforme decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa (ac. 15-01-2013, proc. 493/09.0TCFUN.L1-1): o erro ou lapso “III- (…) só pode ser retificado (ao abrigo do cit. art. 249º do Código Civil) se for ostensivo, evidente e devido a lapso manifesto: é preciso que, ao ler o texto logo se veja que há erro e logo se entenda o que o interessado queria dizer (…). VI- Por outro lado, a faculdade de correção dos erros materiais manifestos verificados nas peças processuais destina-se, tão só, à correção de erros pontuais em que seja manifesta ou ostensiva a divergência entre a vontade expressa e a que se quis declarar”.

31) Com efeito, deve ser tida em conta a doutrina de Rui Pinto, em anotação ao artigo 146.º, Código de Processo Civil Anotado, Rui Pinto, Almedina, Vol. I, pp. 281- 283, supra transcrita e que se dá aqui por integralmente reproduzido.

32) Nesta conformidade, e independentemente de haver ou não citação, sempre a apresentação da petição inicial “corrigida” teria de ser indeferida, por processualmente inadmissível e não enquadrável no instituto da retificação de lapsos ou erros materiais, devendo ser revogado o douto acórdão.

Quanto à alteração (por invocada ampliação) do pedido: a consequente ineptidão da petição inicial decorrente da incompatibilidade substancial de causa de pedir e de pedidos e a insanabilidade do vício:

33) Conforme resulta do supra alegado, o autor, formulou ainda pedido de ampliação do pedido, pretendo que o pedido originário — “declarar-se a nulidade por simulação e a impugnação pauliana e assim a ineficácia dos negócios jurídicos  referidos supra nos artigos 18.º, 19.º, 20.º e 21.º (…)” seja alterado (ou ampliado) para a seguinte redação: “b) declarar-se a nulidade por simulação, ou, quando não assim, subsidiariamente, a impugnação pauliana e assim a ineficácia, dos negócios jurídicos referidos supra nos artigos 18.º, 19.º, 20.º e 21.º (…)”.

34) A ampliação do pedido traduz-se numa modificação objetiva da instância e constitui, segundo a jurisprudência, um acrescento, um aumento do pedido primitivo, ou seja, a ampliação do pedido só pode ser efetivada se for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, importando notar que o preceito concede essa faculdade “em qualquer altura”, ou seja, independentemente de ser antes ou depois de citados os réus e/ou de estes terem apresentado contestação.

35) A alteração do pedido foi formulada na sequência do despacho de 26/11/2018, com a ref.ª 104538709, supra referido, do qual decorre que o Douto Tribunal ad quo alertou o autor para a existência de ineptidão da Petição Inicial e quanto à possível apreciação oficiosa de ineptidão da petição inicial - exceção que, pela sua natureza, é insuprível.

36) A ampliação do pedido deve ser sempre perspetivada como sendo um aumento para mais da pretensão inicial, estando vedada a formulação de quaisquer pedidos alternativos ou subsidiários, por o limite de qualidade ou de nexo impõe que a ampliação a realizar esteja contida virtualmente no pedido inicial.

37) Analisado o pedido de ampliação efetuado pelo autor constata-se que, ao contrário do permitido por essa faculdade, o autor não pretender uma aumento/ampliação da petição inicial, para mais daquilo que foi pedido inicialmente, mas pelo contrário efetuou uma formulação de pedidos subsidiários, não contido no preceito legal.

38) Conforme tem sido assinalado na jurisprudência: No acórdão do Tribunal a Relação de Coimbra, de 17-11-2016, proc. 7072/15.1T8VIS-A.C1: “a ampliação do pedido não se destina a suprir eventuais ‘falhas’ da petição inicial; a ampliação do pedido, prevista no nº 2 do artº 265º do CPC, implica que o pedido ampliado seja um lógico incremento ou corolário do pedido inicial”

39) Também no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 12-03-2009, proc. 427/07.7TCSNT.L1-1 “a ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifique para mais”.

40) In casu, não se verificam os pressupostos de que depende o pedido de ampliação, na medida em que a ampliação pretendida não traduz um desenvolvimento do pedido primitivo, mas materializa um pedido diverso nas suas consequências (sendo certo que, pedidos cumulativos são distintos de pedidos subsidiários), que não foi formulado na ação, sendo que, inclusive altera a estrutura dos fundamentos (de facto e de direito) desta.

41) O acórdão recorrido parece obnubilar que o autor descreve factos que podem subsumir-se a qualquer um dos pedidos incompatíveis que formulou, nunca interpondo, quer na petição inicial, quer nos diversos requerimentos a posteriori que fez (vide supra), qualquer frase ou expressão donde se possa aferir a intenção de deduzir pedidos subsidiários, muito pelo contrário, dos articulados e requerimentos apresentados pelo autos, são utilizadas expressões de ligação como a  locução “e” que permitem concluir que o autor sempre pretendeu cumular os pedidos formulados.

42) Nem da fundamentação, nem da formulação dos pedidos constantes da Petição Inicial (e também posteriormente através do Requerimento de 20/11/2018) resulta expressamente qualquer ideia de subsidiariedade entre o primeiro e o segundo pedidos, estando muito pelo contrário claramente expressa a vontade do  autor de formular esses pedidos com a intenção de obter um resultado cumulativo: a procedência de ambos, através da utilização da coordenada copulativa “e” entre os dois pedidos da ação e da descrição de factos que podem subsumir-se a qualquer um dos pedidos incompatíveis (cfr. e.g. artigos 18.º, 19.º, 20.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º da Petição Inicial, bem como todo o conteúdo da Petição Inicial).

43) A vontade do Autor de não efetuar qualquer alteração e/ou correção na Petição Inicial e de bem assim de formular esses pedidos de forma cumulativa (e não subsidiária), alegando factos respeitantes a ambos os pedidos, acaba por ser admitido em sede de Alegações de Recurso para o TR.., já que é o próprio autor que alega no artigo 19.º que “em tal primeva petição inicial se alegam factos suficientes quer de uma simulação relativa de negócios de dação em cumprimento encobrindo negócios de doação quer de impugnação pauliana”.

44) A conclusão de que os pedidos são cumulativos consta da Petição Inicial onde  o autor expresse a sua vontade de que pretende os dois efeitos (incompatíveis) dos dois pedidos que deduziu, ao fazer constar a coordenada copulativa “e” entre os dois pedidos da ação.

45) Há neste processo, uma clara contradição substancial no objeto do processo, na causa de pedir e nos pedidos e nos fundamentos e facto e de direito (pedido de impugnação pauliana com o pedido de declaração de nulidade por simulação) e que é percetível ao longo de todo o articulado da Petição Inicial, cujos efeitos jurídicos se repelem e que são mutuamente incompatíveis e intrinsecamente inconciliáveis, sem que tenha sido estabelecido qualquer nexo de subsidiariedade entre tais factos, o que configura ineptidão da Petição Inicial, por incompatibilidade substancial das causas de pedir e dos pedidos, conforme entendimento da jurisprudência e da doutrina.

46) Diferente seria se o autor tivesse deduzido um pedido próprio da impugnação pauliana e em simultâneo um pedido de nulidade por simulação, sem que se diga expressamente que são cumulativos, ou seja, sem usar qualquer locução que determine a cumulação dos pedidos, como a locução “e”.

47) Nessa situação, é que existe jurisprudência, conforme refere o Douto Acórdão do TR.. de que ora se recorre, que permite a correção, por existir claramente um lapso, pois do texto da declaração e dos pedidos formulados na petição inicial não é expressa a ideia de subsidiariedade, mas também não é expressa a ideia de cumulação de pedidos.

48) Nessa situação, seria aplicável a doutrina ínsita no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 439/15.7T8VFR.P1 (que não é aplicável ao caso): “Nem da fundamentação nem da formulação dos pedidos resulta expressa a ideia de subsidiariedade entre o primeiro e o segundo. Mas não podemos deixar de dizer que também não está expressa a vontade do A. de apresentar as causas de pedir e os respetivos pedidos com intenção de obter um resultado cumulativo: a procedência de ambos. Contudo, manda a verdade que se diga que também não consta declaração que expresse a vontade do A. de que pretende os dois efeitos (incompatíveis) dos dois pedidos que deduziu. Não consta, por exemplo, a coordenada copulativa “e” entre os dois pedidos da ação”. “Assim, deve ser admitida a correção da pretensão da ação a pedido do autor no sentido de que, deduzido um pedido próprio da impugnação pauliana e, em simultâneo, um pedido de nulidade por simulação de um determinado ato negocial, sem que se diga expressamente que são cumulativos, o segundo é alternativo/subsidiário do primeiro.”.

49) Mas tal situação não corresponde à situação em causa nos Autos, já que nos presentes autos, e conforme resulta do enquadramento fáctico efetuado no primeiro ponto, o Autor não omitiu a expressão da ideia de cumulação ou de subsidiariedade, pelo contrário, formulou de forma expressa e a título expresso nos Autos a ideia de cumulação do pedido de impugnação pauliana com o pedido de declaração de nulidade por simulação, em cumulação real, e não de forma subsidiária e declarou essa intenção de forma expressa nos Autos, quer na petição inicial, através do uso da locução “e”, quer no requerimento de 20/11/2018, com a ref.ª : ……94 ao referir que “a acção está configurada, além de impugnação pauliana, como de nulidade por simulação”, quer, inclusive, em sede de Alegações de Recurso para o TR.., já que é o próprio autor que alega no artigo 19.º que “em tal primeva petição inicial se alegam factos suficientes quer de uma simulação relativa de negócios de dação em cumprimento encobrindo negócios de doação quer de impugnação pauliana”.

50) A situação dos presentes autos corresponde àquela que foi decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/12/10, processo n.º 2604/08.4TBADGD.C, nos termos do qual: “A incompatibilidade substancial de pedidos só existe se houver sido deduzida uma cumulação real de pedidos, não havendo qualquer obstáculo à dedução de pedidos subsidiários substancialmente incompatíveis (veja-se a primeira parte do nº 2, do artigo 469º do Código de Processo Civil). (…) No caso dos autos, o autor alegou, simultaneamente, factos integradores de uma simulação absoluta da compra e venda (…) e factos integradores da impugnação pauliana do mesmo negócio. (…) Assim, por tudo quanto se acaba de expor, é patente que os pedidos que o autor formulou, em cumulação real, se repelem mutuamente, sendo notório que quer as causas de pedir quer os pedidos que o autor formulou em cumulação real são substancialmente incompatíveis entre si, enfermando a petição inicial de ineptidão, por essa razão. A jurisprudência dos tribunais superiores, o acórdão de uniformização de jurisprudência nº 3/2001[15], do Supremo Tribunal de Justiça e a doutrina citadas pelo recorrente nas conclusões décima primeira a décima terceira e décima quinta das suas alegações de recurso são de todo impertinentes para o caso em apreço, pois respeitam a casos em que ocorreu erro na identificação do efeito jurídico correspondente à impugnação pauliana pretendida. Ora, no caso dos autos não há qualquer erro no efeito jurídico pedido, mas antes efeitos jurídicos adequados a cada uma das duas causas de pedir invocadas, sucedendo, porém, que quer as causas de pedir, quer os pedidos são entre si substancialmente incompatíveis. Não existe qualquer indício que quer as causas de pedir invocadas pelo autor, quer os pedidos por si formulados na petição inicial se achem numa qualquer relação de subsidiariedade, pelo que é forçosa a conclusão deque a petição inicial enferma de ineptidão por incompatibilidade substancial de causas de pedir e de pedidos”.

51) O autor formulou pedidos cumulativos (e não subsidiários), de declaração de nulidade por simulação e de pedido de ineficácia.

52) A ação de impugnação pauliana “não é uma ação de anulação nem creditícia, antes tendo como único objetivo que os atos jurídicos que precipitem o devedor na insolvência se tornem ineficazes em relação ao credor”; já diversamente, “nas ações de anulação é o ato que prejudica a garantia do credor que tem um vício interno gerador de invalidade. Na impugnação pauliana – que também não se destina a reagir contra a inércia do devedor, como na ação sub-rogatória – o ato está perfeito mas torna-se ineficaz por razões exógenas” (Ac. STJ, de 17-04-2012, proc. 261/2000.C1.S1).

53) O autor, nos termos em que configurou a ação (de impugnação pauliana) e nos termos em que deduziu os pedidos cumulativos de declaração de nulidade fundada na simulação que invoca ter ocorrido na celebração da escritura de dação em cumprimento em causa nos autos, formulou pedido contraditório com a causa de pedir e, por outro lado, formulou pedidos materialmente incompatíveis.

54) A impugnação pauliana não visa a declaração de nulidade de qualquer acto que alegadamente tenha sido praticado em prejuízo do credor, pois o ato em si mesmo é válido, apenas sendo de alegar os factos correspondentes à verificação dos seus pressupostos para que seja declarado ineficaz em relação ao credor (e, nessa medida, os bens apesar de validamente transmitidos, respondem pelas dívidas do devedor ou transmitente, até ao limite do crédito do impugnante, sendo o ato ineficaz apenas relativamente ao impugnante), razão por que este instituto romano visa permitir que os atos jurídicos alegadamente praticados pelo devedor que impossibilitem a sua solvabilidade, sejam declarados ineficazes em relação ao credor (cfr. Paulo Cunha, Da Garantia das Obrigações, I, p. 323 e art.º 616.º, n. os 1 e 4 do Código Civil: “1 — Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei. (…) 4. Os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido””.

55) Totalmente diverso é o regime da nulidade por simulação, sendo esta uma divergência intencional entre a vontade real e a vontade declarada dos outorgantes, realizada por acordo entre estes e no intuito de enganar terceiros (art.º 240.º, n. os 1 e 2, do Código Civil).

56) A consequência da procedência da arguição da simulação é a nulidade do ato e não a ineficácia (nos termos do disposto no art.º 289.º, n.º 1, do Código Civil, “a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroativo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”), razão por que não pode o autor peticionar, cumulativamente, a nulidade da dação em cumprimento, por simulação e a simples ineficácia em relação a si, fundada na impugnação pauliana que, conforme supra enunciado, tem pressupostos distintos (com repercussão no ónus probatório das partes)”.

57) Diferente seria se o autor, tendo alegado factos em sede de causa de pedir exclusivamente enquadráveis na impugnação pauliana, terminasse peticionando a declaração de nulidade ou anulação.

58) Nessa situação, seria aplicável a doutrina ínsita no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, n.º 3/2001 de 23-01-2001, nos termos do qual, “tendo o autor, em ação de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou anulação do ato jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (artigo 616.º, n.º 1, do Código Civil), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia”.

59) Tal não sucedeu in casu, na medida em que, por um lado, a causa de pedir formulada é um misto de factos referentes à impugnação pauliana e outros referentes à invocação de simulação (e.g. artigo 18.º, 19.º, 20.º, 23.º, 24.º, 25.º,

26.º da Petição Inicial) e, por outro lado, o autor formula também o pedido de declaração de ineficácia, mas cumulativamente a título principal.

60) Na fundamentação da petição inicial não há uma discriminação absoluta entre as duas causas de pedir, mas evidenciam-se claramente, por grupos, os artigos que se repostam a uma e a outra, havendo outros artigos que são necessariamente comuns a ambas. A matéria da simulação está descrita sob os artigos 12.º a 26.º, no que à matéria de facto diz respeito; a restante constante dos artigos 21.º, 23.º, 24.º, 25.º e 26.º respeita à impugnação pauliana.

61) Este enquadramento não constitui, aliás, qualquer surpresa para o autor, pois aquando da prolação do despacho de 13-11-2018 — quando ainda não tinha sido expedida qualquer carta de citação aos réus — o Tribunal consignou que “a presente ação está configurada, pelo próprio autor, como de impugnação pauliana”, ao que o autor formulou novo requerimento (ref.ª ……..94), no qual expressamente voltou a reiterar que “a ação está configurada, além de impugnação pauliana, como de nulidade por simulação”.

62) E o que é inepto não admite sequer convite ao aperfeiçoamento, pelo que não tendo, nesse momento, sido sequer promovida a citação dos réus, ainda seria admissível ao autor desistir da instância sem carecer de aceitação das partes demandadas e instaurar nova ação aproveitando os efeitos da presente, designadamente na sequência do despacho de 26- 11-2018, em que expressamente se explicitou: “Sem que tenha ainda sido cumprida a citação dos réus, este não é o momento próprio para conhecimento da questão, contudo desde já se adianta, ao abrigo do estatuído no art.º 7.º, do CPC (princípio da cooperação), afigurar-se ser substancialmente incompatível a cumulação, a título principal, daquele pedido com o pedido de nulidade por simulação do mesmo acto, sendo por si só gerador de ineptidão da petição inicial, passível de conhecimento oficioso [art.º 186.ºs , n.º 2, al. c), do CPC e 196.º, do CPC]. O autor, todavia, não aproveitando o vertido em sede do referido princípio, veio formular pedido de retificação da petição, quando nessa data, já tinham sido expedidas as cartas de citação para os réus (cfr. atos de expedição, de 03-12- 2018), razão por que foi proferido o despacho de 05-12-2018”.

63) Ainda que por mera hipótese de raciocínio se admitisse a requerida ampliação do pedido (o que só se admite por mera cautela), sempre existiria ineptidão da Petição Inicial por incompatibilidade substancial das causas de pedir e dos pedidos (cfr. Acórdão do TRC de 14/12/2010, processo n.º 2604/08.4TBAGD.C1), já que, autor descreve factos que podem subsumir-se a qualquer um dos pedidos incompatíveis que formulou e deduz na Petição  inicial, em simultâneo, pedidos incompatíveis de declaração de nulidade com fundamento em simulação absoluta, do cancelamento do registo, de declaração de ineficácia dos mesmos negócios, a fim de o poder executar no património dos alegados obrigados à restituição, sem que exista qualquer subsidiariedade entre tais pedidos.

64) Verifica-se, no caso apreço, não apenas incompatibilidade processual ou formal exigida pelo artigo 555.º do CPC, cuja consequência seria a absolvição dos Réus da instância, mas também uma incompatibilidade substancial das causas de pedir e dos pedidos e dos fundamentos de facto e de direito – pois que o Autor, com base nos mesmos factos, peticiona a declaração de nulidade com fundamento em simulação e a impugnação pauliana – insuscetível de fundar à luz do Direito e das consequências jurídicas advenientes, uma eventual procedência dos pedidos formulados na Petição Inicial, e que sempre deverá dar lugar à improcedência total dos pedidos formulados contra os Réus.

65) A pretensão deduzida pelo Autor de, com o mencionado Requerimento, suprir a manifesta deficiência da Petição Inicial é processualmente inadmissível, pois que a nulidade decorrente da ineptidão por cumulação de causas de pedir e de pedidos substancialmente incompatíveis é insuscetível de sanação, por qualquer dos meios processuais legalmente admissíveis, e nomeadamente por meio da invocada ampliação do pedido.

66) A lei processual civil prevê a sanação da ineptidão da petição inicial no caso de ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, sempre que o réu contestar, arguindo essa ineptidão e, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial (artigo 193.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

67) Nos restantes casos de ineptidão, este vício é insuprível, pelo que, ao contrário do alegado no Douto Acórdão de que ora se recorre, o vício existente na petição inicial que ofereceu não era passível de ser sanado mediante a prévia prolação de despacho a convidar ao seu suprimento (cfr. Tribunal da Relação de Coimbra de 14/12/10, processo n.º 2604/08.4TBADGD.C).

68) Ressalvado o devido respeito, e seguindo o entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/12/10, processo n.º 2604/08.4TBADGD.C, a espécie jurisprudencial citada no Douto Acórdão de que ora se recorre respeitante ao Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 2ª edição, Coimbra Editora 2008, da autoria de José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, na página 349, não é, como aí se escreveu de falta de causa de pedir, nem de falta de pedido, conforme se decidiu no acórdão citado, mas antes um caso em que o pedido foi incorrectamente formulado na narração da petição inicial, não tendo sido deduzido de forma especificada na conclusão da petição inicial. Ora, esse caso, como já há muito se defendia na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 84, páginas 138 e 139, não integra ineptidão da petição inicial, tanto mais que inexiste norma legal a impor a dedução do pedido na conclusão da petição (veja-se o artigo 467º, nº 1, alínea e), do Código de Processo Civil), sendo certo, contudo, que é mais perfeita a peça processual em que a formulação do ou dos pedidos surja na conclusão da petição.”

69) Nestes termos e com os fundamentos supra enunciados, deve ser revogado o douto acórdão proferido, e em consequência, indeferida, a requerida alteração do segundo pedido formulado pelo autor.

Subsidiariamente, quanto ao de Recurso de Revista com fundamento na contradição de acórdãos da Relação:

70) A Revista é admissível, uma vez que a decisão proferida pelo Douto Tribunal admite recurso nos termos do disposto no 629.º, n.º 1 do CPC.

71) Considera a ora Recorrente que, no caso dos presentes Autos, encontram-se preenchidos o requisito da alínea d) que torna admissível a presente revista por contradição de julgados.

72) Isto porque, por Douto Acórdão de Tribunal da Relação de Coimbra de 14/12/10, processo n.º 2604/08.4TBADGD.C, devidamente transitado em julgado, e que ora se junta, foi decidido que 1. A articulação na petição inicial de factos integradores de simulação absoluta de uma compra e venda de um imóvel, bem como de factos integradores de impugnação pauliana da mesma compra e venda sem que seja estabelecido qualquer nexo de subsidiariedade entre tais complexos de factos, integra ineptidão da petição inicial por incompatibilidade substancial de causas de pedir. 2. A dedução na petição inicial, em simultâneo, de pedidos de declaração de nulidade de certo negócio com fundamento em simulação absoluta, de cancelamento do registo de aquisição do imóvel objecto do negócio arguido de nulo por simulação absoluta, de cancelamento de registos de constituição de hipotecas a favor de entidade bancária sobre o mesmo imóvel e de declaração de ineficácia do mesmo negócio de compra e venda relativamente ao autor, a fim de o poder executar no património dos obrigados à restituição, sem que exista qualquer subsidiariedade entre tais pedidos, integra ineptidão da petição inicial por incompatibilidade substancial de pedidos. 3. A ineptidão da petição inicial por incompatibilidade substancial de causas de pedir e de pedidos é insuprível.

73) Ou seja, naquele processo n.º 2604/08.4TBADGD.C foi decidido que: “A incompatibilidade substancial de pedidos só existe se houver sido deduzida um acumulação real de pedidos, não havendo qualquer obstáculo à dedução de pedidos subsidiários substancialmente incompatíveis (veja-se a primeira parte do nº 2,  o artigo 469º do Código de Processo Civil). No caso dos autos, o autor alegou, simultaneamente, factos integradores de uma simulação absoluta da compra e venda (…) e factos integradores da impugnação pauliana do mesmo negócio (…) A nulidade derivada de simulação absoluta, sendo declarada, como já vimos, tem efeito retroactivo, implicando a restituição do que tiver sido prestado (artigo 289º, nº 1, do Código Civil), pelo que, no caso em apreço, determinaria que o imóvel vendido retornasse à esfera jurídica dos vendedores. Pelo contrário, a procedência da impugnação pauliana, relativamente ao mesmo negócio, deixaria intocados os efeitos translativos desse negócio, apenas permitindo ao credor autor na acção em que foi peticionada a impugnação desse negócio, a execução do bem objecto do negócio na esfera jurídica do seu adquirente e em sua exclusiva satisfação (artigo 616º, nº 4, do Código Civil. É assim patente a incompatibilidade destas causas de pedir se deduzidas em cumulação real, pois que os efeitos de uma e outra se repelem mutuamente.

74) Consta ainda do processo n.º 2604/08.4TBADGD.C que foi decidido: “No entanto, no caso dos autos, o autor além da dedução simultânea de causas de pedir que mutuamente se repelem, formulou pedidos que mutuamente se excluem, que não podem ser satisfeitos simultaneamente, sem violação do princípio da não- contradição. Se a compra e venda celebrada a 28 de Junho de 2004 enferma de nulidade não pode, simultaneamente, enfermar de ineficácia relativa no que respeita o autor pois que isso seria admitir que o mesmo negócio, simultaneamente, não produzisse e produzisse alguns dos efeitos jurídicos a que tendia. Por outro lado, a declaração de nulidade implica o reingresso do imóvel alienado na esfera jurídica dos alienantes, enquanto a impugnação pauliana procedente apenas permite ao credor autor da impugnação procedente a execução do bem alienado, na esfera jurídica do adquirente. Finalmente, operando a declaração de nulidade do negócio, devem ser cancelados os registos fundados nesse título (artigo 13º do Código do Registo Predial), ressalvada a hipótese de protecção de terceiros de boa fé (artigos 243º e 291º, do Código Civil e 17º do Código do Registo Predial). Ao invés, no caso de proceder a impugnação pauliana do mesmo negócio, os registos efectuados com base no negócio impugnado mantêm-se.

75) Conclui-se no citado processo n.º 2604/08.4TBADGD.C que “assim, por tudo quanto se acaba de expor, é patente que os pedidos que o autor formulou, em cumulação real, se repelem mutuamente, sendo notório que quer as causas de pedir quer os pedidos que o autor formulou em cumulação real são substancialmente incompatíveis entre si, enfermando a petição inicial de ineptidão, por essa razão. A jurisprudência dos tribunais superiores, o acórdão de uniformização de jurisprudência nº 3/2001[15], do Supremo Tribunal de Justiça e a doutrina citadas pelo recorrente nas conclusões décima primeira a décima terceira e décima quinta das suas alegações de recurso são de todo impertinentes para o caso em apreço, pois respeitam a casos em que ocorreu erro na identificação do efeito jurídico correspondente à impugnação pauliana pretendida. Ora, no caso dos autos não há qualquer erro no efeito jurídico pedido, mas antes efeitos jurídicos adequados a cada uma das duas causas de pedir invocadas, sucedendo porém que quer as causas de pedir, quer os pedidos são entre si substancialmente incompatíveis.

Não existe qualquer indício que quer as causas de pedir invocadas pelo autor, quer os pedidos por si formulados na petição inicial se achem numa qualquer relação de subsidiariedade, pelo que é forçosa a conclusão deque a petição inicial enferma de ineptidão por incompatibilidade substancial de causas de pedir e de pedidos”.

76) Pelo contrário no Douto Acórdão proferido nos presentes autos, foi decidido revogar a decisão da 1ª instância que não admitiu a apresentação pelo Autor de petição inicial corrigida junta com o requerimento de 03-12-2018, e admitindo-se a mesma anular todo o processado posterior, determina-se o prosseguimento dos autos com notificação dos réus da nova petição e ulterior tramitação, conforme for de direito.

77) Ou seja, no Douto Acórdão proferido nos presentes autos, foi decidido que “nos casos de incompatibilidade substancial de pedidos deduzidos cumulativamente, o tribunal possa convidar a parte a escolher o pedido que efetivamente quer ver apreciado, ou ordenar numa relação de subsidiariedade os pedidos cumulativamente deduzidos, sanando-se assim a incompatibilidade substancial verificada. Ora, o que se verificou nos autos é que na petição inicial apresentada em primeiro lugar, o autor peticionava na alínea b) do petitório, que se declarasse a nulidade por simulação da dação em pagamento e da constituição de hipoteca referidos nos artigos 18.º, 19.º, 20.º e 21.º daquele articulado e concomitantemente, sem ordenação de subsidiariedade, se declarasse a ineficácia dos negócios jurídicos como decorrência da impugnação pauliana. Na petição inicial “corrigida” apresentada em segundo lugar a alteração pretendida em termos de pedido cinge- se ao pedido formulado na alínea b) do petitório constante da petição inicial, e resume-se a introduzir uma ordenação de subsidiariedade entre os pedidos de declaração de nulidade por simulação da dação em pagamento e o pedido de declaração de ineficácia desse mesmo negócio jurídico como decorrência da impugnação pauliana, que na petição inicial apresentada em primeiro lugar eram formulados cumulativamente sem qualquer ordenação de subsidiariedade.  Conforme já referido esta modificação objetiva do pedido tem sido aceite, a convite do tribunal com apoio no disposto nos no artº 6º/2) e artº 554º/2) ambos do CPC.

Mas se é admissível a convite do tribunal, nada obstava a que o autor, antecipando-se ao convite do tribunal nesse sentido introduzisse a referida alteração, conquanto ocorresse antes do encerramento da discussão em 1ª instância, salvo perturbação inconveniente da instrução, discussão e julgamento. Assim que a referida alteração seria por isso também admissível à luz dos referidos preceitos legais”.

78) Existe, assim, uma verdadeira contradição de julgados, uma vez que no Douto Acórdão proferido pelo TR.., no âmbito dos presentes autos sustenta-se que nos casos de ineptidão da petição inicial por incompatibilidade substancial de pedidos deduzidos cumulativamente, (autor peticionava na alínea b) do petitório, que se declarasse a nulidade por simulação da dação em pagamento e da constituição de hipoteca referidos nos artigos 18.º, 19.º, 20.º e 21.º daquele articulado e concomitantemente, sem ordenação de subsidiariedade, se declarasse a ineficácia dos negócios jurídicos como decorrência da impugnação pauliana), o tribunal possa convidar a parte a escolher o pedido que efetivamente quer ver apreciado, ou ordenar numa relação de subsidiariedade os pedidos cumulativamente deduzidos, sanando-se assim a incompatibilidade substancial verificada, e pelo contrário, no Acórdão proferido no processo n.º 2604/08.4TBADGD.C, sustenta-se que a articulação na petição inicial de factos integradores de simulação absoluta de uma compra e venda de um imóvel, bem como de factos integradores de impugnação pauliana da mesma compra e venda sem que seja estabelecido qualquer nexo de  subsidiariedade entre tais complexos de factos, integra ineptidão da petição  nicial por incompatibilidade substancial de causas de pedir e que a ineptidão da petição inicial por incompatibilidade substancial de causas de pedir e de pedidos é insuprível.

79) É, assim, evidente a existência a existência de uma total contradição entre o Acórdão de que ora se recorre e o Acórdão proferido no processo n.º 2604/08.4TBADG D.C, sobre a mesma matéria, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de Direito, sendo que sobre este assunto, não existe qualquer Acórdão uniformizador de jurisprudência.

80) Por estes motivos, é admissível o presente Recurso de Revista, ao abrigo dos fundamentos e da legislação citada.

81) Assim, em face do exposto, deverá o Douto Acórdão de que ora se recorre  ser revogado e alterado por outro que confirme a decisão da 1ª instância, e com os  fundamentos supra enunciados, indefira a requerida apresentação de petição inicial de alegada “correção” e indefira a requerida alteração do segundo pedido formulado pelo autor – o que se requer e uniformize jurisprudência no sentido que “articulação na petição inicial de factos, e pedidos integradores de simulação absoluta, bem como de factos integradores de impugnação pauliana, em cumulação real, sem que seja estabelecido qualquer nexo de subsidiariedade entre tais complexos de factos, não é passível de ser sanado mediante a prévia prolação de despacho a convidar ao seu suprimento e integra ineptidão da petição inicial por incompatibilidade substancial de causas de pedir, devendo os réus serem absolvidos da instância”.

O autor contra-alegou defendendo a confirmação da decisão recorrida e a improcedência da revista.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… …

 Fundamentação

Os factos que servem a decisão são os constantes do relatório, nomeadamente os que conferem a cronologia dos atos processuais, com indicação das datas dos requerimentos e dos despachos sobre eles proferidos, bem como dos respetivos teores, razão pela qual se dispensa aqui a sua repetição sem embargo de a eles virmos a fazer referência por transcrição na medida em que a exposição decisória revelar necessária a sua transcrição.

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 O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O conhecimento das questões a resolver, delimitadas pelas conclusões, importa em saber se a petição inicial oferecida em 3.12.2018, nas alterações que comporta à anteriormente apresentada, deve ou não ser admitida.

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A elaboração do relatório em termos tão discriminados pretendeu permitir, desde logo pela cronologia e natureza dos atos praticados, a abordagem clara e exata ao objeto do recurso e desfazer o que consideramos o equívoco central das suas conclusões, várias vezes repetido, sem que essa repetição tenha contribuído para minimizar, iludir ou esclarecer realidade do que cumpre apreciar e decidir.

Diz-se a recorrente ré nas alegações/conclusões de revista que o autor nas suas alegações de apelação, e só aí, apresentou um pedido distinto daquele que formulou em primeira instância, esforçando-se depois a recorrente por sublinhar que no tribunal a quo “apresentou petição inicial corrigida retirando os incisos alegados nos arts. 19.º e 20.º da sua p.i” e “alterou ampliando o pedido constante da al. b) do petitório constante da petição inicial”, enquanto no Tribunal da Relação teria peticionado, no entender da recorrente, a “admissão de nova petição inicial com alteração da causa de pedir e do pedido”.

É este o ponto que a recorrente elege como essencial da sua fundamentação recursiva, importando deixar desde já respondido que não é exato o que diz e que, uma vez desfeito esse equívoco torna-se clara a resposta à questão objeto do recurso.

Da cronologia exposta, verificamos que o autor apresentou petição inicial contendo na al. b) o pedido de declaração da nulidade por simulação e a impugnação pauliana e assim a ineficácia dos negócios jurídicos referidos (…)”

Porque nessa mesma petição o autor havia requerido que o tribunal a quo procedesse oficiosamente ao registo da ação, tendo sido indeferido esse requerimento, o demandante solicitou a reforma deste despacho de indeferimento, que teve como resposta um novo despacho do tribunal a quo indeferindo o pedido de reforma e deixando nota nessa decisão de que  ainda não tinha sido cumprida a citação dos réus “adiantando” igualmente afigurar-se ser substancialmente incompatível a cumulação, a título principal, do pedido de nulidade por simulação e o de impugnação pauliana  o que seria gerador de ineptidão da petição inicial.

É na sequência deste despacho que o autor vem apresentar nova petição inicial ou petição inicial corrigida, (sendo indiferente a designação que se use, como veremos adiante), retirando os arts. 19.º e 20.º desse articulado– e alterando o pedido formulado em b) do qual passou a constar declarar-se a nulidade por simulação, ou, quando não assim, subsidiariamente, a impugnação pauliana e assim a ineficácia, dos negócios jurídicos referidos, juntando formalmente um novo articulado de petição que replica a anterior com exceção da exclusão dos pontos 19 e 20 e da redação do ponto b) do pedido que vem alterada no sentido da subsidiariedade dos pedidos e não da cumulação.

Finalmente, por despacho proferido após ter sido apresentada essa nova petição, o tribunal a quo veio configurar essa apresentação como uma retificação de lapso material e uma ampliação do pedido que se traduziria em incidente, tendo ordenado que depois da citação ainda não realizada dos réus fossem estes, a seguir, notificados para se pronunciarem, tendo este incidente tido conclusão com o despacho de 27-6-2019 que indeferiu a apresentação de petição inicial de 3-12-2018.

Uma primeira evidência feita constar na decisão recorrida, mas que as conclusões de recurso pretendem desconsiderar é a de a nova petição inicial (apresentada em 3-12-2018) contendo a alteração do pedido cumulativo de nulidade por simulação e de impugnação pauliana para pedido subsidiário de nulidade por simulação ou de impugnação pauliana e assim a ineficácia dos negócios jurídicos referidos, ter sido apresentada num momento em que os réus ainda não tinham sido citados. E uma segunda evidência processual é a de, à data da apresentação desta nova petição não ter o tribunal a quo proferido qualquer decisão no sentido de haver julgado inepta a petição inicial (o que só vem a ocorrer em 20-12-2019).

Em verdade, o único significado útil que pode extrair-se do despacho de 26-11-2018 é o do indeferimento do pedido de reforma da decisão que anteriormente havia indeferido o registo oficioso da ação, e nada mais. São destituídos de valor jurídico de decisão os considerandos ou advertências que aí se tenham deixado vertidos no sentido de existir uma situação que seria enquadrável como incompatibilidade dos pedidos deduzidos e geradora de ineptidão, podendo dizer-se que nessa decisão o julgador, não decidindo, deixou o prognóstico do que iria decidir mais tarde. Só que esta quase prognose de decisão futura não declara, não decide, qualquer ineptidão ou irregularidade dessa peça processual valendo apenas como observação excrescente e prenunciadora do que os termos da ação, no estado em que estava nesse momento, faziam prever um desfecho de nulidade de todo o processo por ineptidão.

Advertido por essa observação feita constar nesse despacho (ou por discernimento jurídico autónomo dela), o autor, antes de estarem os réus citados, veio, entretanto, a proceder à alteração do pedido conformando-o de regularidade subsidiária e não cumulativa, subtraindo dos factos os antes inscritos nos arts. 19 e 20 e expurgando a petição inicial dos vícios que, tendo sido sinalizados, se diziam ir determinar, a seu tempo, a nulidade de todo o processo.

Posto isto e resolvido o equívoco de se querer configurar que o autor só nas conclusões de recurso corrigiu a petição inicial apresentada, alterando o pedido e extraindo dois artigos do articulado, este esclarecimento resolve, em simultâneo, a alusão que a recorrente faz a que existiria excesso de pronúncia por a Relação ter conhecido de matéria que lhe estava vedada. Afirma ela que, não obstante em 3.12.2018 o autor ter apresentado um novo articulado inicial, não se pode aceitar este como uma nova petição, mas apenas de uma retificação de erros materiais e uma ampliação/alteração do pedido como o entendeu o tribunal em primeira instância. Isto é, por razões puramente semânticas (o que chamar à realidade), defende a recorrente que o Tribunal da Relação ao aludir à apresentação como nova petição, pronunciando-se sobre ela, estava a exceder a sua medida de pronúncia porque, afinal, só podia tratar da alteração do pedido ou da retificação do articulado inicial consistente na extração de dois dos seus artigos, ou seja, do mesmo, porém, com outro nome. Ora, dito outra vez, a questão que se coloca que se coloca é a de saber se a alteração da petição inicial que a autora realizou em 3-12-2018, apresentando um novo articulado integral (no qual inclui o pedido final de registo oficioso da ação pelo tribunal e que já tinha sido indeferido) é admissível ou não e isso era o objeto da apelação não se tendo excedido, minimamente, o Tribunal da Relação nesse conhecimento. E quanto a essa questão, adiantando a nossa posição, a resposta é afirmativa e confirma a decisão recorrida.

A primeira e única indicação normativa de que nos podemos socorrer é a contida no art. 260º onde se dispõe que “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.” Sabendo-se que este consagra o princípio da estabilidade da instância dele decorre que é a citação do réu, e só a citação do réu, que torna estáveis os elementos essenciais da causa, elementos que são os sujeitos, a causa de pedir e o pedido - art. 564 al. b) do CPC. Assim, no que se refere à petição inicial, esse princípio da estabilidade da instância enunciado permite que antes de efetuada a citação, ato definidor da imutabilidade dos elementos essenciais da causa, é admissível a apresentação de nova petição, demandar outros réus, modificar o pedido ou alterar a causa de pedir – vd. A. Varela/J. M. Bezerra/ Sampaio e Nora – Manual de Processo Civil, 2ª edição págs. 278.

Como expressamente refere Alberto dos Reis “a instância fica iniciada com o ato da propositura da ação; mas só se fixa com o ato da citação do réu. Enquanto este não for citado, a situação é de instabilidade” - Comentário, 3º, pág. 66 -. E também, em igual direção aponta Lebre de Freitas para quem “(…) A instância é inicialmente conformada pelo autor na petição inicial, nos seus elementos subjectivos (“quanto às pessoas”) e objectivos (pedido fundado numa causa de pedir). Até ao momento da citação, o autor pode ainda alterar a conformação por si efectuada, mediante modificação dos sujeitos ou do objecto da acção, sem prejuízo da não retroactividade dos efeitos da proposição que se reportem apenas à nova petição que apresente. A citação do réu fixa os elementos definidores da instância, que seguidamente só é alterável na medida em que a lei o permita.” - Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2014, pág. 505.

Esta exposição torna decisivo o argumento segundo o qual a decisão recorrida entendeu que deveria ser negado provimento ao recurso e que a eventual existência de causa de ineptidão da petição inicial pode ser corrigida pelo autor antes da citação dos réus sem qualquer obstáculo, o que determina a irremediável improcedência da revista.

Sabendo-se que o conhecimento completo do objeto do recurso, sem padecimento de omissão, se basta com a apreciação das concretas questões ou pretensões que devesse apreciar e que as questões a resolver significam as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal não se confundindo com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia, no caso em decisão a única questão a decidir é a que já se deixou supra decidia e que se resume em saber se é admissível ou não a apresentação da nova petição inicial por parte do autor em 3-12-2018.

Embora supérfluo, de acordo com o afirmado anteriormente, sempre referiremos que os argumentos suscitados pela recorrente a propósito de ser ou não admissível a alteração/ampliação do pedido ou a retificação de lapsos materiais dos articulados, não obstante o seu esforço logicidade são irrelevantes, porquanto, tal indagação apenas poderia colocar-se se a presentação da nova petição inicial com as alterações referidas tivesse ocorrido depois da citação dos réus , isto é depois de estabilizada a instância, e tal não ocorreu.

A decisão recorrida, num exercício de generosidade argumentativa e ex abundanti, depois de decidida a questão objeto do recurso tenha exorbitou e questionou, já em academismo de hipótese a situação que ocorreria no caso de a citação dos réus já ter sido realizada, defendendo que nessa circunstância se deveria admitir a petição alterada ao abrigo do dever de gestão processual do juiz contido no art. 6 nº 2 por referência ao art. 554 nº 2 ambos do CPC. Todavia, mantemos que esse excurso suplementar é de todo acessório uma vez que a verificada ausência de citação dos réus torna desnecessário todo e qualquer argumento auxiliar para aceitar a alteração introduzida na petição inicial pelo autor. Em verdade, o estabelecimento do dever de gestão processual se cria um paradigma de aproveitamento material do processo no sentido de o juiz o conduzir à sua finalidade de justa composição do litígio, apartando o formalismo cominatório que veja em todas as falhas processuais das partes motivos para impossibilitar o avanço do processo, esse dever de gestão processual não impediria, no entanto, o juiz de aguardar o momento oportuno para julgar inepta a petição inicial. O art. 6 nº 1 do CPC, ao referir expressamente que o dever de gestão não exime as partes ao impulso processual que lhes esteja especialmente imposto, autoriza o julgador a entender que, quanto esteja em causa uma correção que pode significar obviar à ineptidão, não lhe cabe acionar mecanismos de remediação. Mas essa não é, como observado na decisão recorrida, a única interpretação que pode fazer-se desse princípio uma vez que desse preceito se extrai igualmente a possibilidade inversa, isto é, a de o tribunal diligenciar no sentido da correção dessa natureza.

O que é inquestionável e não matéria de amplitude interpretativa, que nem sequer a decisão em primeira instância afronta, evitando apenas aludir a esse normativo, é que, no caso, a solução para admitir a alteração, correção, retificação ou apresentação de nova petição, como quer que se queira chamar, está em momento anterior, naquele em que, não tendo sido ainda realizada a citação dos réus, o autor alterou a petição inicial ao abrigo do art. 260 do CPC. Não tem igualmente valor acrescido a sub hipótese académica, que a decisão recorrida se consente, no sentido de indagar se a alteração produzida pelo autor consubstanciou ou não uma alteração da causa de pedir ou se o nº 6 do art. 265º do CPC, permitindo a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir comtemplaria a situação em apreciação. Uma vez mais, não é necessário argumentar nas periferias do objeto do recurso quando no momento em que o autor realizou a alteração da petição inicial tal lhe era inteiramente permitida e sem restrição. Em resumo, a alteração realizada em 3-12-2018 pelo autor à petição inicialmente apresentada, seja como alteração ou retificação de erros materiais seja com que designação se queira chamar-lhe, era legalmente admissível e por isso não há distinção de regime consoante a tipificação que se quisesse atribuir a essa modificação.

 Nesta conformidade, improcedem na totalidade as conclusões de recurso devendo ser negado provimento ao mesmo.

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 Síntese conclusiva

-  Até à citação do réu, o autor pode alterar a conformação da ação por si realizada anteriormente na petição inicial que apresentou, na extensão que entender, mediante modificação dos sujeitos ou do objeto da ação, sendo admissível apresentar nova petição, demandar outros réus, modificar o pedido ou alterar a causa de pedir.

- Tendo o autor apresentado antes da citação dos réus nova petição inicial na qual altera os pedidos formulados de cumulativos para subsidiários ou dá sem efeitos dois artigos do articulado inicial, tal é-lhe permitido sem que o tribunal a quo possa opor, como indeferimento, que essas modificações são matéria de incidente que obriguem previamente à citação dos réus e a que estes se pronunciem sobre a matéria da alteração.

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 Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista e, em consequência, conformar a decisão recorrida

Custas pela recorrente.


 Lisboa, 17 de novembro de 2021


Cons. Manuel Pires Capelo (relator)

Cons. Tibério Nunes da Silva

Cons. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza